Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
951/11.7TBVNO-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: 1. Na execução para prestação de facto, em que o título executivo é uma sentença, o Executado pode deduzir oposição à execução, mediante embargos e pode invocar como fundamentos, para além daqueles previstos no artigo 729º do Código de Processo Civil, o cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio, conforme decorre do disposto no n.º 2 do artigo 868.º do mesmo diploma.
2. Na acção de demarcação não vigora o princípio “actore non probante, reus absolvitur” e, para efeitos da fixação de uma linha divisória ou aposição de marcos, o Tribunal pode socorrer-se dos critérios principal e supletivo previstos no artigo 1354º do Código Civil.
3. A fixar a linha divisória entre os prédios em causa pelo desnível aí (entre eles) existente, a sentença declarativa apresentada resolveu a controvérsia sobre os limites das propriedades confinantes e configura assim um título executivo suficiente para a propositura da acção executiva, uma vez que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 951/11.7TBVNO-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J2
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Decisão nos termos dos artigos 652º, nº 1, al. c) e 656º do Código de Processo Civil:
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I – Relatório:
Na presente oposição à execução mediante embargos de executado, apensa à acção executiva para prestação de facto proposta por (…) e (…) contra (…) e (…), os embargantes não se conformaram com a sentença proferida.
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Os embargantes alegaram que existia erro na forma do processo e total inutilidade da lide, a violação de autoridade de caso julgado, a falta de fundamento legal para se ordenar o prosseguimento dos autos e ainda a existência de “contradições insanáveis no interior da própria causa de pedir”.
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Concluíram, peticionando a sua absolvição do incidente executivo e o arquivamento dos autos.
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Regularmente citados, os Exequentes apresentaram contestação, na qual, em suma, defenderam a improcedência das excepções invocadas pelos Embargantes.
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Foi proferido despacho saneador tabelar, no qual se dispensou a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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Realizada audiência de discussão e julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu julgar totalmente improcedente a oposição à execução. *
Inconformados com tal decisão, os recorrentes apresentaram recurso de apelação e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
1 – Na acção declarativa os ora exequentes pediam que, sendo os prédios de AA e RR confinantes e não havendo sinais delimitadores, acham-se as estremas confundidas pelo que pediam a colocação de marcos.
2 – Contestaram os RR, ora executados, dizendo que as estremas estão definidas por muros, um socalco, e uma carreira de oliveiras, dispostas em linha recta … etc.
3 – A decisão consequente julgou a acção procedente e “fixou a linha divisória entre os prédios identificados em 1 (dos AA) e 2 (dos RR) pelo desnível aí (entre eles) existente”.
4 – A seguir-se a doutrina de A. dos Reis, in Processos Especiais, Vol. II, Reimpressão, pág. 37, a douta sentença deveria ter considerado existir uma demarcação natural, declarar a acção improcedente, absolverem-se os RR e os AA serem condenados em custas.
5 – E com base no argumento de considerar o título executivo/constitutivo e ainda ficcionando “uma condenação implícita”, o Mmº Juiz a quo, absolveu os exequentes dos embargos e ordenou o prosseguimento da execução.
6 – Ora, na modesta opinião dos Recorrentes nem a douta sentença podia considerar-se constitutiva (constitutivas são aquelas que autorizam uma mudança na ordem jurídica) mas de simples apreciação (são as que têm por fim a obtenção de uma declaração de existência de um direito ou de um facto) nem nela existe qualquer condenação expressa ou implícita, nada restando dela para executar) José Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5ª Edição, pág. 38.
7 – Tratando-se de uma acção declarativa de simples apreciação ela é inexequível (ver Lebre de Freitas, pág. 39). E mesmo que, por hipótese
8 – Se tratasse de uma sentença constitutiva ela seria igualmente inexequível, pois que
a) tais acções são inexequíveis no segmento constitutivo, isto é, na parte em que promovem uma mudança na ordem jurídica.
b) e, segundo alguns autores, são tão só exequíveis se e na medida em que imponham ao executado certas obrigações.
9 – Ora do título dito executivo para prestação de facto positivo não consta qualquer obrigação (de facere, non facere) imposta aos executados.
10 – Nem explicita nem implicitamente: a boa interpretação da decisão corre no sentido de que a estrema está definida e daqui não é permitido exorbitar (então devia a acção ter sido julgada improcedente e os AA condenados nas custas, a nosso ver, e segundo a douta opinião, como já referido, de A. dos Reis, supra conclusão 4ª).
11 – Sendo a acção para prestação de facto e (pretensamente) de facto positivo, era necessário saber-se qual (concretizá-lo) para que se soubesse se era fungível ou não fungível) (claro que os exequentes pretendem colocar marcos só que isso constituiria uma remarcação ou antes demarcar o demarcado).
