Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47/22.6T8SSB.E2
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
QUESTÕES NOVAS INVOCADAS EM FASE DE RECURSO
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE LOCADOR
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova
2 – Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas e assim o Tribunal da Relação não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
3 – O artigo 1057.º do Código Civil regula a transmissão da posição do locador, consagrando o princípio-regra de que a situação jurídica do locatário subsiste, não obstante a alienação do direito com base no qual o contrato foi celebrado, havendo unicamente uma modificação subjectiva quanto à pessoa do locador.
4 – De harmonia com o artigo 406.º do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, devendo todas as cláusulas contratuais devem ser observadas.
5 – O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 47/22.6T8SSB.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Competência Genérica de Sesimbra – J2
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Admissão de documentos:
As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º [1] [2] ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Da articulação lógica entre os artigos 651.º, n.º 1, 423.º e 425.º do Código de Processo Civil resulta que a junção excepcional de documentos na fase de recurso depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
Existe um entendimento generalizado no sentido de recusar a junção de documentos para prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova[3], não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado [4].
Não estamos documentos objectivamente supervenientes. E na superveniência subjectiva só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento [5].
Quanto ao elemento surpresa Abrantes Geraldes sustenta que podem ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[6].
Tendo presente a data de emissão dos documentos e a forma como o Autor alicerçou acção não estão presentes na presente situação os elementos que permitam enquadrar a situação na esfera de previsão do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil, posto que não é admissível a junção da documentação em causa, tal como preconizou a parte recorrida na sua resposta ao recurso.
Notifique.
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
No presente procedimento especial de despejo proposto por “(…) – Comércio de (…), Lda.” contra “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.”, a Autora veio interpor recurso da decisão final.
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A Autora pretendia que fosse declarado o despejo do imóvel, sito na EN n.º 378, (…), Sesimbra, sendo desocupado e restituído livre de pessoas e bens à Requerente.
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Devidamente citada, a Requerida deduziu oposição, suscitando as questões da nulidade da citação e da inadmissibilidade da instauração do presente procedimento especial de despejo por não observância dos necessários requisitos.
A parte passiva defendeu ainda que o contrato de arrendamento não caducou e está em vigor até 30 de Janeiro de 2028 ou quando muito até, pelo menos, até 28 de Agosto de 2026.
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A Autora foi notificada para exercer o contraditório sobre as excepções invocadas na Oposição, não o tendo feito e nem impugnou os documentos juntos com o referido articulado.
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Realizada a audiência final, o Tribunal a quo decidiu julgar a acção especial de despejo improcedente, absolvendo do pedido de despejo a Requerida/Oponente “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.”.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes alegações, aliás extensas e prolixas e que, na sua essencialidade, transportam praticamente toda a matéria alegada para o resumo conclusivo [7] [8] [9] [10] [11]:
«I – A presente acção de despejo assenta no pedido de que seja reconhecida como válida a oposição à renovação ao contrato de arrendamento, que impediria a sua renovação em 1 de Setembro de 2020 uma vez que o contrato teve o seu início em 1 de Setembro de 1996, com a duração de 6 anos, renováveis.
II – A Recorrida deduziu oposição alegando que o prazo do contrato se tinha alterado, no decurso do mesmo, para 15 anos, e que a oposição à renovação do contrato, efectuada para o dia 1 de Setembro do ano de 2020, não era lícita.
III – Realizado o julgamento, sem prévio despacho que fixasse a matéria objecto de prova, a douta sentença, que julgou a acção improcedente, começou por considerar provada diversa matéria, alguma da qual nem sequer corresponde a factos alegados e com a qual não se concorda.
IV – A Recorrente entende que a douta sentença nunca poderia dar como provado o que referiu nos pontos 6, 9, 10, 11, 14, 22, 24, 25, 26 e 27, pelas razões que se indicam, sumariamente:
V – No ponto 6 diz-se que foi estipulada uma renda mensal de 400$00 que mais tarde foi fixada em 1.500,00 euros.
VI – O fundamento do despejo nenhuma relação tem com a renda, nem as partes poderiam, discutir, nesta sede, o seu valor, sendo certo que a sua fixação ou não é irrelevante para uma boa decisão da causa, nem sequer sob forma instrumental.
VII – Por esta razão, esta matéria – valor da renda – nem deveria ser quesitada.
VIII – De qualquer forma, o valor da renda só pode ser o que resulta da clausula terceira do contrato de arrendamento celebrado a 28.08.1996 e junto aos autos.
IX – Tal contrato refere que a renda foi fixada em quatrocentos contos, o que corresponde a 400.000$00 e não 400$00 que hoje corresponde, por força da adaptação do escudo ao euro, a 2.000 euros.
X – Trata-se, seguramente de um erro material da douta sentença, que deve ser corrigido.
XI – As referências nos autos ao valor de 1.500 euros de renda encontram-se melhor explicadas no acórdão proferido por esta douta Relação de Évora (1ª Secção Cível), em 12 de Janeiro de 2022, que se juntou aos autos e resultam do facto da actual inquilina do locado ser uma sociedade comercial e como tal ter ficado sujeita a, por força do disposto no artigo 94.º, n.os 1, c) e 4, do CIRC a reter na fonte 25% do valor da renda (500 euros) para entregar às Finanças, obrigação que o primitivo inquilino, Sr. (…), por ser uma pessoa singular, não tinha.
XII – Assim, a entender-se que o valor da renda do locado tem interesse para decisão da causa, deve o quesito 6 passar a ter a seguinte redacção: 6. Foi estipulada uma renda mensal de 400.000$00, a que correspondem actualmente 2.000,00 euros.
XIII – Já quanto ao ponto 9 a douta sentença afirma que: O prazo do contrato de arrendamento é de 15 (quinze) anos.
XIV – Sendo esta a matéria a decidir na acção de despejo, e não resultando tal prazo do contrato de arrendamento celebrado, o texto deste quesito, por contrariar o texto do contrato de arrendamento será uma conclusão e, como tal, não pode ser objecto de quesitação.
XV – Nenhuma das partes alegou tal facto, nem o mesmo decorre de qualquer documento.
XVI – A douta sentença indica que tal conclusão resultou da análise da documentação junta aos autos pela Recorrida, com a sua oposição mas não indica que documentação é essa.
XVII – De qualquer forma, resulta da clausula primeira o contrato de arrendamento, datado de 28 de Agosto de 1996, que foi celebrado por escritura pública e que não foi impugnado que o prazo do arrendamento fixado foi de 6 (seis) anos.
XVIII – A Recorrida não alegou que o prazo do contrato de arrendamento fosse de 15 anos, mas sim que, depois de fixado um prazo de 6 anos, o mesmo foi alterado para 15 anos.
XIX – Tendo em atenção o que as partes alegaram, o que estará em causa neste ponto será, seguramente, indicar qual o prazo fixado no contrato de arrendamento de 28 de Agosto de 1996 e que foi de 6 anos.
XX – Só depois de conhecido e fixado esse prazo se poderá fixar se o mesmo foi ou não alterado.
XXI – O documento denominado Aditamento ao Contrato de Arrendamento e datado de 2 de Dezembro de 1996, único documento escrito apresentado pela Recorrida do qual pode decorrer uma alteração ao prazo do arrendamento, teria sido subscrito, em representação da senhoria (…), pelo Sr. (…).
XXII – O Sr. (…) foi ouvido nos autos na sessão de 24/10/22 com início às 11:10 h. e fim às 11:56 h. e na sessão de 12/01/23 com início às 10:50 h. e fim às 11:51 horas.
