Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2022/21.9T8STB-A.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
RETROACTIVIDADE
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1- A sanção pecuniária compulsória pode ser fixada no próprio processo executivo a pedido do exequente.
2- Por constituir um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da condenação judicial, a sanção pecuniária compulsória não pode ter efeitos retroativos, isto é, não pode ser fixada para uma data anterior à própria decisão que a ordena.
3- Visando a sanção pecuniária compulsória constranger o devedor ao cumprimento da obrigação que assumiu perante o credor, reforçando a soberania dos tribunais e a autoridade e eficácia das decisões judiciais, estando a mesma vocacionada para as prestações de facto, positivos ou negativos, infungíveis, o trânsito em julgado da decisão que a fixe constitui o marco decisivo para o termo inicial da exigibilidade da sanção pecuniária compulsória judicial.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2022/21.9T8STB-A.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

(…) e (…) vieram instaurar execução para prestação de facto contra (…), SA, invocando e juntando como título executivo uma certidão de ata de transação, celebrada entre as partes em autos de procedimento cautelar.

Lê-se no requerimento executivo:

“Sucede que, esta transação não vem sendo cumprida porquanto os requeridos voltaram a violar o acesso e uso da servidão de passagem dos requerentes/exequentes colocando os animais (cavalos) à solta, que impedem a passagem, defecando e circulando à vontade na referida servidão de passagem, fazendo com que as exequentes estejam impedidas de nela circularem a pé, sendo que, em veículo automóvel a exequente (…), tem que parar e desviar os animais para poder prosseguir, sendo este gesto impraticável, no estado em que se encontra o piso.

Esta atitude dos requeridos representantes da ora executada foi o que provocou a instauração do procedimento cautelar de que a ata e transação fazem parte integrante e, como não se vislumbra um cumprimento por parte dos mesmos quanto ao transacionado, sendo que, todas as interpelações são infrutíferas, vêm as exequentes em sede de execução para prestação de facto requerer a atribuição de um prazo por parte do tribunal para instalação de uma vedação sem abertura para a servidão de passagem, ou seja, impedimento futuro de nova abertura dos portões e libertação dos animais na servidão de passagem, único meio definitivo e capaz para a abstenção da prática futura dos atos que violam o transacionado, até porque a executada tem outra entrada.

Mais vêm requerer as exequentes que, seja fixada também pelo tribunal uma indemnização moratória e sancionatória pelo incumprimento do transacionado e dano provocado pelo impedimento de circulação na referida servidão para deslocação da ora exequente (…) para o trabalho e, para gerir toda a vida doméstica, como idas ao supermercado, padaria, consultas médicas, farmácia, etc., que não deverá ser inferior a € 100,00/diários;

A ora exequente (…) é idosa, com 83 anos de idade que, poderá necessitar de ajuda médica em casa, não sendo possível a circulação de uma ambulância para emergência médica o que, dada a idade da senhora faz com que, tanto ela como a sua filha, vivam em constante aflição por não ser possível, caso necessário, essa prestação de auxílio, pelo que requer seja fixada também pelo tribunal uma indemnização moratória e sancionatória não inferior a € 100,00/dia como sanção pecuniária por esse impedimento.

Assim, requerem as exequentes a instalação de vedação sem qualquer portão para passagem de animais para a servidão de passagem, mais requerendo que, seja fixada uma sanção pecuniária, não inferior a € 200,00/diários, até à conclusão e impedimento definitivo da circulação dos animais na referida servidão (Cfr. artigo 868.º e seguintes do C.P.C.).”

A executada (…), S.A. foi citada para deduzir oposição, o que fez.

Alegou, em síntese, que sempre cumpriu com o acordado, encontrando-se a servidão de passagem livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação, sendo que as exequentes dela não necessitam porque podem aceder ao seu prédio através de um caminho público e menos oneroso, sendo que as exequentes litigam de má-fé ao imputarem à embargante um incumprimento que sabem não ocorrer.

Concluiu pedindo que os embargos sejam julgados procedentes, extinguindo-se a execução, bem como a condenação das exequentes por litigância de má-fé, em multa e em indemnização não inferior a € 5.000,00.

As exequentes contestaram reiterando o alegado no requerimento executivo, referindo que a servidão foi constituída por escritura, servidão essa que a embargante reconheceu na transação homologada por sentença, mas que nunca cumpriu.

Concluíram pugnando pela improcedência dos embargos e do pedido de condenação por litigância de má-fé.

Requereram a condenação da executada por litigância de má-fé, em multa e em indemnização não inferior a € 7.500,00, por ter sido deduzida pretensão cuja falta de fundamento aquela não ignora.