12 – Nem poderá a douta sentença socorre-se da tese da “condenação implícita” pois que “implícita” não quer dizer “presumido” nem “omisso”:
Implícito: in Diccionário Compacto de A. Morais e Silva, significa “que se contém num discurso; clausula não em termos claros, expressivos mas que se tira, naturalmente, por consequência”.
Presumido: Conceito de direito constante dos artºs 349º e 351º do C. Civil.
13 – Da omissão … nada pode resultar; da presunção, resulta um facto desconhecido; de que está implícito, isto é, redigido em termos pouco claros ou pouco expressivos resulta uma interpretação adequada, o esclarecimento do que vem nebuloso ou pouco expressivo. Ora
14 – A douta sentença recorrida não averigua se há conformidade entre o título e o requerimento executivo, pois que:
a) Se não há conformidade o Mmº Juiz deve indeferir o Requerimento executivo liminarmente.
b) Não o tendo feito a seu tempo, devia o Mmº Juiz julgar, após a produção da prova, o título inexequível.
c) Pois que a sentença, como título executivo, é inexequível quando não autoriza, sob o ponto de vista concreto e relativo a execução nos termos em que foi requerida (Alberto dos Reis, Processo Executivo, Vol. I, 3ª Edição, Reimpressão, pág. 198).
15 – Mesmo forçando o conceito de implícito e considerando-o sinónimo de presumido (o que se não aceita) os exequentes não alegaram nem demonstraram a recusa dos executados em instalar os marcos; nem sequer ofereceram um prazo para que os executados desempenhassem essa obrigação visto que ela não constava (nem na lógica dela podia constar!) da sentença (pela sentença os RR não estão obrigados a colocar marcos pelo que se impunha aos exequentes o disposto no nº 1 do artº 874º). É que
16 – Tais diligências impõem-nas a lei aos exequentes de conformidade com o disposto no artº 713º do C.P.C – com a finalidade de tornar a execução certa, líquida e exigível.
17 – Já que é o titulo executivo que determina o fim e os limites da acção executiva (artº 10º, nº 5, do C.P.C).
18 – A única obrigação que, remotamente e com as maiores dúvidas (dúvidas que V. Exªs graciosamente colmatarão) que poderá resultar da decisão da acção declarativa para o executado será uma obrigação de “tolerar ou de pati”, segundo o que poderá deduzir-se de Acção Executiva Singular … de Anselmo de Castro, 2ª Edição, 1973, pág. 380 e ss, cuja tese parece ter ainda cabimento nos dias de hoje, mas para isso seria necessário que os exequentes fizessem prova de violação pelos executados dos limites ou extremas fixados (reconhecidos), se tal violação “não consistisse em obstáculos materiais” (sic), Anselmo de Castro, mesmo local.
19 – Violaram-se, entre outros, ou deles se fez má interpretação, na douta decisão, dos seguintes artigos: 10º, nº 3 e nº 5, 713º, 729º, al. c) e e), artº 868º, nº 1, 871º, nº 1, 874º, nº 1, 876º e 186º, nº 2, al. a, b) e c) todos do C.P.C.
Termos em que e melhores de direito, e suprido, se pede se revogue a decisão em apreço, se considere o título inexequível, e por consequência se julgue improcedente a acção executiva condenando-se os Exequentes nas custas.
Assim se fazendo a costumada, Justiça».
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A parte contrária não contra-alegou. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência (ou não) de título executivo exequível.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Com relevância para a boa decisão da causa estão provados os seguintes factos:
1) Por sentença de 23 de Maio de 2013, transitada em julgado, proferida no processo n.º 951/11.7TBVNO, que correu seus termos pelo extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, na qual eram Autores os ora Embargados e Réus os ora Embargantes, decidiu-se fixar “a linha divisória entre os prédios identificados em 1.º e 2.º dos factos provados pelo desnível aí existente”.
2) Do ponto 1 dos factos provados da sentença aludida em 1) consta o seguinte: “O direito de propriedade sobre o prédio composto de casa térrea de habitação, dependências, quintal e logradouro, sito no lugar de (…), freguesia de (…), Ourém com a área aproximada de 1477 m2, a confrontar do Norte com estrada, do Sul com (…), do Nascente com (…) e do Poente com (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia das (…), sob o artigo … [o qual teve origem no prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…) – certidão matricial de fls. 7], e registado na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o n.º (…) daquela freguesia, mostra-se inscrito a favor dos autores (…)”.
3) Do ponto 2º dos factos provados da sentença aludida em 1) consta o seguinte: “Tal prédio confina a Nascente com o prédio dos réus, inscrito na matriz predial rústica da freguesia das (…), sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…) daquela freguesia.”
4) Do ponto 3 dos factos provados da sentença aludida em 1) consta o seguinte: “No âmbito dos autos que, sob o n.º 606/07.7TBVNO do 1.º juízo deste tribunal, correram termos, foi prolatada a decisão que a estes autos se mostra junta a fls. 13 a 30 e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzida.”
