Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1542/17.4T8ENT-A.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
EXECUÇÃO FISCAL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A proteção da casa de morada de família que o artigo 244.º, n.º 2, do CPPT promove, impedindo a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal.
2. Não tendo a virtualidade de impedir que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum a realização da venda.
3. Contudo, o prosseguimento da execução comum só pode ser consentido se for inequívoco dos autos de execução fiscal, a afetação do imóvel a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1542/17.4T8ENT-A.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

1. No Tribunal Judicial ..., Comarca ... correm autos de execução sumária em que é exequente Banco 1..., S.A. e, executado AA.

2. No âmbito dessa execução foi penhorada a fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20 da freguesia ..., pertencente ao executado, penhora que foi registada através da Ap. ...45, de 2017/05/23.

3. Sobre a mesma fração mostra-se de igual modo registada, através da Ap. ..., de 2016/08/22, penhora a favor da Fazenda Nacional relativamente ao processo de execução fiscal n.º ...56 e apensos do Serviço de Finanças ....

4. Considerando a anterioridade da penhora efetuada nos autos de execução fiscal, a presente execução foi sustada por força do disposto no n.º 1 do artigo 794.º do Código de Processo Civil.

5. Em 29/07/2021 (ref.ª ...25) veio o exequente “Banco 1..., S.A.” requerer autorização para que se proceda à «venda do imóvel penhorado nos presentes autos, precedendo a venda à citação aos credores para reclamarem os seus créditos na presente execução, nomeadamente à Fazenda Nacional», referindo ainda que «o imóvel não se destina exclusivamente a habitação própria do executado».

6. Nos despachos subsequentemente proferidos a 21/10/2021 (ref.ª ...03) e 30/11/2021 (ref.ª ...45) foi determinada a notificação do exequente para esclarecer e documentar se a venda do imóvel está suspensa com base no artigo 244.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação que lhe foi conferida pela citada Lei n.º 13/2016, de 23/05 (“2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”).

7. Em resposta o exequente requereu que se notificasse «o Serviço de Finanças ... para que esta venha aos autos esclarecer se a venda se encontra suspensa ao abrigo do disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT».

8. Deferido tal requerimento o identificado Serviço de Finanças informou o seguinte (ref.ª ...85, de 26/01/2022):

«Nas bases de dados da AT, designadamente na aplicação informática do “Património”, não constam isenções ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ...80 fração ... da freguesia e concelho ..., pertencente à esfera patrimonial do executado AA.

No mais, constata-se a correspondência entre o domicílio fiscal do contribuinte e o referido imóvel.

Contudo ainda não foram efetuadas diligências no sentido de apurar se o domicílio fiscal do contribuinte coincide com a sua casa de morada de família. Nos autos de execução fiscal sob o n.º ...56 e apensos consta o registo de uma penhora a favor da AT datada de 22/8/2016.

Porém, não temos previsão de designação de data para venda».

9. Facultada ao exequente a possibilidade de pronunciar-se a tal propósito, fê-lo nos seguintes termos (ref.ª ...38, de 03/03/2022):

«1. Salvo o devido respeito, a informação prestada pelo Serviço de Finanças limita-se a formalmente indicar que o domicílio fiscal do executado coincide com o imóvel penhorado no processo de execução fiscal e nos presentes autos.

2. Porém, refere também o mesmo Serviço de Finanças que não foram efetuadas diligências no sentido de apurar se esse domicílio coincide com a casa de morada de família do executado.

3. Ou seja, o Serviço de Finanças não logrou comprovar ou diligenciar que o imóvel penhorado se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

4. Não confirmando esse Serviço, conforme foi requerido, que a venda se encontra suspensa nos termos e para os efeitos do artigo 240.º, n.º 2, do CPPT.

5. Articulando a informação prestada pelo Serviço de Finanças, com a efetiva citação edital efetuada ao executado nos presentes autos, demonstra por si só que o imóvel em causa nos autos não é, nem consubstancia a casa de morada de família do executado, não se enquadrando no pressuposto do artigo 240.º, n.º 2, do CPPT.

6. Pelo que, e face ao exposto, requer-se a V. Exa. que autorize a venda do imóvel penhorado nos presentes autos, citando-se os credores, mormente a Fazenda Nacional, para reclamarem os seus créditos na presente ação executiva».

10. Tendo sido notificado nos termos do artigo 221.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o executado nunca se pronunciou.

11. Em 28/03/2022 (refª. ...70) foi proferido o seguinte despacho:

“[r]essalta do disposto no artigo 794.º do Código de Processo Civil o seguinte:

«1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.

3 – Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.

(…)».