Foi efetuada perícia destinada a verificar a violação da obrigação.

Procedeu-se a audiência de julgamento, com inspeção judicial ao local, após o que foi proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes e determinou o prosseguimento da execução apenas para pagamento da quantia de € 6.000,00, a título de sanção pecuniária compulsória.

Mais se julgaram improcedentes os pedidos de condenação por litigância de má-fé deduzidos pelas partes.

Inconformada com tal decisão veio a embargante recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

1.ª O Recorrente não aceita a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que decidiu “Julgar os embargos parcialmente procedentes, determino o prosseguimento da execução apenas para pagamento da quantia de € 6.000,00, a título de sanção pecuniária compulsória”, pois esta é claramente ilegal, parcial e desprovida de justiça.

2.ª Motivo pelo qual se procede à impugnação da decisão relativa à matéria de facto – artigo 640.º do CPC, pois não poderia ter sido dado como provado, designadamente, o facto constante do ponto 8.

3.ª É pois este facto que se considera incorretamente julgado (artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC).

4.ª Como resulta inequívoco, e confirmado pelo tribunal a quo foi dado como NÃO PROVADO que:

“1. A colocação de animais à solta, incluindo no caminho que constitui a servidão, impede a exequente (…) de se deslocar para o trabalho, de ir ao supermercado, à padaria, à farmácia, a consultas médicas e, em geral, de gerir toda a vida doméstica.”

5.ª Apreciando, se o tribunal a quo deu como NÃO PROVADO que os animais à solta não impedem que a exequente (…) se pudesse deslocar para onde quer que fosse (trabalho, supermercado, padaria, farmácia, consultas médicas, etc.), como pode depois, dar o dito por não dito, e dar como provado que “ficam as exequentes impedidas de nela circularem a pé e de carro quando tal acontece” (ponto 8 factos provados in fine).

6.ª Ou seja, é por demais evidente a divergência e a incongruência da decisão, ainda para mais, com o conhecimento direto e oficioso (através de inspeção e perícia no local) do douto tribunal a quo.

7.ª Atenta a factualidade existente, impõe-se uma decisão imparcial e legalista, diversa da recorrida (artigo 640.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC).

8.ª Pelo que, dúvidas não subsistem que andou mal o douto tribunal a quo, ao julgar como provado o facto constante do ponto 8, pois inequivocamente, ficou provado que as exequentes não estão impedidas de circular na servidão de passagem a pé ou de carro (artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC).

9.ª É inquestionável que o tribunal a quo interpretou e julgou de forma incorreta a sua decisão relativa à matéria de facto, motivo pelo qual é impugnada – ponto 8 dos factos provados - devendo em consequência, decidir-se, tal como no ponto B-1 dos factos não provados, ou seja, que a colocação de animais, incluindo no caminho que constitui a servidão, não impede que as exequentes circulem na servidão de passagem a pé ou de carro.

10.ª O Recorrente não aceita a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, nomeadamente, no sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas – artigo 639.º, n.º 2, alínea b), do CPC e no erro na determinação da norma aplicável – artigo 639.º, n.º 2, alínea c), do CPC.

11.ª Como demonstrado, jamais o tribunal a quo, pela factualidade existente, pela prova pericial realizada que foi perentória em concluir que “a servidão está à data de hoje, 20/06/2022, livre para passagem tanto a pé como de carro”, pela inspeção local e demais prova (documental e testemunhal), poderia decidir como decidiu.

12.ª Resulta inequívoco, e sem prejuízo de uma esporádica circulação de animais, a verdade é que ficou demonstrado e provado que, a existência dos mesmos não impede a circulação, a pé ou de carro, dos exequentes na servidão de passagem.

13.ª Esta é a verdade e aquilo que estava em causa nos autos (vide temas da prova números 2 e 3).

14.ª Por outro lado, e não menos importante, em momento algum, as exequentes conseguem determinar temporalmente – QUANDO – é que foram praticados atos que tivessem violado o direito de servidão de passagem.

15.ª E o tribunal a quo também não o conseguiu determinar!

16.ª A explicação é simples: jamais existiu violação do direito de servidão de passagem!

17.ª Não subsistindo dúvidas que a circulação foi, é e será sempre possível.

18.ª E por fim, o que dizer das Exequentes, que tendo uma outra entrada alternativa com portão elétrico (vide requerimento executivo e sentença recorrida – último parágrafo da página 10), ainda vêm aos presentes autos, reclamar do que não existe e do que nem sequer conseguiram provar temporalmente.

19.ª É inquestionável que o tribunal a quo interpretou a factualidade existente e aplicou de forma errónea e contra legem as normas que fundamentam a sua decisão, decidindo em sentido contrário, sem prova e de forma incorreta os presentes autos.

