Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
98/19.8 T8FAL-A.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
INTERESSES DIFUSOS
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
A ação cautelar comum, prévia à ação principal, referente a causa ambiental, sem danos liquidáveis ou dificilmente liquidáveis, tem o valor de €60.000,02.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


No presente procedimento cautelar comum, com pedido de inversão do contencioso, sendo o valor indicado de €30.000,01 (art. 303º., nºs 1 e 3 do CPC), instaurado, no Tribunal Judicial da Comarca de Beja/Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, pelo Exmo. Procurador-Adjunto contra BB, S.A., onde se pedeo encerramento imediato e completo da unidade industrial que a Requerida explora no Lugar de F…, (…) Ferreira do Alentejo” e a “manutenção do encerramento completo dessa unidade industrial enquanto a Requerida não promover os seguinte atos ou se verificarem os seguintes eventos: “i) Equipar a sua unidade industrial com chaminés devidamente dimensionadas e dotadas de adequados sistemas de filtragem de gases tóxicos e partículas nocivas; ii) Implementar uma metodologia de medições periódicas de autocontrolo das suas emissões atmosféricas, por entidade idónea e com a fábrica a laborar nas condições e capacidades máximas; iii) Cessar imediatamente quaisquer descargas em linhas de água, procedendo à limpeza completa das linhas de água que atravessem a sua propriedade ou contendam com a mesma; iv) Cessar imediatamente o espalhamento de águas residuais em solo agrícola, até se verificar a regeneração dos solos saturados e afetados com tal espalhamento; v) Impermeabilizar todas as lagoas ou depósitos de retenção para acondicionar águas residuais, com tela e cimento, assim como impermeabilizar as canalizações correspondentes; vi) Implementar uma metodologia de medições periódicas de autocontrolo das suas emissões aquáticas, por entidade idónea; vii) construir edifícios totalmente cobertos, fechados em todas as suas paredes e dotados de solo impermeável com tela e cimento, para acondicionar o bagaço extrato, as cinzas e as escórias resultantes da sua atividade; viii) Acondicionar quaisquer óleos industriais, resíduos de construção ou outros resíduos sólidos no interior de edifícios totalmente cobertos, fechados em todas as suas paredes e dotados de solo impermeável com tela e cimento, para acondicionar o bagaço extratado, as cinzas e as escórias resultantes da sua atividade; ix) Proceder, as expensas próprias a uma limpeza completa de todas as vias públicas, residências, terrenos agrícolas e quaisquer outros locais de Fortes que se encontram impregnados com partículas, resíduos ou outras emissões da Requerida; x) Custear, a expensas próprias, todos os tratamentos médicos e psicológicos a que os residentes de Fortes tenham de se sujeitar, em resultado da exposição aos resíduos e emissões da fábrica da Requerida; xi) Ocorrer uma vistoria conjunta das diversas entidades competentes em matéria de emissões atmosféricas, gestão de resíduos sólidos, gestão e emissão de águas residuais industriais e saúde pública, que verifique e confirme a implementação de todas as referidas alterações e medidas e xii) Serem realizadas medições, pelas entidades competentes em matéria de emissões atmosféricas e de gestão e emissão de águas residuais, com vista a aferir se as emissões concretamente realizadas pela Requerida se encontram ou não dentro dos VLE e parâmetros legalmente estabelecidos (…)”, e “a abstenção da Requerida em iniciar atividade industrial análoga no País, ainda que em unidade industrial diversa ou através de interposta pessoa singular ou o coletiva”, condenando-a “numa sanção pecuniária compulsória de €100.000,00 (…), em caso de incumprimento ou atraso no cumprimento das providências identificadas em i, ii e iv, e liquidando-se tal valor por cada dia de cumprimento”[1], foi lavrando despacho a fixar em €160.000,02 o valor do “presente procedimento cautelar (…), o que corresponde à soma do limite do dobro[2] da Relação com o peticionado valor de um dia de aplicação da sanção pecuniária compulsória” e, em consequência, a declarar o Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo incompetente, em razão do valor, com a inerente remessa dos autos ao Juízo Cível da Instância Central de Beja.