XXIII – Em ambas as sessões, aos minutos referidos no texto principal destas alegações, a referida testemunha afirmou, de forma convincente, que nunca assinou tal documento e que a sua assinatura e o reconhecimento da mesma foram falsificados.
XXIV – A douta sentença recorrida não tomou posição quanto ao depoimento desta testemunha quanto a este documento, mas considerou que, em relação a um outro (contrato promessa de sublocação), a assinatura aí aposta como sendo a da testemunha era falsa.
XXV – As testemunhas (…) e (…), a primeira ouvida na sessão de 2/12/2022 com depoimento iniciado às 11,37 h. e fim às 11,59 h. e a segunda ouvida na sessão de 7/11/2022 com depoimento iniciado às 11,22 h. e fim às 11,56 h., não tiveram intervenção no documento e nunca declararam ter tido conhecimento do mesmo.
XXVI – Tal documento não consta da lista de documentos que foram elencados pelo Administrador de Falência no requerimento que juntou aos autos de Falência e que se encontra nos autos sob a referência numero 6647414 do Citius.
XXVII – Nunca a Recorrida, em momento anterior, nomeadamente em 16 de Outubro de 2017, quando recebeu a notificação judicial avulsa que corresponde à comunicação de oposição à renovação do contrato enviada pela Recorrente, invocou a existência de tal documento ou outro que alterasse o prazo do arrendamento.
XXVIII – O depoimento da testemunha (…) seria suficiente para descredibilizar o documento e o seu conteúdo, tanto mais que, sendo um documento de 1996 é, nestes autos, que surge pela primeira vez.
XXIX – De qualquer forma, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, b), do RAU, em vigor na altura nos termos do disposto no artigo 12.º do CC, do disposto no artigo 221.º, n.º 2, do CC e do artigo 80.º, n.º 2, l), do Código do Notariado na versão em vigor na altura (DL n.º 40/96, de 7/05), os contratos de arrendamento comercial e as suas alterações teriam que ser realizados por escritura pública, o que não é o caso do dito documento.
XXX – A sua não observância afecta a validade do documento, já que a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei (artigo 220.º do Código Civil).
XXXI – Invalidade que, inspirada em razões de interesse e ordem pública, é invocável pela Recorrente e que o pode ser a todo o tempo por qualquer interessado e que até pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286.º do Código Civil).
XXXII – Mas mesmo que assim não se entendesse, por fixar um prazo de duração do arrendamento superior a 6 anos, nos termos do disposto no artigo 2.º m) do Código do Registo Predial, o contrato em causa passaria a estar sujeito a registo predial e como tal sujeito, também, a escritura pública, o que, como se sabe, não ocorreu.
XXXIII – Neste caso, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 4, do RAU a consequência seria a ineficácia do prazo aí fixado, por ultrapassar o prazo máximo de 6 anos previsto no Registo Predial e a sua inoponibilidade a terceiros, como a Recorrente.
XXXIV – Por falta de fundamentação, por ser absolutamente contrário à prova apresentada (contrato de arrendamento e depoimento de …) e por assentar num acto nulo, a matéria provada no ponto 9 deve ser alterada para: O prazo do contrato de arrendamento é de 6 (seis) anos, com renovações automáticas por períodos iguais.
XXXV – Quanto ao ponto 10 a douta sentença afirma que: O prazo do contrato designado por “Contrato de Promessa de Arrendamento” é de 15 (quinze) anos.
XXXVI – Nos autos não existe qualquer documento designado por “Contrato de Promessa de Arrendamento”.
XXXVII – O único contrato promessa que foi junto aos autos é um contrato promessa de sublocação junto pela Ré sob o número 3.
XXXVIII – Esse documento indica, na sua clausula 4.ª, n.º 1, que a sublocação prometida será celebrada pelo prazo de 1 ano.
XXXIX – Esta matéria nenhum relevo tem para a decisão desta causa e não existe qualquer interesse em quesitar a mesma, contudo, se o contrário for entendido, por falta de fundamentação e por ser absolutamente contrário à prova apresentada (contrato promessa de sublocação), a matéria provada no ponto 10 deve ser alterada para: O prazo do contrato promessa de sublocação junto aos autos era de um ano, com renovações automáticas por períodos iguais.
XL – No ponto 11 da douta sentença o Tribunal indicou: A Requerente (…) – Comércio de (…), Lda., reconhece a existência do contrato de promessa de sublocação do mesmo referido imóvel, datado de 30 de janeiro de 1998, em que terão sido intervenientes, pelo menos, (…), e a Requerida/Oponente, (…) – Mediação Imobiliária, Lda..
XLI – Nenhum interesse terá para uma boa decisão desta causa a matéria inscrita neste quesito.
XLII – Além disso, o mesmo apenas contém uma conclusão e não indica o tempo e o modo como o dito reconhecimento terá ocorrido.
XLIII – A testemunha (…), um dos outorgantes do dito documento, ouvida nos autos na sessão de 24/10/22 com início às 11:10 h. e fim às 11.56 h., referiu que não tinha assinado tal documento.
XLIV – Não foi feita qualquer prova do alegado “reconhecimento” de existência, tanto mais que, na data em que a Recorrente adquiriu o imóvel há muito tinha cessado tal relação de sublocação e o arrendamento com o Sr. (…).
XLV – A ter interesse em tratar tal matéria, o ponto 11 da matéria provada deveria ter a seguinte redacção: Com data de 30 de Janeiro de 1998, (…) e a Requerida/Oponente, (…) – Mediação Imobiliária, Lda. celebraram um contrato de promessa de sublocação do mesmo referido imóvel, do qual a Requerente tem conhecimento, pelo menos da primeira página.
XLVI – Quanto ao ponto 14 a douta sentença indicou: E tendo sido nomeado administrador da insolvência (…), este em comunicação ao Tribunal, datada de 25 de julho de 2003, logo reconhecia a existência de arrendamento com base no aludido contrato de promessa de sublocação datado de 30.01.1998.
XLVII – O que resulta do documento com a referência 6647414 que a Recorrida juntou aos autos e que a douta sentença refere na sua página 12 é o Administrador, em comunicação ao Tribunal, datada de 25 de julho de 2003, remeteu aos autos de insolvência um contrato de promessa de sublocação datado de 30.01.1998 e que esse e outros documentos foram entregues pelo gerente da aqui Ré em 14 de Julho de 2003.
XLVIII – Ou seja, do conhecimento desse documento não resulta o reconhecimento por tal Administrador da existência de um arrendamento diferente do que aquele que foi junto aos autos pela Recorrente.
XLIX – A ter interesse em tratar tal matéria, o ponto 14 da matéria provada deveria ter a seguinte redacção: E tendo sido nomeado administrador da insolvência (…), este em comunicação ao Tribunal, datada de 25 de julho de 2003, remeteu aos autos, entre outros, um contrato de promessa de sublocação datado de 30.01.1998.
L – Relativamente ao indicado no ponto 22: Posteriormente a Massa Insolvente da (…), sempre recebeu as rendas que por esta sociedade foram sendo pagas, à razão de 1.500,00 euros.
LI – O facto da Recorrida pagar à massa falida da (…) 1.500 euros por mês e desta os receber, por força da disposição fiscal já citada, apenas confirma que a renda era de 2.000 euros, porque a retenção na fonte legal era de 500 euros.
LII – A prova do pagamento das rendas teria que assentar em documentos, recibos ou comprovativos de pagamento, e ter uma indicação temporal.
LIII – Assim, este ponto, sem que tenha sido feita prova documental de que ocorreu uma redução na renda e sem a junção de recibos de renda ou comprovativos do seu pagamento, apenas pode dar como provado o seguinte: A Massa Insolvente da (…), Lda. recebeu rendas pagas pela sociedade (…), Lda. com o valor líquido de 1.500,00 euros.