A propósito da articulação desse preceito com o artigo 244.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação que lhe foi conferida pela citada Lei n.º 13/2016, de 23/05 (à luz do qual «[n]ão há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim»), temos entendido, na esteira de vasta jurisprudência que se pronuncia em sentido idêntico, que a execução comum deve prosseguir, levantando-se a sustação e promovendo-se a citação da Autoridade Tributária e Aduaneira e demais credores públicos para, querendo, reclamarem o(s) seu(s) crédito(s) naquela.

Sucede que na situação dos autos, tal como o próprio exequente acabou por admitir na susodita ref.ª ...38, de 03-03-2022, não está – ou não é líquido que esteja – em causa habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

Num tal caso não têm aplicação a esmagadora maioria dos fundamentos que estão na base daquele sobredito entendimento, designadamente a existência de impedimento legal ao prosseguimento normal da execução fiscal para venda do bem penhorado.

A diferença de regimes é significativa e é também expressamente salientada nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 16-05-2019 e de 25-11-2021 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt sob, respetivamente, Processos n.ºs 2075/17.4T8SLV.E1 e 555/14.2T8PTG-A.E1), sendo que, tendo entretanto reponderado posição já anteriormente assumida, não temos agora hesitado em acompanhar as judiciosas considerações neles tecidas, no sentido de considerar que, uma vez sustada «uma execução por o bem aí penhorado já o ter sido no âmbito de execução fiscal, aquela execução não pode prosseguir enquanto for possível que o processo de execução fiscal evolua para a fase da venda do bem penhorado».

E no caso dos autos, para além de não estar assente o fundamento necessário à eventual subsunção do impedimento oriundo do citado artigo 244.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não está demonstrado que não seja possível aquela evolução do processo de execução fiscal para a venda do bem penhorado, sabendo-se apenas o que consta da informação citada no facto assente em 3.

Na defluência do exposto, decido indeferir o requerido.”

Inconformado com tal decisão veio o Exequente recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

A. Por despacho veio o Tribunal a quo decidir pelo indeferimento do pedido de levantamento de sustação e a prossecução dos presentes autos para venda do imóvel penhorado, com a consequente citação da Fazenda Nacional para aqui reclamar créditos.

B. Por decisão de 06.12.2017 foi o aqui exequente notificado da sustação da presente execução quanto ao imóvel penhorado, nos termos do artigo 794.º do CPC, atento o facto de sobre o bem penhorado impender uma penhora a favor da fazenda nacional averbada através da Ap. ..., de 2016/08/22.

C. Questionado o Serviço de Finanças – ... o mesmo veio indicar, em 30.08.2023, que “(…) O referido processo de execução fiscal e apensos encontra-se ativo. Sendo certo que se verifica nas aplicações informáticas, a correspondência entre o domicílio fiscal do contribuinte e o referido imóvel, ainda não foram efetuadas diligências no sentido de apurar se o domicílio fiscal do contribuinte coincide com a sua casa de morada de família, não havendo previsão de data para diligências de eventual venda do mesmo” (cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento apresentado em 06.09.2023).

D. Perante tal resposta do Serviço de Finanças a favor de quem se encontra registada a penhora prévia sobre o imóvel, foi requerido o levantamento da sustação e a prossecução dos presentes autos para venda do imóvel penhorado, com a consequente citação da Fazenda Nacional para aqui reclamar créditos, o que veio a ser indeferido.

E. A inércia dos serviços em questão coloca o Exequente e acima de tudo os Executados numa situação deveras prejudicial, pois que, uns verão a sua dívida aumentar, outros verão o seu crédito a não ser ressarcido, por força de um impedimento legal.

F. Entendeu o Tribunal a quo, no seguimento da resposta do Serviço de Finanças, que “(…) não estava – ou não era líquido que estivesse – em causa habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar”.

G. Ora, salvo o devido respeito não podemos concordar com tal entendimento pois o serviço de Finanças é claro ao referir que “nas aplicações informáticas, a correspondência entre o domicílio fiscal do contribuinte e o referido imóvel”.

H. Pois bem: este deve – ou deveria – ser o ponto de partida para sustentar a decisão de prosseguimento dos autos para a venda do imóvel pois salvo o devido respeito por opinião diversa, é irrelevante se foi ou não possível a confirmação da correspondência entre a morada do contribuinte e a casa de morada de família.

I. Para todos os devidos e legais efeitos, a casa de morada de família coincidirá com o domicílio fiscal do contribuinte e, no caso concreto existe a correspondência entre o domicílio fiscal e a morada do imóvel objeto de penhora.

J. Preceitua o n.º 1 do artigo 794.º do Código de Processo Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que penhora seja mais antiga”.

K. A questão sub iudice reconduz–se a definir o funcionamento do concurso de credores (artigo 794.º, n.º 1, do CPC), estando pendente execução fiscal e na qual se encontra penhorado (registo anterior) o imóvel também penhorado nos autos.

