Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
82/13.5PBTMR.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS
NULIDADE
RECURSO
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O recurso para tribunal superior não constitui o meio processualmente adequado para arguir a nulidade decorrente da inobservância do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, uma vez que não estamos perante invalidade insanável/de conhecimento oficioso – artigos 119.º e 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –, invalidade reportada à sentença – artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – nem invalidade oportunamente suscitada na 1.ª Instância.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora


I. RELATÓRIO
No processo comum 82/13.5PBTMR da Secção Criminal [Juiz 1] da Instância Local de Tomar da Comarca de Santarém, por decisão judicial datada de 1 de outubro de 2020, foi determinado o cumprimento de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, em consequência da revogação da suspensão da execução dessa pena, que havia sido imposta a (…).

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. Recurso em Matéria de Facto e de Direito. I- Da Não Revogação da Suspensão da Execução da Pena de Prisão. Não se concorda com a afirmação do douto despacho recorrido de que o arguido não cumpriu minimamente o regime de prova que lhe foi imposto, sendo este o concreto ponto da matéria de facto que ora se pretende impugnar, assim se dando cumprimento ao ónus processual o art.º 412.º n.º 3 alínea a) do CPP.
2. De facto, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 22/05/2017, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, no que ora releva, prevendo-se o seu termo para 22/01/2021.
3. É certo que o arguido incumpriu o plano de reinserção social gizado, conforme documentado no Relatório de Incumprimento da Suspensão da Execução da Pena, deixando de comparecer e justificar as faltas às entrevistas previamente agendadas pela DRSP em 19/07/2019, 26/07/2019, 09/08/2019, 08/11/2019, 12/12/2019 e 15/01/2020.
4. Porém, não incumpriu totalmente, como afirmado no douto despacho recorrido, ponto este da matéria de facto que ora especificadamente se impugna, nem tal incumprimento se poderá ter por grosseiro ou reiterado, a ponto de inviabilizar um juízo de prognose favorável ao arguido.
5. O arguido inscreveu-se no Centro de Emprego há 2 anos, sendo, pelo menos tal inscrição confirmada pelo teor do Relatório Social Para Determinação da Sanção, onde se pode ler "não frequenta nenhuma atividade ocupacional e/ou laboral devidamente estruturada e/ou organizada, embora esteja inscrito no Serviço de Emprego local".
6.Tendo revalidado tal inscrição antes de 07/2019, conforme declarações prestadas em audiência pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, tudo segundo Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 13:47 aos 14:07.
7. Desconhecendo a Exma. Sra. Técnica de Reinserção Social se, à data da sua audição, o arguido mantinha ou não a sua inscrição em vigor no Centro de Emprego, tudo conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 13:47 aos 13:52.
8. Muito embora não decorra do despacho recorrido, o Plano de Reinserção Social impunha ao arguido a obrigação de manter ativa a sua inscrição no Centro de Emprego bem como a de cumprir com as orientações desse organismo.
9. Não curou o tribunal a quo, salvo melhor opinião, que muito se preza, de oficiar ao Centro de Emprego de Tomar pela informação sobre se estaria o arguido, à data, inscrito ou não no Centro de Emprego, diligência esta indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, na medida em que era indispensável, antes de concluir pelo "incumprimento total do plano de Reinserção Social" aferir se o arguido cumprira ou não uma das obrigações por ele impostas.
10. Saliente-se que a pertinência de tal diligência, revelada após a audição da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, não poderia passar despercebida ao tribunal a quo, que assim decidiu sem ter em seu poder todas as informações pertinentes à decisão, incorrendo em omissão posterior de diligências que possam reputar-se essenciais à descoberta da verdade, pelo que cometeu a nulidade do art.º 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, o que agora expressamente se argui, ao abrigo do disposto no art.º 410.º n.º 3 do CP P.
11. Nulidade que, a ser declarada procedente, terá como consequência a invalidade do ato que ela afete, bem como dos atos posteriores que dele dependam e que aquela possa afetar, ressalvando apenas os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 122.º do CPP.
12. Assim, no caso seriam declarados inválidos todos os atos processuais subsequentes à inquirição da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, in casu, a sessão de audição de arguido subsequente, no dia 23/06/2020, com a Ref.ª Citius 84168944, a promoção de revogação da suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos bem como o despacho final de revogação da suspensão da execução da mesma pena de prisão.
13. No que concerne à obrigação de manter o rendimento social de reinserção (RSI) e cumprir rigorosamente com as orientações do organismo que tutela esses subsídios (Segurança Social), resulta igualmente do depoimento da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, que, à data, desconhecia se o arguido mantinha ou não este apoio, desconhecendo máxime se o mesmo havia ou não sido cortado por incumprimento, tudo conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 03:46 aos 03:52, minutos 12:35 aos 12:40 e minutos 13:07 aos 13:09.
14. Também face a esta incerteza quanto ao cumprimento pelo arguido do contrato de inserção e, portanto, se este estava ou não a receber RSI impor-se-ia ao tribunal a quo oficiar à Segurança Social da área de residência do arguido pela informação de este, à data da audição, estar ou não a receber o rendimento social de inserção.
15. Refira-se, contudo que, sendo um dos requisitos legais de atribuição deste rendimento, a regular inscrição no Centro de Emprego, conforme nos esclarece também a Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, tudo segundo Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 13:53 aos 13:59., teria bastado, ao tribunal a quo oficiar ao Centro de Emprego no sentido de averiguar se o arguido cumpria ou não o dever de manter ativa a sua inscrição.
16. Diligência indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, na medida em que era essencial, antes de concluir pelo "incumprimento total do plano de Reinserção Social" aferir se o arguido cumprira ou não uma das obrigações por ele impostas, incorrendo o tribunal a quo em omissão posterior de diligências que possam reputar­-se essenciais à descoberta da verdade e cometendo a nulidade do art.º 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, nos termos e com os efeitos acima expostos.
17. Por fim, quanto à obrigação de participar nas sessões da DGRSP, não se pode dizer que o arguido o haja incumprido totalmente, como o prova o teor do Relatório de Incumprimento de Suspensão da Execução da Pena, elaborado em 19/02/2020, pela mesma Técnica Superior de Reinserção Social, de onde consta que o incumprimento data somente desde 19/07/2019.
18. Que o arguido chegou a cumprir parcialmente o plano resulta do depoimento prestado em audiência pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 04:13 aos 04:22.
19. Contudo, tal incumprimento parcial tem de ser compreendido à luz das concretas características pessoais do arguido, mormente cognitivas, intelectuais e de personalidade: o arguido é pessoa muito humilde, analfabeto, não sabendo ler nem escrever, "revelando algumas dificuldades de compreensão, de interpretação e de expressão ". segundo o teor do Relatório Social Para Determinação da Sanção, elaborado em 15/02/2017, pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, para efeitos de submissão a julgamento.
