Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
464/23.4T8PTG.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: DECISÃO ADMINISTRATIVA
NULIDADE
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso dos autos, quer o auto de notícia, quer a decisão, descrevem, de modo concreto, os factos e a circunstâncias de tempo e espaço da prática da contraordenação.
Há que ler os factos no seu conjunto, pois além do local, também surge identificada a hora, o veículo conduzido, o nome dos intervenientes, o dia, o transporte efetuado, o local de origem e o local de destino e o tipo de transporte (de mobiliário – mudanças), o que permite assim individualizar o “pedaço de vida” que é imputado ao arguido e individualizar a ação imputada.

São descritos igualmente, de modo suficiente – atenta a fase em causa e a natureza do processo – os elementos objetivos e subjetivos para preenchimento do tipo de ilícito em questão. Foram enunciados os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos. Os factos são suficientes para o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em apreciação, não se verificando qualquer nulidade.

São descritos os factos – isto observando toda a decisão – e é exposta a respetiva fundamentação desses factos, a par da fundamentação jurídica. Há que ler a decisão no seu todo, considerando o Tribunal que a mesma é suficientemente compreensível.

Mais uma vez se diz que não se pode exigir uma descrição absolutamente exaustiva, nem o mesmo formalismo do que uma sentença penal. O que se exige é que a decisão seja inteligível e percetível, o que no caso é.

Observando a decisão administrativa, a par do procedimento contraordenacional seguido, não se considera que tenham sido colocadas em causa as garantias de defesa do arguido.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

Foi proferida decisão que julgou improcedente o recurso interposto por AA relativamente à decisão do “I.M.T. - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.”, que o condenou pela prática da contraordenação prevista e punida nos termos dos artigos 3.º e 23.º do DL n.º 257/2007 de 16/7 no pagamento de uma coima de 1.250,00€.

Inconformado com essa decisão, dela recorreu o arguido, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1- O arguido entende que a decisão condenatória não cumpre os requisitos mencionados nos do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, (Ilícito de Mera Ordenação Social (na versão art.s 58.º mais recente - Lei n.º 109/2001, de 24/12), adiante também identificado como RGCO e nos art.s 170º e 171º do Código da Estrada,

2- Deve proceder a nulidade da aludida decisão administrativa, invocada em sede de impugnação judicial, para todos os efeitos legais.

3- Se a notificação, tendo lugar, omitir os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade da decisão de harmonia com o preceituado nos artigos 374.º, números 2 e 3 e 379.º, nº 1, al a) ambos do Código de Processo Penal (doravante “CPP”), arguível pelo notificado perante a administração ou, judicialmente, no acto da impugnação.

4- A SENTENÇA RECORRIDA ESQUECE-SE, com o devido respeito, QUE PORTUGAL É UM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO e que a Lei Fundamental do país exige que a própria ideia de Estado de direito impõe que uma pessoa goze de um amplo conjunto de direitos e um desses direitos é o arguido saber do que é acusado, o que inclui o local onde os factos foram eventualmente praticados

5- Diz a sentença a quo, na página 6, que “O que importa é os factos serem descritos de forma a que o arguido tenha conhecimento dos mesmos e possa defender-se adequadamente. Ou seja, a descrição dos factos não pode ser genérica e vaga ao ponto de não ser possível ao arguido compreender o seu alcance”.

6- E o que acontece no caso dos autos é que o arguido não sabe em que ponto da chamada “Variante de …” da “IP…” é que cometeu a infracção em causa.

7- Até porque a “Variante de …” da “IP…” é uma designação dada pelo Povo a uma parte do IP…, não se encontrando classificada como tal pelas Infraestruturas de Portugal IP, não se sabendo onde essa Variante começa e onde termina.

8- Por isso, com o devido respeito, o que consta a fls. 7 da decisão recorrida, de que “… o arguido reside em … (…) como qualquer cidadão residente em … conhece, sabendo assim perfeitamente onde a mesma se situa, não se tratando claramente de um local “vago e impreciso”, pois é claramente identificável” é completamente estapafúrdio.

9- Com que base a Senhora Juíza a quo se fundamentou para fazer constar na sentença tal consideração ?

10- Por prova testemunhal ??? Qual ??? – a sentença recorrida não diz.

11- Com que fundamento legal ???

12- Tal questão também não foi sequer colocada, em sede de julgamento, aos dois militares da GNR, que foram os agentes autuantes; pelo que nenhuma prova foi feita nesse sentido (onde começa e onde termina a “Variante de … do IP…”).

13- Ninguém sabe em … onde começa e onde termina a Variante da IP ….

14- De facto, na decisão administrativa em apreço, na parte relativa ao local, diz apenas: “no IP … -Variante de … – Comarca de …”.

15- Considera-se que o local, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 170º do Código da Estrada e do art. 58º do RGCO, que consta na decisão administrativa do processo em epígrafe, é “no IP … -Variante de … – Comarca de …”.

16- A “Variante de …, no IP …, na Comarca de …” tem uma extensão muito grande, mais de três quilómetros.

17- A decisão administrativa não identifica, dentro dessa Variante, onde é que os factos imputados ao impugnante ocorreram.

18- A decisão administrativa não identifica, nem em concreto nem aproximadamente, qual o local dentro da Variante de …, no IP …, é que os factos ocorreram.

19- O local referido na decisão administrativa (“no IP … -Variante de … – Comarca de …”) onde os factos imputados ao ora recorrente ocorreram é abstrato e amplo, mergulhando na vacuidade e na generalidade.

20- O A decisão administrativa não contém todos os elementos indispensáveis a que alude o art. 170º do Cód. Estrada e no art. 58º do RGCO,.

21- Na decisão administrativa não foi referido o local concreto ou aproximado, de forma a conseguir-se identificar concretamente onde é que a alegada infração teve lugar.

22- Tal ausência, no auto em causa, do local concreto, ou aproximado, onde a infração supostamente teve lugar, tem consequências e reflexos em termos acusatórios, por dois motivos.

23- Em primeiro lugar, como delimitação do próprio libelo acusatório, sustentáculo-básico de uma posterior decisão condenatória.

24- Em segundo lugar, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa por parte do impugnante, esta não se pode defender de uma decisão administrativa que não refere concreta ou aproximadamente onde os factos ocorreram.

25- Não se pode contestar “o abstrato espacialmente”.

26- Daqui se conclui que resultam afetadas as garantias constitucionais de defesa do ora recorrente.

27- É inquestionável que o auto de contra-ordenação, e consequentemente a decisão administrativa, apresentam-se viciados, sendo nulos.

28- Não foram cumpridos o prescrito no nº 1 do art. 170º e no nº 1 do art. 181º. ambos do Cód. Estrada e no art. 58º do RGCO, , no que concerne à indicação do local.

29- Assim, é nula a decisão administrativa, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas no art. 132º do CE, no art. 41º, n.º 1 do DL nº 433/82, no art. 170º, n.º 1, no art. 181.º, todos do CE, art. 58º do RGCO e nos art.s 122º, n.º 1 e 283º, n.º 3, al. b), ambos do CPP, por força das disposições conjugadas dos arts. 58º, n. 1, al. b) e 41º do DL nº 433/82 e 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), ambos do C.P.Penal.

30- A sentença recorrida, ao não ter decidido nesse sentido, violou as disposições legais descritas no parágrafo anterior.

Adere-se, nesta sede, para tudo o que se alegou anterior em sede de conclusões.

31- O recorrente não entende os factos que lhe são imputados pela decisão administrativa, pela ausência do local concreto, ou aproximado, do local onde os mesmos ocorreram.

32- Não se pode contestar o que não se percebe e o que não se entende.

33- O arguido não sabe, de forma concreta ou aproximada, como é que ocorreu a infração que lhe é imputada.

34- O arguido não sabe que veículo e que mercadorias se transportava no mesmo, no dia identificado na decisão administrativa e de que forma é que praticou a contra-ordenação que lhe foi aplicada, de modo a poder apresentar a sua defesa pertinente a esses factos, quer no sentido de provar que não os praticou, quer com o intuito de demonstrar que não justificam a aplicação das sanções.

35- A decisão administrativa em apreço tem que conter toda a individualização, no sentido de, por um lado, estarem descriminados os factos e, por outro lado, acompanhados de todas as circunstâncias de modo, lugar e tempo.

36- Os factos descritos no auto de contra-ordenação não estão integrados descriminados, a forma a serem percetíveis.