LIV – Referente à matéria do ponto 24 a douta sentença refere que: Notificação que repete em 3 de novembro de 2015, através de carta desse dia dirigida à referida sociedade (…) – Mediação Imobiliária, Lda..
LV – Não existe nos autos qualquer prova documental desse facto e nenhuma das testemunhas referiu a existência dessa notificação.
LVI – Assim, tal ponto deve ser removido da matéria provada.
LVII – Quanto ao ponto 25, a douta sentença refere: Quando a Autora, (…) – Comércio de (…), Lda., tinha conhecimento da existência de todos os aludidos contratos de arrendamento e designado por contrato de promessa de sublocação, e dos respetivos adiamentos.
LVIII – Para fundamentação desta prova a douta sentença referiu que adquiriu esta convicção na documentação neles (pontos 22 a 25) referida constante do presente procedimento especial de despejo, e que foi confirmada pelas testemunhas (…) e (…).
LIX – Contudo não é referida a que documentação se refere e nos autos não existe qualquer documentação que demonstre tal facto e nenhuma das testemunhas indicadas teve qualquer contacto com a Recorrente ou referiu conhecer o facto indicado tanto mais que na data em que o imóvel foi adquirido as mesmas já não estavam em funções e a Recorrente nem sequer foi parte nos autos de Falência.
LX – Assim, deve ser retirado o ponto 25 da matéria provada.
LXI – O ponto 26 da matéria provada refere que: Em 2 de dezembro de 1996, (…) e a (…) – Pneus e Lubrificantes, Lda., representada então por … (cuja assinatura foi devidamente reconhecida) celebraram um outro escrito que designaram de Aditamento ao Contrato de Arrendamento.
LXII – Para fundamentação desta prova a douta sentença referiu que a mesma decorre do facto da Recorrente não ter, atempadamente, impugnado tal documento.
LXIII – A falta de impugnação de um documento não faz do mesmo um meio de prova absoluta.
LXIV – De resto, quanto a este assunto remete-se para a fundamentação apresentada nestas alegações quanto ao ponto 9.
LXV – A testemunha (…), um dos alegados outorgantes do dito documento, foi ouvido nos autos na sessão de 24/10/22 com início às 11:10 h. e fim às 11.56 h. e na sessão de 12/01/23 com início às 10:50 h. e fim às 11.51 h..
LXVI – Em ambas as sessões, aos minutos referidos no texto principal destas alegações, a referida testemunha afirmou, de forma convincente, que nunca assinou tal documento e que a sua assinatura e o reconhecimento da mesma foram falsificados.
LXVII – O Tribunal a quo deveria ter tomado em conta este depoimento, seja para o considerar seja para o desconsiderar, o que não foi feito.
LXVIII – Assim, sem a assinatura de uma das partes (…), nunca a douta sentença poderia ter dado como provado que o dito documento se encontrava por essa parte assinado e como tal incapaz de vincular a senhoria.
LXIX – De qualquer forma, por falta de forma legal, tal como acima foi referido quanto ao ponto 9, tal documento sempre seria nulo no que respeita a qualquer alteração ao contrato de arrendamento que eventualmente se quisesse extrair do mesmo.
LXX – Assim, deve ser retirado o ponto 26 da matéria provada.
LXXI – Quanto ao ponto 27 a douta sentença refere: Mas em 20 de Maio de 1998 Fernando Agostinho Jorge de Oliveira, a sociedade ora Opoente, e a sociedade (…) – Pneus e Lubrificantes, Lda. celebraram um novo contrato, que as partes, desta feita, designaram de, Aditamento ao Contrato Promessa de Sublocação celebrado em 30 de Janeiro de 1998, onde declararam que: ....
LXXII – A douta sentença reconhece, em relação a outro contrato, nomeadamente ao contrato promessa que este documento visava alterar, em iguais circunstâncias, que o mesmo não tinha sido assinado pelo Sr. (…).
LXXIII – Muito se estranha que, em relação a este outro documento, com iguais características e também com as declarações da testemunha (…), que declarou que nunca assinou tal documento e que não o conhecia, a douta sentença, sem qualquer consideração adicional, considere o mesmo como legítimo e com a assinatura de quem obrigava a (…), Lda..
LXXIV – Assim, deve ser retirado o ponto 27 da matéria provada.
LXXV – Entende a Recorrente que a douta decisão deveria ter dado como provados os seguintes factos alegados pela Recorrente na sua p.i.:
a) O contrato de arrendamento tem o prazo de 6 (seis) anos, com renovações automáticas por períodos iguais;
b) A ultima renovação contratual ocorreu a 1 de setembro de 2014.
LXXVI – Isto porque, o contrato de arrendamento que a Recorrente juntou aos autos e único celebrado entre as partes, tem o prazo de 6 (seis) anos, com renovações automáticas por períodos iguais.
LXXVII – Este facto é inegável e encontra-se provado por documento autêntico que não foi impugnado por qualquer das partes e até foi aceite pela Recorrida.
LXXVIII – No que respeita à data da última renovação do contrato, tal matéria é apenas um cálculo aritmético que só depende da data de início do contrato de arrendamento e dos prazos das suas renovações.
LXXIX – Nenhum dos documentos apresentados pela Recorrida nos autos tem características de conteúdo ou forma que a lei considere válido para uma alteração ao contrato de arrendamento celebrado em 28 de Agosto de 1996, muito menos quanto ao prazo de duração do mesmo de 6 para 15 anos.
LXXX – Na altura da celebração do contrato de arrendamento, ano de 1996, e para regular os contratos de arrendamento comerciais, nomeadamente quanto à sua forma, estavam em vigor o Código Civil na sua 29ª versão com a redacção dada pelo DL 68/96, de 31/05, o RAU na sua 6ª versão, dada pelo DL 257/95, de 30/09, o Código do Registo Predial na sua 12ª versão dada pelo DL 67/96, de 31/05 e o Código do Notariado na versão dada pelo Dec.-Lei n.º 40/96, de 7 de Maio.
LXXXI – Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, b), do RAU, em vigor na altura nos termos do disposto no artigo 12.º do CC, do disposto no artigo 221.º, n.º 2, do CC e do artigo 80.º, n.º 2, l), do Código do Notariado, na versão em vigor na altura (DL 40/96, de 7/05), os contratos de arrendamento comercial e as suas alterações teriam que ser realizados por escritura pública.
LXXXII – Assim, qualquer alteração ao contrato de arrendamento celebrado em 28 de Agosto de 1996, realizada no âmbito da legislação acima citada, só seria válida teria que ser realizada por documento lavrado em escritura pública.
LXXXIII – Todos os documentos apresentados pela Recorrida nos autos, pela data neles aposta, cabem dentro da legislação acima referida e nenhum deles foi celebrado por escritura pública.
LXXXIV – Estando em equação um contrato de arrendamento comercial, a forma prescrita (escritura pública) sempre seria exigida.
LXXXV – A sua não observância afecta a validade dos documentos da Recorrida, já que a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei (artigo 220.º do Código Civil).
LXXXVI – Invalidade que, inspirada em razões de interesse e ordem pública, é invocável pela Recorrente e que o pode ser a todo o tempo por qualquer interessado e que até pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286.º do Código Civil).
LXXXVII – Mas mesmo que assim não se entendesse, por fixar um prazo de duração do arrendamento superior a 6 anos, nos termos do disposto no artigo 2.º, m), do Código do Registo Predial, o contrato em causa passaria a estar sujeito a registo predial e como tal sujeito, também, a escritura pública, o que, como se sabe, não ocorreu.