Inconformado com o decidido, “que fixou o valor do procedimento cautelar acima daquele indicado no requerimento inicial e declarou a consequente verificação da incompetência do Tribunal a quo em função do valor da causa”, recorreu o Exmo. Procurador-Adjunto, com as seguintes conclusões[3]:


- O Tribunal recorrido, ao computar, autonomamente, o valor da sanção pecuniária compulsória, no quantitativo anterior à redução do pedido, proferiu uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório, o que constitui uma nulidade processual;


- O despacho impugnado é nulo, por falta de motivação, uma vez que, ao divergir do valor atribuído no procedimento cautelar, impunha-se que indicasse quais os danos indicados no requerimento inicial que suplantavam o dito valor, “impedindo a compreensão da metodologia que o levou a chegar ao valor de €60.000,02, bem como o correspondente escrutínio”;


- O mesmo despacho é, também, nulo, por contradição ente os fundamentos e a decisão, uma vez que o valor declarado “corresponde a uma conclusão não suportada pelas premissas em que assenta, com o inerente vício lógico que afeta a decisão recorrida no seu todo”;


- O pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, carecendo de efetiva utilidade económica, não tem existência autónoma, devendo ser excluído do cômputo do valor do procedimento cautelar;


- O valor a atribuir ao presente procedimento cautelar deve ser €30.000,01, “o qual é computado com base no disposto no art. 303º., nº 1 do Código de Processo Civil, perante a falência do critério do art. 303º, nº 3 do Código de Processo Civil, ou, alternativamente, por via de interpretação sistemática deste último normativo, concatenando-o com o valor-regra que a lei processual civil atribui às causas sem utilidade económica quantificável ou cuja quantificação se mostre excessivamente difícil no início do processo”;


-O despacho impugnado deve ser revogado, fixando-se, em consequência o valor da causa em €30.000,01, e declarando-se o Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, competente, em razão do valor da causa, com as inerentes consequências.


Contra - alegou a recorrida BB, SA., pugnando pela manutenção do decidido.


O recurso tem por objeto a seguintes questões: a) a invocada nulidade processual; b) a alegada nulidade do despacho recorrido; c) o invocado erro na fixação do valor do procedimento cautelar.


Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


Os factos (segmentos tidos por relevantes do despacho recorrido)


“ (…)


Aqui chegados, é momento de responder à primeira questão que se colocou, isto é, a de saber se a redução do valor do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória terá influência no valor da causa.


(…)


Pese embora, se tenha aceite, a redução requerida pelo Ministério Público, conforme supra explanado e ao abrigo das correspondentes disposições legais, a verdade é que, no que diz respeito à fixação do valor da causa, tal redução, não tem qualquer influência, devendo a atender-se ao momento em que o presente procedimento cautelar foi proposto, o que se fará infra.


Resolvida esta questão do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, e que se impunha fazer, resta analisar, em conformidade com as regras legais aplicáveis, que valor a atribuir ao presente procedimento cautelar, uma vez que as partes impugnam os valores reciprocamente indicados.


(…)


O presente procedimento cautelar é intentado pelo Ministério Público, em defesa do ambiente e saúde pública, sustentando a sua legitimidade, nomeadamente, no artigo 31º. do CPC - que tem por epígrafe “ações para tutela de direitos difusos”, bem como nos artigos 3º./1 e) e 5º./1 e) do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei nº 47/86 - que se referem igualmente à intervenção do Ministério Público para a defesa de “interesses coletivos e difusos” e ainda no artigo 16º. da Lei nº 83/95, que regula o direito de participação procedimental e de ação popular.


(…)


O Ministério Público atribui ao presente procedimento cautelar o valor de €30.000,01, com base no disposto nos nºs 1 e 3 do art. 303º., entendendo que os interesses difusos não deixam de ser também interesses imateriais, entendidos como destituídos de corporeidade e insuscetíveis de apropriação física, Daí que, se mostre impossível a aplicação do critério geral de fixação do valor da ação que vise a tutela de interesses difusos, previsto no art. 303º., nº 3 do Código de Processo Civil, restará a aplicação subsidiária do art. 303º., nº 1 do Código de Processo Civil, dada a imaterialidade nuclear dos interesses difusos.


Porque a quantificação dos concretos danos invocados se mostrava impossível à data da propositura do procedimento cautelar, sendo de resto uma operação de complexidade incompatível com a celeridade desejada desse procedimento, pelo que acabou por dar uso ao critério subsidiário de fixação do valor em €30.000,01 (…).


