Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS | ||
Descritores: | QUESTÕES NOVAS INVOCADAS EM FASE DE RECURSO CRÉDITOS SUBORDINADOS PAGAMENTO | ||
Data do Acordão: | 03/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1 – Os recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas. 2 – Os credores são notificados da proposta de distribuição e de rateio final através da publicação desta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. O prazo para os credores se pronunciarem sobre aquela proposta conta-se a partir da data desta publicação. 3 – Tendo a sentença de graduação dos créditos reclamados qualificado o crédito da recorrente como subordinado, a proposta de distribuição e de rateio final não poderá deixar de reflectir tal qualificação e o tribunal não poderá alterar a mesma qualificação no momento processual previsto no n.º 4 do artigo 182.º do CIRE. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 56/14.9TBMAC.E1 – Insolvência
Insolvente: (…) – Indústria de Madeiras e (…), Lda.. Credora/recorrente: (…). Decisão recorrida: «Nada tendo sido reclamado relativamente à proposta de distribuição e rateio final apresentada, e atenta a concordância da secretaria, deverão os pagamentos ser efetuados em conformidade. Consigna-se, para os efeitos tidos por convenientes, que nos termos do artigo 183.º/3, do CIRE, não sendo o cheque apresentado a pagamento (ou comunicado o NIB para efeitos de transferência bancária) no prazo de um ano contado desde a data do aviso ao credor, prescreve o crédito respetivo e reverte a quantia a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. Uma vez efetuada a conta e realizado o rateio final, importa declarar encerrado o processo nos termos do artigo 230.º/1-a, do CIRE, em que é insolvente (…), Industria de Madeiras e (…), Lda.. Encerrado o processo após o rateio final, cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência. Com o registo do encerramento do processo, a sociedade considera-se extinta – artigo 234.º/3, do CIRE. Excetuados os processos de verificação de créditos, qualquer ação que corra por dependência do processo de insolvência e cuja instância não se extinga, deve ser conclusa para efeitos de desapensação do processo e remessa para o tribunal competente. As execuções fiscais apensas deverão ser todas devolvidas à Administração Fiscal. Nos 10 dias posteriores ao encerramento, o administrador da insolvência deve entregar no tribunal, para arquivo, toda a documentação relativa ao processo que se encontre em seu poder, bem como os elementos da contabilidade do devedor que não hajam de ser restituídos ao próprio. Notifique para o efeito. Registe, publicite e notifique artigo 230.º/2, do CIRE.» Conclusões do recurso: 1) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor não poderão ser considerados como créditos subordinados sempre que beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais. 2) A Recorrente exerceu funções de operadora de máquina no estabelecimento da Insolvente entre 02/11/1993 e 21/03/2014. 3) A Recorrente é titular de um crédito privilegiado (privilégios imobiliário e mobiliário geral) sobre a Insolvente, reclamado nos autos. 4) Os privilégios creditórios do crédito da Recorrente sobre a Insolvente constam da lista de credores. 5) Os créditos laborais de todos os trabalhadores identificados nos autos foram reconhecidos como créditos privilegiados (privilégio imobiliário especial e mobiliário geral) a ser pagos em 1.º lugar pelo produto da liquidação das verbas n.º 1 a 16 (bens móveis) e pelo produto da liquidação da verba n.º 18 (bem imóvel), correspondente às instalações da Insolvente. 6) No mapa de rateio final o crédito da trabalhadora, ora Recorrente, foi excluído da lista de credores a serem pagos pelo produto da(s) liquidação(s). 7) Com a sentença ora recorrida, a credora tomou conhecimento da proposta de rateio e distribuição do produto da liquidação. 8) A sentença ora recorrida determina a realização dos pagamentos em conformidade com a proposta de distribuição de rateio final apresentada. 9) O tribunal tem o poder-dever de verificar a conformidade substancial e forma dos títulos de créditos constantes da lista e/ou mapas de rateio, a fim de evitar a violação da lei substantiva. 10) Iguais exigências se impõem ao abrigo dos princípios da prevalência da verdade material sobre a formal, bem como da igualdade entre credores, independentemente da existência de impugnações do mapa de rateio final. 11) Nos autos, o crédito detido pela Recorrente, apesar de pessoa especialmente relacionada com a devedora, como crédito laboral que é, goza de privilégio imobiliário especial e privilégio mobiliário geral, pelo que deve o mesmo ser pago, em primeiro lugar, pelo produto da liquidação das verbas 1 a 16 e 18. 12) Posto isto, existem motivos para não ser realizado o rateio final em conformidade com a proposta de distribuição e rateio final apresentada. 13) Por cautela de patrocínio, identificada que foi a natureza e o montante do crédito da Recorrente e privilégios inerentes, verdadeiramente o que está em causa, é a interpretação feita do dispositivo, reduzindo-se as dúvidas ora suscitadas a mero erro de interpretação/material. 14) Assim sendo, e salvo o devido respeito, o tribunal a quo não deveria ter determinado o pagamento dos credores nos termos do rateio apresentado. 