LXXXVIII – Neste caso, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 4, do RAU, a consequência seria a ineficácia do prazo aí fixado, por ultrapassar o prazo máximo de 6 anos previsto no Registo Predial e a sua inoponibilidade a terceiros, como a Recorrente.
LXXXIX – Uma modificação do prazo ou outras condições essenciais de um contrato de arrendamento comercial celebrado por escritura pública em 1996 não pode ser demonstrada por prova testemunhal de terceiros, não intervenientes nas negociações da modificação, outorgantes da modificação ou que tenham assistido a tais modificações.
XC – Nenhuma das testemunhas ouvidas declarou ter lido os documentos ou ter tido conhecimento da sua integração nos autos de falência.
XCI – A única alteração que a Massa Insolvente da anterior senhoria, com consequências legais e efectivamente demonstrada e confessada, foi a alteração da posição da inquilina que passou do Sr. (…) para a sua sociedade, (…), Lda.
XCII – Nunca antes desta acção foi invocada uma alteração do prazo do arrendamento, nem sequer em 2017 quando a Recorrida foi notificada da oposição à renovação.
XCIII – Assim, nenhuma declaração expressa ou tácita foi emitida pelas senhorias que levasse a ser considerada uma aceitação de alteração de prazo contratual.
XCIV – Tão pouco tal matéria foi objecto de alegação, muito menos de prova.
XCV – Além disso, a considerar-se que o contrato de arrendamento dos autos (1996) foi alterado em relação ao seu prazo e que o mesmo passou a 15 anos, o mesmo nunca terminaria em 30 de Janeiro de 2028, mas sim em Agosto de 2026.
XCVI – Além disso, se nada do que antes se disse for atendido, é notório que a Recorrida age, nesta acção, em manifesto abuso de direito, na modalidade de supressio.
XCVII – Por não ter, desde pelo menos 2017 data em que teve conhecimento de que a senhoria considerava como prazo de contrato os 6 anos, comunicado a existência do alegado acordo de alteração do prazo do contrato, a Recorrida criou na Recorrente a convicção de que não iria invocar essa limitação à oposição à renovação.
XCVIII – Vir apresentar, agora, essa limitação, mesmo que seja válida (aditamento ao contrato) revela que a Recorrida agiu em manifesto abuso de direito e que tal argumentação não poderá ser considerada nesta acção.
XCIX – A sentença do Tribunal a quo nunca poderia ter considerado o despejo improcedente com o fundamento de que o prazo do arrendamento tivesse sido alterado de 6 para 15 anos.
C – A douta sentença violou o disposto nos artigos 410.º, 413.º, 414.º, 574.º, n.º 2, 607.º, 609.º do CPC, artigos 94.º, n.os 1, c) e 4, do CIRC, 220.º, 221.º, n.º 2, 226.º, 286.º do CC, artigo 7.º, n.º 2, b) e n.º 4, do RAU, em vigor na altura nos termos do disposto no artigo 12.º do CC, do artigo 80.º, n.º 2, l), do Código do Notariado, na versão em vigor na altura (DL n.º 40/96, de 7/05), o artigo 2.º, m), do Código do Registo Predial, na sua 12ª versão dada pelo DL n.º 67/96, de 31/05.
Face ao exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue o despejo procedente por oposição ao prazo de renovação do contrato de arrendamento».
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A parte contrária apresentou alegações, que não foram admitidas, mas a referida decisão foi revogada por acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 24/01/2024. Nessa resposta a parte recorrida pugna pela improcedência do recurso interposto.

Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Apesar da sua exagerada extensão, analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
i) erro na avaliação da matéria de facto.
ii) erro de julgamento na subsunção jurídica realizada.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada:
Com pertinência para a decisão da causa a Primeira Instância considerou provado o seguinte:
1. A Requerente “(…) – Comércio de Motos, Lda.” é proprietária do imóvel sito na EN 378, (…), freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo n.º (…) e na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), da mesma freguesia.
2. A Requerente, “(…) – Comércio de Motos, Lda.” adquiriu o referido imóvel em 17/02/2016, por compra na massa falida “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.”.
3. Por via disso a Requerente “(…) – Comércio de (…), Lda.” assumiu a qualidade de senhoria no contrato de arrendamento celebrado a 28 de Agosto de 1996 entre a “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.” e (…), que teve início em 1 de Setembro de 1996.
4. O referido contrato de arrendamento teve por objecto o arrendamento do rés-do-chão direito com três divisões (estação de serviço) e duas arrecadações, o primeiro andar com duas divisões (escritório), instalação sanitária e corredor, cave com quatro divisões para armazém e rés-do-chão tardoz com duas divisões, refeitório e alpendre.
5. O local foi arrendado para o comércio automóvel.
6. Foi estipulada uma renda mensal de 200.000$00 (duzentos mil escudos), que mais tarde foi fixada em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros)[12].
7. A Requerente notificou a Requerida/Oponente “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.”, através de notificação judicial avulsa concretizada a 16/10/2017, da oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, em 01/09/2020, com a indicação do dever da Requerida/Oponente entregar à Requerente, em 31/08/2020, o imóvel arrendado.
8. A Requerente efectuou o pagamento do imposto de selo respeitante ao arrendamento em causa.
9. O prazo do contrato de arrendamento é de 15 (quinze) anos.
10. O prazo do contrato designado por “Contrato de Promessa de sublocação” é de 15 (quinze) anos[13].
11. A Requerente “(…) – Comércio de Motos, Lda.” reconhece a existência do contrato de promessa de sublocação do mesmo referido imóvel, datado de 30 de Janeiro de 1998, em que terão sido intervenientes, pelo menos, (…) e a Requerida/Oponente, “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.”.
12. Neste contrato as partes declararam que:
“A. em 28 de Agosto no cartório notarial de Almada foi celebrado um contrato de arrendamento comercial no qual a sociedade terceira outorgante (a sociedade …) tema qualidade de senhoria e o 1.º outorgante (…) tem a qualidade de Inquilino.
B. O objecto do contrato de arrendamento é parte do prédio urbano (que identificaram como sendo sito em …, freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …).
C. Do dito contrato de arrendamento consta uma cláusula que autoriza a sublocação do locado.
E que por isso
“Se ‘Celebra o presente contrato de sublocação que as partes nas posições e qualidades em que intervém submetem as seguintes cláusulas de conteúdo preceptivo”.
Cláusula 1.ª
O primeiro outorgante promete subarrendar e o 2.º Outorgante tomar de subarrendamento relativamente ao prédio descrito no pressuposto B, um restaurante, quatro salas, correspondentes a estação de serviço, mecânica e duas salas contiguas e instalações sanitárias, dois mil metros quadrados de logradouro na frente do edifício, quatro salas no primeiro andar e garagem com três divisões e na retaguarda do edifício umas instalações para secção de pintura e bate chapa com logradouro,
Cláusula 2.ª
O Subarrendamento agora prometido será reduzido a escritura pública, à qual será celebrada e outorgada até Março de 1999.
Cláusula 3.ª
1. A 3ª Outorgante declara, expressa e inequivocamente, que conhece o conteúdo do presente contrato e que autoriza a sublocação prometida, renunciando ao direito de pedir a resolução do arrendamento primitivo e principal com invocação do fundamento de sublocação.
2. A 3.ª Outorgante declara, finalmente que, se o 1.º Outorgante vier, por qualquer razão, forma ou motivo, a extinguir o contrato ou se o mesmo for declarado judicialmente resolvido ou extinto, reconhecerá, desde logo e automaticamente a 2.ª outorgante como nova e única arrendatária, nos termos do contrato de arrendamento celebrado entre si e o 1.º outorgante.
