Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2334/12.2TBPTM-C.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: CITAÇÃO
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
TERCEIRO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Mostrando-se assinado por terceiro o aviso de receção da carta registada dirigida à executada, incumbia ao exequente demonstrar que a morada para onde foi enviada a carta correspondia à residência ou ao local de trabalho da citanda, pois para que a presunção de que a citanda dela teve oportuno conhecimento opere é necessário que o terceiro que assina o aviso de receção se encontre na residência ou no local de trabalho do citando. Provando-o o exequente, incumbe à executada ilidir a presunção de que teve oportuno conhecimento da carta de citação.
2- Não estando provado nos autos que a morada para onde foi enviada a carta registada com aviso de receção assinado por terceiro era, à data, local de residência ou constituía o domicílio fiscal da executada, desconhecendo-se qualquer eventual ligação da executada àquela morada, não se pode julgar a executada citada através daquela carta.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2334/12.2TBPTM-C.E1
(2.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Rui Machado e Moura
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
Banco 1..., SA, exequente na execução comum para pagamento de quantia certa que moveu contra AA e BB, interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Execução ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., o qual julgou procedente a arguição da falta/nulidade de citação da executada e, em consequência, anulou todos os atos praticados posteriormente à citação que julgou inválida.

O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
«Por requerimento de 21-11-19, a Executada BB veio requerer a sustação da execução ao abrigo do artigo 851.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a verificação da falta de citação ou, caso assim não se entendesse, a nulidade da citação, anulando-se todo o processado posterior ao requerimento inicial, e sendo dada sem efeito a venda realizada.
Alegou, para tanto e em suma, dando-se o demais por reproduzido:
- A Executada não foi citada para deduzir embargos, nem tão pouco para se opor à penhora do imóvel que veio a ser vendido no âmbito da presente execução;
- A Exequente moveu a presente execução contra BB e o seu marido, AA, indicando no requerimento executivo a morada efetiva de ambos, na República ..., endereço no qual foi sempre a morada dos executados e continua, ainda hoje, a ser a morada da executada após a morte do seu marido;
- Essa morada também coincide com a morada que consta da certidão permanente e da caderneta predial do imóvel penhorado nos autos;
- No entanto, atendendo à informação constante dos autos, a executada considerou-se citada na data de 5-4-2016, numa morada diferente, e o aviso de receção que consta dos autos demonstra que a alegada citação da executada ocorreu na ..., ..., ..., ... ..., e foi assinado por CC;
- A Executada nunca nomeou representante fiscal em Portugal ou qualquer outro representante a quem tenha conferido poderes de representação e, muito menos para em seu nome e representação receber citações ou notificações, incluindo o filho;
- A executada desconhece em absoluto a mencionada morada, tal como a pessoa que assinou o AR, e nunca lhe foi dado conhecimento de tal citação;
- A Executada não pode considerar-se citada na sua residência, nos termos do artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
- Caso assim não se entenda, não foi cumprido o procedimento legal imposto para citação em países membros da União Europeia, o que resulta na nulidade da citação da executada; ainda que tenha sido remetida a citação via postal e esta tenha resultado frustrada, tem aplicação o Regulamento CE n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, 13/11/2007.
Uma vez que a Executada havia dado cumprimento ao disposto no artigo 221.º do Código de Processo Civil, teve-se o Exequente como notificado e, nada tendo sido requerido, foi proferida decisão que julgou procedente, sem necessidade de ulterior produção de prova, a arguição de nulidade de citação, e determinou a anulação de todos os atos praticados posteriormente à citação inválida.
*
Interposto recurso pelo Exequente, a Relação de Évora determinou que fosse cumprido o contraditório, e, nessa sequência, veio o Exequente opor-se à pretensão da Executada, e pedir se reconheça ter havido intervenção da executada BB no processo, representada pelo filho, em 02-10-2019, o que origina a extemporaneidade do requerimento de arguição de nulidade apresentado em 21-11-2019, mas, caso assim não se entenda, sempre se considere citada a executada, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 230.º do Código de Processo Civil.