(…)


Atento o alegado pelo requerente e que constitui o objeto do presente procedimento cautelar, pretende-se salvaguardar quer o meio ambiente quer a saúde e o bem-estar de toda a comunidade de Fortes.


Parece-nos evidente que a disposição legal a aplicar é o nº 3 do artº. 303º. do CPC porquanto estatui especificamente para a tutela de interesse difusos, dentro das normas especiais que fixam os critérios para a atribuição do valor da causa.


À mingua de critérios objetivos que permitam racionalmente obter esse quantitativo e existindo norma legal que especificamente contempla o valor a atribuir a processos para tutela de interesses difusos (art. 303º., nº 3 do CPC), deverá fazer-se um juízo de valor adequado aos interesses em causa, dentro dos limites estabelecidos pela norma em causa, que nada tendo de adivinhação, mas que se baseiam em regras da experiência comum e que nos ditam que não há preço para a qualidade do ar que respiramos, para a qualidade da água que bebemos, para a qualidade dos solos onde cultivamos os alimentos que nos sustentam e acima de tudo, não há preço para nossa saúde e bem-estar que, de tudo isto, depende.


(…)


Isto é, atendendo aos interesses em causa (qualidade do ambiente e saúde da população) - paradigma dos interesses difusos) e desconhecendo o valor do dano invocado, (porque, segundo o requerente, o presente procedimento cautelar não visa evitar danos passados, mas sim futuros), apenas se pode concluir que o valor a atribuir ao presente procedimento cautelar se deve fixar, dentro dos limites impostos pela disposição legal que diretamente o regula (artº. 303º., nº 3 do CPC) como pugna a requerida, ou seja pelo máximo do dobro da alçada do Tribunal da Relação, isto é, €60.000,02 (…), concordando-se com o Ministério Público apenas quando diz que os putativos danos que a Requerida ou os seus fornecedores possam vir a sofrer em resultado do decretamento da providência, não entram no cômputo dos danos relevantes para a fixação da ação, nos termos do disposto no artº. 303º., nº 3 do Código de Processo Civil.


O dano que se pretende evitar, os interesses difusos em causa no presente procedimento cautelar (qualidade do ambiente e saúde pública) merecem uma tutela acima de qualquer outra, são direitos fundamentais, não havendo qualquer justificação legal ou racional para aplicar o nº 1 do art. 303º. e não o disposto no nº 3 da mesma disposição legal que regula especificamente a tutela de interesse difusos, não colhendo o argumento dos mesmos não se conseguirem qualificar.


Exatamente por este motivo, a norma do nº 3 do art. 303º. do CPC foi concebida pelo legislador como ficou consagrada, pois se assim não fosse, a defesa dos interesses difusos, aritmeticamente difíceis de quantificar, nunca teria outro valor que não fosse o limiar da alçada da Relação (30.000,01).


Não se compreende, face ao que estipula a norma do nº3 do art. 303º. do CPC, que estabelece, à semelhança dos disposto no nº 1 a mesma, um critério especial para a fixação do valor à tutela de interesses difusos, fixando o seu limite máximo se socorra ao seu nº 1, a título subsidiário, com o argumento da falta de quantificação.


(…)”.


B - O direito/doutrina


Quanto à invocada nulidade processual

- Às partes é garantido o direito de participação no desenvolvimento de todo o litígio, “(…) em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[4];


- “Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho -saneador, sentença, instância de recurso)”[5];


- “ O juiz é livre na busca e na escolha da norma jurídica que considera adequada. O autor ou o réu invoca determinada disposição legal; se o juiz entender que tal disposição não existe ou que, apesar de existir, não é a que se ajusta ao caso concreto em litígio, põe completamente de parte a indicação feita pela parte e vai buscar a regra de direito que, em seu modo de ver, regula a espécie de que se trata. E tanto importa, é claro, que a norma seja invocada somente por um dos litigantes, como que ambos estejam de acordo em a considerar aplicável” [6];


- “O juiz é igualmente livre no momento da aplicação da norma jurídica ao caso submetido ao seu veredito. Quer dizer, ao fazer a aplicação da norma, há-de proclamar os efeitos e declarar as consequências jurídicas que entender legítimas, e não as que qualquer parte se permita reclamar” [7];


- “Por três modos se pode violar a lei processual reguladora dos atos: 1º - Praticando-se um ato que a lei não admita (…); 2º- Omitindo-se um ato que a lei prescreva (…); 3º - Omitindo-se uma formalidade que a lei exija (…)”[8];


- “Praticando-se um ato que a lei não admite, omitindo-se um ato ou formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração: mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) Quando a lei expressamente a decreta; b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” [9].