Daqui se conclui que resultam afetadas as garantias constitucionais de defesa do arguido.

37- Assim, é nula a decisão administrativa, sendo que não tendo a decisão recorrida declarado tal nulidade violou o disposto nas disposições conjugadas no art. 132º do CE, no art. 41º, n.º 1 do DL nº 433/82, no art. 170º, n.º 1, no nº 1 do art. 184º, ambos do Cód. Estrada, no art. 58º do RGCO e nos art.s 122º, n.º 1 e 283º, n.º 3, al. b), ambos do CPP, por força das disposições conjugadas dos arts. 58º, n. 1, al. b) e 41º do DL nº 433/82 e 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), ambos do C.P.Penal.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que farão V. Ex.ªs Senhores(as) Desembargadores(as),

J US T I Ç A !”

#

O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. A factualidade vertida no auto de notícia respeita os requisitos previstos no artigo 170.º, n.º 1, alínea a) do Código da Estrada, e a decisão administrativa cumpre os requisitos do artigo 58.º, n.º 1 do R.G.C.O. e do artigo 181.º do Código da Estrada, sendo que esta enuncia, de forma reputada de suficiente, os factos que preenchem os elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito em causa, e fundamenta também suficientemente os factos, a par da fundamentação jurídica.

2. Não se concorda com o recorrente quando alega que a menção à “IP … – Variante de … – Comarca de …”, quer no auto de notícia quer na decisão administrativa, se afigura abstrata e ampla, «mergulhada na vacuidade e na generalidade», não permitindo ao destinatário perceber onde, dentro da Variante de …, no IP…, é que os factos ocorreram.

3. A indicação de “IP… – Variante de …, Comarca de …” é, por si, suficiente para situar o arguido espacialmente no que aos factos em causa concerne, não se afigurando tal local como «vago e impreciso», pois que é perfeitamente identificável. Ademais, o arguido conhece perfeitamente a Variante de …, já que é residente nesta cidade.

4. O local indicado é concreto e identificável, ao contrário do invocado pelo arguido, o qual não se concebe ter ficado em dúvida quanto aos factos que lhe foram imputados, sendo certo que tal referência ao local vem necessariamente acompanhada de outros elementos, como a data, hora, transporte efetuado, viatura utilizada, infração praticada e identificação de intervenientes.

5. Não colhe a alegação de o arguido não ter compreendido qual o veículo em causa, que mercadoria transportava e de que modo praticou a contraordenação, de forma a poder apresentar a sua defesa quanto a esses factos, já que tais informações constam (cristalinas) quer no auto de notícia quer na decisão administrativa. É até feita referência à pessoa por conta de quem o transporte estava a ser realizado, sem que o arguido dispusesse da necessária licença para o efeito e ao trajeto que o mesmo fazia (origem e destino).

6. A decisão administrativa afigura-se inteligível e percetível, pelo que, atento o seu teor, correlacionado com o procedimento contraordenacional cumprido, somos de parecer não terem sido colocadas em causa as garantias de defesa do arguido.

7. Ao decidir no sentido da improcedência das nulidades invocadas pelo recorrente, o Tribunal a quo não violou o disposto nos artigos 58.º, n.º 1 do R.G.C.O. e 170.º, n.º 1, alínea a) e 181.º do Código da Estrada, e, assim sendo, inexiste qualquer nulidade ao abrigo do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do artigo 41.º do R.G.C.O.

Nesta conformidade, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida, nos seus precisos termos, a douta decisão recorrida.

V.ªs Ex.ªs, porém, decidirão conforme for de Direito e de Justiça!”

#

Neste tribunal da relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta ao parecer.

#

APRECIAÇÃO

A única questão a resolver no presente recurso é a de se saber se a decisão do IMT padece, ou não, de nulidade, por não conter os factos suficientes.

#

Na parte que interessa, a decisão recorrida refere o seguinte:

“Ora, no caso, observando o auto de notícia verifica-se que o mesmo contém os factos que constituem a infração e as circunstâncias em que foi cometida [“o condutor efetuava um transporte de mercadorias por conta de outrem (mobiliário – efetuava mudanças) da cidade de … para …, sem se fazer acompanhar de guia de transporte e sem licenciamento emitido pelo IMT (falta de alvará); a realização do transporte foi requerido (contratado) por BB”; também consta a identificação da viatura conduzida; mais conta a norma infringida: n.º 1 do artigo 3.º do DL 257/2007]; o dia [10.09.2021], a hora [10h45min], o local [“IP… – Variante de … – …”, código “12”], o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou [CC, militar da GNR], a identificação dos agentes da infração [AA, constando os seus dados de identificação], e a identificação de uma testemunha que possa depor sobre os factos [“1.º Sargento DD”].

(…)

Como se vê, o próprio Código de Processo Penal nem sequer exige, numa acusação pública, em processo penal, que o local esteja discriminado, apenas referindo “se possível”.

O que importa é os factos serem descritos de forma a que o arguido tenha conhecimento dos mesmos e possa defender-se adequadamente. Ou seja, a descrição dos factos não pode ser genérica e vaga ao ponto de não ser possível ao arguido compreender o seu alcance.

Todavia, in casu, observando o auto de notícia e a decisão administrativa conclui-se que os factos foram adequadamente descritos, não sendo afetado o direito de defesa do arguido, sendo até junta aos autos uma fotografia do alegado veículo conduzido pelo arguido e da mercadoria que se encontrava no interior da viatura (o que permite assim auxiliar o arguido na sua defesa). São descritos factos, que no seu conjunto, permitem perfeitamente ao arguido compreender o que lhe é imputado, permitindo assim defender-se. Com efeito, a contraordenação que lhe é imputada é muito concreta, e com factos precisos: escreve-se na decisão (resumidamente) que no dia 10-09-2021, pelas 10h45min, no IP …, Variante de …, …, o arguido circulava com o veículo ligeiro de mercadorias – com a matrícula …, efetuando um transporte de mercadoria por conta de outrem de mobiliário (efetuava uma mudança), da cidade de … para a …, sem se fazer acompanhar de guia de transporte e sem licenciamento emitido pelo IMT IP, sendo que a realização do transporte foi requerida por BB; imputando-se ao arguido que efetuava o transporte de mercadorias por conta de outrem, sem estar devidamente licenciado pelo IMT para o efeito, e que o arguido era o proprietário da viatura, na ocasião por si conduzido.

Ora, com todo o respeito por opinião em contrário, mas os factos são mais do que suficientes para o arguido compreender qual a infração que lhe é imputada, e para compreender o que lhe é imputado, podendo assim defender-se. A decisão administrativa cumpre com os requisitos legais, não omitindo os elementos necessários.

O arguido refere que «A Variante de …, no IP…, na Comarca de …, tem uma extensão muito grande, mais de três quilómetros», que «a decisão administrativa não identifica, dentro dessa Variante, onde é que os factos imputados ao impugnante ocorreram», e que «não identifica, nem em concreto nem aproximadamente qual o local dentro da Variante de …, no IP…, é que os factos ocorreram», defendendo o arguido que o local referido na decisão administrativa é «abstrato e amplo, mergulhado na vacuidade e na generalidade», não contendo a decisão todos os elementos indispensáveis, não sendo o local referido identificável pelo impugnante, estando assim a decisão viciada e padecendo de nulidade.

Ora, com todo o respeito, mas não se concorda com o arguido. Note-se que o arguido reside em …, conforme consta logo na identificação do auto de notícia, e também no seu recurso de impugnação, pelo que claramente conhece perfeitamente “a Variante de …”, como qualquer cidadão residente em … conhece, sabendo assim perfeitamente onde a mesma se situa, não se tratando claramente de um local “vago e impreciso”, pois é perfeitamente identificável. Ademais, o que interessa para os autos é que o arguido consiga compreender os factos que lhe são imputados e possa assim defender-se. Ora, quer o auto de notícia, quer a decisão, descrevem, de modo concreto, os factos e a circunstâncias de tempo e espaço: dia 10-09-2021, pelas 10h45min, no IP…, Variante de …, …, alegadamente o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula …, efetuando um transporte de mercadorias por conta de outrem (mudanças – mobiliário), de … para …, tendo tal transporte sido requerido por BB, mais constando a alegada infração praticada (transporte sem guia de transporte e sem licenciamento/alvará emitido pelo IMT). Ora, com todo o respeito, mas tal afigura-se suficientemente claro e percetível: é identificada a hora, o local, e os intervenientes, e o suposto transporte efetuado, permitindo assim ao arguido compreender perfeitamente o que lhe é imputado e assim defender-se. A Variante de …, como qualquer cidadão de Portalegre assim o sabe, e é facto notório e público, situa-se na cidade de …, como o nome o indica, e não abrange toda a cidade de … (pois caso contrário, não estaria identificado o sítio como “IP…- Variante de …”), nem se trata de um sítio com uma extensão tão grande ao ponto de não ser identificável (independentemente da sua concreta extensão, é identificado o local como sendo “IP…- Variante de …- …”, ou seja, em …, na Variante, o que é um local concreto). Até porque além do local, é ainda identificada a hora precisa, e o dia, o veículo conduzido, e o tipo de transporte, permitindo assim ao arguido facilmente compreender os factos e assim defender-se (nomeadamente, permitindo-lhe provar, se assim o pretendesse, que por exemplo no dia 10-09-2021, às 10h45min, não se encontrava a conduzir o veículo em causa, ou não se encontrava na Variante de …, ou que não estava a transportar mercadoria para BB, ou que era titular de alvará emitido pelo IMT…). Há que ler os factos no seu conjunto, pois além do local, também surge identificada a hora, o veículo conduzido, o nome dos intervenientes, o dia, o transporte efetuado, o local de origem e o local de destino e o tipo de transporte (de mobiliário – mudanças), o que permite assim individualizar o “pedaço de vida” que é imputado ao arguido e individualizar a ação imputada.

Refere o arguido que não sabe que veículo e que mercadorias transportava, e de que forma praticou a contraordenação: ora quer no auto, quer na decisão administrativa é descrito o tipo de veículo (veículo ligeiro de mercadorias), a matrícula, e o transporte de mobiliário, da cidade de … para …, mais constando quem contratou o serviço (de mudanças), e a falta de guia de transporte e de licenciamento (alegada infração). Na decisão administrativa também é referido o peso do veículo (3.500kg).

O arguido refere que não entende os factos que lhe são imputados pela decisão administrativa, mas, com todo o respeito por opinião em contrário, não pode o Tribunal concordar, considerando que os factos são percetíveis, devendo-se ler a decisão no seu todo.

São descritos igualmente, de modo suficiente – atenta a fase em causa e a natureza do processo – os elementos objetivos e subjetivos para preenchimento do tipo de ilícito em questão. Foram enunciados os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos. Os factos são suficientes para o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em apreciação, não se verificando qualquer nulidade.

Considera o Tribunal que o arguido alcançou e compreendeu perfeitamente os factos que lhe foram imputados.

São descritos os factos – isto observando toda a decisão – e é exposta a respetiva fundamentação desses factos, a par da fundamentação jurídica. Há que ler a decisão no seu todo, considerando o Tribunal que a mesma é suficientemente compreensível.

Mais uma vez se diz que não se pode exigir uma descrição absolutamente exaustiva, nem o mesmo formalismo do que uma sentença penal. O que se exige é que a decisão seja inteligível e percetível, o que no caso é.

A questão de ter sido produzida prova suficiente ou não, quanto aos factos descritos na decisão administrativa, é uma questão completamente diferente da nulidade.

Ao nível da fundamentação a decisão administrativa foi adequada e suficiente, não incorrendo em vício de falta de fundamentação.

Tenha-se em consideração o já supra analisado quanto às exigências de fundamentação no processo contraordenacional.

Observando a decisão administrativa, a par do procedimento contraordenacional seguido, não se considera que tenham sido colocadas em causa as garantias de defesa do arguido.

Com efeito, este foi notificado para exercer o seu direito de defesa.

Entende o Tribunal que não foi inviabilizada a defesa do arguido, tendo o mesmo a plena possibilidade de se defender, tendo agora impugnado a decisão, decisão esta que se mostra cumpridora dos requisitos legais, previstos no DL n.º 433/82, não tendo sido violados os direitos de defesa do arguido, nem qualquer preceito legal.

Foram devidamente respeitados os direitos do arguido.

Tudo exposto e ponderado, observando o processo contraordenacional, considera o Tribunal que não se verifica in casu qualquer nulidade a atender, nem qualquer vício legal ou procedimental.

Igualmente entende o Tribunal que a decisão não viola o princípio da legalidade, nem qualquer preceito constitucional. Não foram violados os direitos fundamentais do arguido.

Improcedem, assim, por falta de fundamento, as nulidades, invalidades e demais vícios invocados pelo arguido recorrente, e não se verificando quaisquer vícios ou nulidades que sejam de conhecimento oficioso.”

#

A decisão recorrida aprecia a questão da pretendida nulidade de forma clara e completa, e exemplarmente fundamentada.

Resta pouco mais a referir.

Com efeito, entende-se que a forma pela qual se identifica o local da infracção no auto de contra-ordenação é mais do que suficiente para que se compreenda onde o mesmo se situa e que de forma alguma põe em causa o direito de defesa do recorrente.

Em momento algum o recorrente nega que conduzia o veículo identificado no referido auto, sendo até certo que consta nos autos uma fotografia do interior do mesmo, a qual foi obtida no momento em que se procedeu à detecção da contra-ordenação em causa.

E a pessoa que conduzia o veículo assim identificado era o arguido.

Não se compreende como é que só o conhecimento exacto do local do IP… – variante de …, comarca de … -, poderia possibilitar o cabal direito de defesa do recorrente.

É que para isso bastaria que o mesmo alegasse que nunca conduziu o veículo em causa nas proximidades de …, mais concretamente em qualquer ponto da variante, nas circunstâncias de tempo referidas no auto.

Não é razoável admitir que um condutor minimamente informado não saiba o que é uma “variante”, para já não falar num I.P..

Aliás, o próprio recorrente alega que a mesma terá 3 Km, pelo que bem demonstra que conhece muito bem o local que se trata.

Basta consultar no google por “IP… – variante de …” (o que se fez no dia 26/2/2024, às 9,45h) para desde logo surgir a referência “variante de …”, por exemplo nas publicações “Linhas de Elvas/Norte Alentejo”, “Portal de Informação Digital” e “Jornal de Portalegre”.

Se se referisse, pura e simplesmente, “IP…” ou “IP… – comarca de …, “ainda vá que não vá”; agora, referindo-se, para além disso, “variante de …” fica bem ao alcance do arguido poder contraditar o que consta no auto.

Bem se sabe que não é ao arguido que cabe alegar e provar que não praticou a contra-ordenação em causa, mas a partir do momento em que se refere no auto que a mesma ocorreu no “IP …- variante de …”, dá-se suficiente cumprimento ao disposto nos artºs 58º, nº 1, do R.G.C.O. e 170º, nº 1, al. a) e 181º, nº 1, ambos do Cód. da Estrada.

Alega ainda o recorrente que:

“O recorrente não entende os factos que lhe são imputados pela decisão administrativa, pela ausência do local concreto, ou aproximado, do local onde os mesmos ocorreram.

(…)

O arguido não sabe, de forma concreta ou aproximada, como é que ocorreu a infração que lhe é imputada.

O arguido não sabe que veículo e que mercadorias se transportava no mesmo, no dia identificado na decisão administrativa e de que forma é que praticou a contra-ordenação que lhe foi aplicada, de modo a poder apresentar a sua defesa pertinente a esses factos, quer no sentido de provar que não os praticou, quer com o intuito de demonstrar que não justificam a aplicação das sanções.”

A decisão recorrida é também quanto a isto bem elucidativa, conforme acima se transcreveu.

Perante o que consta no auto de contra-ordenação, do qual o recorrente teve conhecimento, não se compreende como é que o mesmo não sabe que veículo e que mercadorias se transportava.

Repetindo, e concluindo, o que consta no auto de contra-ordenação (acompanhado pela fotografia junta aos autos) é mais do que suficiente para que o recorrente tenha conhecimento de todos os factos necessários para a sua cabal defesa.

Não há assim nada de “estapafúrdio” na decisão recorrida, ao contrário do que alega o recorrente, nem se vislumbra a violação de qualquer preceito legal, designadamente qualquer dos referidos pelo recorrente.

#

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

#

Deverá o recorrente suportar as custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

#

Évora, 5 de Março de 2024

Nuno Garcia

J.F. Moreira das Neves

Jorge Antunes