Alegou, sumariamente, como segue, e no mais dá-se por reproduzido:
- O requerimento executivo foi apresentado em 06-06-2012 e em 19-6-2012 foram enviadas cartas para citação da Executada e marido para a morada 5 ... ..., ...;
- A carta de citação do executado AA foi recebida pela executada, e a carta de citação da executada, enviada para a mesma morada, no mesmo dia, não foi recebida;
- Assim sendo, a executada tem conhecimento do presente processo pelo menos desde 18-06-2012;
- Foram diversas as tentativas de citação quer pela primeira Agente de Execução, quer pelo atual Agente de Execução ao longo dos anos, conforme documentos que se encontram juntos aos autos, e em 5-3-20, na sequência das diligências para citação da Executada BB efetuadas pela anterior Agente de Execução e que se frustraram, tentou de novo o envio da citação postal daquela para a morada constante do requerimento executivo, que se frustrou;
- Nas consultas efetuadas pelo Sr. Agente de Execução com vista ao apuramento de nova morada, foi efetuada pesquisa à AT- Autoridade Tributária e apurada nova morada-..., ...5- ..., ..., ... ..., constante na caderneta predial do imóvel;
- Assim, foi emitida citação postal para a referida morada, tendo a mesma sido concretizada conforme comprovativo já junto pelo Sr. Agente de Execução;
- Acresce que, o Sr. Agente de Execução enviou notificação nos termos do artigo 812.º do Código de Processo Civil, para a morada constante da AT e foi recebida;
- Existiram, ainda, diversos contactos entre o filho da executada, a própria executada BB e o Sr. Agente de Execução, bem como, com o Tribunal e com o exequente e os seus mandatários, conforme comunicações juntas aos autos em 02-10-2019, no qual o filho, DD, refere que atua em nome e representação da mãe e dos irmãos.
*
A Executada arguente ainda se pronunciou, mediante requerimento de 31-1-22, quanto aos documentos juntos pelo Exequente.
*
Apesar de ambas as partes indicarem testemunhas, a Executada o filho, e o Exequente o Sr. Agente de execução e outra, resulta evidente do teor do processo que os argumentos esgrimidos pela Executada, e dos quais se retirou a conclusão de que a citação padecia de invalidade, e que os atos praticados posteriormente à mesma deveriam ser anulados, já encontram suporte no teor do processo, sendo que, por outro lado, nenhum dos factos alegados pelo Exequente os põe, eficazmente, em causa.
E são os seguintes os fundamentos, alicerçados no teor do processo: a morada na qual a citação veio a ser conseguida não é a que resulta das consultas efetuadas junto da ATA – veja-se as várias referências relativas a pesquisas junto da base de dados daquela – como sendo o domicílio fiscal da Executada.
O domicílio fiscal da Executada é a morada na qual a mesma alega residir, na República ....
Resulta da informação prestada pelo Sr. AE que a morada na qual foi efetuada a citação corresponde à morada que consta da caderneta predial do imóvel, não existindo qualquer justificação para, em face da existência dos demais elementos, ter optado por considerar a morada constante daquele documento para citar a Executada.
No que respeita aos elementos oferecidos pelo Exequente, o documento junto como n.º 3, na sua oposição ao requerimento de arguição de nulidade trata-se de documentação elaborada pelo Sr. Agente de execução, com vista à realização da citação de AA, e, por apontamento seu, também sobre a oportunidade da realização da mesma. Mas por não se tratar do aviso de receção que teria acompanhado a citação postal, nada pode demonstrar quanto à concretização da mesma em junho de 2012, e muito menos que tivesse sido a Executada a recebê-la.
Perante a alegação da Executada de que desconhece a morada e a pessoa que assinou o aviso de receção da citação remetida para o ..., o Exequente não alega qualquer circunstância que o ponha em causa, e que pudesse vir a demonstrar por prova testemunhal.
No que respeita à intervenção do filho da Executada, DD, no processo, o que existe é um requerimento entregue pelo mesmo e um conjunto de correspondência efetuada através de email – na qual se inclui, até, um email assinado por BB. Mas isso não é suficiente para se ter a certeza de que a mesma foi, eficazmente, e muito menos nos termos legais, chamada para o processo. Note-se que a intervenção não teve lugar através da constituição de mandatário, de junção de procuração, mas antes de alguém que se afirma familiar da Executada, que não é parte no processo, e que, afirme ou não que age em nome daquela, não apresenta qualquer instrumento válido (e validado) para tanto.
Finalmente, no que respeita à preterição do disposto no artigo 239.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é patente e não encontra justificação.
Por conseguinte, perante a demonstração, pela Executada, da inadequação dos atos processuais levados a cabo à sua citação, assim como tendo em conta que o Exequente não infirmou, de forma eficaz, os fundamentos por aquela alegados, não pode senão concluir-se pela procedência da arguição de nulidade de citação, e, em consequência, determinar-se a anulação de todos os atos praticados posteriormente à citação inválida.
Sem custas.
Notifique».

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Encontra-se demonstrado nos autos que a Executada recebeu, pelo menos, a citação do Senhor AA.
2. Contabilizam-se seis tentativas de citação da Executada para a morada na qual a mesma afirma sempre ter residido e na qual recebeu, pelo menos, a citação dirigida ao Executado.
3. Motivo pelo qual não é razoável sequer admitir que a Executada não foi devidamente citada na mesma data.
4. Da mesma forma, encontra-se demonstrado que a Executada tem perfeito conhecimento dos presentes autos desde essa data.
5. Não obstante, em 29/03/2016 foi expedida uma nova citação, desta feita para a ... ... ... ... ....
6. Essa citação foi recebida em 05/04/2016 na referida morada por um terceiro, Sra. CC, que assinou o aviso de receção e foi devidamente advertida de que deveria prontamente entrega-la ao destinatário.
7. À data em que a citação da Executada foi efetuada na morada ... ... ... ... ..., esta constava na caderneta predial do imóvel, conforme informação do Senhor Agente de Execução prestada em 05/03/2020 e caderneta predial junta nessa resposta a solicitação do Tribunal.
8. Acresce a tudo o que já foi exposto que a Executada não fez qualquer prova do que alegou, conforme lhe era exigível nos termos do artigo 342.º CC.A. A Executada BB veio arguir nulidade de citação, tendo o Douto Tribunal a quo proferido decisão que julgou procedente a referida nulidade, sem necessidade de ulterior produção de prova e sem prévia audiência da parte contrária.
9. Nomeadamente, não fez prova de que a citação que lhe foi dirigida para a sua morada fiscal em Portugal nunca lhe foi entregue, como lhe era exigível, limitando-se a afirmar desconhecer moradas que não podia, de forma alguma, desconhecer.
10. O citando pode ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 230.º, n.º 1, mediante a prova de que não chegou a ter conhecimento do ato de citação por facto que não lhe é imputável, ou seja, mediante a prova de que, sem culpa, a carta para citação não lhe foi entregue.
11. Ainda que fosse verdade que nenhuma das citações e notificações enviadas para as moradas portuguesas chegou ao conhecimento da Executada, a verdade é que, conforme já supra vertido, a citação enviada para a República ... em 2012 chegou ao seu conhecimento.
12. A executada recebeu pelo menos a citação do seu marido e Executado AA em 08/06/2012, tendo a partir dessa data iniciado contactos com o Banco para pagamento das prestações que se mostravam vencidas e não pagas.
13. Tal atuação é sobejamente demonstrativa de que os Executados tinham conhecimento de que contra si pendiam os presentes autos, pretendendo regularizar os diversos incumprimentos com o Banco e tendo inclusive chegado a realizar pagamentos com esse objetivo.
14. Assim deve ser revogado o Douto Despacho recorrido e substituído por outro em conformidade com o supra exposto, considerando a Executada regularmente citada.
NORMAS VIOLADAS:
Artigo 342.º do Código Civil e artigos 3.º, 4.º, 201.º, 230.º, n.º 1, 410.º, 411.º, 5.º, 413.º e 415.º do Código de Processo Civil.
(…)
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido.
Assim decidindo farão V. Exas. Exmos. Senhores Dr. Juízes Desembargadores a costumada
J U S T I Ç A».

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
A questão que importa decidir é a de saber se a executada foi, ou não, citada e, na afirmativa, se a citação foi regularmente efetuada.

II.3.
FACTOS
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos que constam da decisão recorrida.
Resulta ainda dos autos, com relevo para o presente recurso, a seguinte factualidade:
1 – A ação executiva foi proposta pelo Banco 1..., SA contra AA e BB para pagamento da quantia exequenda de € 141.606,02, correspondente a capital em dívida, acrescido de juros de mora vencidos, e respetivo imposto de selo, até efetivo e integral pagamento.
2 – O valor do capital peticionado decorre do incumprimento de dois contratos outorgados entre o exequente e os executados, concretamente de um contrato de mútuo com hipoteca, através do qual o exequente concedeu aos executados um empréstimo no montante de € 144.000,00 a ser amortizado em 263 prestações mensais de capital e juros, e um contrato de crédito pessoal, através do qual o banco exequente concedeu aos executados um empréstimo no montante de € 7.125,35, a ser amortizado em 84 prestações mensais de capital e juros.
3 – Da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgado entre exequente e executados (e outros) consta como residência habitual dos executados «5 ... ..., ... 24, ...»;
4 – Do contrato de crédito pessoal consta como morada dos aqui executados a referida supra em 3.
5 – A cláusula 11 do contrato de crédito pessoal acima referido tem o seguinte teor: «O(s) Proponente(s) fica(m) igualmente obrigado(s) a informar o banco de qualquer alteração dos elementos pessoais indicados para este Contrato, que venham a ocorrer durante o curso do empréstimo, nomeadamente a eventual alteração de morada, entre outros».
6 – No requerimento executivo foi indicada como morada dos executados «5 ... ..., ... 24 IE ...».
7 – Com data de 08.06.2012, foram enviadas cartas de citação, com aviso de receção, para cada um dos executados, para a morada referida em 3.
8 – Das cartas de citação referidas em 7) constavam, nomeadamente, os seguintes dizeres:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 236º do Código de Processo Civil, pela presente fica V. Exa. citado para os termos do processo executivo supra referido, movido pelo(s) Exequente(s) acima identificados, com o pedido constante do duplicado do requerimento executivo em anexo. Pelo que, nos termos do n.º 1 do art. 813º do Código de Processo Civil, TEM O PRAZO DE 20 (*) DIAS PARA PAGAR OU OPOR-SE À EXECUÇÃO.
Nos termos do nº 1 do art.818º do CPC, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão.
MEIOS DE OPOSIÇÃO
Nos termos do disposto no artigo 60º do C.P.C. e tendo em consideração o valor do processo, para se opor a execução (que terá de ser apresentada no Tribunal supra identificado),é obrigatória a constituição de advogado.
A apresentação de oposição implica o pagamento de taxa de justiça auto-liquidada.
COMINAÇÃO EM CASO DE REVELIA
Caso não se oponha à execução no prazo supra indicado e não pague ou caucione a quantia exequenda, segue-se a PENHORA dos bens necessários para garantir o pagamento da quantia exequenda, juros e acréscimo das despesas previsíveis a que se refere o n.º 3 do art. 821.º do CPC.
ADVERTÊNCIA EM CASO DA CITAÇÃO SER RECEBIDA POR TERCEIRO
Sendo a presente citação recebida por terceiro, fica advertido que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé (art.236º, nº1 do CPC)».
9 – Através de consulta ao site dos CTT que permite seguir o percurso da correspondência (CTT Tracking) apurou-se que ali consta que a carta de citação do executado AA datada de 08.06.2012 foi entregue em “... 24”, na data de 19.06.2012, pelas 10:51, e sob o item “recetor” consta o nome de “BB”.
10 – Com datas de 03.04.2013 e 24-04-2013, respetivamente, a mesma agente de execução enviou cartas para citação da executada para a seguinte morada: «Quinta ..., ..., ..., ..., ...».
11 – Com datas de 14-04-2014, 26-05-2014 e 05-02-2016, respetivamente, a sra. agente de execução enviou cartas registadas com aviso de receção para a morada de «5 ... ..., ... 24», todas dirigidas à executada, citando-a, nos termos do artigo 728.º do CPC, para o processo de execução, e para pagar ou se opor à execução mediante embargos de executado no prazo de 20 dias.
12 – A carta enviada em 05-02-2016 veio devolvida com a menção «não reclamada».
13 – Com data de 29.03.2016 foi enviada carta registada com aviso de receção para citação da executada e para a seguinte morada: «..., ..., ..., ... ...».
14 – No aviso de receção da carta referida supra em 13, mostra-se aposta uma assinatura, a data de 05/04/2016, e os seguintes dizeres: «este aviso foi assinado por pessoa a quem for entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário»; e na identificação da referida pessoa os seguintes dizeres «CC».
15 – Com data de 07.04.2016, o agente de execução enviou à executada e para a morada referida supra em 13 uma carta registada com o seguinte teor: «Nos termos do disposto no artigo 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Exa. notificado de que se considera citado, na pessoa e na data da assinatura do aviso de receção de que se junta cópia, a qual recebeu a citação e duplicados legais. Mais se informa que tem V. Exa. o prazo de 20 dias para pagar ao exequente, deduzir oposição à execução, sob pena de penhora em bens de sua pertença. Àquele prazo acresce uma dilação de 5 dias por a citação ter sido efetuada na pessoa de V. Exa. O prazo é contínuo, suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais. (…)».
16 – Mediante requerimento datado de 21.11.2019, a executada BB arguiu a falta da sua citação e subsidiariamente, a nulidade da citação, requerendo a final a anulação de todo o processado posterior ao requerimento inicial, dando sem efeito a venda realizada do imóvel penhorado nos autos.
17 – No requerimento referido em 16) a executada invocou a sua falta de citação prevista no artigo 188.º/1, alínea e), do CPC, alegando que a sua morada efetiva (e a do marido enquanto foi vivo) foi sempre na República ..., a qual não corresponde à morada na qual ela foi considerada citada, ..., ..., ... esquerdo, ...; o A/R foi assinado por uma CC que é pessoa sua desconhecida e que nunca lhe deu conhecimento do ato de citação; caso assim não se entenda, ocorre nulidade de citação porquanto de acordo com o Regulamento n.º 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-11-2007 estipula que o agente de execução deve solicitar a realização do ato diretamente a agentes judiciais, funcionários ou outras pessoas competente para a citação.
18 – Após, o tribunal a quo proferiu despacho ordenando a notificação do sr. Agente de execução para que informasse sobre a origem do conhecimento da morada na qual a executada foi considerada citada – ..., ...5, ..., ..., ... ... -, tendo o segundo informado que na sequência da frustração das citações postais efetuadas para a morada constante do requerimento executivo, «nas consultas efetuadas com vista ao apuramento de nova morada, foi efetuada pesquisa à autoridade tributária e apurada nova morada - ..., ...5, ..., ..., ... ... – constante da caderneta predial do imóvel. Assim foi emitida citação postal para a referida morada, tendo a mesma sido concretizada conforme comprovativo que se anexa».

II.5.
Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa o despacho proferido pelo tribunal de primeira instância datado de 5 de junho de 2023 o qual julgou procedente a arguição da nulidade da citação da executada e, consequentemente, determinou a anulação de todos os atos praticados subsequentemente à citação julgada inválida.
No essencial o julgador a quo fundamentou a sua decisão no facto de a morada na qual a citação veio a ser conseguida ser uma morada que consta da caderneta predial do imóvel, «não existindo qualquer justificação para que, em face dos demais elementos, o senhor agente de execução tenha optado por considerar a morada constante daquele documento para citar a executada, quando a morada na qual a citação veio a ser conseguida não é a que resulta das consultas efetuadas junto da ATA – veja-se as várias referências relativas a pesquisas junto da base de dados daquela – como sendo o domicílio fiscal da Executada» (sic).
Insurge-se o exequente/apelante contra tal decisão, sustentando, em síntese, que a executada foi citada na morada em que aquela afirma sempre ter residido e na qual ela própria recebeu a citação dirigida ao executado, ou seja, a morada na ..., e que se encontra demonstrado que a executada tem perfeito conhecimento dos presentes autos desde essa data, para além de que a executada foi citada na sua morada fiscal em Portugal, mediante carta registada com aviso de receção que foi assinado por terceiro, o qual foi advertido de que deveria entregar a carta prontamente ao destinatário.
Apreciando.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta uma determinada ação e se chama o mesmo ao processo para se defender (artigo 219.º/1, do na redação do Código de Processo Civil a partir de 1 de setembro de 2013[1] e artigo 228.º/1, do CPC vigente em junho de 2012), podendo ser efetuada, quando o seu destinatário é uma pessoa singular, em qualquer lugar onde este seja encontrado, nomeadamente na sua residência ou local de trabalho (artigo 224.º/1, do CPC, na redação vigente a partir de 1 de setembro de 2013 e no artigo 232.º/1, na redação vigente em junho de 2012)[2].
A citação pessoal pode ser realizada mediante a entrega ao citando de carta registada com aviso de receção (artigo 225.º/1, alínea b), do CPC, na redação vigente a partir de 1 de setembro de 2013 e artigo 233.º/2, alínea b), do CPC vigente à data de junho de 2012); nos casos expressamente previstos na lei é equiparada à citação pessoal aquela que é efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (artigos 228.º/2, 3 e 4 e 225.º/4, do CPC na redação vigente a partir de 01/09/2013 e artigos 233.º/4 e 236.º, n.ºs 2, 3 e 4, do CPC na versão vigente em junho de 2012). Note-se, porém, que para que opere a presunção aqui prevista é necessário que o terceiro que receba a carta de citação se encontre na residência ou no local de trabalho do citando[3] (artigo 228.º/2, do CPC na redação vigente a partir de 1/9/2013 e artigo 236.º/2, do CPC vigente em junho de 2012). A elisão desta presunção deve ser feita aquando da primeira intervenção que o réu tiver nos autos, incumbindo-lhe alegar e demonstrar que não teve conhecimento da carta de citação e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável (artigo 188.º/1, alínea d), do CPC na redação vigente a partir de 01/09/2013 e artigo 195.º/1, alínea e), do CPC vigente em 2012).
Pode dar-se o caso de haver domicílio convencionado e de a carta para citação ter sido enviada para o mesmo (artigo 229.º do CPC na redação vigente a partir de 01/09/2013[4] e artigo 237.º-A, do CPC vigente em junho de 2012); nesta situação, ao réu incumbirá alegar e provar não apenas que não teve conhecimento do ato de citação e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável, mas ainda alegar e provar a extinção das relações emergentes da relação contratual firmada entre as partes e a sua mudança de domicílio em data posterior à cessação das mesmas (artigo 188.º/2, do CPC na redação vigente a partir de 01/09/2013 e artigo 195.º/2, do CPC vigente em junho de 2012).
O ato de citação implica a remessa ou entrega ao citando dos elementos mencionados naquele normativo legal (artigo 227.º do CPC na redação vigente a partir de 01/09/2013 e artigo 235.º do CPC vigente à data de junho de 2012).