20.ª Consequentemente, não é aceite a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 6.000,00 (seis mil euros).

21.ª Ao juiz compete “dizer o direito” e “aplicar a lei” com vista à definição dos direitos dos cidadãos e regular definitivamente as relações jurídicas estabelecidas entre as partes.

22.ª A sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829.º-A do Código Civil, insere-se no âmbito da realização coativa das obrigações e visa tutelar o interesse do credor que, vendo a obrigação incumprida pelo devedor, tem direito de exigir judicialmente o seu cumprimento (cfr. artigo 817.º do Código Civil).

23.ª A sanção pecuniária compulsória define-se, nas palavras de Calvão da Silva, como “condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a sua obrigação”, constituindo um “meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobre a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, suscetível de acarretar-lhe elevados prejuízos”.

24.ª O tribunal fixa a sanção pecuniária compulsória na sentença, limitado ao valor do pedido (cfr. artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), segundo critérios de razoabilidade, conforme decorre do artigo 829.º-A, n.º 2, do Código Civil, de acordo com o que for adequado ao caso concreto.

25.ª A fixação da sanção pecuniária compulsória, na ausência de critérios objetivos para a fixação de um valor exato, deve ocorrer, assim, por recurso à equidade, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil aqui devidamente adaptado, constituindo esta um critério residual de justiça do caso concreto, apenas aplicável em situações excecionais tipificadas na lei (cfr. artigo 4.º do Código Civil, no caso, ao abrigo da alínea a)), e que faz apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

26.ª Porém, o juízo de equidade não significa arbitrariedade pelo que julgar equitativamente é procurar a mais justa das soluções, a justiça do caso concreto, mas sempre dentro dos limites que o Tribunal tiver por provados.

27.ª A liberdade do juiz não é absoluta, desde logo, porque está vinculado aos comandos legais e aos princípios gerais de direito, pelo que o termo inicial da sanção deverá atender à respetiva natureza e ao carácter umbilical da mesma face à obrigação principal da qual emerge.

28.ª No caso presente, não pode o tribunal a quo decidir uma sanção “aproximadamente um quarto do total dos dias decorridos desde o trânsito em julgado até à entrada da execução em juízo (tendo por referência uma quantia diária de € 20,00), fixando-se assim tal sanção no montante de € 6.000,00.”

29.ª Como é possível chegar a esta contabilização de dias, se nem as exequentes o pediram, nem o sabem, nem o deram a conhecer ao douto tribunal a quo.

30.ª Ademais, nenhuma data foi apurada ou dada como provada pelo tribunal a quo, que com o devido respeito, não pode decidir por “olhómetro”, sem qualquer fundamento legal, na módica quantia de € 6.000,00 (seis mil euros).

31.ª Sendo inquestionável a sua inexigibilidade, mal andou o tribunal a quo ao determinar a aplicação de uma sanção, que além de ilegal, por falta de fundamentação legal, chega a ser inconstitucional (violação do artigo 62.º, n.º 1, CRP), pois só poderia existir se tivesse existido um não cumprimento atempado de obrigações por parte do Executado/Embargante resultantes de decisão transitada, o que nunca sucedeu.

32.ª Reiterando, é prova inequívoca, que em momento algum se determinou ou apurou – QUANDO – é que houve violação do direito de servidão de passagem.

33.ª E jamais se provaria, pois tal situação nunca ocorreu!!!

34.ª Pelo que, a douta sentença recorrida jamais poderia decidir no sentido em que decidiu, pois padece de que as normas (equidade) que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas de forma diversa (artigo 639.º, n.º 2, alínea b), CPC; o erro na norma aplicável (artigo 639.º, n.º 2, alínea c), do CPC) é inegável; e ainda de nulidade, por violação do princípio da igualdade das partes (artigo 4.º do CPC) e do direito constitucional do direito à propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, CRP).

A final requer que, na procedência do recurso seja revogada a sentença proferida e em consequência, serem os embargos de executado julgados totalmente procedentes.

Em contra-alegações vieram as exequentes apresentar as seguintes conclusões de recurso:

1- Vem a ora recorrente interpor recurso de Apelação da sentença proferida nos autos supra identificados que julgou os embargos parcialmente procedentes e determinar o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 6 000,00 a título de sanção pecuniária compulsória.

2- Não assiste razão à ora recorrente

3- A sentença recorrida, não apresenta qualquer contradição nomeadamente entre o facto 8º dado como provado e o nº 1 dos factos não provados, não existindo incongruência e divergência nessa decisão.

4- Ficou provado que efetivamente a recorrente violou o direito de passagem das recorridas cada vez que colocaram à solta animais na servidão de passagem.