3. O 1.º outorgante declara que, autoriza o 2.º outorgante, a ceder, a terceiros, o todo ou em partes.
Cláusula 4.ª
Acordam o 1.º e o 2.º outorgantes que o contrato de sublocação definitivo, conterá as seguintes clausulas.
a) – a sublocação (adiante contrato) terá o início em 30 de Janeiro de 1998 será celebrada pelo prazo de 1 (um) ano e renovar-se-á automaticamente, por períodos de um ano. (…).”
Cláusula 5.ª
(…);
13. Por sentença transitada em julgado de 7 de Abril de 1999 a “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.” foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 121/1998 do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
14. E tendo sido nomeado administrador da insolvência (…), este em comunicação ao Tribunal, datada de 25 de Julho de 2003, logo reconhecia a existência de arrendamento com base no aludido contrato de promessa de sublocação datado de 30/01/1998.
15. Em 5 de Fevereiro de 2001 a Massa Falida da “(…) – Pneus e Lubrificantes Lda.” apresenta uma acção declarativa contra (…) cujo pedido foi o seguinte:
“Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser declarado resolvido o contrato de arrendamento em causa e o Réu condenado no despejo imediato do locado e ainda ao pagamento de rendas vencidas e vincendas, bem como dos juros de mora à taxa legal de 7% até efetivo despejo, com custas e condigna procuradoria”.
16. A acção veio a ser julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido.
17. Inconformado com a decisão proferida a massa Insolvente recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa o que deu origem ao processo n.º 2766/06-1, onde se deu provimento ao recurso e decretou a resolução dos contratos de arrendamento.
18. O qual vem a ser confirmado pelo Acórdão do Venerando STJ.
19. No âmbito do Acórdão da Relação de Lisboa confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi decretada a resolução do contrato de arrendamento em crise nos autos, isto é, do contrato de arrendamento que havia sido celebrado em 28 de Agosto de 1996.
20. A Massa Insolvente da “(…), Lda.” vem então instaurar uma acção executiva para entrega de coisa certa, ou seja, do imóvel em questão, que veio a terminar em sede de audiência preliminar com a desistência do pedido por parte da exequente, na sequência dos embargos de terceiro intentados pela ora Oponente, onde ficou assente o seguinte, em 21 de Março de 2013:
“Iniciada a presente audiência, e após a discussão da causa com vista a conciliação das partes, foi pedida a palavra pelo ilustre mandataria da embargada e tendo-lhe sido concedida no seu uso disse que a embargada reconhece a existência e validade do contrato de sublocação celebrado com a embargante na data de 30 de Janeiro de 1998.
Mais foi declarado pelo senhor Liquidatário que não tem neste momento poderes para acordar com a embargante os termos finais relativos à manutenção do referido contrato, uma vez que necessita de auscultar a comissão de credores que se encontra constituída no processo de falência da “(…)”.
21. De seguida o Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Atento o reconhecimento por parte da embargada da existência de um contrato de locação valido e eficaz,” oponível ao direito que a exequente queria fazer valer em sede de execução para entrega de coisa certa, inútil se torna o prosseguimento dos presentes autos e, bem assim, dos autos de execução. Nestes termos, porque a continuação da ação executiva e dos presentes embargos se mostra desprovida de utilidade, julgo-as extintas por inutilidade superveniente da lide, e de acordo com o disposto no artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, e, em consequência, determino o arquivamento dos respetivos autos”.
22. Posteriormente a Massa Insolvente da (…), sempre recebeu as rendas que por esta sociedade foram sendo pagas, à razão de € 1.500,00.
23. Em 9 de Junho de 2015, (…), na qualidade de administrador da massa insolvente da “(…), Lda.”, enviou uma carta à “(…), Lda.”, sob o título “Direito de preferência como arrendatário da Falida (…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.” a notificar para: “Nesta conformidade, vimos pela presente, notificá-lo para que possa exercer o direito de preferência”, na sequência de uma proposta que havia recebido no valor de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).
24. Notificação que repete em 3 de Novembro de 2015, através de carta desse dia dirigida à referida sociedade “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.”.
25. Quando a Autora “(…) – Comércio de Motos, Lda.” tinha conhecimento da existência de todos os aludidos contratos de arrendamento e designado por contrato de promessa de sublocação e dos respetivos adiamentos.
26. Em 2 de Dezembro de 1996, (…) e a “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.”, representada então por … (cuja assinatura foi devidamente reconhecida) celebraram um outro escrito que designaram de Aditamento ao Contrato de Arrendamento.
Tendo aí declarado que:
“A) Considerando que em 28 de Agosto de 1996 celebraram por escritura pública, lavrada no 2º Cartório Notarial de Almada, fls. 28 verso – fls. 30 do livro (…).
B) Cujo prazo de arrendamento acordado foi de seis anos, renováveis, automaticamente, por iguais períodos.
Acordam ambos os outorgantes.
Em dilatar o prazo inicial do período do arrendamento comercial e industrial celebrado por escritura pública em 28 de Agosto de 1996, para um período de 15 anos.
Mais acordam em que os períodos de renovação automática de tal contrato de arrendamento serão igualmente pelo período de 15 anos.
Dando sem efeito a cláusula primeira do contrato de arrendamento por escritura pública”.
Acordam ambos os outorgantes.
1. Em dilatar o prazo inicial do período do arrendamento comercial e industrial celebrado por escritura pública em 28 de Agosto de 1996, para um período de 15 anos.
2. Mais acordam em que os períodos de renovação automática de tal contrato de arrendamento serão igualmente pelo período de 15 anos. Dando sem efeito a clausula primeira do contrato de arrendamento celebrado por escritura pública”.
27. Mas em 20 de Maio de 1998 (…), a sociedade ora Opoente, e a sociedade “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.” celebraram um novo contrato, que as partes, desta feita, designaram de, aditamento ao contrato de promessa de sublocação celebrado em 30 de Janeiro de 1998, onde declararam que:
“... considerando que em 30 de Janeiro de 1998 celebraram um contrato de sublocação comercial e industrial na (…), Sesimbra, cujo prazo de sublocação acordado foi de 1 ano e seguintes renováveis automaticamente, considerando que por um lado a renda mensal de 200.000$00 (duzentos mil escudos) aumentou para o valor de 300.000$00 (trezentos mil escudos)” acordam em
Cláusula Primeira
“Dilatar o prazo inicial da sublocação para o período de 15 anos.
1. E nos termos da clausula Terceira, onde colocaram a epigrafe de “ Aditamento” escreveram:
“Dando-se sem efeito na clausula n.º 4, alinha A, do contrato de sublocação, mantendo-se todas as outras.
2. Tendo ainda aditado uma clausula quarta onde sob a epigrafe de aditamento escreveram o seguinte:
“No caso do presente contrato de sublocação ser denunciado no seu termo, na renovação ou na resolução pela terceira outorgante, senhoria pagará à segunda outorgante a quantia de 25.000.000$00 (vinte e cinco milhões de escudos) a título de indemnização e benfeitorias e cláusula penal”.
*
3.2 – Matéria de facto não provada:
Com interesse para a decisão da causa não resultou provado que:
1. O contrato de arrendamento tem o prazo de 6 (seis) anos, com renovações automáticas por períodos iguais.
2. A última renovação contratual foi a 1 de Setembro de 2014.
*
IV – Fundamentação:
4.1 – Matéria de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
A recorrida afirma que, em parte, o recurso não satisfaz os requisitos exigidos pelo artigo 640.º[14] do Código de Processo Civil. E, parcialmente, com razão. Porém, ainda assim, não obstante esse vício, na perspectiva de valorizar o duplo grau de jurisdição em matéria de facto e o princípio da proporcionalidade que tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça em ordem a viabilizar a reanálise da factualidade, a impugnação da matéria de facto será conhecida.
