Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
22/19.8GBTMR-A.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: LEI DA AMNISTIA
PERDÃO
CRIME DE ROUBO
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
CRIMINALIDADE VIOLENTA
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A amnistia é uma medida de graça que consiste na extinção de infrações cometidas e ainda não julgadas ou já julgadas e com condenação transitada, incidindo sobre o facto ilícito praticado, o qual deixa de ter relevância criminal (fazendo-o desaparecer).

II. Sendo o perdão de penas espécie do mesmo género, caracterizando-se por consistir, apenas, numa atenuação da pena ou da sanção aplicada a crime ou a infração cometida.

III. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, foi produzida em razão da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, prevendo a amnistia de um número concretizado de infrações; e também um perdão de penas, nos termos nela precisados.

IV. O artigo 3.º, § 1.º da citada Lei prevê a regra geral relativa ao perdão de penas, a qual é afastada se se verificarem as exceções previstas no artigo 7.º da mesma lei. Neste se preceituando que não beneficiam daquele perdão «(…) g) os condenados por crimes praticados contra (…) vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.»

V. Dispondo o n.º 3.º deste retábulo adjetivo que: «as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis.

VI. E preceituando o artigo 1.º, al. j) CPP, que se deverá entender por “criminalidade violenta” «as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e a autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; e por “criminalidade especialmente violenta” «as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos» (al. l).

VII. Tutelando-se no crime de roubo, previsto no n.º 1 do artigo 210.º do Código Penal, também bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de decisão e ação e a integridade física ou, ainda, a vida), ser punível com pena de 1 a 8 anos de prisão e o conceito normativo de «vítima especialmente vulnerável» ser o fixado na lei - e não outro qualquer - estão excluídos do perdão referido as penas aplicadas por tal crime.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
Nos presentes autos de processo comum AA, nascido a …1996, por acórdão proferido no dia 3/12/2021, foi condenado no ….º Juízo (1) Central Criminal de …, pela prática em autoria material e na forma consumada, no dia 20/1/2019, de um crime de roubo, previsto no artigo 210.º, § 1.º do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; e de 1 crime de injúria, previsto no artigo 181.º, § 1, do mesmo código, na pena de 2 meses de prisão; e, operado o cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos e 7 meses de prisão.

Na sequência da publicação e entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações, por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, o referido Juízo do Tribunal Judicial de …, no pretérito dia 25set2023, nos termos do disposto no artigo 128.º, § 2.º Código Penal, declarou extinta por amnistia a pena na qual o referido cidadão havia sido condenado pela prática do crime injúria; e considerou não abrangido (por amnistia ou perdão de pena) o crime de roubo praticado, mantendo-se portanto a pena que lhe havia sido fixada no acórdão condenatório.

Notificada essa decisão veio o condenado dela recorrer, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos:

«(…)

5. Resulta da análise da Lei n.º 38.º-A/2023 que a aplicação das medidas de clemência previstas na mesma depende da verificação de vários pressupostos, a saber: Temporal: a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00:00 horas do dia 19-06-2023 (artigo 2.º); Etário: a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º); Material: a lei não é aplicável aos crimes previstos nos números 1 e 2 do artigo 7.º.

6. O perdão é aplicável a: a. Todos os crimes punidos com pena de prisão até 8 anos independentemente da natureza do crime (com restrição apenas do referido supra) e independente do modo de execução da pena, estando, pois, incluídas as penas que estejam ou devam ser cumpridas em regime de permanência na habituação (artigo 3.º, n.º 5); b. A penas de multa aplicadas até 120 dias; c. A penas de prisão subsidiária ou de substituição de pena de prisão;

7. Assim, dispõe o artigo 3.º, n.º 1 da referida lei que, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º (amnistia de infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa), é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, abrangendo a execução da pena em regime de permanência na habitação (n.º 5).

8. Contudo, veio o Tribunal a quo entender que o arguido não teria direito ao perdão, na medida em que o crime de roubo pelo qual o arguido foi condenado está excluído das medidas de clemência, nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, alínea g) da Lei n.º 38.º-A/2023 de 2 de agosto.

9. Posição essa com a qual – salvo o devido respeito – não podemos concordar. E vejamos o porquê.

10. Compulsado os presentes autos, é possível verificarmos que os factos pelos quais o arguido foi condenado ocorreram antes das 00:00 horas de 19 de junho de 2023.