15) Tal distribuição e pagamento constituem violação da lei substantiva (artigos conjugados 47.º, n.º 4, alínea b), 48.º, alínea a), 49.º, n.º 2, alíneas a) e d), conjugadas com a alínea b) do n.º 1 e 97.º do CIRE), do princípio da verdade material sobre a verdade meramente formal e do princípio da igualdade entre os credores, consagrado nos artigos 604.º, n.º 1, do CC e 194º, n.º 1, do CIRE. 16) Por não ter decido destarte, ao decretar o pagamento dos credores conforme mapa de rateio (excluído o crédito privilegiado da Recorrente), violou a douta decisão as normas dos artigos 47.º, n.º 4, alínea b), 48.º, 49.º e 97.º do CIRE e artigo 737.º, n.º 1, alínea d), do CC, bem como os princípios da verdade material que norteia o nosso processo. Factos relevantes para a decisão do recurso: 1 – Da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, consta o seguinte: «(…) Nos presentes autos, como decorre da lista apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, foram reconhecidos créditos privilegiados, garantidos, comuns e subordinados. Aqui chegados, cumpre identificar as classes dos créditos sobre a massa insolvente reconhecidos pelo AI: a) Privilegiados: - Créditos laborais, que gozam de privilégio imobiliário especial sobre a verba nº 18 e mobiliário geral, de todos os trabalhadores identificados na lista, pelos montantes aí indicados, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos; - Créditos do FGS, no valor de € 64.489,62, que gozam de privilégio imobiliário especial sobre a verba n.º 18 e mobiliário geral; - Créditos do ISS, IP, no valor de € 48.303,77 com privilégio imobiliário e mobiliário geral; - Créditos da AT, a título de IMI, IS e IMT no valor total de € 11.850,10, com privilégio imobiliário especial sobre a verba n.º 18; - Créditos da AT a título de IRS e IRC, no valor de € 7.502,91, com privilégio imobiliário e mobiliário geral; - Créditos da AT a título de IVA, no valor de € 18.997,56, com privilégio mobiliário geral; b) Garantidos: - Créditos da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da (…), CRL, no valor de € 73.454,73, garantido por hipoteca registada sobre a verba n.º 18; c) Comuns: - Todos os demais reconhecidos, devidamente identificados como comuns na lista apresentada pelo AI. d) Subordinados: - Todos os demais reconhecidos, devidamente identificados como subordinados na lista apresentada pelo AI. Os créditos laborais gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral (artigo 333.º do C.T.) e são pagos à frente dos créditos por impostos e da Segurança Social – artigo 747.º e 749.º do CC e Ac. TRG de 13-2-2014, proc. n.º 1216/13.5TBBCL-A.G1 – bem como dos créditos garantidos por hipoteca. (…) Em seguida, devem ser pagos os créditos comuns, na proporção respetiva, se a massa insolvente for insuficiente para a sua satisfação integral – artigo 47.º, n.º 4, alínea c) e artigo 176.º do CIRE. Os créditos subordinados são os últimos a obter pagamento. (…) IV- Decisão Atendendo a tudo o que ficou exposto supra, deve proceder-se ao pagamento dos créditos, através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem: 1º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção do produto da venda de cada bem móvel ou imóvel, conforme estipula o n.º 1 e 2 do artigo 172.º do CIRE; 2.º - Do remanescente, serão pagos, atendendo ao auto de apreensão junto em 20-4-2021: Relativamente ao produto da liquidação das verbas n.º 1 a 16 (bens móveis) 1º lugar: créditos laborais, e créditos do FGS, com privilégio mobiliário geral, rateadamente se necessário; 2º lugar: créditos da AT a título de IVA, IRC e IRS e créditos do ISS, IP, com privilégio mobiliário geral, rateadamente se necessário; 3º lugar: créditos comuns; 4º lugar: créditos subordinados. Relativamente ao produto da liquidação das verbas n.º 17, 19 e 20 (bens imóveis) 1º lugar: créditos do ISS, IP, com privilégio imobiliário geral; 2º lugar: créditos da AT a título de IRC e IRS, com privilégio imobiliário geral; 3º lugar: créditos comuns; 4º lugar: créditos subordinados Relativamente ao produto da liquidação da verba n.º 18 (bem imóvel) 1º lugar: créditos laborais e do FGS, com privilégio imobiliário especial, rateadamente, se necessário; 2º lugar: créditos da AT, a título de IS, IMT e IMI, com privilégio imobiliário especial; 3º lugar: créditos da CCAM da Zona do Pinhal, CRL, garantidos por hipoteca; 4º lugar: créditos do ISS, IP, com privilégio imobiliário geral; 5º lugar: créditos da AT a título de IRC e IRS, com privilégio imobiliário geral; 6º lugar: créditos comuns; 7º lugar: créditos subordinados.» 2 – Não foi interposto recurso da sentença referida em 1, encontrando-se a mesma transitada em julgado; 3 – Na relação de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência no apenso de verificação e graduação de créditos, é atribuída a natureza de subordinado ao crédito de que a recorrente é titular; 4 – A proposta de distribuição e de rateio final apresentada pelo administrador da insolvência não prevê o pagamento, sequer parcial, do crédito de que a recorrente é titular; 5 – O montante a ratear é insuficiente para o pagamento integral dos créditos não subordinados que foram reconhecidos; 6 – A proposta de distribuição e de rateio final foi publicada na Área de Serviços Digitais dos Tribunais; 7 – Nenhum credor se pronunciou sobre a proposta de distribuição e de rateio final. Questão a decidir: Admissibilidade do conhecimento da questão suscitada pela recorrente em sede de recurso. * A recorrente sustenta que o direito de crédito de que é titular, por ter natureza laboral e ser garantido por privilégios imobiliário e mobiliário geral, não pode ser qualificado como subordinado e, com esse fundamento, excluído da lista de créditos a serem pagos pelo produto da liquidação, como aconteceu. Em vez disso, segundo a recorrente, o seu direito de crédito deve ter tratamento idêntico aos dos restantes trabalhadores, ou seja, deve ser qualificado como privilegiado, (privilégio imobiliário especial e mobiliário geral) e pago em primeiro lugar pelo produto da liquidação das verbas n.