5- Sempre que tal sucedeu impediram em todas as ocasiões que as recorridas a pé ou de carro pudessem usufruir do direito de passagem na servidão.

6- Não ficando, contudo a ora recorrida (…), com a colocação de animais à solta na servidão impedida de se deslocar para o trabalho de ir ao supermercado, à padaria, à farmácia, a consultas médicas e em geral de gerir toda a sua vida doméstica,

7- Tão somente por se verificar ser possível aceder ao prédio das recorridas por outro caminho.

8- Face ao supra exposto, andou bem o Douto Tribunal a quo ao decidir da forma que o fez.

9- Não assiste qualquer razão à recorrente relativamente ao ponto II das suas motivações 10 e seguintes das suas conclusões, nomeadamente porque ao contrário do aí alegado, está provado que a recorrente violou o direito de servidão de passagem das recorridas.

10- À recorrente impunha-se uma obrigação de “Non Facere”.

11- Tendo-se provado o incumprimento desta obrigação, bem andou o tribunal a quo ao decretar a sanção pecuniária compulsória com o fim de obrigar a recorrente abster-se de praticar atos violadores dessa obrigação.

12- Deitou mão o douto tribunal para fixação do valor da sanção compulsória, dos critérios fixados na lei e conforme pratica jurisprudencial.

13- Critérios estes de razoabilidade e equidade.

14- Afigura-se-nos assim judiciosa e ponderada a decisão do tribunal a quo donde se pugna pela sua manutenção.

O que requerem.


II

Do objeto do recurso:

Considerando a delimitação que decorre das conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), importa apreciar:

- Se ocorreu contradição no julgamento de facto.

- Se existe erro na determinação e aplicação do direito, nomeadamente por inexigibilidade e/ou por falta de equidade no arbitramento da sanção pecuniária compulsória.


III

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

1. A execução baseia-se em sentença de 27-10-2017, já transitada em julgado, proferida no procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 6372/17.0T8STB, no Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 1, em que foram requerentes as exequentes e (…), e em que foram requeridos a embargante, (…), (…) e (…), sentença na qual se decidiu homologar a desistência e a transação cujo conteúdo adiante se reproduz, condenando e absolvendo as partes nos precisos termos acordados e julgando extinta a instância:

“(…)

1) Os requerentes desistem da instância quanto aos requeridos (…), (…) e (…);

2) As circunstâncias que estiveram subjacentes à propositura do presente Procedimento Cautelar deixaram de ocorrer, o que está expresso no pedido dos requerentes nomeadamente nas alíneas a), b) e c) está atualmente a ser cumprido;

3) Ora, atento o supra referido os requeridos reconhecem a posse da servidão de passagem identificada nos presentes autos aos requerentes e abstêm-se de praticar atos ou quaisquer atos que violem o direito de servidão de passagem;

4) Com o presente acordo, o litígio entre as partes quanto à servidão de passagem está resolvido, ficando as partes dispensadas de intentar ação judicial;

5) Custas em partes iguais, prescindindo de custas de parte”.

2. A servidão referida em 1 foi constituída em escritura de partilha e constituição de servidão celebrada em 25-05-2007, em que foram outorgantes … e sua mulher, … (primeiros outorgantes), … (segundo outorgante), … (terceiro outorgante) e … (quarto outorgante), na qual foi partilhado o único bem deixado por óbito de (…) e mulher, (…) – um prédio misto descrito na CRP de Palmela sob o n.º (…), da freguesia de (...), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção C, e na matriz predial urbana sob o artigo (…), tendo para o efeito dividido o referido prédio em dois prédios distintos, um prédio rústico a destacar do artigo (…), da Secção C, correspondente à verba um, e um prédio misto inscrito na parte restante do artigo (…), da Secção C e na matriz predial urbana sob o artigo (…), correspondente à verba dois, sendo a verba um adjudicada aos primeiros outorgantes e a verba dois ao segundo e terceiro outorgantes, declarando estes últimos, assim como a quarta outorgante, que constituíam sobre o prédio identificado sob a verba dois uma servidão de passagem a pé e de carro, no sentido sul/norte, com 3 metros de largura e 125,75 metros de comprimento, a favor do prédio identificado sob a verba um.

3. Mais declararam todos os outorgantes (na escritura referida em 2) que, “na eventualidade da colocação de um portão na entrada do caminho que constitui a servidão de passagem constituída, comprometem-se a mantê-lo aberto durante o dia para livre circulação de pessoas e bens, sendo que, durante a noite o mesmo ficará fechado e ficando todos os outorgantes com uma chave de acesso”.

4. Encontra-se inscrita no registo predial, através da Ap. (…), de 2012/09/17, por compra a (…), (…) e (…), a aquisição a favor da embargante do prédio rústico descrito na CRP de Palmela sob o n.º (…), da freguesia de (...), inscrito na matriz sob o artigo (…), Secção C, desanexado do prédio n.º (…).

5. Encontra-se registada, relativamente ao prédio referido no ponto anterior, através da Ap. (…), de 2007/07/23, a inscrição de uma servidão cujo conteúdo é o seguinte: “Prédio dominante: (…); Prédio Serviente: (…). ENCARGO: Servidão de passagem a pé e de carro, no sentido Sul/Norte, com 3 m de largura e 125,75 m de comprimento”.

6. Encontra-se inscrita no registo predial, através da Ap. (…), de 2010/01/07, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária por morte de (…), a aquisição a favor das exequentes do prédio misto descrito na CRP de Palmela sob o n.º (…), da freguesia de (...), inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), e na matriz rústica sob o artigo (…), Secção 1-C, sem determinação de parte ou direito.

7. Encontra-se registada, relativamente ao prédio referido no ponto anterior, através da Ap. (…), de 2007/07/23, a inscrição de uma servidão cujo conteúdo é o seguinte: “Prédio dominante: (…); Prédio Serviente: (…). ENCARGO: Servidão de passagem a pé e de carro, no sentido sul/norte, com 3 m de largura e 125,75 m de comprimento.”

8. Posteriormente à celebração da transação referida em 1, a executada tem colocado animais à solta, que defecam e circulam à vontade pelo seu prédio, incluindo no caminho que constitui a servidão de passagem, ficando as exequentes impedidas de nela circularem a pé e de carro quando tal acontece.

9. A exequente (…) nasceu em 30-01-1938.

10. No requerimento executivo, apresentado em juízo em 14-04-2021, alega-se, além do mais, o seguinte: “(…)” – [factos descritos no relatório supra para o qual se remete].

Foram os seguintes os factos julgados não provados

1. A colocação de animais à solta, incluindo no caminho que constitui a servidão, impede a exequente (…) de se deslocar para o trabalho, de ir ao supermercado, à padaria, à farmácia, a consultas médicas e, em geral, de gerir toda a vida doméstica.

2. Vivendo as exequentes em constante aflição por não ser possível a ajuda médica de urgência em sua casa através de uma ambulância.

Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação

Pretende a apelante que existe contradição entre o facto 8º dado como provado e o n.º 1 dos factos não provados.

Sendo eles do seguinte teor:

Provado que: - 8. Posteriormente à celebração da transação referida em 1, a executada tem colocado animais à solta, que defecam e circulam à vontade pelo seu prédio, incluindo no caminho que constitui a servidão de passagem, ficando as exequentes impedidas de nela circularem a pé e de carro quando tal acontece.

Não provado que: - 1. A colocação de animais à solta, incluindo no caminho que constitui a servidão, impede a exequente (…) de se deslocar para o trabalho, de ir ao supermercado, à padaria, à farmácia, a consultas médicas e, em geral, de gerir toda a vida doméstica.

Desde já se esclareça que a não prova de um facto não implica a prova do seu contrário, o que no caso se concretiza no seguinte: a não prova do facto 1 não significa que se prove o seu contrário, ou seja, que a colocação de animais à solta não impede a exequente de se deslocar para o trabalho, etc., como parece resultar erradamente do raciocínio exposto nas conclusões de recurso.

Posto tal esclarecimento importa igualmente referir que, a apreciação de eventual incongruência entre os dois factos não dispensa a constatação da existência de um segundo caminho, como decorre da motivação de facto.

Lê-se no despacho motivador:

“Só assim não sucedeu (prova documental) quanto ao facto constante do ponto 8, relativamente ao qual a convicção do tribunal assentou, quer nos depoimentos ouvidos em audiência, quer na perícia realizada, quer na inspeção ao local, tudo elementos que levaram a concluir que a embargante, pelo menos com alguma regularidade, tem permitido que os seus animais circulem à vontade por toda a propriedade, incluindo pelo caminho que constitui a servidão de passagem em causa nos presentes autos.

Nas ocasiões em que tal aconteceu, é perfeitamente natural que quem por ali tenha pretendido passar se tenha sentido intimidado com a presença dos animais, temendo pela sua integridade física e pelos seus próprios bens (veículos automóveis), e que por isso (e não tanto pelo estado do piso, embora se admita que este, em algumas situações, sobretudo em tempo de chuva, fique em pior estado com a presença dos animais, seja pelas marcas das patas, seja pelo facto de ali defecarem) tenha desistido de utilizar a servidão para aceder ao prédio das exequentes, uma vez que foi referida a presença de animais de porte como cavalos e vacas bravas, sobretudo destas últimas, cujo comportamento perante estranhos é sempre imprevisível.