20. Segundo o mesmo Relatório, "o arguido revela fragilidades/deficiências ao nível da consolidação das suas competências pessoais e sociais, fruto, em parte, das suas limitações cognitivas, das carências socioculturais, económicas e características da comunidade em que se desenvolveu e reside.”
21. Acrescentando o mesmo que (. . .) "junto da PSP é conhecido principalmente por pertencer a uma família com o envolvimento com o sistema da Justiça, pela ociosidade e por evidenciar dificuldades cognitivas. "
22. Ou seja, estamos perante um indivíduo claramente limitado nas suas capacidades de compreensão, interpretação, expressão e de discernimento, facto que, não sendo justificante ou desculpante, autoriza a olhar para esta pessoa com um pouco de benevolência e alguma tolerância.
23. As fragilidades ao nível das capacidades intelectuais do arguido são ainda referenciadas no Plano de Reinserção Social e no próprio depoimento da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, que elaborou o Relatório de Incumprimento, conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 04:33 aos 05: 18.
24. Resulta deste excerto do depoimento desta testemunha ainda que, derivado dessas dificuldades intelectuais, o arguido carecia inclusivamente de ir às sessões da DRSP acompanhado, ou pela mãe, ou pelo pai, ou pela companheira, tendo comparecido sozinho, quiçá, somente uma vez, antes de 07/2019.
25. Aliás, a instâncias do Exmo. Procurador da República, sobre se o arguido teria deixado de comparecer na DGRSP por haver "metido o pé na argola" e pelo facto de haver processos posteriores, entender que já não valeria a pena comparecer nas instalações, ou seja sobre se o arguido teria consciência de que errara, o depoimento da testemunha é muito claro "eu acho que ele não elabora assim ", "em vez de resolver um problema, ele desaparece, porque acha que assim não é preso ", conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 06:18 aos 07:10.
26. Sendo ainda mais clara quanto à limitada capacidade de compreensão do arguido mais adiante, quando afirma "dentro das suas limitações, ele sabe o que é certo ou errado, de forma grosseira, não é? "e "(..) no entendimento dele (. . .) eu não apareço, então não vou preso" minutos 08:32 aos 08: 52.
27. Contudo, este entendimento do arguido, de que será imediatamente preso caso compareça na DGRSP, não deriva de negligência, descuido ou indiferença face às normas legais, muito menos grosseiras, nem de uma atitude contrária ao Direito e às normas legais, que justifique a revogação da suspensão da execução da pena.
28. Sendo antes derivado das suas dificuldades de compreensão, interpretação e de discernimento, pois o arguido, tendo embora consciência de que erra, não tem a devida noção das consequências do seu não comparecimento, na DGRSP, estando erradamente convencido de que, caso compareça na DGSRP, será imediatamente preso.
29. As dificuldades cognitivas do arguido são expressas de modo transparente por esta testemunha que considera que o arguido não "percebe" ou não "entende concretamente as coisas", facto que motivava a que as "coisas" fossem tratadas, na esmagadora maioria das vezes, com familiares e não com o próprio arguido, tudo segundo o depoimento desta testemunha, conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 07:48 aos 08:31.
30. No mesmo depoimento, dos minutos 09:27 aos 09:39, a testemunha esclarece ainda que o arguido "quase sempre compareceu, ou porque a família o trouxe, o obrigou (. . .) pegou nele e trouxe; ou porque o pai pegou nele e trouxe ou porque tinha necessidade do meu apoio para resolução de problemas judiciais!".
31. Saliente-se até que, derivado das especificidades do concreto arguido, pese embora o incumprimento parcial do regime de prova e o cometimento de dois crimes de condução sem habilitação legal, no período da suspensão, a própria Técnica Superior de Reinserção Social sugere, no Relatório de Incumprimento do Regime de Suspensão da Execução da Pena que seja somente o arguido "advertido pelo Solene Tribunal ".
32. As concretas provas que impõem a consideração do facto "o arguido já demonstrou que não cumpriu minimamente o regime de prova que lhe foi imposto" como não provado são os Relatórios Para a Determinação da Sanção, o Plano de Reinserção Social, o Relatório de Incumprimento do Regime de Suspensão da Execução da Pena bem como os excertos das declarações da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social acima melhor identificados, assim se dando cumprimento ao ónus processual do art.º 412.º n.º 3 alínea b) do CPP.
33. Devendo constar antes da matéria de facto provada que o arguido somente incumpriu parcialmente o regime de prova que lhe foi imposto, não incorrendo num incumprimento total do Plano.
34. O segundo facto concreto que ora se visa impugnar é o de que "o arguido (. . .) demonstra total desinteresse pelo cumprimento da pena aplicada ", assim se dando cumprimento, uma vez mais, ao ónus processual do art.º 412.º n.º 3 alínea a) do CPP.
35. É fundamental aferir da conduta do arguido à luz das suas deficiências cognitivas, das suas dificuldades de compreensão, interpretação, expressão e do seu fraco discernimento para entender que o pior que poderia fazer na sua situação jurídico-penal seria pura e simplesmente não comparecer.
36. Tais deficiências cognitivas bem como dificuldades de compreensão, de interpretação e expressão resultam provadas pelo teor do Relatório Social para a Determinação da Sanção, o qual relata as impressões colhidas pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, única pessoa que acompanhou e contactou diretamente com o arguido.
37. Por seu turno, o seu fraco discernimento é-nos relatado pela mesma Técnica, conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 04:33 aos 05:18, minutos 06:18 aos 07:10, minutos 08:32 aos 08: 52 e minutos 07:48 aos 08:31.
38. Estamos, pois, perante uma pessoa iletrada, que denota fragilidades ao nível da consolidação das suas competências pessoais e sociais, fruto de limitações cognitivas e de carências socioculturais e económicas profundas, tudo conforme factos apoiados no conteúdo do Relatório Social para a Determinação da Sanção e do Plano de Reinserção Social do arguido, segundo o supra exposto.
39. Porventura tais limitações cognitivas justificarão, em parte, a iliteracia do arguido, a par da sua inserção cultural na comunidade de etnia cigana, limitação de carácter sociocultural.
40. Tais limitações socioculturais prendem-se com a cultura própria da etnia cigana, que muitas vezes, dispensa a obtenção de habilitações literárias e que é algo avessa a horários e rotinas, indispensáveis para a inserção no mercado laboral.
41. Quanto às limitações económicas, "o agregado familiar encontra-se alojado numa barraca (sem número) junto da dos pais do arguido que não reúne as mínimas condições de habitabilidade e conforto", tudo conforme Relatório Social para a Determinação da Sanção e Plano de Reinserção Social.
42. Tais dificuldades económicas foram diretamente constatadas pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 12:09 aos 12:14 e 13:19 aos 13:25.
43. Do Relatório Social para a Determinação da Sanção e do Plano de Reinserção Social, destaca-se ainda que "Como características pessoais destacamos algumas dificuldades em lidar com situações mais complexas, podendo agir de modo mais impulsivo e inconsequente".
44. No fundo, também esta característica é salientada pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, ao explicar que o arguido, perante uma situação complexa, efetua uma "fuga para a frente" ou seja perante um problema, em vez de o enfrentar ou resolver, foge, desaparecendo e esperando que o problema também desapareça, numa atitude claramente impulsiva, impensada e inconsequente, tudo conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 06: 18 aos 07: 1 O.