A recorrente pretende a reversão dos factos 6[15] e adianta que tal facto carece de interesse, pois o valor da renda é meramente instrumental, sendo que, caso assim não se entenda, a título subsidiário deve ficar consignado o valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
Analisado todo o processo e ouvidas as declarações, entendemos que face aos elementos típicos do contrato de arrendamento a retribuição é um dos seus elementos essenciais – aquele que, por exemplo, o permite distinguir do comodato – e que a referência ao valor deve manter-se, com rectificação de um lapso de cálculo, tomando aqui em consideração o valor inicialmente acordado para a renda.
Na realidade, os documentos 3 e 10 juntos com a oposição, a admissão da Autora na comunicação de iniciativa do senhorio para por termo à relação contratual, aliadas com o reconhecimento da existência e validade do negócio de sublocação e as palavras do administrador de insolvência assim o impõem. Aliás, tal resultava já do ponto 27 dos factos provados.
Promove-se assim a seguinte alteração: Foi estipulada uma renda mensal de 200.000$00 (duzentos mil escudos), que mais tarde foi fixada em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). A alteração ficará integrada no texto dos factos provados, a negrito, a fim de melhor ser percepcionada.
*
A recorrente visa ainda a alteração do facto 9[16].
Neste ponto, o fundamento da decisão de facto pode ser alcançado neste segmento: “Com efeito, tendo sido notificada, por despacho judicial proferido a 4 de agosto de 2022 e ao abrigo do disposto no artigo 15.º- H, n.º 2, da Lei 6/2006, de 27.02, a Autora / Requerente (…) – Comércio de (…), Lda, não exerceu o contraditório sobre as exceções invocadas na Oposição onde se incluem os documentos a elas respeitantes. Assim sendo, provou-se que o prazo do contrato de arrendamento e do denominado contrato de promessa de sublocação é de 15 (quinze) anos e não de 6 (seis) anos (factos provados 9 e 10 e factos não provados 1 e 2)».
A preterição da obrigação de impugnação da matéria de excepção implicava aqui o reconhecimento do facto. No entanto, mesmo que assim não fosse, para além daquilo que, ao tempo, constava da alteração contratual prosseguida entre as partes, a prestação probatória da testemunha (…) valida este entendimento.
A relação contratual de arrendamento não é apenas constituída pela escritura celebrada em 28/06/1996, antes integra e é modificada e complementada por outros instrumentos negociais, como sejam o aditamento de 02/12/1996, o contrato promessa de sublocação de 30/01/1998 e respectivo aditamento de 20/05/1998, o reconhecimento por parte da anterior proprietária quanto ao tempo de duração contratual. E, neste sentido, e não o da redacção inicial, que se deve manter escrito o prazo de 15 anos.
Deste modo, não existe qualquer erro na fixação deste facto.
*
A recorrida pretende igualmente a modificação do facto 10[17], mas este facto é absolutamente redundante e tudo aquilo que se acabou de referenciar relativamente ao ponto 9 dos factos provados é aqui chamado de novo, mutatis mutandis, à colação.
Neste particular, tal como é evidenciado pela recorrida nas suas alegações de recurso, existe um lapso de escrita que poderá gerar alguma confusão, pois aquilo a que se refere no ponto 10 é o acordo de sublocação e não o contrato inicial de arrendamento.
Deste modo, a redacção da factualidade em causa é rectificada nos seguintes moldes: O prazo do contrato designado por “Contrato de Promessa de sublocação” é de 15 (quinze) anos.
A alteração ficará integrada no texto dos factos provados, a negrito, a fim de melhor ser compreendida.
*
A recorrente contesta o ponto 11[18] dos factos provados.
A justificação do Tribunal a quo fundamenta-se no «reconhecimento pela Requerente (…) – Comércio de (…), Lda., da existência do contrato de promessa de sublocação celebrado, pelo menos, entre (…) e a (…) – Mediação Imobiliária, Lda. resulta provado, desde logo, por que é a própria Requerente (…) – Comércio de (…), Lda., que o junta com o Requerimento Inicial do Procedimento Especial de Despejo, que instaurou no Balcão Nacional de Arrendamento, para além do reconhecimento judicial que a Requerente fez no âmbito dos Embargos de Terceiro deduzidos, pela (…) – Mediação Imobiliária, Lda., na Ação Executiva, que pendeu, neste Juízo de Competência Genérica de Sesimbra do Tribunal da Comarca de Setúbal, então denominado por Tribunal Judicial de Sesimbra, Secção Única, sob o n.º 689/2001, instaurada pela Massa Insolvente da (…), Lda. contra o inquilino/executado (…), reconhecimento esse que conduziu à extinção judicial da instância por inutilidade superveniente da lide. Para isto contribui a prova documental correspondente à ata de tentativa de conciliação de 21.03.2013. e ao contrato designado de promessa de sublocação e, a leitura da presente ação, mais concretamente do Requerimento Inicial e dos documentos com o mesmo juntos (factos provados 11, 12, 20 e 21)».
Neste ponto, não foi carreado para os autos qualquer elemento sólido e credível que permitisse destruir a motivação da decisão de facto. Além de não se tratar de uma conclusão, como advoga a impugnante, os Tribunais Superiores vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[19]. E aqui não existe qualquer erro na fixação da matéria.
Na verdade, a recorrente reconhece a posição contratual da recorrida como arrendatária com base no contrato promessa de sublocação de 30/01/1998 e a questão da falta de assinatura de (…) não colhe por falta de credibilidade e notório proteccionismo desta testemunha quanto à referida realidade.
*
A recorrente pretende que o facto 14[20] seja reescrito. Esta versão está acolitada no documento n.º 6 da oposição e não se vislumbra qualquer motivo para modificar a redacção do facto provado.
*
A pretensão de alteração do facto 22[21] está estruturada na ausência de documentos, recibos ou comprovativos de pagamento e que, por isso, o valor deveria ser o valor líquido. Esta questão já foi debatida em momento anterior, quando nos debruçamos sobre o ponto 6 dos factos provados e a convicção da Meritíssima Juíza de Direito estriba-se na «documentação neles referida constante do presente procedimento especial de despejo, foi confirmada pelas testemunhas (…) e (…), que integraram a comissão de credores da Massa Falida da (…) – Pneus e Lubrificantes, Lda., as quais se revelaram credíveis, porque tiverem conhecimento direto dos factos e foram imparciais». Em função disto, face à inexistência de qualquer prova infirmativa desta realidade, improcede o pedido de alteração.
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A recorrente pretende a remoção dos factos 24[22] e 25[23] por não existir nos autos qualquer prova documental desse facto e nenhuma das testemunhas se ter referido a existência dessa notificação.
Quanto ao primeiro aspecto da discordância existe um documento (n.º 13) que atesta a referida realidade e no outro ponto a prova é tão avassaladora sobre a existência de reconhecimento que a posição negatória da recorrente se situa nos limites da boa fé processual.
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A recorrente pretende ainda mudar a resposta 26[24] por a falta de impugnação de um documento não constituir um meio de prova absoluto. No entanto, ainda que a situação se situasse no domínio da prova livre, não existe a mínima razão para promover a alteração e as declarações da testemunha convocada para este efeito são claramente pouco parciais, duvidosas e insusceptíveis de alcançar o objectivo pretendido.
*
Quanto ao ponto 27[25] a impugnante defende que a situação não está comprovada por o referido instrumento não ter sido assinado pela testemunha (…).