De harmonia com o disposto no artigo 230.º/1, do CPC vigente correspondente ao artigo 238.º do CPC na versão vigente à data de junho de 2012, a citação postal efetuada ao abrigo do disposto no artigo 228.º do CPC considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, ainda que o aviso de receção seja assinado por terceiro, presumindo-se, neste caso, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário. Quando a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando (em consequência do disposto no artigo 228.º/2 e da alínea b) do artigo 227.º/1, no Código de Processo Civil na redação vigente a partir de 01/09/2013 e do disposto nos artigos 233.º/4 e 236.º/n.ºs 2, 3 e 4, do CPC, na redação vigente à data de junho de 2012), é enviada carta registada (sem aviso de receção) ao citando, no prazo de dois dias úteis, comunicando-lhe a data e o modo por que o ato se considera realizado (a citação considera-se efetuada no momento em que o aviso de receção se mostra assinado por terceiro, sendo a partir daí que se conta o prazo para apresentação da defesa), o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi efetuada (artigo 233.º do Código de Processo Civil na redação vigente a partir de 01/09/2013 e artigo 241.º do CPC vigente em junho de 2012).
Quando exista domicílio convencionado (nos termos previstos no artigo 229.º do CPC na redação vigente a partir de 01/09/2013 e do artigo 237.º-A do CPC vigente em junho de 2012), o expediente da carta de citação seja devolvido por não ter sido possível a entrega da carta (ao citando, por outro motivo que não a recusa do próprio em recebê-la ou em assinar o a/r, ou a terceiro) e o destinatário não tenha procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal, em conformidade com o disposto no artigo 228.º/5, do CPC vigente (e do artigo 236.º/5, do CPC vigente em junho de 2012) o procedimento é o seguinte:
- é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando (artigo 229.º/4, do CPC na redação vigente a partir de 1 de setembro de 2013 e artigo 237.º-A, n.º 4, do CPC vigente em junho de 2012);
- no domicílio convencionado é deixada a (segunda) carta registada com aviso de receção, contendo cópia de todos os elementos que devem ser obrigatoriamente transmitidos ao citando;
- o distribuidor do serviço postal deve certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa de correio do citando, o distribuidor deixa um aviso identificando-se o tribunal de onde provém a carta e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade da entrega, permanecendo a carta durante 8 dias à disposição do citando no estabelecimento postal devidamente identificado;
- na (segunda) carta registada com aviso de receção, o citando é advertido de que a citação se considera efetuada na data certificada pelo distribuído postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data (artigo 229.º/4 e 5 do CPC na redação introduzida pela Lei n.º 1/2013 de 26 de junho e 237.º-A/4, do CPC vigente em junho de 2012), e a citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviços postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados (230.º/2 do CPC na redação introduzida pela Lei n.º 1/2013, de 26 de junho e artigo 238.º/2, do CPC vigente em 2012).
A lei distingue duas modalidades de nulidade (latu sensu) da citação: a sua falta e a sua nulidade (stricto sensu)[5].
A denominada “falta de citação” encontra-se prevista no artigo 188.º do Código de Processo Civil, abrangendo a pura inexistência do ato [artigo 188.º/1, alínea a)] e situações que, pela sua gravidade, lhe são equiparadas [artigo 188.º/1/als. b), c), d) e e)]. Como refere Alberto dos Reis[6], «há certos casos em que apesar de ter sido feita a citação, o atropelo da lei é tão grave e o erro cometido tão grosseiro que a nulidade não pode deixar de enquadrar-se na falta de citação».
A falta de citação é de conhecimento oficioso e só se sana com a intervenção do preterido no processo (artigos 196.º e 189.º ambos do CPC). A sua consequência é sempre a nulidade de tudo o que se processar após a petição (artigo 187.º do CPC).
Nos termos do disposto no artigo 188.º/1, alínea d), do CPC, há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. Em face deste preceito legal para que se possa concluir pela verificação da omissão de citação não basta a simples invocação e prova do efetivo desconhecimento do ato, exigindo-se ainda que aquele desconhecimento não seja imputável ao citando. E, considerando a presunção de conhecimento, é sobre o réu que recai o ónus de alegar e provar o desconhecimento do ato de citação e de que esse desconhecimento não lhe é imputável.
Quanto à nulidade da citação, dispõe o artigo 191.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código de Processo Civil o seguinte:
«1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
2 – O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
3 – (…)
4 – A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado».
A nulidade de citação só é, em regra, arguível pelo interessado e dentro do prazo indicado para a contestação, ressalvados os casos de citação edital e de não indicação do prazo para contestar, estes de conhecimento oficioso (artigos 196.º e 188.º, ambos do CPC).