11. À data dos factos, o arguido que nasceu em …1996 tinha 22 anos.

12. A pena aplicada ao arguido não foi superior a oito anos.

13. Os crimes pelos quais o arguido foi condenado não se enquadram em nenhuma das exclusões previstas no art. 7º da referida Lei.

14. Assim, por todo o exposto, e não sendo de aplicar a amnistia ao crime de roubo em que foi condenado (pois que a pena é superior a um ano de prisão) é, no entanto, aplicável o perdão p.p. no art. 3.º, n.º 1 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, desde logo atenta a idade do arguido à data da prática dos factos, os crimes cometidos e a natureza e medida da pena aplicada.

15. Cumpre destacar que a Lei n.º 38-A/2023, ao dispor das exceções às quais não se aplica perdão e da amnistia previstos na mencionada lei, dispõe no nº 1, al. b), item i) do art. 7º que, no âmbito dos crimes contra o património, não se aplica o perdão aos condenados por crimes de roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;

16. No caso dos presentes autos, o arguido foi condenado pelo n.º 1 do artigo 210.º do Código Penal, e não pelo nº 2 do mesmo artigo, razão pela qual é possível constatar que o arguido não está incluindo nas exceções ali referidas, tendo, portanto, direito ao perdão previsto na Lei nº 38-A/2023.

17. Além disso, o disposto no artigo no artigo 7º, nº 1, alínea g) da Lei n.º 38.º-A/2023 de 2 de agosto ora alegado pelo tribunal recorrido não se aplica ao caso dos presentes autos.

18. Face ao exposto, entende o recorrente que deve ser revogado o Despacho ora recorrido, sendo substituído por um novo despacho que, além de aplicar a amnistia à pena em que o arguido foi condenado pela prática de um crime injúria previsto e punido pelo artigo 181º Código Penal, também aplique ao recorrente o perdão de 1 ano à pena em que foi condenado pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1 Código Penal.

NORMAS VIOLADAS: arts. 2.º, 3.º, n.º 1, e 7.º da Lei n.º 38-A/2023.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser provido o presente recurso nos exactos termos supra exposto e, em consequência, ser aplicado ao recorrente o perdão previsto na Lei 38-A/2023.»

O Ministério Público junto do Juízo de 1.ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, sintetizando deste modo a sua posição:

«1. O despacho recorrido não merece reparo, porquanto a pena aplicada pelo crime de roubo do artigo 210.º, n.º 1 do CPenal não pode, efetivamente, beneficiar do perdão da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, atento o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea g) desse diploma legal.

2. De acordo com essa norma, não beneficiam do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.

3. Resulta do artigo 67.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do CPPenal que as vítimas de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis.

4. O tipo do crime de roubo do artigo 210.º, n.º 1 do CPenal consubstancia conduta que dolosamente se dirige contra a vida e/ou a integridade física e/ou a liberdade pessoal e é punível com pena de prisão de máximo igual a 8 anos, ou seja, integra a definição de criminalidade especialmente violenta do artigo 1.º, alínea l) do CPPenal.

5. BB, a ofendida do crime de roubo dos autos, foi alvo de criminalidade violenta e, por conseguinte, uma vítima especialmente vulnerável, estatuto que, de resto, a GNR de … lhe atribuiu imediatamente, no próprio dia dos factos, na sequência do conhecimento que aquela deu deles a este órgão de polícia criminal.

6. AA não pode beneficiar do perdão da pena que lhe foi aplicada pelo crime de roubo do artigo 210.º, n.º 1 do CPenal, por tal crime estar dele excluído, de harmonia com o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, 210.º, n.º 1 do CPenal, 67.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e 1.º, alínea l), ambos do CPPenal.

7. O despacho recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade.

Termos em que, rejeitando liminarmente o recurso, por manifesta improcedência, ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea a) do CPPenal, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA.»

Junto desta instância, na vista prevista no artigo 416.º, § 1.º CPP, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

No exame preliminar, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, § 6.º, al. b) CPP, considerou-se ser manifesta a improcedência do recurso (artigo 420.º, § 1.º, al. a) CPP), pelo que o relator, através de decisão sumária, determinou a sua rejeição.

Vem agora o recorrente reclamar para a conferência dessa decisão sumária.