Isto foi confirmado pelas testemunhas (…), (…) e (…), com particular destaque para o primeiro e a terceira, que frequentam o local com maior regularidade e que prestaram depoimentos que, além de corroborarem no essencial a versão das embargantes, são consentâneos com o facto de na perícia ter sido observada – na servidão – a presença de dejetos de animais, e de na inspeção ao local ter sido verificada a existência de animais na propriedade (vacas), ainda que na altura se encontrassem confinados e não estivessem a circular livremente pela propriedade.

(…)

Mas se ficou provado, pelas razões apontadas, que a circulação dos animais pelo caminho que constitui a servidão de passagem, impede as exequentes de na mesma circularem, a pé e de carro, ficou por demonstrar que a colocação de animais à solta impede a exequente (…) de se deslocar para o trabalho, de ir ao supermercado, à padaria, à farmácia, a consultas médicas e, em geral, de gerir toda a vida doméstica, ou que as exequentes vivem em constante aflição por não ser possível a ajuda médica de urgência em sua casa através de uma ambulância.

Como se verificou aquando da inspeção ao local, é possível aceder ao prédio das exequentes por um outro caminho, onde se pode circular a pé e de carro, caminho esse que começa num portão elétrico colocado junto ao caminho público, e que termina junto da habitação existente no prédio das exequentes.

De resto, a própria exequente (…), nas declarações de parte que prestou, referiu que utiliza o referido caminho quando os animais estão a circular no espaço correspondente à servidão, embora salientando que a partir da habitação não se conseguem ver as pessoas quando estas passam o portão elétrico para acederem ao caminho em causa, contrariamente ao que sucede quando é utilizada a servidão (o que foi constatado aquando da inspeção ao local), que fica mais perto da habitação, e que tem receio quando por ali entram pessoas à noite, devido à falta de iluminação.”

Assim, a existência de um segundo caminho confere a necessária congruência à resposta dada aos factos em confronto.

A executada tem colocado animais à solta, que defecam e circulam à vontade pelo seu prédio, incluindo no caminho que constitui a servidão de passagem, ficando as exequentes impedidas de nela circularem a pé e de carro quando tal acontece.

Não se prova que, além desse impedimento de circularem naquele concreto caminho de servidão, fiquem as exequentes impedidas de se deslocarem para o trabalho, supermercado, etc., desde logo porque existe um segundo caminho.

Não ocorre qualquer contradição ou incongruência entre factos, assim improcedendo a primeira questão do recurso.

Da segunda questão do recurso:

Importa ora apurar se existe erro na determinação e aplicação do direito, nomeadamente inexigibilidade e/ou falta de equidade no arbitramento da sanção pecuniária compulsória.

Na presente execução de sentença para prestação de facto (negativo) tendo as exequentes demonstrado o incumprimento (ponto 8 dos factos provados) por parte da executada, da obrigação a que se vinculara por sentença homologatória de transação a “se abster de praticar quaisquer atos que violem o direito de servidão de passagem, reconhecido às exequentes”, importa apreciar do pedido daquelas na fixação de uma sanção pecuniária compulsória para prevenir e sancionar tal incumprimento.

Como dissemos, a executada assumiu a prestação de um facto negativo, ou seja, de se abster de praticar atos que violassem o direito de servidão de passagem das exequentes, tendo prestação natureza infungível porquanto, só ela devedora, pode realizar a prestação, não sendo permitida a sua realização por terceiro (artigo 767.º, n.º 2, do CC).

A execução para prestação de facto negativo, está prevista no artigo 876.º do Código de Processo Civil, que dispõe como segue:

“Artigo 876.º - Violação da obrigação, quando esta tenha por objeto um facto negativo.

1 - Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene:

(…)

c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução.

2 - O executado é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, nos termos dos artigos 729.º e seguintes; a oposição ao pedido de demolição pode fundar-se no facto de esta representar para o executado prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.

(…).”

Prescreve, por sua vez, o artigo 829.º-A do Código Civil alusivo à «Sanção pecuniária compulsória» que:

«1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. (…)

A sentença reconheceu às exequentes o direito de pedirem a indemnização pelo prejuízo sofrido, assim como o pagamento de quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 876.º.

Não concedeu, contudo, indemnização por considerar não terem as exequentes feito prova de qualquer dano.

Questão que transitou em julgado.

O recurso da executada incide sobre o arbitramento da fixação da sanção pecuniária compulsória requerida pelas exequentes.