L. A Autoridade Tributária confirmou a correspondência entre o domicílio fiscal do contribuinte e do imóvel em causa e, com base nesse circunstancialismo, é crível, com base nos elementos existentes e trazidos aos autos, estar em causa o impedimento do n.º 2 do artigo 244.º do CPPT conduzindo, assim, a uma impossibilidade objetiva de venda do imóvel por parte da Autoridade Tributária.

M. Ademais, o SF esclareceu ainda que não tem qualquer previsão de data para a realização das diligências necessárias.

N. Ora, assim, e não sendo vendido o imóvel na execução fiscal com penhora anterior, é inviabilizada a reclamação e satisfação do crédito do credor hipotecário com penhora ulterior.

O. Por tal motivo, deverá prosseguir a presente execução com a consequente citação da Autoridade Tributária para reclamação de créditos, ficando assim assegurados todos os direitos em ponderação.

P. Na verdade, atentando no sentido da previsão do artigo 794.º do CPC, prosseguindo fins de segurança e certeza jurídica, seja para os executados, como para os credores, pressupõe que as duas execuções com penhoras coincidentes estejam em andamento, o que não sucede quanto à execução fiscal, conforme esclarecimento prestado pela AT.

Q. Outrossim, o regime legal imperativo impede a venda do imóvel dos executados, pelo que não resta alternativa senão o levantamento da sustação da execução comum e a realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação.

R. De maneira que, perante tal exclusão legal da venda do imóvel na execução fiscal, não resta ao credor comum prosseguir outro caminho que não seja providenciar pelo prosseguimento da execução cível, uma vez que deixa então de se justificar a sua sustação em razão do artigo 794.º, n.º 1, do CPC e, a administração fiscal (no caso a AT) poderá ali reclamar o seu crédito, no prazo previsto no artigo 786.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

S. Insistir na posição contrária, tendo a AT com penhora prioritária impedido a venda, inviabilizando ad eternum o direito do credor, ora apelante de ser pago através da venda do imóvel, na execução comum, atentaria contra a finalidade do processo executivo.

T. Observe-se ademais que não se encontrando no CPPT preceito equivalente ao disposto no artigo 850.º do CPC, não pode o credor reclamante requerer na execução fiscal o prosseguimento para satisfação do seu crédito.

U. Dúvidas não se colocam de que todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondem pelo cumprimento das suas obrigações, assistindo ao credor o direito executar o património do devedor.

V. Inexiste, pois, motivo legal para que na pendência de penhora anterior sobre o imóvel dos executados a favor da entidade fiscal, que não procede à venda por imperativo legal, seja sacrificado o credor comum e hipotecário, impedindo a venda do imóvel no âmbito de execução comum.

W. Donde, haverá que autorizar o prosseguimento da execução quanto ao identificado imóvel nela penhorado, em ordem a tornar efetivo e de forma expedita o seu direito de crédito (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa).

X. Posto o que, na ausência de outra tutela do credor, na confluência dos fundamentos aduzidos, não subiste razão para permanecer sobrestada a presente execução, não ocorrendo os pressupostos da aplicação in casu do disposto no artigo 794.º do CPC, devendo, por conseguinte, a execução prosseguir para a venda do imóvel, promovendo-se a citação da Autoridade Tributária para, querendo, reclamar o seu crédito (artigo 786.º, n.º 1, alínea b), do CPC) e ser graduado (artigo 786.º, n.º 1 e 791.º do CC).

Y. De notar que foi ordenado o exercício do contraditório às partes quanto ao pedido de levantamento da sustação: o executado não se pronunciou e o Sr. Agente de Execução já havia manifestado o entendimento de que a venda poderia prosseguir nos presentes autos, com a consequente citação da Autoridade Tributária para a reclamação de créditos.

Z. Ainda assim, e reunidas todas as condições o Tribunal a quo entendeu indeferir o pedido do exequente.

AA. Não podemos deixar de referir que a tese seguida pelo Tribunal a quo é injusta para os credores e é mesmo insustentável, até porque, a ser assim, os incumpridores mais astutos depressa concluiriam que bastava não liquidar um qualquer tributo à Fazenda Nacional determinando a penhora do imóvel para que ficassem com “carta branca” para contrair outras dívidas, já que as execuções que fossem instauradas posteriormente sempre esbarrariam na penhora a favor da Fazenda Nacional.

BB. Foram violadas, entre outras disposições, os artigos 786.º, n.º 1, alínea b), 791.º, 794.º e artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.