Quanto à alegada nulidade do despacho recorrido


“Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (…). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão” [10];


“Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é de espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” [11];


“Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito ou de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”[12].


-“Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se” [13];


- O regime das nulidades da sentença “é também o dos despachos, em tudo quanto se lhe puder aplicar” [14].


Quanto ao invocado erro na fixação do valor do procedimento cautelar


- “Nas ações para a tutela de interesses difusos (art. 26-A[15]) segue-se critério diverso: atende-se ao valor do dano invocado, mas limitado ao dobro da alçada do tribunal da relação. Quando o valor do dano seja dificilmente liquidável (dano ambiental ou lesão do património cultural, por exemplo) ou só se defina na sequência da ação, o valor da causa coincidirá com esse limite (…)“[16];


- O nº 3 do artigo 303º. do Código de Processo Civil tem a redação do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro[17];


- Nas providências cautelares não especificadas, o valor causa coincide com o do prejuízo que se quer evitar[18];


- “Há relações abrangidas pelas normas processuais em vigor aspetos que o legislador não chegou a contemplar e que não podem deixar de ser reguladas m sede de direito. (…) Se o caso for omisso, haverá que recorrer, em primeiro lugar, à noma reguladora dos casos análogos, sendo a analogia determinada, não pela simetria formal das situações, mas pela identidade substancial dos fundamentos da estatuição. Não havendo casos análogos (regulados na lei), a solução residirá na norma que o intérprete criaria, se tivesse que legislar dento do espírito do sistema, ou seja, de acordo com os princípios por que se rege o direito constituído” [19];


- “A cumulação de pedidos pressupõe que o autor se propõe fazer valer simultaneamente contra o réu vários pedidos ou várias pretensões. (…). No outro caso (cumulação de pedidos) simultaneidade ou multiplicidade de pretensões: o autor quer que o réu seja condenado a satisfazer, ao mesmo tempo, mais que uma prestação” [20];


-“O fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor pela mora, mas forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência. (…) A lei manda reverter o montante da sanção compulsória aplicada ao devedor em proveito, tanto do credor como do Estado, e em partes iguais. Solução esta verdadeiramente estranha e deplorável [21];


- Compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00 e os procedimentos cautelares a que correspondam essas ações[22].



C - Aplicação do direito aos factos


Quanto à invocada nulidade processual

O thema decidendum era (e continua a ser) a fixação do valor do presente procedimento cautelar.


O Exmo. Procurador Adjunto e a BB, S.A., nos articulados que produziram, tiveram a oportunidade de elencar os argumentos, raciocínios e razões jurídicas que consideraram pertinentes para fundamentar a sua pretensão.


Como tal, foi observado o princípio do contraditório.


Se, porventura, não inventariaram um argumento ou raciocínio, que veio a ser considerado pelo Tribunal recorrido - a consideração de forma autónoma, do valor da sanção pecuniária compulsória, no quantitativo anterior à redução do pedido - tal circunstância não permite concluir pela inobservância do referido princípio, pela simples razão de o juiz ser “livre no momento da aplicação da norma jurídica ao caso submetido ao seu veredito”, não estando, por conseguinte, vinculado às consequências jurídicas “que qualquer parte se permita reclamar”.


Acresce que, mesmo que se vote pela mencionada inobservância, a irregularidade cometida, não tem influência no exame e decisão do incidente processual em causa, pelo facto de mesmo sem a citada consideração do valor sanção pecuniária compulsória, no quantitativo anterior à redução do pedido, a questão não fica ultrapassada, dado que o essencial da mesma, coincide em saber se o valor da ação cautelar é €30.000,01 ou 60.000,02 e não 30.000,01 ou €160.000,02 - €60.000,02+€100.000,00 (valor sanção pecuniária compulsória).


Improcede, pelo exposto, este segmento da apelação.


Quanto à alegada nulidade do despacho recorrido


O Tribunal recorrido especificou os fundamentos de facto e de direito em que alicerçou a sua decisão.