45. Afigura-se-nos que o grau de exigência de conformidade com a conduta reta, porque conforme ao direito, pese embora exista, sempre demandaria certa ponderação face às dificuldades cognitivas evidenciadas pelo arguido bem como das suas fragilidades ao nível da consolidação de competências pessoais e sociais.
46. Só tendo em conta este quadro se poderá aferir do real grau de violação dos deveres impostos ao agente, tendo em conta a menor capacidade de compreensão deste concreto arguido, não se podendo, de todo concluir, como o faz o despacho recorrido que o arguido demonstra total desinteresse pelo cumprimento da pena aplicada.
47. Aliás, a simplista elaboração do arguido, a nível intelectual, justificou que o mesmo jamais tivesse comparecido nos autos, sendo julgado na ausência, conforme Atas de Audiência e Julgamento dos dias 15/03/2016, Reja Citius 71073165; 20/02/2017, Reja Citius 74604439; 07/03/2017, Reja Citius 74743347; 15/03/2017, Reja Citius 74819537.
48. Bem como o completo alheamento dos autos de incumprimento, nunca tendo comparecido para sua audição, por incumprimento da condição da suspensão da execução da pena de prisão, de, no prazo de 3 meses, a contar do trânsito em julgado da sentença, inscrever-se em escola de condução, frequentar as sessões e submeter-se aos necessários exames, tudo conforme Ata de Audição de Arguido do dia 13/11/2017, Reja Citius 76682902.
49. Saliente-se, pese embora tal não esteja aqui em discussão, que o não cumprimento desta condição viria a ser julgado não lhe ser imputável, dado o seu analfabetismo e a impossibilidade de obtenção de carta de condução por quem não saiba ler nem escrever, por a obtenção da mesma pressupor, nos termos do art.º 40.º da Lei n.º 14/2014, de 18/03, a submissão e a aprovação a uma prova teórica, a qual implica capacidades de leitura, compreensão e interpretação de texto.
50. Alheamento total, pois continuou ausente nas Audições de Arguido subsequentes, por incumprimento do regime de prova e pelo cometimento de dois crimes no período da suspensão, tudo conforme Atas de Audição do Arguido dos dias 01/06/2020, Reja Citius 83930420; 09/06/2020, Reja Citius 84018221 e 23/06/2020 Reja Citius 84168944.
51. Assim, as concretas provas que impõem a consideração do concreto facto "o arguido (. . .) demonstra total desinteresse pelo cumprimento da pena aplicada ", como não provado, são os Relatórios Para a Determinação da Sanção, o Plano de Reinserção Social, o Relatório de Incumprimento do Regime de Suspensão da Execução da Pena bem como os excertos das declarações da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social acima melhor identificados, assim se dando cumprimento ao ónus processual do art.º 412.º n.º 3 alínea b) do CPP.
52. Por fim, no que concerne aos dois crimes cometidos no período da suspensão, decorre do supra exposto, que tal sucedeu face à debilidade intelectual do arguido, pois este não consegue aperceber-se da gravidade da sua situação jurídico-penal, o que justifica que nada tenha feito no processo em seu benefício.
53. Pese embora o cometimento de dois crimes no período da suspensão, o certo é que o arguido foi ainda condenado em penas suspensas na sua execução, pela prática desses crimes, tendo sido formulado um juízo de prognose positiva quanto ao não cometimento de novos crimes, no futuro.
54. De facto, por duas vezes, o tribunal entendeu, pese embora todo o historial criminal do arguido, que ainda era possível a sua reeducação e ressocialização, em liberdade, não tendo sido, por decerto alheio ao grau de socialização familiar e social que o arguido apresentava e apresenta bem como à idade muito jovem do arguido, atualmente com apenas 25 anos.
55. O arguido está integrado familiarmente, pois vive, em união de facto, com uma companheira e com 4 filhos desta, todos menores de idade, recebendo ainda auxílio do agregado familiar de ambos, tudo segundo melhor resulta de Relatório Social Para a Determinação da Sanção e do Plano de Reinserção Social, lidos conjuntamente com as declarações da Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, no que concerne ao número actual de filhos, tudo conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 12:25 aos 12:27 e 12:40 aos 12:41.
56. O arguido é um pai extremoso, constituindo um pilar na família, existindo um laço muito forte de ternura e carinho entre os membros desta, sendo o pai quem cuida dos filhos menores quando a mãe está ausente, pelo que, caso a suspensão da execução da pena seja revogada, cumprindo o arguido a pena de prisão em que foi condenado, os filhos ver-se-ão inevitavelmente privados do carinho, da proteção, do amor e cuidados que o arguido lhes proporcionava., desagregando-se, inevitavelmente, a vida familiar do arguido, além de se impossibilitar a sua reabilitação económica.
57. Está também integrado a nível social, pois mantem com a população vizinha à comunidade cigana em que se insere, uma relação de cordialidade e respeito, tudo conforme factos provados, apoiados no teor do Relatório Social Para a Determinação da Sanção bem como no Plano de Reinserção Social, socialização que será inevitavelmente perdida, caso o arguido cumpra a pena de prisão efetiva em que foi condenado.
58. Apesar de desempregado, revelou-se capaz de cumprir regras e orientações, em particular dos monitores e técnicos, no âmbito do Programa Escolhas - O Rumo Certo" sic Relatório Social para a Determinação da Sanção.
59. Por fim, a nível pessoal, o arguido é descrito, no Relatório Social para a Determinação da Sanção, como sendo utilizador de " uma linguagem primária/básica com um vocabulário pobre, revelando algumas dificuldades de compreensão, de interpretação e de expressão" bem como "fragilidades/deficiência ao nível da consolidação das suas competências pessoais e sociais, fruto, em parte, das suas limitações cognitivas, das carências socioculturais, económicas e das características da comunidade em que se desenvolveu e reside".
60. Também esta ideia das dificuldades de compreensão, interpretação e expressão perpassa no depoimento da Técnica Superior de Reinserção Social, que elaborou o Relatório de Incumprimento, conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 04:33 aos 05:18, minutos 06:18 aos 07:10, minutos 07:48 aos 08:31, minutos 08:32 aos 08:52, e minutos 09:27 aos 09:39.
61. Ora, sendo este uma pessoa iletrada e com dificuldades cognitivas, afigura-se-nos que a socialização do arguido será definitivamente comprometida com a execução de uma pena privativa da liberdade, dada a fraca integração que o mesmo poderá experimentar no meio prisional, pouco tolerante e recetivo a tais dificuldades cognitivas e à sua iliteracia.
62. Reitere-se que, segundo o mesmo Relatório Social Para a Determinação da Sanção, surge mesmo a informação de que "junto da PSP é conhecido também por evidenciar dificuldades cognitivas", o que sugere um menor grau de exigência de um comportamento conforme à Lei e ao Direito.
63. O que, aliado às suas características pessoais, também apontadas no Relatório Social para a Determinação da Sanção, bem como no Plano de Reinserção Social, "dificuldades em lidar com situações mais complexas, podendo agir de modo mais impulsivo e inconsequente" equivale ao total comprometimento da sua ressocialização, caso seja encarcerado.
64. Características bem salientadas pela Exma. Sra. Técnica Superior de Reinserção Social, tudo conforme Auto de Audição de Arguido, do dia 09/06/2020, pelas 12hOOm, estando o depoimento desta testemunha gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio ". em uso no Tribunal a quo, contadores 00.00.01 a 00.14.28, minutos 06:18 aos 07:10.
65. Tudo ponderado, seria interessante optar por uma das medidas do art.º 55.º do CP, que promovesse a socialização do arguido - bem sabendo o efeito criminógeno do cumprimento de penas de prisão- apostando no melhoramento dos seus recursos internos e das suas aptidões e competências no âmbito profissional, atendendo ao facto de o arguido ser ainda muito jovem, sendo, portanto, a sua reabilitação ainda plenamente equacionável e possível.