Em conformidade com o rito legal os autos foram aos vistos ao presidente da Secção Criminal e aos desembargadores adjuntos e apresentados à conferência. Cumprindo agora, apreciar e decidir colegialmente.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Da reclamação

O reclamante sustenta, em síntese, que:

«- O direito que urge dizer é o reconhecimento do perdão de pena ou amnistia fundados em crime de roubo “simples”, previsto pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, a menos que a vítima seja materialmente vulnerável, com um radical risco existencial.

- Deverá ser declarado o perdão da pena de prisão aplicada ao arguido também pela prática do crime de roubo do art. 210º, nº 1 do CP, assim se devolvendo ao texto normativo o seu verbo radical, o pulsar do logos legiferante.

- Acrescendo que no acórdão condenatório da 1.ª instância, a vítima do roubo pelo qual o arguido foi condenado não foi considerada vítima especialmente vulnerável nos termos do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal e 16.º, n.º 2 da Lei 130/2015 de 04.09.

- E caso assim se não entenda invoca-se a inconstitucionalidade da norma contida na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto por violação do princípio da aplicação da Lei mais favorável ao arguido – art. 29.º, n.º 1 e 4 da CRP.»

Os argumentos trazidos na reclamação integram, com exceção de um, os temas que foram objeto da decisão sumária de rejeição por manifesta improcedência, da qual o reclamante discorda.

Importará clarificar que a reclamação para a conferência não é um recurso da decisão sumária. Isto é, o âmbito do recurso mantém-se circunscrito às conclusões firmadas na respetiva motivação, por a «reclamação para a conferência», a que se reporta o § 8.º do artigo 417.º CPP ser, em boa verdade, um pedido para que o objeto do recurso seja apreciado pela conferência, para salvaguarda da colegialidade. (2)

E, por isso mesmo, a reclamação tem de cingir-se: ao eventual desrespeito pelos requisitos formais de admissibilidade da decisão sumária pelo relator; ou à reapreciação da causa pela conferência, nos exatos termos colocados no recurso.

Daí que a questão nova da alegada inconstitucionalidade da norma contida na alínea g) do § 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto – nova por só ter sido suscitada em sede de reclamação - não integre o objeto do recurso, e por isso não possa ser apreciada.

B. Da apreciação do recurso pela conferência

Tendo em consideração que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões extraídas da respetiva motivação, visando permitir e habilitar o Tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância face à decisão recorrida (decisão proferida na 1.ª instância) - entendimento este que vem sendo pacífico na jurisprudência (3) - constatamos que a questão a decidir é apenas a seguinte:

- Se o artigo 3.º, § 1.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, prevê o perdão de um ano de prisão aplicável à pena do crime de roubo pelo qual o recorrente foi condenado.

C. Da amnistia e do perdão de penas em geral

Começaremos por precisar que em conformidade com o que preceitua o artigo 128.º, § 2.º e 3.º do Código Penal, a amnistia é uma medida de graça, por via da qual, a comunidade politicamente organizada, declara de forma geral e abstrata, através de lei formal, extinta a responsabilidade criminal relativamente a determinados factos ilícitos, por uma categoria geral de pessoas.

A amnistia é, pois, um modo de extinção de infrações cometidas e ainda não julgadas ou já julgadas e com condenação transitada, incidindo sobre o facto ilícito praticado, o qual deixa de ter relevância criminal (fazendo-o desaparecer).

Por seu turno o perdão de penas, sendo espécie do mesmo género, caracteriza-se por consistir, apenas, numa atenuação da pena ou da sanção aplicadas a crime ou a infração cometida.

D. Da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto

Esta Lei foi produzida em razão da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, prevendo a amnistia de um número concretizado de infrações; e também um perdão de penas, nos termos nela precisados.

Esquematicamente poderemos dizer que:

1. A amnistia de crimes que foi decretada pela referida Lei abrange apenas os que sejam puníveis com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias (artigo 4.º);

2. Já o perdão (de penas) é aplicável a:

a) Penas de prisão até 8 anos independentemente da natureza do crime (com exceção dos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º da Lei citada), independente do modo de execução da pena (artigo 3.º, § 5.º);

b) A penas de multa aplicadas até 120 dias;

c) A penas de prisão subsidiária ou de substituição de pena de prisão;

d) Às demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.