A julgadora a quo justifica a opção com a falta de impugnação aquando da notificação judicial realizada no âmbito da presente acção e não existe motivo para alterar o decidido. Além disto, aparentemente, de acordo com a audição da prova, o referido instrumento negocial terá sido subscrito por pessoa que tinha poderes para o efeito.
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O ingresso dos factos não provados no elenco da factualidade demonstrada mostra-se prejudicada por ter sido comprovado que o prazo contratual é distinto e o momento da renovação é diverso daquele que foi proposto pela parte activa.
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Deste modo, com ressalva das correcções de lapsos materiais, julga-se improcedente a impugnação promovida pela parte recorrente e é com base na factualidade inscrita na decisão recorrida que será realizada a operação de subsunção dos factos ao direito.
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4.2 – Do erro de direito:
4.2.1 – Das questões novas:
Em 04/08/2022, a Autora foi notificada para, no prazo de 10 dias, exercer querendo o contraditório relativamente à oposição apresentada. Optou por não o fazer e relativamente a esse conjunto de factos o Tribunal a quo, por via do incumprimento do ónus de impugnação estabelecido no artigo 574.º do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo disse que se provou que «o prazo do contrato de arrendamento e do denominado contrato de promessa de sublocação é de 15 (quinze) anos e não de 6 (seis) anos (factos provados 9 e 10 e factos não provados 1 e 2)».
Para contornar essa opção processual e os efeitos danosos da sua actuação, de forma inovatória, nas suas conclusões de recurso a apelante veio invocar diversas questões relacionadas com a validade do acordo de arrendamento. Relativamente a algumas delas a pretensão não foi admitida, por os requerimentos apresentados terem sido considerados extemporâneos, o que significa que a matéria substantiva não foi apreciada na Primeira Instância. No plano procedimental essa matéria foi objectivo de recurso autónomo, também hoje julgado improcedente.
É incontroverso que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, (…) ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[26].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[27] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010[28] que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre». Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica.
Em suma, o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados, posto que a matéria introduzida ex novo não é susceptível de ser apreciada em sede de recurso.
*
4.2.2 – Do contrato de locação e da oposição à denúncia:
A locação vem prevista nos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil e corresponde ao «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição».
Existe um contrato inicial de arrendamento, depois alterado, a que se seguiu a celebração de um contrato promessa de sublocação, o reconhecimento por parte dos então titulares do direito material controvertido e que posteriormente foi validado e confirmado em sede de processo judicial.
É entendimento generalizado que, quando as partes denominavam um contrato de “contrato-promessa de arrendamento comercial”, mas prevêem no mesmo todas as cláusulas típicas do contrato de arrendamento, tem de se considerar que se está perante um contrato de arrendamento comercial – in casu, sublocação –, desde que naquele escrito se encontrem todos os elementos essenciais do contrato de arrendamento previstos pelo artigo 1022.º do Código Civil.
Neste enquadramento, a relação locatícia teve origem escritura pública celebrada em 1996, a que se segue um aditamento, um acordo sublocação de datado de 1998, posteriormente alterado pelo aditamento subsequente. Para além disso, é de considerar que existiu o reconhecimento por parte do legal representante da inquilina da senhoria anterior à data da aquisição do prédio, o acto de transacção firmado no âmbito dos embargos de terceiro e a conduta subsequente dos administradores da insolvência e da própria apelante ao convocar o contrato de sublocação de 30/01/98 como fundamento do pedido formulado.
Em função desta natureza compósita e complexa que existe na presente relação contratual, o Juízo de Competência Genérica de Sesimbra entendeu que o prazo de 15 (quinze) anos de duração da renovação contratual se mostra assente e que o arrendamento continua vigente, por a notificação efectuada pela apelante à sociedade requerida “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.” não o ter feito caducar, ao abrigo do disposto nos artigos 1110.º[29] do Código Civil, e alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 6/2006[30], de 27 de Fevereiro.
O artigo 1057.º[31] do Código Civil regula a transmissão da posição do locador, consagrando o princípio-regra de que a situação jurídica do locatário subsiste, não obstante a alienação do direito com base no qual o contrato foi celebrado, havendo unicamente uma modificação subjectiva quanto à pessoa do locador.
Neste espectro lógico-jurídico, se o locador, proprietário ou usufrutuário do bem dado em locação dispuser do respectivo direito, transmitirá a posição contratual emergente da locação para o adquirente, o qual ipso jure fica investido na posição de locador.
Estamos assim perante um cenário em que um contrato, celebrado entre duas partes, acaba por vincular um terceiro, que nada teve a ver com a celebração daquele contrato e que nem sequer interveio na estipulação das suas cláusulas, mas que, por força da aquisição da coisa sobre a qual o contrato incide, se vê obrigado a cumprir os seus termos[32].
As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes. E de harmonia com o artigo 406.º[33] do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, devendo todas as cláusulas contratuais devem ser observadas.
Por isso, é de validar o entendimento do Tribunal a quo ao afirmar que o «contrato designado por promessa de sublocação está reconhecido pela Requerente, (…) – Comércio de (…), Lda., como um verdadeiro e efetivo contrato de subarrendamento e nem é legítimo da sua parte pôr em causa a existência do arrendamento em que é inquilina a Requerida / Oponente (…) – Mediação Imobiliária, Lda., sob pena de violação do princípio geral da boa fé».
Sufraga-se igualmente o entendimento expresso no acto recorrido, quando sublinha que outra interpretação corresponderia a um abuso de direito, pois «tendo a Massa Insolvente, em 2013, então na qualidade de senhoria reconhecido a existência do contrato de arrendamento com base no contrato de sublocação, e nada tivesse feito para colocar em causa os documentos constituem o contrato de arrendamento e aditamentos, e viesse agora um ulterior proprietário em 2017 colocar em causa esses mesmos documentos. Em especial quando aquando da aquisição do prédio arrendado tem conhecimento da existência da aludida documentação que se encontrava junta ao processo de falência da primitiva senhoria/proprietária do imóvel arrendado».
Nesta ordem de ideias, fruto das sucessivas alterações contratuais e renovações ocorridas, o contrato em questão vigora, pelo menos, até 28/08/2026, não existindo, assim, fundamento para julgar extinta a relação contratual vigente.
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4.2.3 – Do abuso de direito:
A recorrente assevera que, pelo menos, desde 2017, data em que teve conhecimento de que a senhoria considerava como prazo de contrato os 6 anos, a Recorrida criou na Recorrente a convicção de que não iria invocar essa limitação à oposição à renovação, existindo assim um quadro de abuso de direito.
Alerte-se que não é qualquer atitude negocial que poderá ser enquadrada como uma situação de abuso de direito e a construção do raciocínio silogístico terá de ser realizada a partir do acervo factual apurado.
Para além da bibliografia geral sobre o direito das obrigações, o conteúdo e abrangência do abuso de direito é tratado nas obras escritas por Vaz Serra[34], Coutinho de Abreu[35], Pedro de Albuquerque[36], Manuel de Andrade[37], Tito Arantes[38], Oliveira Ascensão[39], Américo da Silva Carvalho[40], Menezes Cordeiro[41] [42] [43] [44], Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier[45], Pires de Lima e Antunes Varela[46], Cunha de Sá[47] e Paulo Mota Pinto[48] e Baptista Machado[49].
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme ressalta do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado[50] [51] [52] [53] [54].
O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
O abuso de direito comporta duas modalidades: “venire contra factum proprium” e situações de desequilíbrio, estas com as “species” do exercício danoso inútil, da actuação dolosa e da desproporção grave entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem. Tem como escopo principal impedir que a estrita aplicação da lei conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante[55].