66. Não podemos esquecer, como estatui o art. o 42. o do Código Penal que "a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" e que, se o limite mínimo da medida concreta da pena assenta no mínimo de pena compatível com as exigências de defesa do ordenamento jurídico, sendo o máximo dado pelo limite inultrapassável da medida da culpa, certo é que são as exigências de prevenção especial, e entre elas, avultando a de prevenção especial positiva ou de socialização, que dão a medida concreta da pena, situada entre esses limites.
67. Foi perante estes elementos que se decidiu o tribunal a dar, por duas vezes, uma oportunidade ao arguido, elaborando um juízo de prognose favorável ao arguido quanto ao não cometimento de novos crimes, no futuro, oportunidade de ressocialização que será definitivamente frustrada, caso o arguido cumpra a pena de 3 anos e 8 meses a que foi condenado.
68. De facto, só as condenações em prisão efetiva, por crime cometido no período da suspensão, em princípio, serão suscetíveis de indiciar que tal juízo de prognose favorável estará irremediavelmente comprometido.
69. Nesse sentido: Paulo Pinto de Albuquerque in "Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2. a Edição, e os AA. Referidos por este insigne professor in op. Cit., Eduardo Correia e Sidónio Rito, na comissão da revisão do CP de 1963-1964, in Atas CP/ Eduardo Correia e ainda mais tarde Figueiredo Dias.
70. Como explica Jorge de Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português, Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Edição n. o 01253009: "(, . .) Uma parte da jurisprudência pretende que aquela consequência (revogação automática da suspensão da execução da pena de prisão) deverá ter lugar mesmo que a pena de prisão com que o condenado venha a ser punido seja também declarada suspensa; e argumento seria que, também neste caso se revelaria, sem mais, infirmada a prognose que fundamentou a primeira suspensão.
71. O argumento é improcedente, com ele se somando ao erro da lei (carácter automático da revogação) um erro de interpretação. Se, apesar da primeira condenação, o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para mostrar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade. Por outro lado, uma objeção decisiva à solução que preconizamos não existe ao nível do teor literal do art.º 55.º n.º 1. Se é certo que ele "não refere como causa de revogação, o cumprimento da pena de prisão mas apenas a condenação em pena de prisão (I) pela prática de crime doloso", não menos exato se revela que uma coisa é a condenação em pena de prisão, outra diferente a condenação em pena de suspensão de execução da prisão ":
72. Tal entendimento de Jorge de Figueiredo Dias se já era defensável à luz do Direito anterior, em que a lei omitia o requisito material da revogação, ou seja, que essa condenação revelasse que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, mais se impõe face à redação atual do art. o 56. o do CP.
73. Não se pode ainda olvidar que os factos dos presentes autos se reportam ao ano de 2014, tendo sobrevindo já dois juízos de prognose favoráveis ao condenado, pelo que a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada será contraproducente, por prejudicar a efetiva reinserção social do arguido.
74. Entende o Recorrente que a revogação da pena é desadequada, desproporcionada, porque excessiva e, consequentemente ilegal, violando o princípio constitucional de que a pena de prisão deve ser entendida como medida de ultima ratio, assumindo, portanto, um carácter absolutamente subsidiário em relação a outras sanções penais não privativas da liberdade, e só podendo ser aplicada quando estas se mostrem desajustadas e insuficientes.
75. Não esqueçamos nunca que a pena desempenha, segundo o disposto no art.º 40.º do C.P., finalidades de prevenção geral positiva ou de integração ou seja, reafirmação contra fáctica das normas violadas, mas que, no final, são as exigências de prevenção especial positiva ou ressocialização que determinam o quantum de pena, em termos, claro, de ainda permitir a satisfação dessa primeira finalidade e não finalidades retributivas da pena, por mais perniciosos que se afigurem os factos em causa.
76. II- Do Erro na Norma Jurídica Aplicável e das Normas Jurídicas Violadas. Por todo o exposto na presente motivação de recurso, o despacho recorrido violou o disposto no art.º 340.º n.º 1 do CPP, porque interpretado no sentido de não lhe caber ex officio, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, assim se cumprindo o ónus processual previsto no art.º 412.º n.º 2 alíneas a) e b) 1. a parte do CPP., devendo tal art.º ser interpretado no sentido de que compete ao tribunal ordenar todos os meios de prova necessários, ainda que não requeridos pelos intervenientes processuais, assim se cumprindo o ónus processual do art.º 412.º n.º 2 alínea b) 2.ª parte do CPP.
77. O despacho recorrido incorreu em erro sobre a norma aplicável, pois aplicou o art.º 56. o do CP, quando se deveria ter socorrido do art.º 55.º do CP, face a um incumprimento meramente parcial e negligente do regime de prova, assim se cumprindo o ónus processual do art.º 412.º n.º 2 alínea c) do CPP.
78. O despacho recorrido violou o disposto nos art.º 56.º do CP, na medida em que foi interpretado ou aplicado no sentido de que é suscetível de revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão estão definitivamente comprometidas, a condenação por crime cometido no período da suspensão em pena suspensa, não exigindo a condenação em pena efetiva para esse efeito, assim se cumprindo o ónus processual previsto no art.º 412.º n.º 2 alíneas a) e b) 1.ª parte do CPP., devendo interpretar-se o art.º 56.º do CP no sentido de que só a condenação em pena de prisão efetiva por crime cometido no período da suspensão revela que a censura do facto e ameaça de prisão não são suficientes para acautelar as finalidades que se pretenderam alcançar com a suspensão da execução da pena de prisão, impondo a revogação dessa mesma suspensão, assim se cumprindo o ónus processual do art.º 412.º n. º 2 alínea b) 2.ª parte do CPP.
79. Violou ainda o disposto no art.º 18.º n.º 2 da CRP, interpretado ou aplicado no sentido de permitir a privação da liberdade quando esta é desadequada, desproporcionada e desnecessária, ou seja, em face de um caso em que ainda seriam suficientes medidas não privativas da liberdade, interpretação inconstitucional, inconstitucionalidade que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos, assim se cumprindo o ónus processual previsto no art.º 412.º n.º 2 alíneas a) e b) 1. a parte do CPP, devendo o art.º 18.º n.º 2 da CRP ser interpretado ou aplicado no sentido de que este artigo só permite aplicação de medida privativa da liberdade se tal se revelar estritamente necessário face às finalidades das penas, assim se cumprindo o ónus processual do art.º 412.º n.º 2 alínea b) 2.ª parte do CPP.
80. Por todo o exposto, por padecer da nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2 alínea d) do CP P, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a prática dos atos essenciais à descoberta da verdade e boa decisão da causa omitidos, ou seja, que seja oficiado o Centro de Emprego da área de residência do arguido no sentido de apurar se este tem ou não a sua inscrição ativa bem como o serviço de Segurança Social no sentido de aferir se o arguido recebe, atualmente o Rendimento Social de Inserção, por serem estas informações imprescindíveis a apurar se o arguido incumpriu ou não totalmente o regime de prova.
81. Sem prescindir e subsidiariam ente, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine alguma das medidas previstas no art.º 55 do CP, não se procedendo à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos.