Acresce que a aplicação das medidas de clemência previstas na citada Lei (amnistia de infrações e perdão de penas), dependem da verificação de determinados pressupostos:

- Temporais: a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00 horas do dia 19/6/2023 (artigo 2.º);

- Etários: a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º);

- E materiais: a lei não é aplicável aos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º.

Releva também afirmar que as regras atinentes à aplicação da amnistia em sentido estrito, nem sempre são aplicáveis ao perdão de penas e vice-versa. E ainda que, conforme dispõe o § 1.º do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º - amnistia de infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa -, é (como regra) perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, com ressalva das exceções previstas no artigo 7.º.

E. Do crime cometido pelo recorrente

O recorrente foi condenado pela prática em 20/1/2019 de um crime de roubo, previsto no artigo 210.º, § 1.º do Código Penal, sendo-lhe aplicada uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão. Tinha na data da prática dos factos 22 anos de idade.

E no presente recurso sustenta que o artigo 3.º, § 1.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, prevê o perdão de um ano de prisão aplicável à pena em que foi condenado.

Mas não tem razão.

Pois conforme se deixou referido, a regra geral emergente do retábulo invocado, tem as exceções previstas no artigo 7.º da mesma lei.

Efetivamente, sob a epigrafe «exceções», dispõe o artigo 7.º, § 1.º da referida Lei, que «não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei» (…) g) os condenados por crimes praticados contra (…) vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.»

Ora, dispõe este artigo do Código de Processo Penal que:

«1 - Considera-se:

a) 'Vítima':

i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;

(…)

b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

(…)

3 - As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.

Dispondo o artigo 1.º do CPP, que:

«1 - Para efeitos do disposto no presente código considera-se:

(…)

j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e a autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;

l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;»

Entendamo-nos: o conceito normativo de «vítima especialmente vulnerável» é o fixado na lei e não outro qualquer. Designadamente o que vem considerado pelo recorrente: «que a vítima seja materialmente vulnerável, com um radical risco existencial»!

Pois bem.

O crime de roubo previsto no § 1.º do artigo 210.º do Código Penal, pelo qual o recorrente foi condenado nestes autos, é punível com pena de 1 a 8 anos de prisão; sendo que o bem jurídico tutelado pelo aludido ilícito assume uma dupla vertente: «por um lado, bens jurídicos patrimoniais (direito de propriedade e de detenção de coisas móveis); por outro, bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de decisão e ação e a integridade física ou, ainda, a vida), sendo certo que a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais.» (4) Pelo que, como igualmente bem sintetiza o Ministério Público na resposta ao presente recurso, a situação em apreço integra a assinalada exceção (artigo 7.º, § 1.º, al. g) ao perdão previsto no artigo 3.º, § 1.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. Isto é, estão excluídos desse perdão «os condenados por crimes praticados contra (…) vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.»

A clareza da referida exceção foi assinalada p. ex. nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14dez2023, proc. 27/22.1PJLRS-B.L1, Desemb. Sandra Ferreira; e acórdão de 28nov2023, proc. 7102/18.5P8LSB-A.L1, Desemb. Luísa Alvoeiro). Opinando nessa mesma linha Pedro José Esteves de Brito (5).

Pelos fundamentos expendidos se evidencia a inconsistência argumentativa do recurso, o qual não é por isso merecedor de provimento.

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a decisão recorrida.

b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Évora, 20 de fevereiro de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Margarida Bacelar

António Condesso

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Cf. neste exato sentido, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9mar2017, proc. 2148/132JAPRT.P2S1, 5.º Secção; de 6jul2027, proc. 8895/11.6TDLSB.L1S1, 5.º Secção – citado no Código de Processo Penal Comentado, 3.ª ed. Revista, 2021, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, pp. 1334/1335.

3 Conforme ao preconizado no Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

4 Cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 10abr2008, proc. 97/16.1GFLLE.E1, Desemb. Proença da Costa. No mesmo sentido cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21set2022, proc. 5/22.0SHLSB.L1-3, Desemb. Isabel Ferreira de Castro; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14out2020, proc. 200/19.0PBELV.E1.S1, Cons. Conceição Gomes; e acórdão de 31jan2012, proc. 2381/07.6PAPTM.E1.S1, Cons. Raul Borges – todos em www.dgsi.pt

5 «Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude», JULGAR ONLINE (jan2024).