ºs 1 a 16 (bens móveis) e da verba n.º 18 (bem imóvel), correspondente às instalações da insolvente. A recorrente afirma que só com a notificação da sentença recorrida, que determina a realização dos pagamentos em conformidade com a proposta de distribuição de rateio final, tomou conhecimento desta. O n.º 3 do artigo 182.º do CIRE estabelece que, após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta, no processo, proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respectiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores, de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma. Resulta desta norma que os credores são notificados da proposta de distribuição e de rateio final através da publicação desta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. O prazo para os credores se pronunciarem sobre aquela proposta conta-se a partir da data desta publicação. Daí que não seja exacta a afirmação, feita pela recorrente, de que não foi notificada da proposta de distribuição e de rateio final. Tal notificação foi realizada através da publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. Tendo a recorrente deixado decorrer o prazo legal para se pronunciar sobre a proposta de distribuição e de rateio final, ficou precludido o direito de o fazer. Consequentemente, está vedado, à recorrente, invocar uma suposta ilegalidade da proposta através da interposição de recurso da decisão que ordenou a realização dos pagamentos em conformidade com ela. Apenas poderia fazê-lo, em princípio, perante o tribunal a quo, dentro do prazo acima referido. Dizemos em princípio porque, tendo em conta o fundamento invocado pela recorrente, nem sequer no momento processual previsto na parte final do n.º 3 do artigo 182.º do CIRE ela estava a tempo de o fazer. Adiante justificaremos esta afirmação. O tribunal a quo, naturalmente, não se pronunciou, na decisão recorrida, sobre a questão que a recorrente suscita perante o tribunal ad quem, pois a mesma não lhe foi colocada. Estamos, pois, perante uma questão nova. Ora, resulta dos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do CPC que os recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o tribunal ad quem. Isto, naturalmente, sem prejuízo do conhecimento, por este último, das questões que o devam ser oficiosamente, o que não é o caso daquela que a recorrente agora suscita. “Os recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento. (…) pretende-se um novo exame da causa, por parte de órgão jurisdicional hierarquicamente superior.”[1] Esta é uma regra básica em matéria de recursos, que define a própria natureza destes. Isto basta para julgar o recurso improcedente, pois nenhuma outra questão é suscitada pela recorrente. Não obstante, passamos a justificar a conclusão, acima enunciada, de que, tendo em conta o fundamento invocado pela recorrente, nem sequer no momento processual previsto na parte final do n.º 3 do artigo 182.º do CIRE ela estava a tempo de o fazer. O fundamento invocado pela recorrente para pôr em causa a proposta de distribuição e de rateio final é a natureza do direito de crédito de que é titular. Considera a recorrente que esse crédito deve ser qualificado, não como subordinado, mas sim com privilegiado. Ora, a questão da natureza do crédito da recorrente foi decidida pela sentença de graduação dos créditos reclamados, da qual não foi interposto recurso e que, consequentemente, se encontra transitada em julgado. Nessa sentença, o tribunal a quo, mediante remissão para o conteúdo da relação de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência no apenso de verificação e graduação de créditos, qualificou o crédito da recorrente como subordinado. Sendo assim, esta qualificação encontrava-se definitivamente fixada no processo, quer quando a proposta de distribuição e de rateio final foi elaborada, quer quando a decisão recorrida foi proferida. Logo, por um lado, aquela proposta cumpre inteiramente a sentença de graduação dos créditos reclamados e, por outro, estava vedado, ao tribunal a quo, alterar a qualificação do crédito da recorrente na decisão recorrida. Contudo, para que não restem dúvidas, repetimos: ainda que assim não fosse, o recurso não poderia proceder, pela razão primeiramente referida. * Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do decidido em matéria de apoio judiciário. Notifique. * Sumário: (…) * Évora, 19.03.2024 Vítor Sequinho dos Santos (relator) Maria Domingas Simões (1.ª adjunta) Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2.ª adjunta) __________________________________________________ [1] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V (reimpressão), pág. 212. |