Desta forma se fazendo a costumada
Justiça»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. O recorrente (…) foi aqui condenado, pela prática de dois crimes de furto qualificado previstos e punidos pelos artigos 204.º n.º 2 alínea e) e um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em julgado no dia 22-5-2017(vide fls. 332), na pena única de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova a executar pela DGRSP.
2. Por douta decisão proferida no dia 1-10-2020, o Tribunal a Quo revogou a referida suspensão e ordenou o cumprimento efetivo da referida pena, por verificação dos pressupostos elencados nas alíneas a) e b) do artigo 56.º do Código Penal,
3. A manutenção ou não do recebimento do rendimento social de inserção pelo recorrente, não constituiu causa ou fundamento para a referida decisão, sendo uma circunstância meramente lateral.
4. Deste modo, o facto de o Tribunal a Quo não ter solicitado à Segurança Social se aquele mantinha o RSI nunca constituiria a nulidade prevista no artigo 120.º n.º 1 alínea d) do CPP invocada pelo recorrente, uma vez que esta só se verifica quando há omissão de diligências que se reputam essenciais para a descoberta da verdade de uma concreta decisão judicial, o que não é o caso desta diligência.
5. De igual modo, ao contrário do que refere o recorrente, também não ocorreu a referida nulidade pelo facto de o Tribunal não ter solicitado informação se o arguido mantinha a inscrição no Centro de Emprego, pois o próprio arguido, em requerimento de 16-9­2020, anterior à decisão, admitiu que não mantinha a inscrição, pelo que tal diligência sempre seria dilatória.
6. Aliás, o recorrente sabe disso, daí que nunca tenha solicitado tais diligências antes da decisão recorrida, mormente quando foi notificada para se pronunciar sobre a nossa promoção de revogação da pena de prisão (Vide artigo 121 n.? 1 alínea d) do Código Penal)
7. Por seu turno, o arguido impugna a expressão usada na sentença "incumprimento total do plano" como se fosse um facto, quando se trata de uma conclusão resultante da análise da prova produzida,
8. As conclusões não são suscetíveis de impugnação
9. Além disso, o Tribunal a Quo usou a expressão "incumprimento total do plano de reinserção", pelo facto do arguido ter impossibilitado que a DGRSP pudesse executar as sessões e atividades junto daquele, o que impossibilitou que as finalidades fossem alcançadas, o que não foi minimamente contrariado pelo recorrente.
10. Com efeito, houve incumprimento doloso e reiterado do plano de reinserção social, quando o arguido decidiu, a partir do segundo semestre de 2019, por livre iniciativa, nunca mais se deslocar voluntariamente aos serviços de reinserção social da DGRSP, ignorando as convocatórias realizadas e refugiando-se no interior da sua residência, sem justificação, quando as técnicas de reinserção social se deslocaram àquele local,
11. Esse incumprimento ainda é mais grave quando o arguido toma a mesma posição quando o Tribunal a Quo o tentou ouvir, decidindo faltar reiteradamente e injustificadamente às várias diligências que foram agendadas, mesmo quando foi pessoalmente notificado pela PSP para comparência numa delas,
12. Também não deixa de impressionar, que notificado pessoalmente pela PSP da nossa promoção de revogação da suspensão, o arguido se limite a dizer que se vai inscrever no Centro de Emprego, nunca mostrando vontade ou disponibilidade em retomar os contactos com a DGRSP, apesar dos esforços que a Técnica de reinserção desenvolveu ao tentar falar consigo e ao contactar os seus familiares diretos (vide declarações da técnica gravadas no sistema citius).
13. Por outro lado, não colhe o entendimento aventado pelo recorrente que aquela recusa em contactar a DGRSP (e de dar explicações ao Tribunal) é fruto do seu analfabetismo, de uma alegada debilidade mental e de uma aparente falsa crença de que tais contactos e explicações implicariam a sua detenção e reclusão, já que, o recorrente tem vários antecedentes criminais sempre como imputável, foi pessoalmente notificado pelo OPC por duas ocasiões, nestes autos, após esse incumprimento, e anteriormente manteve contactos com a DGRSP, nomeadamente quando foi elaborado o relatório social que antecedeu a sentença condenatória.
14. No mesmo sentido, não voltou atrás no seu comportamento quando praticou dois crimes da mesma natureza no período da suspensão e de ter sido em ambos os processos condenado em penas de prisão suspensas, no âmbito do qual, necessariamente, foram feitas as respetivas advertências pelos respetivos Tribunais,
15. Neste sentido, se estas condenações tivessem sido eficazes na ressocialização, o arguido retomaria o cumprimento do plano fixado nestes autos após o trânsito em julgado das mesmas, o que nunca sucedeu.
16. Por isso, é forçoso concluir que estes Tribunais, da 2a e 3° condenações, erraram na formulação de um juízo de prognose positivo quanto à ressocialização do recorrente,
17. Assim é evidente que o arguido insiste em não se ressocializar e a cumprir as normas sociais por vontade própria, ciente das consequências, daí que inexistam diligências que possam ser realizadas para alterar esta situação e, por isso, não se mostra possível a aplicação de uma qualquer medida alternativa prevista no artigo 55.º do Código Penal.
18. Por tudo isto, é axiomático que a violação grosseira e reiterada do plano conjugado com as condenações sofridas em período da suspensão só permitem concluir que as finalidades que estavam na base da suspensão aplicada nestes autos não foram minimamente alcançadas, pelo que bem andou o Tribunal a Quo em revogar a suspensão de pena de prisão ao recorrente, efetuando uma correta aplicação do disposto nos artigos 56 n.º 1 alínea a) e b) e 2 do Código Penal (Vide, no mesmo sentido, em casos similares, o Ac. do TRP de 28.9.2016, relatado por Manuel Soares, o Ac. do TRP 10 de Outubro de 2018, relatado por Elsa Paixão, e o Ac. do TRC de 14-9-2016, relatado por Olga Maurício, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
Nestes termos. deve ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo arguido. confirmando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a Quo.

Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA »
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o parecer que se transcreve:
«Acompanhamos, a bem elaborada e completa resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância (Ref.ª 7325764).
Porque a mesma nos parece muito bem alicerçada, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-la, na íntegra.

Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado improcedente

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada.

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância são colocadas as questões:
- da nulidade decorrente da não realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade;
- da verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
û
Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece as seguintes conclusões:
(i) Por sentença proferida a 17 de março de 2017, foi o Arguido, ora Recorrente, condenado
- pela prática, na noite de 16 para 17 de fevereiro de 2013, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, al. e) e n.º 2, al. e) com referência ainda ao artigo 202.º, al. d), todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
- pela prática, entre as 14H00 do dia 22 de fevereiro de 2013 e as 8H50 do dia 25 seguinte, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, al. e) e n.º 2, al. e) com referência ainda ao artigo 202.º, al. d), todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
- pela prática, no dia 4 de setembro de 2014, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de dois meses de prisão.
- em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à condição de, em 3 (três) meses após o trânsito em julgado se inscrever em escola de condução, frequentar as sessões e submeter-se aos respetivos exames.
(ii) O Arguido não esteve presente em julgamento, não obstante os esforços do Tribunal para que tal acontecesse – com emissão de mandados de detenção.
(iii) O Arguido foi notificado da sentença no dia 10 de abril de 2017.
(iv) A sentença acima referida transitou em julgado no dia 22 de maio de 2017
(v) Não tendo o Arguido demonstrado o cumprimento da condição que lhe fora imposta, foi agendado dia para a sua audição.
Diligência a que o Arguido não compareceu.
E foi agendada nova data para a audição do Arguido, ordenando-se a sua notificação em voz alta, pela entidade policial.
(vi) Entretanto, a Senhora Advogada que assume nos autos a defesa do Arguido fez juntar ao processo documento emitido pela Escola de Condução (…) onde consta:
«Para os devidos efeitos se declara que atualmente não existe lei em que seja obrigatório saber ler para a obtenção de carta de condução.
No entanto e de acordo com o n.º 1 do artigo 40.º da Lei n.º 14/2014 de 18 de março de 2014, para realizar a prova teórica é necessário para cada candidato um monitor, que pode transmitir imagens, figuras ou outro tipo de aplicação multimédia e respetivas questões.
Pressupomos que para este efeito seja necessário saber ler e escrever
(vii) Na sequência desta informação, e após ter sido ouvido nos autos o Ministério Público, declarou-se que perante o analfabetismo do Arguido não lhe podia ser imputado o incumprimento da condição imposta na sentença, não havendo, por isso, lugar ao procedimento processual destinado à revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta nos autos.
(viii) Em 15 de fevereiro de 2018 foi elaborado o plano de reinserção social.
Consta desse plano, entre o mais,
«O arguido revela fragilidades/deficiências ao nível da consolidação das suas competências pessoais e sociais, fruto, em parte das suas limitações cognitivas, das carências socioculturais, económicas a das características da comunidade em que se desenvolveu e reside.
(…)
Não frequenta nenhuma atividade ocupacional e/ou laboral devidamente estruturada e/ou organizada embora esteja inscrito no Serviço de Emprego Local. A sua iliteracia com as limitações associadas, a ausência de recursos internos, a falta de aquisição de competências para o exercício profissional reforçado por um quotidiano sem o imperativo de horários e de rotinas complicam a sua entrada no mercado de trabalho.
Como características pessoais destacamos algumas dificuldades em lidar com situações mais complexas, podendo agir de modo mais impulsivo e inconsequente
E propôs-se:
- que o Arguido, ao longo da execução da medida, mantenha inscrição ativa no Serviço de Emprego Local e que cumpra as orientações daquele organismo;
- que o Arguido mantenha o rendimento social de inserção, ao longo da execução da medida, e cumpra rigorosamente as orientações da Segurança Social;
- que o Arguido, ao longo da execução da medida, participe nas sessões promovidas pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais dirigidas ao treino e aquisição de capacidade crítica e de autocrítica face a situações e desafios de índole criminal.
Como medidas de apoio e vigilância a desenvolver pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais constam (i) entrevistas estruturadas com o condenado, (ii) deslocações à residência, (iii) articulação com familiares e/ou elementos significativos/elementos da comunidade de residência, (iv) articulação com outras entidades que venham a ser importantes, nomeadamente com os Serviços de Emprego e de Formação Profissional de Tomar, Segurança Social e de Ação Social Local e (v) articulação com órgão de polícia criminal.
(ix) O Arguido manifestou concordância com este plano, de que lhe foi dado conhecimento prévio.
(x) Este plano foi homologado por decisão judicial datada de 22 de fevereiro de 2018. E notificado ao Arguido no dia 16 imediato.
(xi) Em 19 de fevereiro de 2020, a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais dirigiu ao processo “Relatório de Incumprimento”, onde consta:
«(…)
Descrição e avaliação dos incumprimentos
(…) deixou de comparecer e de se justificar às entrevistas previamente agendadas por estes serviços de reinserção social (19.07.19; 26.07.19; 09.08.19; 08.11.19; 12.12.19; e 15.01.20). Foram realizadas várias deslocações ao domicílio, em Tomar tendo sido deixadas várias convocatórias para se apresentar e/ou entrar em contacto telefónico com a técnica, sem sucesso. Nas deslocações constatou-se que a barraca estava fechada e familiares do condenado disseram que estava a viver em Leiria, junto da família da companheira e/ou em paradeiro desconhecido.
O condenado encontra-se também a ser acompanhado por estes serviços de reinserção social no âmbito do Processo n.º 200/14.6PBLRA.
Em articulação com o NIC de Santarém tomamos conhecimento da existência dos seguintes NUIPC 000578/14.1PBTMR, condução sem habilitação legal; 0000 76/15.6PFLRA, condução sem habilitação legal; 000073/17PFLRA, condução sem habilitação legal e 000010/19PATMR, Crime contra a segurança das comunicações.