5) Por sentença de 18/02/2011, proferida no processo n.º 606/07.7TBVNO, que correu seus termos pelo extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, na qual eram Autores, entre outros, os ora Embargados e Réus, entre outros, os ora Embargantes, decidiu-se, além do mais, declarar que (…) e (…) eram os únicos donos e proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…) e declarar que tal prédio se encontra livre de qualquer servidão de passagem a favor do prédio de (…) e (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…) e condenar os Réus a absterem-se de quaisquer comportamentos que limitem ou colidam com o direito de propriedade dos Autores.
6) Os Embargantes, apesar de instados pelos Embargados, recusam-se a proceder à demarcação aludida em 1).
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3.2 – Factos não provados:
Com interesse para a boa decisão da causa não ficaram por provar quaisquer factos.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Considerações genéricas sobre o título executivo:
A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artigos 2º, 4º, nº 3 e 45º, nº 1, do CPC, a que correspondem os artigos 2º e 10º, nºs 1, 4 e 5, do NCPC).
A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo. Ou seja, é exigência legal a existência de um documento que formaliza a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artigo 45º, nº 1, do CPC, a que sucedeu o artigo 10º, nºs 4 e 5, do NCPC).
Para Lebre de Freitas o título constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade, activa e passiva[1].
Rui Pinto afirma que «deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos»[2].
A propósito da necessidade de título executivo, Abrantes Geraldes[3] refere que «o título executivo é, assim, condição necessária da acção executiva, já que sem título não pode ser instaurada acção executiva; se for instaurada, deve ser indeferida liminarmente; se o não for, pode ser objecto de oposição à execução.
Mas, por outro lado, o título executivo é também condição suficiente da acção executiva, uma vez que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva».
O título executivo cumpre, no processo executivo, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução.
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4.2 – Da interligação entre a acção de demarcação e o título executivo:
Na execução para prestação de facto, em que o título executivo é uma sentença, o Executado pode deduzir oposição à execução, mediante embargos e pode invocar como fundamentos, para além daqueles previstos no artigo 729.º[4] do NCPC, o cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio, conforme decorre do disposto no n.º 2 do artigo 868.º[5] do NCPC.
Após resolver as excepções relacionadas com o erro na forma de processo e com a violação da autoridade do caso julgado, o Tribunal «a quo» afirma que os Embargados não invocaram qualquer outro fundamento de oposição à execução, considerando assim os embargos improcedentes.
Vejamos.
A norma do artigo 1353º[6] do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.
Como meio de perfectibilizar esse direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites[7].
Tal como ressalta da leitura da regulamentação contida no nº 2 do artigo 1354º[8] do Código Civil, o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si – tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio Tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos na citada norma[9].
Na acção de demarcação não vigora o princípio “actore non probante, reus absolvitur”. Assim, se a linha divisória não puder ser determinada de harmonia com a versão das partes, segundo o critério do nº 1 do citado artigo 1354º, caberá ao Tribunal atribuir a cada um dos proprietários dos prédios confinantes metade da área em conflito. Daqui se extrai a conclusão de que, em acção de demarcação, a ausência de indicação de uma linha divisória ou a deficiente indicação da sua localização não inquina com o vício da ineptidão a petição inicial[10] [11]. E, como corolário lógico, este putativo vício não se transferiria para a fase título executiva.
Os principais argumentos recursivos de contestação à decisão tomada pelo Juízo de Execução do Entroncamento estão ancorados na lição de José Alberto dos Reis. Porém, é de atender que, na actualidade, na sequência da enunciada reforma ao CPC, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, a acção de demarcação deixou de configurar uma acção especial, deixando de seguir o processo especial de arbitramento, passando, tal como a acção de reivindicação, a seguir a forma de processo comum de declaração, o que, indirectamente, face à nova regulamentação, torna inaplicável parte da doutrina proposta no articulado de recurso.
Efectivamente, como decorre do preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, o legislador decidiu eliminar as acções de arbitramento como categoria autónoma de acção, tendo em consideração que essa espécie de acção especial abarcava «situações heterogéneas, amontoadas no art. 1052º e tendo como único elemento aglutinador comum a realização de um arbitramento, procedendo a decisão judicial, em muitos casos, meramente homologatório do laudo de árbitros».
Como a prova pericial foi objecto de profunda reformulação e flexibilização, entendeu-se assim que a mesma «se revelará perfeitamente idónea para dar resposta, no quadro do processo comum de declaração, às necessidades e interesses tutelados com a instituição da figura do «arbitramento», com a vantagem de outorgar ao juiz o poder-dever de valorar livremente os resultados da perícia a que seja necessário proceder».