Dúvidas não há que a sanção pecuniária compulsória pode ser fixada no próprio processo executivo, como resulta do citado artigo 876.º do CPC (alínea c) do n.º 1).

As exequentes requereram a fixação de uma sanção pecuniária não inferior a € 200,00/diários, até à conclusão (duma vedação) e impedimento definitivo da circulação dos animais na referida servidão.

Ou seja, condicionaram o seu pagamento à realização pela executada de uma obra futura (a instalação de vedação) que, no entendimento das exequentes seria idónea para assegurar a prestação de facto negativo a que a executada se vinculara (impedir que os animais circulem na servidão de passagem).

Sobre esse pedido a sentença pronunciou-se do seguinte modo:

«Posto isto, porque na situação dos autos estaremos perante uma obrigação de non facere em sentido estrito, por ter por objeto a omissão de uma atuação, afigura-se-nos que a falta de cumprimento da obrigação, que se deve ter por reconhecida, não confere às exequentes o direito de pedirem que o tribunal fixe um prazo para instalação de uma vedação sem abertura para a servidão de passagem, sendo certo que na sentença dada à execução a executada não foi condenada a proceder a tal instalação.»

Temos dúvidas de que não possam ser exigidas prestações instrumentais de facto positivo para garantir o cumprimento de uma obrigação de non facere em sentido estrito.

«Uma sentença de condenação no cumprimento de uma prestação negativa também pode servir de base à imposição forçada de uma posterior prestação positiva em repristinação» – (Rui Pinto, A Ação Executiva, pág. 1030).

A verdade é que tal segmento decisório transitou em julgado.

No desenvolvimento da sua fundamentação a sentença mais ponderou o seguinte:

“Assim, em sede de sanção pecuniária compulsória, importa ter presente, não apenas que o seu termo inicial deve ocorrer a partir do trânsito em julgado da sentença dada à execução (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, pág. 313), consistindo no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, mas também que tal sanção deve ser fixada segundo critérios de razoabilidade (artigo 829.º-A, nºs. 1 e 2, do CC).

Como afirmam P. de Lima e A. Varela, “[o]s critérios de razoabilidade (equidade) que devem nortear o julgador na sua determinação hão-de naturalmente ter em conta as possibilidades económicas do devedor (pois só assim será possível calcular, com verdadeiro conhecimento de causa, o quantum da sanção pecuniária capaz de subjugar a sua resistência), sem perder de vista, por uma questão de equilíbrio ou de sentido das proporções, o valor do interesse do credor na prestação em dívida” (Código Civil Anotado, vol. II, pág. 104).

Neste conspecto, embora consideremos adequado fixar uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 20,00 diários, a contabilizar a partir do trânsito em julgado da sentença, não se pode ignorar que os autos não revelam que o incumprimento da obrigação se tenha verificado todos os dias, ou seja, que as exequentes estiveram impossibilitadas de utilizar a servidão todos os dias que se seguiram ao trânsito em julgado da sentença.

Razão pela qual se impõe reduzir o valor a pagar a título de sanção pecuniária compulsória de acordo com a equidade, por analogia com o disposto no artigo 812.º, n.º 2, do Código Civil, na esteira da doutrina do acórdão do STJ de 10.12.2020 (proc. n.º 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler:

(…).

Posto isto, tendo presentes os pressupostos normativos do recurso à equidade, afigura-se-nos adequado reduzir a sanção pecuniária compulsória ao valor que corresponder a aproximadamente um quarto do total dos dias decorridos desde o trânsito em julgado até à entrada da execução em juízo (tendo por referência uma quantia diária de € 20,00), fixando-se assim tal sanção no montante de € 6.000,00.

O que significa que a execução prosseguirá apenas para pagamento de tal quantia, seguindo-se os demais termos subsequentes da execução para pagamento de quantia certa (artigo 867.º, n.º 2, do CPC, que o artigo 869.º manda aplicar).”

Ou seja, a sentença considerou que sendo possível fixar a sanção pecuniária na execução de sentença, o que o artigo 868.º, n.º 1, prevê, tomou nessa fixação como termo inicial o trânsito em julgado da sentença declarativa.

E procedeu ao cálculo da sanção pecuniária compulsória a partir desse termo até à entrada da execução em juízo, ainda que depois fizesse interferir critérios de equidade e justiça., reduzindo o montante a 1/4.

Vejamos se a consideração de tal termo inicial, tem apoio legal.

O artigo 868.º, n.º 1, do CPC alusivo à execução para prestação de facto refere que “Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer (…) o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.”

Em anotação a tal artigo dizem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 303: “O termo inicial da sanção pecuniária compulsória ocorre a partir do trânsito em julgado da sentença que fixa a obrigação (RL 22-5-13, 1041/06). Se a sanção pecuniária compulsória não tiver sido fixada na ação declarativa, o processo deve ser concluso ao juiz, para que este a fixe, antes da citação do executado (n.º 1, in fine)”.

Visando a sanção pecuniária compulsória constranger o devedor ao cumprimento da obrigação que assumiu perante o credor, reforçando a soberania dos tribunais e a autoridade e eficácia das decisões judiciais, estando a mesma vocacionada para as prestações de facto, positivos ou negativos, infungíveis, o trânsito em julgado da decisão que a fixe constitui o marco decisivo para o termo inicial da exigibilidade da sanção pecuniária compulsória judicial.

Extrai-se essa posição do Ac. do STJ de 28/11/2023, Proc. 3709/12.2YYPRT-I.P1.S1 (Jorge Leal), in www.dgsi.pt, que:

“Designadamente, para a temática que estamos aqui a tratar, desde quando é a sanção pecuniária compulsória exigível. Assim, no caso da sanção legal (n.º 4 do artigo 829.º-A), essa sanção é devida a partir do trânsito em julgado da sentença que definiu a prestação principal; e, no caso da sanção compulsória judicial (n.º 1 do artigo 829.º-A), ou a partir do momento em que o vencimento dessa sanção foi expressamente estabelecido ou, não tendo sido fixado esse momento, a partir da data em que o cumprimento coercivo da mesma se tornou juridicamente exigível, que, por regra, coincide com a data em que o devedor dela tomou conhecimento.

No caso em apreço, pois, tratando-se, como se trata, de uma sanção pecuniária tendente a forçar o cumprimento de prestações de factos negativos, sem ter sido indicada qualquer data para o cumprimento de qualquer uma das prestações, esse cumprimento é devido a partir do momento em que as executadas tomaram conhecimento da sentença exequenda.”

Sendo de rejeitar a sua fixação com efeitos retroativos.

“Por constituir um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da condenação judicial, a sanção pecuniária compulsória não pode ter efeitos retroativos, isto é, não pode ser fixada para uma data anterior à própria decisão que a ordena. Tal equivaleria a fazê-la retroagir, o que estaria em contradição com o carácter coercitivo preventivo da medida, destinada a provocar o futuro cumprimento da obrigação e o respeito, pelo devedor, da condenação judicial” – vide Calvão da Silva, BMJ 350, pág. 86.

No mesmo sentido o Ac. TRP de 05-07-2006, Proc. n.º 0620782 (Henrique Araújo), assim sumariado:

“I - A sanção pecuniária compulsória pode ser fixada posteriormente à sentença de condenação, nomeadamente no próprio processo executivo.

II - Carece, todavia, de requerimento do credor, não tendo efeitos retroativos”.

Como resulta dos pontos 1 e 8 dos factos provados a executada por sentença homologatória de transação reconhecera a posse da servidão de passagem identificada nos presentes autos às exequentes e o dever de abster-se de praticar atos ou quaisquer atos que violem o direito de servidão de passagem. Contudo, posteriormente à celebração da transação a executada tem colocado animais à solta, que defecam e circulam à vontade pelo seu prédio, incluindo no caminho que constitui a servidão de passagem, ficando as exequentes impedidas de nela circularem a pé e de carro quando tal acontece.

Esta prestação de facto negativo é infungível.

Por outro lado, sendo a prestação da executada duradoura, de natureza continuada, a sua violação não é instantânea, pois não se esgota num momento, podendo permanecer ou repetir-se no futuro.

No caso concreto, dada a especificidade da demanda, afigura-se-nos adequado fixar uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 20,00 diários, como estabeleceu a sentença, mas, tal sanção é devida tão-somente a partir do trânsito em julgado da presente decisão.

Só a partir desse trânsito se pode considerar que a executada toma plena consciência da situação em que passa a estar, do que dela se espera, do significado coercitivo e das consequências sancionatórias que sofrerá se a obrigação principal não for por si acatada.

Assim, o termo inicial da sanção pecuniária compulsória coincidirá com o primeiro dia posterior ao trânsito em julgado da decisão que a fixa.

Procedendo parcialmente o recurso.

Em suma: (…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, mantendo a fixação da sanção pecuniária compulsória no valor de € 20,00 diários, mas revogando-se a decisão recorrida quanto ao termo inicial de tal obrigação, que se estabelece como sendo o trânsito em julgado do presente acórdão.

Custas por apelante e apeladas em partes iguais.

Évora, 07 de março de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Ana Margarida Leite (1ª Adjunta)

Maria Domingas Simões (2ª Adjunta)