Conclusão/Proposta
(…) tem demonstrado total desrespeito pela sua situação judicial e concomitantemente pelas inerentes obrigações determinadas na douta sentença e no seu Plano de Reinserção Social homologado em 23.02.2018, que se comprometeu em cumprir.
Assim, e face ao exposto, somos de parecer que face ao incumprimento reiterado das suas obrigações judiciais não há condições objetivas para estes serviços de reinserção social acompanhá-lo na suspensão da execução da pena pelo que salvo entendimento em contrário (...) deveria ser advertido solenemente pelo douto Tribunal
(xii) Foi designado dia para a audição do Arguido.
Efetivamente notificado, o Arguido não compareceu a esta diligência processual.
(xiii) Foi designada nova data para a audição do Arguido.
O Arguido não compareceu a esta diligência, não se mostrando cumpridos os mandados de detenção entretanto emitidos.
(xiv) Foi designada nova data para a audição do Arguido.
O Arguido não compareceu a esta diligência, não se mostrando cumpridos os mandados de detenção entretanto emitidos.
(xv) Na ocasião acabada de referir – 23 de junho de 2020 – a Senhora Juíza titular do processo proferiu o seguinte despacho [transcrição]:
«O Tribunal já concedeu inúmeras oportunidades ao arguido para estar presente em sucessivas audições de condenado que foram agendadas. Não compareceu nem justificou as faltas. Furtou-se ao cumprimento dos mandados tal como, aliás, como foi dito pelo MºPº, tem feito em diversos inquéritos que correm termos no DIAP de Tomar.
Assim sendo, não há qualquer razão para mais um adiamento de audição do condenado, tendo em conta que o arguido sabe perfeitamente o que é que está em causa neste momento e nestes autos e é, por esse motivo, que se tem furtado a comparecer.
Assim sendo, não se designará outra data para nova diligência. Não obstante, concede-se à defesa o prazo de cinco dias para juntar os documentos a que ora fez menção, após o que deve ser aberta vista ao MºPº para se pronunciar sobre eventual revogação da pena aplicada.
(…)»
(xvi) O Ministério Público, em vista que teve nos autos, promoveu a revogação da suspensão, devendo o Arguido cumprir a pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão que lhe foi imposta nos autos.
(xvii) A Senhora Advogada que assume a defesa do Arguido requereu a prorrogação do período de suspensão da execução da pena, ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código penal.
(xviii) Tem o Arguido inscrito no seu certificado do registo criminal que:
- por sentença proferida em 27 de junho de 2012, no processo sumaríssimo n.º 47/11.1GAENT do Tribunal do Entroncamento, e transitada em julgado, foi condenado, pela prática, em 5 de maio de 2011, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
- por sentença proferida em 3 de agosto de 2015, no processo sumario n.º 76/15.6PFLRA do Tribunal de Leiria, e transitada em julgado a 30 de setembro de 2015, foi condenado, pela prática, em 20 de julho de 2015, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (cinco euros);
- por sentença proferida em 13 de dezembro de 2016, no processo abreviado n.º 225/16.7GBTMR do Tribunal de Santarém, e transitada em julgado a 10 de fevereiro de 2017, foi condenado, pela prática, em 2 de junho de 2016, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
- por sentença proferida em 13 de julho de 2017, no processo comum n.º 200/14.6PBLRA do Tribunal de Leiria, e transitada em julgado a 14 de Maio de 2019, foi condenado, pela prática, em 11 de abril de 2014, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea f) e n.º 4, ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução fiou suspensa por igual período, com regime de prova;
- por sentença proferida em 7 de junho de 2018, no processo sumário n.º 285/18.6GCLRA do Tribunal de Leiria, e transitada em julgado a 1 de outubro de 2018, foi condenado, pela prática, em 26 de maio de 2018, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 1 (um) ano;
- por sentença proferida em 12 de junho de 2019, no processo sumário n.º 279/19.4GCLRA do Tribunal de Leiria, e transitada em julgado a 30 de setembro de 2019, foi condenado, pela prática, em 16 de maio de 2019, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 1 (um) ano e condicionada a obter a carta de condução;
(xix) A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 22.05.2017, pela prática de:
- um crime de furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, al. e) e n.º 2, al. e) com referência ainda ao artigo 202.º, al. d), todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
- de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, al. e) e n.º 2, al. e), com referência, ainda, ao artigo 202.º, al. d), todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; e
- de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de dois meses de prisão.
Procedendo-se ao cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi aplicada a pena única de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova. O termo da pena ocorreria em 22.01.2021.
A DGRSP veio dar conta do total incumprimento do plano, por parte do arguido.
Determinada a audição do condenado, este nunca compareceu voluntariamente e frustrou-se ao cumprimento dos mandados emitidos.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da referida pena de três anos e oito meses de prisão.
Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal, a suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
A revogação da suspensão da execução da pena, determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado (artigo 56.º, n.º 2 do Código Penal).
Da conjugação das alíneas do n.º 1 deste normativo legal, decorre que a revogação da suspensão da pena não tem carácter automático mas exige um juízo sobre a sua necessidade para atingir as finalidades da pena imposta.
No caso em apreço, ainda não se mostra decorrido o prazo de suspensão de execução da pena de prisão, mas o arguido já demonstrou que não cumpriu minimamente o regime de prova que lhe foi imposto e cometeu crimes idênticos no período da suspensão.
Com efeito, como referido pela DGRSP "(...) deixou de comparecer e de se justificar às entrevistas previamente agendadas por estes serviços de reinserção social (19.07.2019; 26.07.2019; 09.08.2019; 08.11.2019; 12.12.2019 e 15.01.2020). Foram realizadas várias deslocações ao domicílio, em Tomar, tendo sido deixadas várias convocatórias para se apresentar e/ou entrar em contato telefónico com a técnica, sem sucesso. Nas deslocações constatou-se que a casa estava fechada e familiares do condenado disseram que estava a viver em Leiria, junto da família da companheira e/ou em paradeiro desconhecido, pelo que podemos concluir que o arguido incumpriu, na sua totalidade, o plano de reinserção social, violando, assim, as obrigações de socialização impostas no plano.
Acresce que o Tribunal concedeu inúmeras oportunidades ao arguido para estar presente em sucessivas audições de condenado que foram sendo agendadas. Não compareceu nem justificou as faltas. Furtou-se ao cumprimento dos mandados tal como, como é do meu conhecimento funcional, tem feito em diversos inquéritos que correm termos no DIAP de Tomar, o que denota total desprezo pelas decisões do Tribunal.
Importa, ainda, considerar o referido pela técnica da DGRSP que foi ouvida e afirmou que o arguido "se escondia das notificações, refugiando-se no interior da habitação, com medo de ser preso ou detido".
Para além do mais, o arguido foi condenado, por factos praticados em 26.05.2019, integrantes do crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em julgado no dia 01.10.2018 e no dia 16.05.2019 voltou a cometer crime idêntico, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado no dia 30.9.2019.
Efetivamente, não obstante as oportunidades que lhe foram sendo conferidas, o arguido não apresentou qualquer comportamento que permita concluir pela vontade de alterar a sua conduta, o que demonstra total desinteresse pelo cumprimento da pena aplicada.
Por estas razões, é evidente que o juízo de prognose formulado quanto ao comportamento do condenado, no sentido de que a censura do facto e a ameaça de prisão realizariam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, resultou frustrado.
Assim, parece claro que a confiança na norma violada não se satisfaz com a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão, tendo em conta a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a necessidade de reinserção social do condenado, pelo que é manifesto que as razões de prevenção impõem a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada.
Assim sendo, mostram-se verificados os pressupostos da revogação da suspensão da pena de prisão, elencados no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, o que se determina, devendo o condenado (…) cumprir a pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão a que foi condenado nestes autos (n.º 2 do mesmo artigo).
Notifique.»
û
Conhecendo.

(i) Da nulidade prevenida na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal
A não realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade
O Tribunal de 1.ª Instância omitiu diligências essenciais à descoberta da verdade, na perspetiva do Recorrente, quando não tratou de indagar se este mantinha inscrição ativa no Serviço de Emprego, bem como se mantinha o Rendimento de Inserção Social.

Como referia o Professor Cavaleiro de Ferreira [[2]], «… a apreciação do processo, em razão do seu fim, desdenha do que para esse fim foi acidental ou desnecessário, embora em si mesmo ilegal
A imperfeição do ato processual, por via da não observância da norma ou normas que regulam o seu processamento, pode assumir formas diversas consoante a gravidade do vício que lhe subjaz, desde a mera irregularidade até à inexistência.
Entre estes dois extremos, encontram-se os vícios que dão lugar à nulidade.
Esta, por sua vez, subdivide-se em nulidade insanável e nulidade dependente de arguição.
O nosso Código de Processo Penal adotou um sistema de nulidades taxativas.
Princípio que se encontra consagrado, de forma inequívoca no artigo 118º do referido diploma legal e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição.