Lido o recurso, torna-se evidente que parte substancial da controvérsia está associada a um eventual erro ocorrido na fase declarativa. Todavia, a referida decisão mostra-se transitada em julgado e os fundamentos da oposição mediante embargos não comportam uma reinvenção ou interpretativa correctiva do sentido decisório ali tomado. Carece assim de fundamento a invocação de que «a sentença deveria ter considerado existir uma demarcação natural», declarando a acção improcedente.
E, além do mais, é insustentável agora fazer apelo à dicotomia entre sentença constitutiva ou de simples apreciação. Na verdade, o recorrente afirma que foi ficcionada “uma condenação implícita”. Porém, o veredicto é bem expresso e inequívoco, pois a decisão declarativa fixou a linha divisória entre os prédios identificados em 1 (dos AA) e 2 (dos RR) pelo desnível aí (entre eles) existente e a existir algum erro ele está coberto pela eficácia do caso julgado. E a questão da forma de implementação da divisão entre as propriedades não faz parte do catálogo dos fundamentos da oposição mediante embargos.
Os recorrentes afirmaram ainda que os exequentes não alegaram nem demonstraram a recusa dos executados em instalar os marcos. Todavia, não foi interposto recurso da matéria de facto nos termos provisionados pelo artigo 640º do Código de Processo Civil, mostrando-se assim consolidada a matéria de facto apurada. E, ao invés do afirmado, a sentença recorrida é clara quando certifica que os Embargantes, apesar de instados pelos Embargados, se recusam a proceder à demarcação [facto 6), com referência ao ponto 1) da factualidade provada].
Ademais a matéria da fixação do prazo para o cumprimento da obrigação corresponde a matéria nova. Numa perspectiva dinâmica, fora do quadro das excepções legais, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[12]. No mesmo sentido pode ser consultado Nuno Pissara[13].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[14] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o Tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao Tribunal recorrido[15] [16].
De facto, tal como resulta da leitura do requerimento inicial de oposição e do texto do acto postulativo recorrido, é correcta a asserção que os embargantes «nesta oposição não invocaram a falta de fixação de prazo para a prestação de facto, pelo que, assim sendo, não é esta a sede para apreciar essa questão, mas sim na própria execução, o que se fará ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 734.º do NCPC». Deste modo, a matéria introduzida ex novo não é susceptível de ser apreciada em sede de recurso.
Em síntese, as acções de demarcação visam colocar termo à incerteza sobre o traçado da linha divisória e a sentença declarativa resolveu a controvérsia sobre os limites das propriedades confinantes.

Estamos assim perante uma sentença que importa a prática de actos executivos e que se mostra idónea a valer como título executivo para a prestação dos factos positivos ou negativos inerentes à efectivação prática da mudança pretendida. E, nesta lógica, o título executivo não padece do vício de inexequibilidade e a decisão recorrida não viola qualquer das normas convocadas pelo recorrente, inexistindo assim motivo para revogar a sentença recorrida, a qual se mantém nos seus precisos termos.
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V – Sumário:
(…)
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes, nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
Évora, 24/10/2019
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 43.
[2] Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 142-143.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2007, in www.dgsi.pt.
[4] Artigo 729.º (Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença):
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
[5] Artigo 868.º (Citação do executado):
1 - Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.
2 - O devedor é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.
3 - O recebimento da oposição tem os efeitos indicados no artigo 733.º, devidamente adaptado.
[6] Artigo 1353.º (Conteúdo):
O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles.
[7] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/06/2000, Tribunal da Relação de Guimarães 01/06/2005 e 18/12/2017, do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/05/2014 e 15/10/2013, do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/03/2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Artigo 1354.º (Modo de proceder à demarcação):
1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.
2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.
[9] Em sentido próximo, pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/05/2014, in www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/05/2012, in www.dgsi.pt.
[11] No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/10/2013, publicado em www.dgsi.pt, igualmente se atesta que nas acções desta natureza, a ausência de indicação de uma linha divisória ou a deficiente indicação da sua localização não inquinam a petição inicial com o vício da ineptidão por falta ou obscuridade da causa de pedir, porquanto, sempre aquela há-de ser definida pela via da aplicação sucessiva dos critérios consagrados no artigo 1354.º do Código Civil.
[12] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[13] Nuno Andrade Pissarra, O conhecimento de Factos Supervenientes Relativos ao Mérito da Causa pelo Tribunal de Recurso em Processo Civil, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, 2012, págs. 287 e seguintes, acessível no site http://www.fd.ulisboa.pt/professores/corpo-docente/nuno-andrade-pissarra. Neste enquadramento visa-se evitar que o tribunal seja surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por causa disso, se prejudique o normal andamento da causa.
[14] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[15] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo Tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre», in www.dgsi.pt.
[16] Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica: No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, é justamente afirmado que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».