A final requer que seja revogada a decisão proferida, substituindo-a por outro que determine o levantamento da sustação e a prossecução dos presentes autos para venda do imóvel penhorado, com a consequente citação da Fazenda Nacional para aqui reclamar créditos.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II


Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), é a seguinte a questão a decidir:

- Saber se a execução fiscal está impedida de prosseguir com a venda, por se comprovar a afetação do imóvel penhorado a habitação própria e permanente do executado, devendo permitir-se o prosseguimento da execução comum.


III

A factualidade a relevar consta do relatório supra, correspondendo a atos procedimentais relevantes extraídos dos autos.


Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação

Resulta dos autos que o mesmo imóvel do executado foi penhorado em duas execuções, sendo mais antiga, a que corre termos em execução fiscal.

Estipula o artigo 794.º, n.º 1, do CPC que:

«1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

(…)»

Assim, perante uma pluralidade de penhoras e a anterioridade da penhora de âmbito fiscal, foi a execução comum sustada, possibilitando-se a reclamação do respetivo crédito na execução fiscal.

A exequente veio agora requerer que cesse a suspensão da execução comum e que esta prossiga para venda do imóvel penhorado, alegando que se comprova nos autos de execução fiscal que o imóvel penhorado constitui casa de morada de família e que a limitação da venda do imóvel – casa de morada de família - prevista no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT tem aplicação estrita na execução fiscal. Não estando o credor impedido de satisfazer o seu crédito através daquele bem penhorado na execução comum.

O artigo 244.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), dispõe o seguinte:

«2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.»

Ou seja, se o imóvel em questão constituir a casa de morada de família do executado, não pode haver lugar à realização da venda do mesmo no processo de execução fiscal.

Norma que tem em vista a proteção da casa de morada de família exclusivamente no âmbito de processos de execução fiscal.

No processo comum inexiste idêntica proteção idêntica.

Numa situação em que, inequivocamente, se comprove que o imóvel penhorado constitui casa de morada de família, este fundamento inviabiliza apenas o prosseguimento do processo de execução fiscal.

Inexistindo, por sua vez, no CPPT preceito equivalente ao disposto no artigo 850.º do CPC (renovação da execução extinta), não pode o credor comum reclamante requerer na execução fiscal o prosseguimento para satisfação do seu crédito. Terá de o fazer no seu próprio processo.

Seguimos, por isso, a interpretação jurisprudencial que defende que, a proteção da casa de morada de família que o artigo 244.º, n.º 2, do CPPT promove é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não tendo a virtualidade de impedir que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum o prosseguimento da execução e a realização da venda (entre outros, Ac. TRL de 04-06-2020, Proc. n.º 13361/19.9T8SNT-A.L1-2, in www.dgsi.pt).

Assim, a afetação do imóvel a casa de morada de família não inviabiliza o prosseguimento da execução comum, que apenas ficou suspensa por a penhora na execução fiscal ser a mais antiga, suspensão que deverá ser levantada logo que se comprove a impossibilidade de prosseguimento da execução fiscal, ou seja, logo que se comprove a afetação do imóvel àquela finalidade.

Será esse, o caso dos autos?

Entendemos que não.

A informação recolhida junto dos autos de execução fiscal mostra-se insuficiente para dar como comprovada aquela afetação.

A informação prestada reporta o seguinte:

«Nas bases de dados da AT, designadamente na aplicação informática do “Património”, não constam isenções ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ...80, fração ... da freguesia e concelho ..., pertencente à esfera patrimonial do executado AA.

No mais, constata-se a correspondência entre o domicílio fiscal do contribuinte e o referido imóvel.

Contudo ainda não foram efetuadas diligências no sentido de apurar se o domicílio fiscal do contribuinte coincide com a sua casa de morada de família. Nos autos de execução fiscal sob o n.º ...56 e apensos consta o registo de uma penhora a favor da AT datada de 22/8/2016.

Porém, não temos previsão de designação de data para venda». (sublinhado nosso).

Tal informação não permite concluir que o imóvel penhorado se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

Logo, não se verifica, com o necessário grau de segurança, o impedimento legal de venda do imóvel no processo de execução fiscal.

Com tão parca informação não é possível dar por inviabilizada a sua venda no processo de execução fiscal, ou concluir, que a execução fiscal está condenada a ficar paralisada com tal fundamento.

Concordamos, pois com a sentença quando afirma:

“E no caso dos autos, para além de não estar assente o fundamento necessário à eventual subsunção do impedimento oriundo do citado artigo 244.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não está demonstrado que não seja possível aquela evolução do processo de execução fiscal para a venda do bem penhorado, sabendo-se apenas o que consta da informação citada no facto assente em 3.”

O que impede, por ora e enquanto tal comprovação se não fizer, o prosseguimento da execução comum.

Síntese conclusiva: (…)


V


Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 20 de fevereiro de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Isabel Imaginário (1ª Adjunta)

Eduarda Branquinho (2ª Adjunta)