Em tese e em conformidade com o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, a omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, constitui nulidade dependente de arguição.
Mas esta invalidade não foi suscitada no Tribunal de 1.ª Instância, no prazo a que se reporta o artigo 105.º do Código de Processo Penal.
O que impõe se conclua que, a ter-se verificado, ficou sanada.

Em jeito de conclusão, diremos que o recurso para tribunal superior não constitui o meio processualmente adequado para arguir a nulidade decorrente da inobservância do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, uma vez que não estamos perante invalidade insanável/de conhecimento oficioso – artigos 119.º e 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –, invalidade reportada à sentença – artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – nem invalidade oportunamente suscitada na 1.ª Instância.

E neste segmento, o recurso improcede.

(ii) Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão
À suspensão da execução da pena de prisão reporta-se o artigo 50.º do Código Penal, aí se tratando dos seus pressupostos e duração, nos seguintes termos:
«1 — O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 — O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 — Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 — A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.»

Tal como decorre do disposto no n.º 1, a suspensão da execução da pena de prisão tem dois pressupostos: um formal – ser a sanção aplicada d medida não superior a 5 (cinco) anos –, e outro material – ser de concluir, face à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição são, como se extraí do n.º 1 do artigo 40º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
«A finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão e clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correção”, “melhora” ou – ainda menos – “metanoia” das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma (…) uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência.”»[[3]]

No artigo 55.º do Código Penal, a propósito da falta de cumprimento das condições da suspensão, estabelece-se:
«Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.»

E no artigo 56.º do Código Penal regula-se a revogação da suspensão.
«1 — A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 — A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado

A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos traduz atuação em que o comum dos cidadãos não incorre, atuação indesculpável e que não merece, por isso, ser tolerada.
O juízo sobre a revogação da suspensão da pena há-de decorrer de uma manifesta violação dos deveres impostos ao condenado que mostre inequivocamente uma frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena.

Por outro lado, a revogação da suspensão da execução de pena de prisão não decorre automaticamente da prática de um crime no seu decurso.
Efetivamente, para que ocorra a revogação da suspensão da execução da pena de prisão impõe-se apurar se a condenação pela prática de um crime no seu decurso põe em causa, definitivamente, o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja, a expectativa de que através da suspensão se arredaria o condenado da prática de outros crimes.
A prática de um crime durante o período em que vigorava a suspensão da execução da pena, só deve constituir causa de revogação dessa suspensão quando dessa prática, em concreto – tendo em conta, nomeadamente, o tipo de crime, as condições em que foi cometido e a gravidade da situação – decorra que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Trata-se, pois, de formular um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um alcançar juízo de previsibilidade de uma ação ou de um comportamento futuro.

Atribuiu o Recorrente importância que se nos afigura exagerada à expressão, constante da decisão com que não se conforme, de “total incumprimento” do plano de reinserção social.
Da leitura desta decisão é evidente que o incumprimento nela referido e que conduziu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta no processo se encontra nas faltas não justificadas a entrevistas previamente agendadas pelos serviços de reinserção social [em 19 de julho de 2019, em 26 de julho de 2019, em 09 de agosto de 2019, em 08 de novembro de 2019, em 12 de dezembro de 2019 e em 15 de janeiro de 2020], na forma alheada como lida com este processo, sendo certo que nunca compareceu a diligências nele agendadas e para que foi notificado, e nos crimes que cometeu no período de suspensão de execução da pena de prisão que aqui lhe foi imposta.

E é patente que o Arguido, a partir de julho de 2019 deixou de cumprir os contactos com os serviços de reinserção social a que está obrigado. E que mantém esse comportamento, sem proporcionar qualquer justificação.
Também não comparece em Tribunal quando é convocado à ordem dos presentes autos. Nem justifica semelhante atitude.
Se nada mais houvesse a apontar ao Arguido, embora fosse possível afirmar uma violação grosseira dos deveres ou regras de conduta a que o mesmo está adstrito, não seria evidente a frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena.
Todavia, no período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta nos presentes autos – entre 22 de maio de 2017 e 22 de janeiro de 2021 – o Arguido cometeu dois outros crimes de condução de veículo sem habilitação legal, em 26 de maio de 2018 [processo n.º 285/18.6GCLRA] e em 16 de maio de 2019 [processo n.º 279/19.4GCLRA], pelos quais veio a seu condenado em penas de prisão com execução suspensa.

Neste contexto, com prevalência para o comportamento do Arguido que se traduziu em condenações pela prática de dois outros crimes de condução sem habilitação legal, no período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta nestes autos, é evidente não terem sido atingidos os propósitos que estiveram na base desta medida de substituição da pena de prisão.
Dito de outra forma, ficou irremediavelmente comprometido o convencimento de que o Arguido, com a ameaça do cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta nos presentes autos se afastaria da prática de novos crimes, já que o mesmo, tendo sido condenado por prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, no período da suspensão da execução da referida pena de prisão, indiferente ao juízo de prognose favorável que havia sido emitido pelo Tribunal relativamente à sua conduta posterior, voltou a conduzir sem, para tanto, estar habilitado, por mais duas vezes.

E não colhe, em sentido diverso do acabado de afirmar, a iliteracia do Arguido.
Que foi deliberadamente exponenciada pela sua Defensora, nesta fase do processo, com o evidente propósito de colocar o Arguido numa situação debilidade mental que não encontra indício no processo.
Naturalmente que não desconhecemos que a não-escolarização e o analfabetismo afetam, de forma muito relevante, os processos cognitivos superiores.
As estratégias de reconhecimento, de memorização e de recuperação da informação memorizada, bem como as estratégias de resolução de problemas e de análise e integração intencionais dos conhecimentos, são muito mais desenvolvidas e eficazes nos indivíduos escolarizados instruídos.
E é enorme superioridade dos alfabetizados no que diz respeito à riqueza e à complexidade dos conhecimentos, em particular dos que envolvem conceitos abstratos.
Todavia, como também resulta do processo, o dia-a-dia do Arguido não destoa na comunidade em que se insere e é-lhe apontada integração familiar.

E tenha-se presente que os entendimentos da técnica de reinserção social disso não passam, pois não têm carácter vinculativo para o Tribunal.
Acresce que o conteúdo de condenações impostas ao Arguido pela prática de crimes no período da suspensão da execução da pena que lhe foi imposta nos presentes autos não é requisito consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.
O entendimento dos Senhores Juízes que proferiram estas condenações – quanto à aptidão do Arguido se afastar da prática de novos crimes, não obstante os antecedentes criminais que regista e a circunstância de ter cometido os crimes que julgaram durante o período de suspensão de execução de pena de prisão por crime idêntico –, porque insuscetível de opinião na 1.ª Instância, é irrelevante.

A decisão recorrida não desrespeita as regras que disciplinam o instituto da suspensão da execução da pena, nem qualquer preceito da Constituição da República Portuguesa.
Não merece, pois, reparo.

E o recurso, neste segmento, não procede.


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s
û
Évora, 2021 abril 13
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)


______________________________________________
(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)


______________________________________________
(Renato Amorim Damas Barroso)

_________________________________________________

[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Lições de Processo Penal, Volume I, página 269.

[3] Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime” 3.ª Reimpressão, Coimbra Editora, página 343.