O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela[56].
As consequências do abuso de direito podem ser de natureza variada, podendo consistir na supressão do direito ou na cessação do concreto exercício abusivo. Contudo, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao seu titular, que este seja inteiramente despojado dele[57].
A apelante entende que se está perante um comportamento enquadrável na figura da supressio e costumam identificar-se os seguintes requisitos para aplicação desta figura: a) factum proprium – uma conduta inicial lícita da parte (acção ou omissão); b) boa-fé da outra parte, que justificadamente confiou nessa conduta; c) comportamento contraditório injustificado; d) existência de dano ou potencial dano a partir da contradição.
Olhando para a situação a solucionar, temos de concluir que, no domínio dos factos apurados, não existe qualquer realidade que permita viabilizar o entendimento que existem os elementos necessários a integrar a situação no contexto do abuso de direito.
Não estão assim preenchidos os elementos constitutivos que viabilizem a cessação do contrato por via da caducidade do contrato. E, deste modo, por não existir qualquer outro fundamento que permita infirmar o anterior veredicto, julga-se improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 07/03/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário


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[1] Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (artigo 425.º do Código de Processo Civil).
[2] Por seu turno, o artigo 423.º do Código de Processo Civil tem a seguinte redacção:
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/06/2000, CJ II-131 e Acórdão do Tribunal de Coimbra de 11/01/1994, CJ I-16.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/1989, in BMJ 385-545 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/02/2014, in www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/11/2014, in www.dgsi.pt.
[6] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 204.
[7] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[8] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[9] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[10] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[11] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[12] Alteração resultante de erro de cálculo de conversão, que foi rectificado nos termos da reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[13] Alteração resultante de erro de escrita, que foi rectificado nos termos da reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[14] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[15] (6) Foi estipulada uma renda mensal de 400$00 que mais tarde foi fixada em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
[16] (9) O prazo do contrato de arrendamento é de 15 (quinze) anos.
[17] (10). O prazo do contrato designado por “Contrato de Promessa de Arrendamento” é de 15 (quinze) anos.
[18] (11) A Requerente “(…) – Comércio de (…), Lda.”, reconhece a existência do contrato de promessa de sublocação do mesmo referido imóvel, datado de 30 de Janeiro de 1998, em que terão sido intervenientes, pelo menos, (…), e a Requerida/Oponente, “(…), Mediação Imobiliária, Lda.”.
[19] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/06/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021 e 30/06/2021, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[20] (14) E tendo sido nomeado administrador da insolvência (…), este em comunicação ao Tribunal, datada de 25 de Julho de 2003, logo reconhecia a existência de arrendamento com base no aludido contrato de promessa de sublocação datado de 30/01/1998.
[21] (22) Posteriormente a Massa Insolvente da (…), sempre recebeu as rendas que por esta sociedade foram sendo pagas, à razão de 1.500,00 euros.
[22] (24) Notificação que repete em 3 de Novembro de 2015, através de carta desse dia dirigida à referida sociedade “(…), Mediação Imobiliária, Lda.”.
[23] (25) Quando a Autora “(…) – Comércio de (…), Lda.”, tinha conhecimento da existência de todos os aludidos contratos de arrendamento e designado por contrato de promessa de sublocação, e dos respetivos adiamentos.
[24] (26) Em 2 de Dezembro de 1996, (…) e a “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.”, representada então por … (cuja assinatura foi devidamente reconhecida) celebraram um outro escrito que designaram de Aditamento ao Contrato de Arrendamento (…).
[25] (27) Mas em 20 de Maio de 1998 (…), a sociedade ora Opoente, e a sociedade “(…) – Pneus e Lubrificantes, Lda.” celebraram um novo contrato, que as partes, desta feita, designaram de, aditamento ao contrato de promessa de sublocação celebrado em 30 de Janeiro de 1998.
[26] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[27] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[28] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2010, in www.dgsi.pt.
[29] Artigo 1110.º (Duração, denúncia ou oposição à renovação):
1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.
2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º
4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.
[30] Artigo 15.º (Procedimento especial de despejo):
1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:
a) Em caso de revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil;
b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo;
c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil;
d) Em caso de denúncia por comunicação pelo senhorio, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na alínea c) do artigo 1101.º ou no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil ou da comunicação a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 33.º da presente lei;
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;
f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 1098.º do Código Civil e dos artigos 34.º e 53.º da presente lei, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.
3 - Para efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, o comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil é acompanhado dos documentos referidos nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo ou, sendo caso disso, de cópia da certidão a que se refere o n.º 7 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados.
4 - Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil é ainda admissível o recurso ao procedimento especial de despejo quando se tenha frustrado a comunicação ao arrendatário.
5 - O procedimento especial de despejo previsto na presente subsecção apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC.
6 - Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada ação executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.
7 - (Revogado.)
8 - No caso de desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, o procedimento especial de despejo segue os demais trâmites legalmente previstos quanto ao pedido de desocupação do locado.
9 - Os autos são distribuídos ao tribunal da situação do locado no primeiro momento processual em que se suscite uma questão sujeita a decisão judicial.
10 - As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
[31] Artigo 1057.º (Transmissão da posição do locador)
O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.
[32] Cláudia Madalena, in A Vulnerabilidade das Garantias Reais, Coimbra Editora, pág. 276.
[33] Artigo 406.º (Eficácia dos contratos):
1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.
[34] Vaz Serra, Abuso de Direito (Em matéria de responsabilidade civil), Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, págs. 243 e seguintes.
[35] Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito – Ensaio de um Critério em Direito civil e nas Deliberações Sociais, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2006.
[36] Pedro Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em virtude de actos praticados no processo: a responsabilidade por pedido infundado de declaração da situação de insolvência ou indevida apresentação por parte do devedor, Almedina, Coimbra, 2006.
[37] Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1966.
[38] Tito Arantes, Do Abuso de Direito e da sua repercussão em Portugal, Ensaio Jurídico, Lisboa, 1936.
[39] Oliveira Ascensão, O “abuso de direito” e o artigo 334.º do Código Civil: uma recepção transviada, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano – no Centenário do seu Nascimento, vol. I, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006.
[40] Américo da Silva Carvalho, Abuso de Direito e Boa Fé em Propriedade Industrial, Direito Industrial, 5 v, Almedina, Coimbra, 2010.
[41] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 4ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011.
[42] Menezes Cordeiro, Do abuso de direito: Estado das questões e perspectivas, Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, n.º 2 (set/2005).
[43] Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e culpa in agendo: estudo de Direito Civil e de Direito Processual Civil, com Exemplo no Requerimento Infundado da Insolvência, à luz do Código de 2004, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2011.
[44] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. V, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011.
[45] Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier, Efeito Externo das Obrigações: abuso de Direito: Concorrência Desleal: a Propósito de Uma Hipótese Típica, separata da RDE, n.º 5 (Jan-Jun. 1979), Coimbra, 1979.
[46] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1997.
[47] Cunha Sá, Abuso de Direito (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997.
[48] Paulo Mota Pinto, Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003).
[49] Baptista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium, Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991-1993.
[50] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2008, in www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011, in www.dgsi.pt.
[51] Para Manuel de Andrade Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, págs. 63-64, «há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual»
[52] No enfoque de Vaz Serra, Abuso de Direito, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, pág. 253, o acto abusivo corresponde ao exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na colectividade social. Só excepcionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
[53] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, pág. 516, expressa opinião no sentido de que «para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito».
[54] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 299, entendem que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
[55] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/2008, in www.dgsi.pt.
[56] Tatiana Guerra de Almeida, em anotação ao artigo 334.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 788.
[57] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 300.