Na disposição normativa supra citada está prevista a nulidade (da citação) decorrente da preterição de formalidades que devem ser respeitadas no ato da citação, quer aquelas que são comuns a todas as formas de citação e que se encontram especificadas no artigo 227.º do CPC, quer aquelas que são específicas de cada modalidade de citação, previstas respetivamente, nos artigos 228.º, 229.º, n.ºs 3 a 5 e 239.º, n.º 2, todos do CPC, para a citação postal, nos artigos 231.º, n.ºs 1 a 5, 7 e 9, 232.º, n.ºs 1 a 4, 233.º, 237.º e 238.º, n.º 1, para a citação por contacto pessoal, nos artigos 236.º, 240.º, 241.º e 243.º para a citação edital e no artigo 239.º, n.ºs 1 e 3, para a citação de réu residente em país estrangeiro.
Dispõe o artigo 239.º, sob a epígrafe Citação do residente no estrangeiro, o seguinte:
«1- Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2 – Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3 – Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor.
4 – Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º».
Residindo o réu noutro país da União Europeia há que aplicar o Regulamento n.º 1393/2007, de 13-11-2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civis e comercial nos Estados-membros.
O Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial (o qual revogou o Regulamento (CE) n.º 1348/2000 do Conselho de 29 de maio de 2000) confere a cada Estado-membro a faculdade de proceder diretamente, por via postal, às citações (e notificações de atos judiciais) de pessoas que residam em outro Estado-membro (artigo 14.º).

Regressando ao caso sub judice cumpre começar por aferir se se pode considerar que a executada foi citada na morada de «5 ... ..., ... 24 IE ...», como defende o apelante, e para a qual foram enviadas cinco cartas registadas com aviso de receção, datadas, respetivamente, de 08-06-2012, 14-04-2014, 26-05-2015 e 05-02-2016, visando justamente a citação de BB para a presente execução (cfr. supra II.3). Morada onde a executada/apelante, confessadamente, reside e sempre residiu.
Sucede que das cinco cartas enviadas, respetivamente, em 08.06.2012, 14-04-2014, 06-05-2014 e 05-02-2016 apenas o expediente relativo à última carta consta dos autos, resultando de tal expediente que aquela carta foi devolvida com menção de «não reclamada».
Apenas com a devolução do aviso de receção é que é possível aquilatar se a carta foi recebida e, na afirmativa, por quem. Consequentemente, não se encontrando juntos aos autos os avisos de receção respeitantes às cartas datadas de 08.06.2012, 14-04-2014 e 6-05-2014, respetivamente, não se pode julgar a executada citada para a presente execução através de qualquer uma delas, sendo irrelevante, para este efeito, que a executada haja, porventura, rececionado a carta de citação do seu cônjuge enviada para aquela mesma morada e datada também ela de 18.06.2012 e que ela haja confessado sempre ter residido naquela morada. Destarte, apenas relativamente à carta registada com aviso de receção datada de 05-02-2016 se poderá, eventualmente, questionar se a executada pode considerar-se citada através da mesma, considerando que a morada de “5 ... ..., ... 24” corresponde ao domicílio convencionado num dos contratos de mútuo outorgados com a exequente, concretamente, no contrato de crédito pessoal através do qual o exequente/apelante concedeu aos executados um empréstimo no montante de € 7.125,35.
Quando exista domicílio convencionado em contrato reduzido a escrito e visando o cumprimento de obrigações pecuniárias, dispõe o artigo 229.º/4, do CPC vigente que no caso do expediente ser devolvido por não ter sido possível a entrega da carta (ou ao citando, por outro motivo que não a recusa do próprio em recebê-la ou em assinar o a/r, ou a terceiro) e o destinatário não tenha procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o de que a citação se considera efetuada na data certificada pelo distribuído postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
Sucede, porém, que:
(i) É questionável que o regime previsto no artigo 229.º do CPC seja aplicável às ações executivas pois que nos termos do disposto no n.º 1 daquele preceito o regime do domicílio convencionado ali previsto aplica-se às ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato escrito em que cumulativamente as partes tenham convencionado um domicílio especial para o efeito da sua citação e a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens ou serviços ou, tendo a obrigação outra causa, o valor da causa não exceda a alçada do Tribunal da Relação, e os presentes autos revestem a natureza de ação executiva que não se subsume ao conceito de “ação de cumprimento”;
(ii) Ainda que assim não se entendesse, o valor da presente ação executiva excede o valor da alçada do Tribunal da Relação;
(iii) Ainda que assim não fosse, não resulta dos autos que tenha sido observado o procedimento previsto no artigo 229.º/4 e 5, do CPC, ou seja, que haja sido repetida a citação mediante carta registada com aviso de receção para a mesma morada e com a legal cominação.
Por conseguinte, não se pode considerar que a executada foi citada na morada de 5 Forest Green, (…), ... 24, através da carta registada com aviso de receção datada de 05-02-2016.
Vejamos agora a citação através da carta registada com aviso de receção que foi enviada para a morada «..., ..., ..., ... ...».
Resulta dos autos que para aquela morada foi enviada carta de citação da executada datada de 29.03.2016 e que no respetivo aviso de receção se mostra aposta a data de 05/04/2016, uma assinatura e os seguintes dizeres: «este aviso foi assinado por pessoa a quem for entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário»; e, na identificação do terceiro que recebeu a carta, constam os seguintes dizeres «CC».
Incumbia ao exequente demonstrar que aquela morada correspondia à residência ou ao local de trabalho da citanda, pois que para que aquela presunção opere é necessário que o terceiro que assina o aviso de receção se encontre na residência ou no local de trabalho do citando. E, provando-o, incumbia à executada/apelada ilidir a presunção prevista nos artigos 225.º/4 e 230.º, n.º 1, parte final, ambos do CPC.
Diz o apelante que aquela morada corresponde ao domicílio fiscal da executada em Portugal. Porém, não está demonstrado nos autos que a morada acima referida corresponda ao domicílio fiscal da executada, à residência ou eventual local de trabalho da executada. De facto, nada se apurou quanto a uma eventual ligação da executada àquela morada. Na sua resposta à arguição de falta/nulidade da citação apresentada pela executada, o exequente alegou que «nas consultas efetuadas pelo sr. agente de execução com vista ao apuramento de nova morada, foi efetuada pesquisa à AT-Autoridade Tributária e apurada nova morada – ..., ...5, ..., ..., ..., constante da caderneta predial do imóvel». Compulsados os autos via Citius, verificamos que o sr. Agente de execução juntou aos autos, na data de 05-03-2020, um documento resultante de uma consulta efetuada via internet em 29-03-2016, concretamente uma caderneta predial do imóvel penhorado nos autos na qual consta como morada da executada a ..., ...5, ..., .... Porém, nenhum outro documento oficial corrobora que aquela morada constituía, à data, o domicílio fiscal da executada, desconhecendo-se a origem daquela menção na caderneta predial e, como dissemos supra, não se apurou qualquer ligação da executada à referida morada. Para já não mencionar que a morada da executada que consta como sua residência em ambos os contratos dados à execução e na procuração junta aos autos é “5 ... ..., ...”, resultando, ainda, da consulta à base de dados da AT-Autoridade Tributária e Aduaneira ocorrida em 09.10.2019 que o domicílio fiscal da executada é “5 ... ..., ...”.
A citação é, por excelência, a expressão do princípio do contraditório e do direito de defesa (artigo 3.º/2, do CPC); não estando provado nos autos que a morada para onde foi enviada a carta registada com aviso de receção datada de 29.03.2016 (cujo aviso de receção foi assinado por um terceiro) era, à data, local de residência ou constituía o domicílio fiscal da executada, desconhecendo-se qualquer eventual ligação da executada àquela morada, não se pode julgar a executada citada através daquela carta.
Concluindo, não se pode julgar a executada citada quer na morada de “5 ... ..., ...”, quer na morada de ..., ...5, ..., ..., ..., pelo que ocorre efetivamente a falta de citação da executada e a consequência é a prevista no artigo 187.º, alínea a), do CPC, a saber, a anulação de tudo o que haja sido praticado depois do requerimento executivo.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário: (…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da apelante de acordo com o disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, sendo que nenhum pagamento é devido a esse título porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há custas de parte pois não houve resposta às alegações de recurso.
Notifique.
DN.
Évora, 8 de fevereiro de 2024
Cristina Dá Mesquita
José Tomé de Carvalho
Rui Machado e Moura


__________________________________________________
[1] Por força da entrada em vigor da Lei n.º 1/2013, de 26 de junho.
[2] Pese embora algumas das cartas de citação dirigidas à executada não tenham sido efetuadas ao abrigo do regime processual legal vigente, os aspetos essências do regime de citação então vigentes são idênticos no regime atual.
[3] Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, Almedina, págs. 285-286.
[4] Preceitua aquele normativo, nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:
«1 - Na ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação em caso de litígio, a citação por via postal efetua-se, nos termos dos artigos anteriores, no domicílio convencionado, desde que o valor da ação não exceda a alçada do tribunal da relação ou, excedendo, a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens ou serviços.
2 - Enquanto não se extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível a quem na causa figure como autor qualquer alteração do domicílio convencionado, salvo se a contraparte o tiver notificado dessa alteração, mediante carta registada com aviso de receção, em data anterior à propositura da ação ou nos 30 dias subsequentes à respetiva ocorrência, não produzindo efeito a citação que, apesar da notificação feita, tenha sido realizada no domicílio anterior em pessoa diversa do citando ou nos termos do n.º 5.
[5] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 364 e seguintes.

[6] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 312.