Se, porventura, a motivação é insuficiente ou medíocre, tal circunstância não gera a sua nulidade. Ou seja: a alegada impossibilidade de compreender a “metodologia” que levou o Tribunal recorrido “a chegar ao valor de €60.000,02, bem como o correspondente escrutínio” não produz a nulidade do despacho impugnado.


Por outro lado, o despacho recorrido não padece de “vício lógico” [23], dado que o decidido está em linha com o raciocínio seguido pelo julgador. Por outras palavras: “a uma conclusão não suportada pelas premissas em que assenta”, ainda que assim aconteça, não permite rotular o despacho em causa de nulo.


Improcede, também, esta parte do recurso.


Quanto ao invocado erro na fixação do valor do procedimento cautelar


No critério desta Relação, a presente ação cautelar está relacionada com um dano ambiental, que não só não será definido, na sua sequência, como, também, é “dificilmente liquidável”.


Ainda no entendimento deste Tribunal, o valor destas causas coincide com o dobro da alçada da Relação - € 60.000,02.


Relativamente ao valor dos correspondentes procedimentos cautelares (de causas ambientais, sem danos liquidáveis ou “dificilmente” liquidáveis) ocorre uma lacuna na lei, uma vez que o legislador, na reforma de 2008, se quedou pelo nº 3 do artigo 303º. do Código de Processo Civil, uma vez que, no aludido domínio, não alterou a alínea d) do nº 3 do normativo seguinte.


Dada a “identidade substancial” com a ação principal, com as antes mencionadas características, não repugna alargar à prévia ação cautelar a estatuição daquela, em matéria de fixação do valor da causa.


Equivale isto a dizer, que, no entendimento desta Relação, o valor do presente procedimento cautelar comum é de € 60.000,02.


Em causa, pois, um processo a apreciar e julgar no Tribunal das causas cíveis “mais importantes”.


Encontrando-se prejudicado o conhecimento da questão de saber se o pedido de sanção pecuniária compulsória releva ou não para efeitos de fixação do valor da causa, a título de pedido cumulativo, dela não se toma conhecimento.


Não é, pois, de subscrever a pretensão do Exmo. Procurador-Adjunto, veiculada, através do recurso.


Em síntese[24]: a ação cautelar comum, prévia à ação principal, referente a causa ambiental, sem danos liquidáveis ou dificilmente liquidáveis, tem o valor de €60.000,02.


Decisão:


Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando a apelação improcedente, manter o despacho impugnado.


Sem custas.


Évora, 24 de outubro de 2019


Sílvio José Teixeira de Sousa


Manuel António do Carmo Bargado


Albertina Maria Gomes Pedroso


__________________________________________________
[1] O valor do pedido de sanção pecuniária compulsória foi reduzido para €15.000,00, sendo esta redução aceite pelo Tribunal recorrido.
[2] Afigura-se-nos que ocorre a omissão da referência à expressão “da alçada”.
[3] Conclusões elaboradas por esta Relação, a partir das longas (61) e prolixas “conclusões” do recorrente.
[4] Artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs. 7 e 8.
[5] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 9.
[6] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, pág. 93 e artigo 5º. deste diploma.
[7] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, pág. 93.
[8] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra 1946, pág. 483.
[9] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra 1946, pág. 484, e artigo 195º., nº 1 do Código de Processo Civil
[10] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 703, e artigos 607º., nº 3 e 615º., nº 1, b) do Código de Processo Civil;
[11] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[12] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[13] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 704, e artigo 615º., nº 1, c) do mesmo diploma.
[14] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 699, e artigo 613º., nº 3 do mesmo diploma.
[15] Atual artigo 31º. do Código de Processo Civil.
[16] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 600, e artigo 303º., nº 3 do mesmo diploma.
[17] Artigo 2º. do referido diploma.
[18] Artigo 304º.,nº 3, d) do Código de Processo Civil.
[19] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, págs. 43, 44 e 45, e artigo 10º. do Código Civil.
[20] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, 1946, pág. 144, e artigo 555º., nº 1 do mesmo diploma.
[21] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, págs. 104 e 105, e artigo 829º.-A do mesmo diploma.
[22] Artigo 117º., nº 1, a) e c) da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.
[23] Prof. Alberto dos Reis , in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, pág. 141.
[24] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil