Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
40/23.1T8FAR.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: ASSÉDIO MORAL
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com fundamento em extinção do posto de trabalho, não tendo o empregador requerido a exclusão da reintegração do trabalhador, para o caso do despedimento vir a ser declarado ilícito, não compete ao tribunal conhecer de tal exclusão;
II - A prova dos requisitos para a extinção do posto de trabalho compete ao empregador (artigo 342.º, n.º 1, do CC);
III - Não se mostram provados os requisitos e, por consequência, o despedimento é de considerar ilícito, se da matéria de facto apenas resulta, de relevante, que a empregadora/Ré perdeu o contrato de prestação de um serviço de enfermagem, onde há mais de um ano a trabalhadora/enfermeira/Autora tinha deixado de exercer a atividade ao serviço daquela, mas não se provou que com a cessação desta prestação de serviços a empregadora não tivesse disponível qualquer outro posto de trabalho que fosse compatível com a categoria profissional possuída pela trabalhadora, bem como que a empregadora tenha perdido receita anual, que conduziu a um grave desequilíbrio económico-financeiro;
IV - O conceito de assédio moral integra todos os comportamentos humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador que se prolonguem no tempo e que tenham como intenção exercer pressão moral sobre o mesmo, com vista a um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável;
V – Verifica-se comportamento assediante por parte da empregadora no seguinte quadro fáctico: (i) em ../../2021 a Ré determinou à Autora que passasse a exercer as funções de Técnica de Ambulância de Transporte e não de enfermeira, o que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses ; (ii) na sequência de interpelação da Autora, no sentido de ver fixado o seu horário de almoço, em 4 de março de 2022 a Ré alterou-lhe o horário de trabalho, tendo, para o efeito, sido avisada tão-só no dia anterior e, cumprindo anteriormente o horário de trabalho das 9h às 18h, passou a ter o horário das 9h às 13h e das 15h às 19h, fixando-se duas horas de almoço, sem qualquer justificação e com claro prejuízo para a vida pessoal e descanso da Autora, que assim, saia uma hora mais tarde do que o previsto, o que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros; (iii) em 8 de junho de 2022 e em 12 de agosto de 2022, a Autora solicitou trabalhar em jornada contínua, o que sempre lhe foi indeferido; (iv) na sequência da declaração do médico de medicina do trabalho – de que a Autora não podia carregar pesos superiores a 10 Kg – , quando se apresentava ao serviço não lhe eram atribuídas funções, permanecendo a mesma sentada num sofá no interior das instalações da Ré, num corredor de passagem, que funciona como sala de estar, onde circulavam todos os colegas da Autora; (v) a partir dessa altura, a Autora não tinha funções distribuídas, via passar os seus colegas para os vários trabalhos quer de enfermagem, quer Técnicos de Ambulância de Transporte, quer Técnicos de Ambulância de Socorro, assoberbados com o trabalho, enquanto ela se encontrava sentada no sofá; (vi) em ../../2022 foi-lhe ordenado por um elemento da direção da Ré que carregasse uma caixa do seu escritório para a unidade de emergência, enquanto uma senhora funcionária da secretaria assistia; (vii) nesse mesmo dia, o mesmo elemento da direção da Ré, verificando que a Autora se encontrava sentada no sofá a ler livros, dirigiu-lhe as seguintes expressões: “Está proibida de ler, ler é um desrespeito para com os seus colegas, não pode ler aí, está a gozar com os seus colegas” e (viii) após a ação Inspetiva da ACT e até ao termo do contrato, a Autora passou a alternar os períodos no sofá com o transporte de doentes autónomos em que a sua função se limitava a abrir e fechar a porta das ambulâncias;
VI – No circunstancialismo descrito, e tendo em conta que com o referido comportamento a trabalhadora/Autora se sentiu perturbada psicologicamente de forma profunda, triste, desanimada e preocupada, ansiosa com toda a situação, sendo pessoa normalmente alegre, bem disposta e comunicativa, passou a estar triste, esmorecida, chorosa e desanimada, que tinha sido admitida ao serviço da Ré em 01-10-2019 e que auferia mensalmente € 1.205,08, justifica-se, a este título, uma indemnização, por danos não patrimoniais, de € 10.000,00.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 40/23.1T8FAR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – Relatório
Na presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA (Autora) intentou contra Cruz Vermelha Portuguesa (Ré), foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
“Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
A) Declara-se ilícito o despedimento da Autora AA promovido pela R. Cruz Vermelha Portuguesa;
B) Condena-se a Ré Cruz Vermelha Portuguesa a pagar à Autora AA uma indemnização no valor de € 5.272,33 em substituição da reintegração, o montante de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais em resultado do despedimento ilícito, no pagamento de € 3.815,34 relativas ao salário do mês de Dezembro de 2022, subsídio de risco, férias, subsídio de férias referentes ao ano de 2022 e subsídio de alimentação que a A. devolveu, no pagamento de € 1.000,00 a título de subsidio de coordenação não pago e no pagamento de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais resultantes de assédio/mobbing, bem como todas as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da sentença, nos termos do artigo 390º, nº 1, do Código do Trabalho, sujeitas às deduções aí previstas;
C) Absolve-se a R. do restante peticionado.
(…)”.

Inconformada com a sentença, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo, a terminar as alegações, formulado as seguintes conclusões:
“1. Com o devido respeito, que é muito, a ora Recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo quanto a certos factos que deu como provados e outros que deu como não provados e, por isso, considera que se verifica erro de julgamento e erro na apreciação da prova produzida, com o consequente erro na decisão da matéria de facto, o que, por si só não existindo, teria levado a uma decisão diferente;
2. Assim, tendo em conta o facto da Autora possuir um curso de formação no âmbito dos Tripulantes de Ambulância de Transporte (TAT), deve ser aditado à factualidade assente um ponto com o seguinte teor: “A Autora é detentora de formação profissional de Tripulante de Ambulância de Transporte”;
3. Deve ser alterado o Ponto Y da factualidade assente, por não se ter considerado que a Autora se recusava prestar os seus serviços nos eventos, por ocorrerem fora do seu horário de trabalho, de forma a aditar, na sua parte final deste Ponto Y o seguinte “(…), em eventos nos quais a A. se recusava a participar.”;
4. Deve ser aditado à factualidade assente um ponto com o seguinte teor: “Existe uma sala, composta por sofás e televisão, onde os trabalhadores se reúnem para descanso ou enquanto aguardam pela chamada de serviço”;
5. Os Factos SS e WW da factualidade assente devem ser eliminados e dados por não provados;
6. Deve ser alterado o Facto XX em conformidade com a realidade das funções atribuídas à Autora, como consta do Facto P, ou seja, o que deve constar como provado é que “Em ../../2021, a A. viu cessadas as funções como responsável pelo depósito de material designado por Farmácia”;
7. Deve ser alterado o Facto Q, retirando-se a referência a “posto de enfermagem” e mantendo-se o restante teor e no que respeito aos Factos X e YYY da factualidade assente devem ser dados como não provados, porque não existe posto de enfermagem na Delegação da Recorrente;
8. Foi violado o disposto no artigo 421º do Código de Processo Civil e o nº 3 do artigo 3º do mesmo Código de Processo Civil, ao ser dado por provado o Facto VVV, baseado em depoimentos de testemunhas que foram prestados numa outra acção judicial que decorreu e foi julgada por este mesmo Tribunal, onde a Recorrente tem a qualidade de Réu e o Autor é um outro trabalhador da Recorrente, processo que se encontra em fase de recurso, ainda não transitado;
9. Logo, este Facto VVV deve ser eliminado da factualidade assente, porque foi fundado em depoimentos de testemunhas que não constam da presente acção como meios de prova, porque esses depoimentos não existem nem por transcrição, nem por qualquer outro meio documental, quer seja sob a forma escrita, quer seja sob a forma de áudio, sendo, assim, um meio de prova cujo aproveitamento nesta acção é inadmissível;
10. Deve ser dada por provada a matéria considerada não provada nos Pontos A, B, C e D dos factos não provados da douta Sentença recorrida;
11. A extinção deste posto de trabalho respeitou os requisitos legais previstos para a sua concretização, porque não existe qualquer imputação que possa ser considerada culposa por parte da Recorrente, como entidade empregadora e esta não dispõe de funções compatíveis com a categoria profissional da Autora;
12. Mostra-se demonstrado e verificado o nexo de causalidade entre os motivos invocados e a extinção do posto de trabalho, que se tem por regular e lícita, por ter sido respeitado o disposto nos artigos 367º a 372º do Código do Trabalho;
13. Sem prescindir, caso se venha a manter a douta Sentença Recorrida na parte respeitante à ilicitude da extinção do posto de trabalho, a Recorrente considera exagerado o montante da indemnização fixada, devendo antes a mesma fixar-se pelo mínimo legalmente previsto, ou seja, de 15 dias de remuneração base para cada ano completo de antiguidade ou fracção, considerando o valor de retribuição auferido pela Autora, que é de valor superior à média nacional;
14. Igualmente, não se alcança que os danos não patrimoniais sofridos pela Autora tenham sido significativos, sendo certo que a eventual ofensa na sua dignidade profissional não é suficiente para gerar uma obrigação de indemnização nestes termos;
15. A Autora não tinha a obrigação legal de devolver à Recorrente todo o valor recebido, nomeadamente os € 4.159,31 euros, mas apenas tinha de devolver o valor da compensação, ou seja, o valor de € 1.566,00 euros, porque é esse o único valor que o nº 4 do artigo 366º do Código do Trabalho manda o trabalhador devolver para comprovar que não aceita o despedimento promovido;
16. Assim, sem prescindir, caso se entenda que a Autora tem direito a danos não patrimoniais, lançando mão do critério da equidade que o nº 4 do artigo 436º do Código Civil manda utilizar, será equilibrada a fixação de dano não patrimonial nunca superior a € 1.500,00 euros (Mil e quinhentos euros);
17. A Recorrente nada deve à Autora a título de funções de coordenação, porque essas funções cessaram a ../../2020 e desde essa data e até ao finalizar do seu contrato de trabalho, ocorrido a ../../2022, a Autora nunca mais exerceu funções de coordenação;
18. Não resulta dos presentes autos qualquer prática da Recorrente ou do superior hierárquico da Autora que integre assédio/mobbing, que, de resto, não houve!;
19. O Tribunal a quo não deu qualquer relevância à prova documental constante do relatório da acção inspectiva realizada pela ACT, com deslocação das inspectoras ao local dos factos e com a audição no local de todos os intervenientes, do que resultou a sua conclusão factual de não existir prática de assédio;
20. Contudo, sem prescindir, caso se entenda demonstrada a prática de assédio/mobbing, embora nunca concedendo, o montante fixado para a indemnização (15.000,00 Euros) revela-se manifestamente excessivo, porquanto sempre haveria que considerar-se que também a Autora contribuiu, à sua maneira, para a deterioração da relação laboral, com alguma das atitudes que foi desenvolvendo e ficaram provadas, como seja, a de estar sentada no sofá a ler livros e não colaborar com os seus colegas, o que em nenhum momento pode ser interpretado como assédio/mobbing, pelo que a indemnização a arbitrar nunca poderia exceder, em juízo de equidade, o montante de 1.500,00 Euros (Mil e quinhentos euros).
Termos em que deve o presente recurso ser declarado por provido e, em consequência, ser a douta Sentença recorrida revogada e substituída por outra que, julgando a acção improcedente, absolva a Recorrente dos pedidos formulados pela Autora, com o que Vossas Excelências farão a Vossa Boa e Costumada JUSTIÇA!”.

A recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
“A) A Autora concorda integralmente com a douta sentença proferida nos autos, a qual não lhe merece qualquer reparo, pelo que deve ser integralmente mantida, Improcedendo Tudo o peticionado pela recorrente no seu recurso.
B) Não se verificou qualquer erro de julgamento, nem erro na apreciação da prova e não deve ser dado provimento a nada do peticionado pela recorrente, nomeadamente, no que respeita;
- a dar-se por provado que “A Autora é detentora de formação profissional de Tripulante de Ambulância de Transporte”, por via dos argumentos por nós invocados, bem como os da douta sentença recorrida, que se mostra plenamente fundamentada e justa;
- Não deve ser alterado o ponto Y da matéria de facto dada por provada, por via dos argumentos por nós invocados nesta resposta, bem como, os da douta sentença recorrida, que se mostra plenamente fundamentada e justa;
- Não devem ser aditados os fatos peticionado no que respeita á situação física do sofá, conforme argumentos por nós invocados nesta resposta, bem como, os da douta sentença recorrida, que se mostra plenamente fundamentada e justa;
- Não devem ser eliminados os pontos AA e WW da factualidade assente, mantendo-se integralmente;
- O ponto XX dos factos provados não deve ser alterado conforme peticionado pela recorrente, nos termos dos argumentos por nós invocados nesta resposta, bem como, os da douta sentença recorrida, que se mostra plenamente fundamentada e justa;
- Não deve ser feita qualquer alteração quanto ao ponto Q nem os factos dados por provados como X e YYY devem ser dados por não provados;
- Não foram violadas quaisquer disposições legais na douta sentença recorrida;
- O facto VVV dos factos provados deve manter-se integralmente;
-Deve ser mantida como matéria não provada os factos dados por não provados nas alíneas A), B, C e D dos factos não provados;
- A extinção do posto de trabalho não respeitou os requisitos legais, existindo imputação culposa no despedimento ilícito por banda da R..;
- Não se mostra verificado o nexo de causalidade entre os motivos invocados para extinção do posto de trabalho e a extinção do posto de trabalho da A..;
- Todas as indemnizações, compensações e créditos laborais atribuídos na douta sentença recorrida à A. são justas, equitativas e adequadas;
- Mostram-se verificados todos os danos morais invocados pela A.., sendo as consequências retiradas, dos danos provocados pela R. à A., na douta sentença, legais, justas e equilibradas;
- A R. tem obrigação de devolver à A. todas as quantias devolvidas pela mesma quanto a todos os créditos laborais invocados, pois que, a mesma tinha que garantir que a impugnação deste se despedimento ilícito era validamente impugnada, sem margem para qualquer dúvida, sendo certo que trabalhou e tais créditos laborais lhe são devidos.
- Nada há a alterar quanto aos montantes indemnizatórios fixados na douta sentença recorrida;
- As quantias em que a R. foi condenada a pagar a título de subsídio de coordenação são devidas, pelo que nada há a alterar na douta sentença a este respeito;
- Resulta provado nos autos a prática de mobbing/assédio pela R., com todas as legais consequências;
- o Tribunal a quo ponderou devidamente toda a prova documental e testemunhal decorrente da ação inspectiva da ACT;
- A indemnização por mobbing foi justíssima e adequada e só peca por defeito, por respeito ao princípio do pedido.
Termos em que,
Deve o recurso da R. ser declarado totalmente improcedente e não provado e ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, fazendo-se, assim, a costumada Justiça!”.

O recurso foi admitido na 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito suspensivo, atenta a caução prestada.

Recebidos os autos neste tribunal, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, em que que se pronunciou pela improcedência do recurso.
Preparando a deliberação, foi remetido projeto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal três questões essenciais:
1. saber se existe fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto;
2. saber se o despedimento, por extinção do posto de trabalho, se tem por lícito;
3. ainda que se considere ilícito o despedimento, se o montante da indemnização se apresenta excessivo, devendo fixar-se em 15 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração;
4. se existe fundamento para a condenação por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, se o montante não deve ultrapassar € 1.500,00;
5. se deve manter-se a condenação da recorrente a pagar à recorrida as importâncias devidas a título de funções de coordenação;
6. se se verifica a prática pela recorrente de assédio/mobbing e, em caso afirmativo, se o valor de indemnização fixado (€ 15.000,00) se mostra equilibrado.

III – Factos
1- A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
A) A Ré é uma Instituição não governamental de carácter voluntário e interesse público, que desenvolve a sua atividade no respeito pelo Direito Internacional Humanitário, pelos Estatutos do Movimento Internacional e pela Constituição da Federação da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, sendo uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos;
B) A Ré é constituída a nível local, por vários órgãos sociais, onde se destaca a Direção da Delegação Local, que tem entre as suas diversas competências, a gestão, a nível local, da atividade da Ré, tendo autonomia para obter os recursos próprios, com vista à sustentabilidade económica e financeira da respetiva Delegação Local, respeitando as normas e instruções emanadas pela Ré;
C) No exercício destas competências, por proposta da Direção da Delegação Faro-Loulé, a Autora foi admitida ao serviço da Ré em ../../2019, com a categoria de Técnica, para exercer a sua atividade naquela Delegação, sediada em ..., mediante um acordo de trabalho sem termo, para exercer as funções como enfermeira, essencialmente para prestar cuidados de enfermagem em situações de emergência e atendimento de utentes no Aeroporto ..., auferindo a remuneração base mensal atualizada de € 1.205,08 euros;
D) A 01/06/2016, a Ré, representada pelo Presidente da Direção da Delegação Faro-Loulé e na sequência do processo de consulta nº 0016/DCOMP/2016, celebrou com a “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, um contrato de prestação de serviços de enfermagem em primeiros socorros, com a duração de 12 (doze) meses, pelo qual a Ré se comprometeu a assegurar a prestação de serviços de enfermagem em primeiros socorros no Aeroporto ..., pelo preço anual de € 88.200,00 euros;
E) A mencionada prestação de serviços foi sendo prorrogada por sucessivos períodos de 12 (doze) meses até ao mês de Março de 2021, mas, por iniciativa da “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, que, justificando a redução abrupta de atividade e receitas, esta prestação de serviços não foi renovada por mais um (1) ano e, assim, cessou a 31/03/2021, conforme melhor consta da comunicação que foi efetuada à Ré a 18/03/2021, pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”;
F) A Delegação Faro-Loulé atribuiu à Autora funções no âmbito da testagem e rastreio à COVID-19, uma vez que a Ré tinha implementado, desde o inicio da pandemia em 2020, a constituição de postos de testagem, quer fixos, quer móveis, promovendo a sensibilização para a importância da realização destes testes à COVID-19;
G) Face às etapas de controlo da pandemia e às fases de desconfinamento que se seguiram, no final do primeiro trimestre de 2022, a Ré procedeu à desmontagem destes postos de testagem, pela sua desnecessidade, deixando de auferir as receitas garantidas por estes postos de testagem;
H) O custo anual da contratação de um enfermeiro está orçado em cerca de € 23.330,22;
I) Na Ré não existe Comissão de Trabalhadores;
J) A A. foi admitida ao serviço da R. para exercer as funções de Técnica, funções estas melhor descritas no anexo ao contrato de trabalho, sem termo, celebrado entre A. e R. datado de ../../2019, a saber: “- prestação de cuidados de enfermagem em situações de emergência e atendimento de utentes no Aeroporto ...; - prestação de cuidados de enfermagem na Unidade de Emergência de ..., apoio a eventos e ao domicílio, sempre que necessário; - prestação de serviços nos Planos de Verão de Praias; - Apoio, sempre que necessário, no âmbito da sua formação, em outras áreas da Delegação; Com a seguinte ressalva aí constante: “A referida descrição de funções não pretende ser um documento exaustivo e definitivo da função que irá ou poderá ser desempenhada. O presente contrato é uma orientação genérica das funções/atividades/tarefas que o colaborador deverá desempenhar no âmbito do respetivo contrato de trabalho, sem prejuízo da evolução dinâmica subjacente à relação laboral”;
K) No desempenho das suas funções profissionais, a A. acatava, obedecia e executava as ordens e diretrizes de serviço que a R. lhe dava, cumpria o respetivo horário de trabalho e auferia uma remuneração pelo trabalho que efetuava;
L) A A. prestou serviço junto do Aeroporto ...;
M) Quando a A. deixou de prestar funções no Aeroporto ... ao serviço da Cruz Vermelha, foi contratada pela R. a enfermeira BB para desempenhar as funções da A. ao abrigo do contrato de prestação de serviços com a Ana – Aeroportos de Portugal, S.A.;
N) Em ../../2020, a A. passou a acumular às suas (as funções de enfermagem pré-hospitalar no Aeroporto ...), as de coordenação das equipas de enfermagem no Aeroporto ... e de TAT (Técnicos de Ambulância de Transporte);
O) Serviços estes que cessaram em ../../2020;
P) Em ../../2020, a A. ficou responsável pelo depósito de material designado por Farmácia;
Q) Mais exerceu funções no Posto fixo de testes à Covid-19 e no Posto de enfermagem, tendo encetado a laboração no Posto Fixo de testes Covid, efetivamente, em ../../2020, o que perdurou até ../../2021, com o encerramento do referido Posto;
R) A A. prestou também serviço no Posto da Cruz Vermelha da ... no período de ../../2021 a ../../2021, com reinício em ../../2021, com grande esforço da A., pois que, a deslocação era feita de barco, alterando um trajeto para o local de trabalho de 5m para mais de uma hora, atendendo a que as deslocações eram efetuadas nos barcos da carreira, com horários fixos, não compatíveis com o horário de trabalho fixado pela R.;
S) A R. continuou com o Posto da Cruz Vermelha da ...;
T) Desde outubro de 2021 a A. prestou serviço como TAT (Técnica de ambulâncias de transporte);
U) A A., desde a sua vinda do Aeroporto ..., também prestou serviços no posto de enfermagem, nas Instalações da R., na Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, sita na Rua ..., em ..., nomeadamente, como enfermeira e Coordenadora da Unidade de Emergência da referida delegação;
V) A A. também fez parte da brigada móvel de testes à Covid-19 no período de 27/12/2021 a 08/04/2022;
W) Todas as funções exercidas pela A., acima referenciadas, foram-lhe expressamente determinadas pela R.;
X) A R. fez obras no Posto de Enfermagem, sito na sede da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, com recurso a fundos comunitários, o qual não chegou a abrir;
Y) A R., ainda durante o decurso do contrato de trabalho com a A., recorreu por inúmeras vezes, e continua a recorrer, à contratação de prestadores de serviços na área de enfermagem, para exercer funções da esfera de competências da A., a ganhar cerca de 25€ (vinte e cinco euros), 30€ (trinta euros) à hora;
Z) A A. sempre foi uma funcionária rigorosa, que chamava a atenção para as falhas e irregularidades que ocorriam nos serviços por onde passou dentro da Instituição, reportando-as por escrito, nomeadamente, quanto à existência de fármacos e materiais fora de prazo, falta de higiene da farmácia, vicissitudes no tratamento dos lixos, má organização da testagem covid, irregularidades no cumprimento de protocolos, más condições de serviço, do Posto da Cruz Vermelha da ... e falta de material e material fora do prazo, bem como, irregularidades nas medicações disponíveis, incumprimento das suas orientações de serviço, o que sempre causou grande incómodo aos elementos da Direção;
AA) A A. denunciou violações dos seus direitos laborais junto do Sindicato dos Enfermeiros, bem como, junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, nomeadamente, quanto às horas de Descanso que lhe eram devidas, entre outros, o que determinou a intervenção do Sindicato junto da R.;
BB) Em ../../2021, a A. foi testemunha de CC, na ação de processo comum, que correu termos nesse Tribunal do Trabalho de ... – Juiz ..., com o n.º1327/21...., em que foi R. a ora R., Cruz Vermelha Portuguesa;
CC) Anteriormente, já a A. tinha sido testemunha no processo disciplinar instaurado pela ora R. a CC;
DD) Para realização e desenvolvimento das suas atividades, a CVP conta com os seguintes recursos: a. As quotas e subscrições dos membros; b. As subvenções e apoios concedidos pelos órgãos da Administração Pública; c. Os donativos, as heranças e os legados recebidos a benefício de inventário; d. A totalidade dos benefícios líquidos decorrentes de sorteios, lotarias e rifas organizados em seu favor com autorização do Estado, bem como de jogos de fortuna ou azar, quando devidamente concessionados, e os montantes correspondentes aos prémios não reclamados; e. Os rendimentos do património; f. As mais-valias da venda do património; Estatutos da Cruz Vermelha Portuguesa; g. O produto das retribuições recebidas, fruto dos serviços prestados pela CVP; h. Quaisquer outras ajudas, contribuições ou subvenções que possam angariar ou receber de entidades e pessoas públicas ou privadas para a prossecução dos seus objetivos; i. As receitas provenientes da emissão de vinhetas e selos comemorativos para aposição facultativa na correspondência postal, em modelo aprovado por despacho conjunto dos Ministros da Defesa Nacional e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações; j. As importâncias provenientes de acordos de cooperação com entidades públicas ou privadas; l. O produto da alienação de material obsoleto; m. Quaisquer outras receitas que por lei, acto ou contrato lhe sejam atribuídas.”;
EE) O último relatório de contas disponível da R., referente ao ano de 2021, realizado em 28 de setembro de 2022, refere um balanço negativo das contas da Instituição;
FF) A A. procedeu à imediata devolução da referida compensação, facto de que informou a R.;
GG) A A. auferia a título de retribuição base a quantia de 1.205,08€ (mil duzentos e cinco euros e oito cêntimos);
HH) A A. ficou bastante preocupada com o seu futuro, temendo não conseguir novo emprego com rapidez como enfermeira, sentindo temor, angústia, tristeza e grande apreensão;
II) Mais temeu a A. que, não tendo emprego, não conseguisse honrar os seus compromissos financeiros, nomeadamente, suportar o pagamento da renda de casa, de água, luz e gás, alimentação, vestuário e despesas de saúde, temendo entrar em incumprimento e até perder a sua casa;
JJ) A A. teve que recorrer à ajuda financeira de sua mãe, DD, para cumprir as suas obrigações, o que lhe causou grande sofrimento psicológico, frustração, preocupação, vergonha e ansiedade, dificultando-lhe o sono e criando-lhe profunda tristeza;
KK) A diretora da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, Dra. EE, informou a senhoria da A., de que esta havia perdido o emprego e que não iria conseguir pagar a renda, facto que lhe foi transmitido e questionado pela senhoria;
LL) Desde a notícia do despedimento, a A., pessoa normalmente alegre, bem disposta e comunicativa, tenha permanecido triste, esmorecida, chorosa e desanimada, o que perdura até aos dias de hoje;
MM) A A. sente-se injustiçada com toda a situação e recortes que verdadeiramente determinaram o seu despedimento ilícito, o que a perturba psicologicamente de forma profunda e a faz sentir triste, desanimada e preocupada, ansiosa com toda a situação;
NN) A A. devolveu toda a quantia depositada e referenciado no recibo de dezembro de 2022, no valor total de € 4.159,31€ (quatro mil cento e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos), incluindo a compensação por despedimento por extinção de posto de trabalho, no montante de € 1.566,60, as quantias referentes ao salário do mês de dezembro de 2022, no montante de 1.205,08€, a quantia devida a título de subsídio de risco, no montante de 80€, a quantia de 1.205,08€ devida a título de férias e subsídio de férias referentes ao ano de 2022 e subsídio de alimentação no montante de 120€;
OO) A A. assumiu funções de coordenadora do serviço no Posto de Socorro do Aeroporto de ... em ../../2020;
PP) Por conta das funções de coordenação, a A. passou a ser retribuída, para além do seu vencimento base, com a quantia mensal de 250€ (duzentos e cinquenta euros);
QQ) Quantia esta que só lhe foi paga a partir do mês de outubro de 2020, não lhe tendo sido pago o trabalho de coordenação referente aos 15 dias de setembro de 2020, isto é, de 15 a 30 de setembro de 2020;
RR) A referida retribuição dos serviços de coordenação foi paga mensalmente até ../../2021, no montante de 250€, à exceção do mês de dezembro de 2020, em que apenas lhe foi paga a quantia de 375€;
SS) A A. exerceu funções de coordenação da farmácia até ../../2021 e manteve as funções de Coordenadora do Posto Fixo de testagem à Covid-19 até final de setembro de 2021;
TT) Desde o início da sua prestação de funções a A. sempre informou, por escrito problemas e deficiências graves no serviço que detetou o que causava o incómodo da direção e dos colegas de trabalho;
UU) Em ../../2021, a A. viu as suas funções alteradas para prestar serviço no Posto da Cruz Vermelha na ..., tendo deixado de receber subsídio de coordenação;
VV) A A. cumpriu, com grande esforço, a imposição da R. de trabalhar na ..., pois que a deslocação para o local era feita de barco, alterando o trajeto para o local de trabalho de 5m para mais de uma hora, atendendo que as deslocações eram efetuadas nos barcos da carreira, com horários fixos, não compatíveis com o horário de trabalho fixado;
WW) FF passou a ser a coordenadora da farmácia em julho de 2021;
XX) Em ../../2021 a A. viu cessadas as suas funções como coordenadora da farmácia;
YY) Em 20/08/2021 já a A. solicitou intervenção Inspetiva pela prática de assédio junto do ACT, nomeadamente, por conta das alegadas alterações de funções;
ZZ) Em ../../2021 é determinado à A. o exercício de funções com Técnica de Ambulância de Transporte e não de enfermeira;
AAA) O que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses;
BBB) Na sequência de interpelação da A. no sentido de ver fixado o seu horário de almoço, em 4 de março de 2022, a A. viu o seu horário de trabalho alterado, tendo, para o efeito, sido avisada tão-só no dia anterior;
CCC) A A. cumpria o horário de trabalho das 9h às 18h;
DDD) Na sequência do sobredito pedido de fixação de horário para o almoço, a A. passou a ter o horário das 9h às 13h e das 15h às 19h, fixando-se duas horas de almoço, sem qualquer justificação e com claro prejuízo para a vida pessoal e descanso da A., que assim, saia uma hora mais tarde do que o previsto;
EEE) O que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros;
FFF) Em 8 de junho de 2022 e em 12 de agosto de 2022, a A. solicitou trabalhar em jornada contínua, o que sempre lhe foi indeferido;
GGG) Em 30 de março de 2022, a A. e sua colega GG foram destacadas para testagem covid 19 no Lar ...;
HHH) Para o serviço, o coordenador HH cedeu a viatura ..-..-AO;
III) Em junho de 2022 a A. reportou à direção da delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa que havia vários meses que era colocada para fazer o transporte da utente II, uma senhora que pesa mais de 90kgs;
JJJ) Mais informou a A. que era a única fixa nos transportes, sendo os demais elementos rotativos, exatamente, por se tratar de um trabalho muito pesado;
KKK) Que o referido serviço consistia em transportar a utente em cadeira para a ambulância, depois em maca para o hospital, transferi-la para a maca do hospital e fazer os mesmos procedimentos, por ordem inversa, no regresso;
LLL) Que o serviço era sempre executado por duas pessoas e que as macas, não estão em condições, era normalmente necessária a ajuda de terceiro para conseguirem colocar a maca na ambulância e transferir a utente de maca;
MMM) Nessa senda, solicitou à direção que o referido transporte fosse feito por três pessoas ou serem adquiridas ajudas técnica, como rolo de transferências ou tábua de transferências, para o efeito;
NNN) Mais informou a A. que tinha dores constantes na região cervical e lombar, que já não passavam com analgésicos nem anti-inflamatórios, solicitando uma consulta com o médico da medicina de trabalho, tudo como consequência e necessária do esforço físico decorrente dos pesos suportado durante o trabalho, por ordem e sob a direção da R.;
OOO) Em 28 de junho de 2022, a A. reportou à direção da delegação da Cruz Vermelha Portuguesa de ... a situação do transporte de JJ, um utente muito pesado, pedindo mais uma vez apoio e dando nota de que as suas dores estavam piores, pedindo meios humanos para ajudar no transporte do utente, referindo a A. que era escusado ameaçarem-na com faltas por se recusar a fazer o serviço;
PPP) Em 1 de julho de 2022 a A. deslocou-se à urgência do hospital de ... com quadro de várias semanas de cervicalgia e lombalgia com agravamento com esforço físico no trabalho, medicada com paracetamol sem melhoria;
QQQ) Em 15 de julho de 2022, a A. teve consulta de medicina do trabalho onde lhe foi determinado o seguinte: “Não pode exercer cargas superiores a 10kgs. A função de transporte de doentes deve ter como base o Decreto-Lei 330/93 de 25 de setembro. Reobservar em nova consulta de medicina do trabalho em setembro de 2022”;
RRR) A R. ignorou constantemente os pedidos apresentados pela A.;
SSS) O que determinou nova intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses junto da Instituição;
TTT) Na sequência da determinação do médico da medicina do trabalho, de que a mesma não poderia carregar pesos superiores a 10kgs, desde então, quando esta se apresentava ao serviço não lhe eram atribuídas funções, permanecendo a mesma sentada num sofá no interior das instalações da R., num corredor de passagem, que funciona como sala de estar, onde circulavam todos os colegas da A.;
UUU) A partir desse momento, a A., não tendo função distribuída, via passar os seus colegas para os vários trabalhos quer de enfermagem, quer TATs (Técnicos de Ambulância de Transporte) quer TASs (Técnicos de Ambulância de Socorro), assoberbados com o trabalho, enquanto esta se encontrava sentada no sofá;
VVV) Em 16/09/2022 decorreu a audiência de julgamento de KK nesse Tribunal de Trabalho de ... em que era R. a Cruz Vermelha Portuguesa, que corre termos com o n.º 717/22.... – Juiz ..., em que as testemunhas LL e MM declararam como testemunhas o facto de a A. estar a ser vítima de assédio;
WWW) Em 16/09/2022 o Dr. NN ... da direção ordenou-lhe que carregasse uma caixa do seu escritório para a unidade de emergência, enquanto a funcionária da secretaria, OO assistia;
XXX) No mesmo dia, ../../2022, o Dr. NN, ... da direção, verificando que a A. se encontrava sentada no sofá a ler livros, dirigiu à A. as seguintes expressões: “Está proibida de ler, ler é um desrespeito para com os seus colegas, não pode ler aí, está a gozar com os seus colegas”;
YYY) A R. fez obras no Posto de Enfermagem, sito na sede da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, que demoraram cerca de dois meses, o qual estava pronto para laborar desde novembro de 2021, o qual não chegou a abrir até à saída da A. da Cruz Vermelha;
ZZZ) Após a ação Inspetiva da ACT a A. passou a alternar os períodos no sofá com o transporte de doentes autónomos em que a sua função se limitava a abrir e fechar a porta das ambulâncias até ao termo do contrato;
AAAA) No dia ../../2022 a A. foi chamada à direção da delegação onde se encontravam na sala a advogada da R., a Dra. PP (presidente da delegação), FF (coordenadora adjunta), Dr. NN (... da direção, Dra. QQ (responsável do património), Dra. RR (responsável dos recursos humanos e o Dr. SS (responsável da tesouraria, todos da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, onde lhe foram entregues os papéis referentes ao despedimento;
BBBB) Devido ao supra descrito, a A. não conseguia dormir a pensar em todas as humilhações sofridas; apresentava labilidade; - síndrome depressivo e ansioso devido a relação laboral disfuncional; - ansiedade aguda, choro fácil, insegurança, baixíssima autoestima, elevado stress emocional, défices de atenção, memória e sono (forma grave de stresse psicossocial);
CCCC) A A., pessoa bem disposta e afável, muito organizada e segura, passou a estar triste, chorosa e cabisbaixa, desorientada e insegura, colocando em causa as suas capacidades pessoais e profissionais;
DDDD) Por conta das referidas condutas, a A. ia infeliz diariamente para o trabalho, em estado de stress e ansiedade, sempre com receio de qual seria a próxima atitude da R. contra ela;
EEEE) A A. viu-se forçada a recorrer a consultas de psicologia, que a diagnosticaram com síndrome depressivo e ansioso devido a relação laboral disfuncional;
FFFF) A A. apresentou nas consultas de psicologia um quadro de degradação gradual a nível emocional e cognitivo; que este tipo de défice emocional, gera “deficiências” no funcionamento social e ocupacional, representando um declínio significativo em relação a um nível prévio de funcionamento, com génese numa relação laboral disfuncional, tipo mobbing, que não se minimiza por ação, tendo sido sugerido pelo Psicólogo a continuidade de acompanhamento psicológico, o que mantém até à presente data.

Tendo em conta o os documentos juntos aos autos (comunicação de despedimento), o acordo das partes, e o disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se acrescentar à matéria de facto fixada a seguinte factualidade:
GGGG): “A Ré remeteu à Autora, que a recebeu, a comunicação datada de 14/10/2022, com o seguinte teor: “(…) Assunto: Notificação de intenção de despedimento por necessidade de extinção do posto de trabalho por motivos estruturais e de mercado.
Cumpre-me comunicar a V. Exª. que é nossa intenção proceder ao vosso despedimento por necessidade de extinção do posto de trabalho, correspondente à categoria profissional de Técnica, da área da enfermagem, nos termos dos nºs. 1 dos artigos 368º. e 369º., ambos do Código do Trabalho, nos termos e com os seguintes fundamentos: 1. A necessidade de extinção deste posto de trabalho é fundamentada, por um lado, por motivo de ter cessado a presença da Delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa no Aeroporto ..., onde deixou de prestar assistência de emergência e de outra natureza; 2. Por outro lado, é também fundamentada pela desnecessidade de assegurar, de forma intensiva como a Delegação ... vinha fazendo, a testagem à doença Covid-19, bem como pela desnecessidade de assegurar a assistência nas praias na época de verão, não existindo outras atividades ou funções que lhe possam ser atribuídas na sua área profissional; 3. Consequentemente, a cessação da presença e assistência no Aeroporto ..., bem como a melhoria dos indicadores da pandemia de Covid-19, que levou ao alívio das medidas tomadas neste contexto, acarretou a diminuição do fluxo de trabalho nessas áreas, o que tem causado inclusive graves problemas ao nível da tesouraria e do apuramento de resultados, em virtude da diminuição de entrada de receitas, que constituíam uma importante fonte de recursos financeiros para a Delegação Faro-Loulé e para a nossa Instituição; 4. Não se prevendo a alteração destas circunstâncias num futuro próximo, até porque, mesmo ao nível da pandemia de Covid-19, a previsão é o regresso à vida normal em sociedade, esta situação obriga à eliminação do posto de trabalho que é ocupado por V. Exª., por se ter tornado impossível a subsistência da relação de trabalho e o respetivo vínculo laboral, sendo que não existe outro posto de trabalho compatível ou similar com a categoria profissional que V. Exª. é detentora e não ser possível suportar os custos decorrentes deste contrato de trabalho; 5. Todos estes factos resultam de fatores estruturais e de mercado, para os quais em nada contribuíram nem V. Exª. nem a Delegação Faro-Loulé, nem esta Instituição enquanto vossa entidade empregadora. Mais se informa que, não sendo esta uma pretensão afeta a despedimento coletivo, nem a mesma se deve a uma conduta culposa da nossa parte, é imperioso para os interesses desta Instituição, a tomada desta decisão. Fica-se a aguardar pelo vosso parecer, caso a entenda conveniente, no prazo de 10 (dez) dias a contar da presente comunicação. (…)”.
HHHH) “A Ré remeteu à Autora, que a recebeu, a comunicação datada de 15/11/2022, com o seguinte teor: “Assunto: Comunicação de decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho.
Na sequência da n/ comunicação de 14/10/2022 p. p. e nos termos do art. 371º. do Código do Trabalho, cumpre comunicar a V. Exª. a decisão de extinção do posto de trabalho, correspondente à categoria profissional de Técnica, até aqui ocupado por V. Exª. na Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, cessando deste modo o contrato de trabalho que a vinculava desde ../../2019.
Conforme nossa comunicação de 14/10/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzida, reiteramos os fundamentos da presente decisão, a saber: I) MOTIVOS DA EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO: 1. A necessidade de extinção deste posto de trabalho é fundamentada, por um lado, por motivo de ter cessado a presença da Delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa no Aeroporto ..., onde deixou de prestar assistência de emergência e de outra natureza; 2. Por outro lado, é também fundamentada pela desnecessidade de assegura, de forma intensiva como a Delegação ... vinha fazendo, a testagem à doença Covid-19, bem como pela desnecessidade de assegurar a assistência nas praias na época de verão, não existindo outras atividades ou funções que lhe possam ser atribuídas na sua área profissional; 3. Consequentemente, a cessação da presença e assistência no Aeroporto ..., bem como a melhoria dos indicadores da pandemia de Covid-19, que levou ao alívio das medidas tomadas neste contexto, acarretou a diminuição do fluxo de trabalho nessas áreas, o que tem causado inclusive graves problemas ao nível da tesouraria e do apuramento de resultados, em virtude da diminuição de entrada de receitas, que constituíam uma importante fonte de recursos financeiros para a Delegação Faro-Loulé e para a nossa Instituição; 4. Não se prevendo a alteração destas circunstâncias num futuro próximo, até porque, mesmo ao nível da pandemia de Covid-19, a previsão é o regresso à vida normal em sociedade, esta situação obriga à eliminação do posto de trabalho que é ocupado por V. Exª., por se ter tornado impossível a subsistência da relação de trabalho e o respetivo vínculo laboral, sendo que não existe outro posto de trabalho compatível ou similar com a categoria profissional que V. Exª. é detentora e não ser possível suportar os custos decorrentes deste contrato de trabalho; 5. Todos estes factos resultam de fatores estruturais e de mercado, os quais não são devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador. II) REQUISITOS DA EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO: Deste modo estão reunidos os requisitos legais para a extinção do posto de trabalho, previstos no nº. 1 do artigo 368º. do Código do Trabalho, uma vez que é insustentável, em função de grave desequilíbrio económico-financeiro, a manutenção do contrato de trabalho celebrado com V. Exª., já que a Delegação de ... da CVP não gera receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho, cumprindo-se assim os critérios que levam à determinação deste posto de trabalho a extinguir.
(…)
CONTRATO DE TRABALHO: Face ao que antecede, torna-se impossível a subsistência da relação laboral, pelo que este contrato de trabalho cessa no dia ../../2022, cumprindo desta forma o aviso prévio legalmente previsto na alínea b) do nº. 3 do artigo 371º. do Código do Trabalho.(…)”.

A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
A) Com a cessação desta prestação de serviços, a Delegação Faro-Loulé passou a não ter disponível qualquer outro posto de trabalho que fosse compatível com a categoria profissional possuída pela Autora;
B) Não havendo a obrigatoriedade de realização de testes à COVID-19, a Delegação Faro-Loulé passou a não ter disponível qualquer outro posto de trabalho que fosse compatível com a categoria profissional possuída pela Autora;
C) A Direção da Delegação Faro-Loulé verificou que não tinha condições económicas e financeiras que lhe permitissem manter este posto de trabalho, porque esta Delegação não tinha, nem tem possibilidade de gerar receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho;
D) Tendo perdido a receita anual de € 88,200,00 euros, paga pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, bem como as receitas advindas da realização da testagem e rasteio à COVID-19, a situação da tesouraria da Direção da Delegação Faro-Loulé entrou num grave desequilíbrio económico-financeiro;
E) Foi dito à A. pelo Dr. NN (... da direção da delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa), que não abriria o referido Posto enquanto a A. não saísse da Instituição;
F) No processo que correu termos neste Tribunal do Trabalho de ... – Juiz ..., com o n.º1327/21...., ficou a constar em ata que qualquer retaliação contra a A. deveria ser levada ao conhecimento do Tribunal;
G) O último relatório de contas disponível da R., referente ao ano de 2021, realizado em 28 de setembro de 2022, refere um balanço positivo das contas da Instituição;
H) Os colegas dirigiam à A. diariamente as seguintes expressões: “cheiras a suor”, “deves estar farta de trabalhar”, “estudasses”, “estás melhor assim”;
I) OO ria;
J) Tendo a A. questionado o Dr. NN quando seria aberto o espaço, pois a A. não tinha local onde trabalhar, fazendo o seu serviço em espaços aleatórios e inapropriados para o efeito, cedidos por colegas, o mesmo respondeu que não abriria o referido Posto enquanto a A. não fosse embora da Cruz Vermelha;
K) No mesmo dia, ../../2022 o Dr. NN, ... da direção, verificando que a A. se encontrava sentada no sofá a ler livros de enfermagem, dirigiu à A. as seguintes expressões: “Você não tem lugar na Cruz Vermelha, a Cruz Vermelha não tem lugar para si”, você só tem que estar sentada à espera que a chamem, se a chamarem”, amanhã é-lhe apreendido o livro se estiver a ler;
L) Se a A. se ausentasse daquele sofá, imediatamente lhe telefonavam ordenando que regressasse;
M) No dia ../../2022, antes da entrada da A. todos se riam e após a saída da mesma riram também;
N) No dia 8 de fevereiro de 2022, quando a A. chegou à Unidade, foi informada de que teria que sair em brigada para efetuar testes Covid, o que efetuou, tendo regressado à base cerca das 11:55h;
O) A A. vinha exausta, pois, no período de testagem não podiam ser supridas quaisquer das suas necessidades básicas, como beber água, comer ou ir à casa-de-banho;
P) Logo após chegar à unidade, por ordem de TT (Chefe de Equipa) a A. foi solicitada para acompanhar um colega num serviço de TAT (Técnico de Ambulância de Transporte);
Q) A A. encontrava-se com fome, com dores de cabeça, por conta da fome, e exausta, nem tendo tido uns minutos para recuperar, nem sequer tirar a mochila das costas;
R) Sabendo que a ordem tinha sido dada por TT, a A. dirigiu-se ao mesmo explicando-lhe a situação, que necessitava de comer, que precisava de ir almoçar;
S) Ao que, o referido TT, em voz alta, para quem quisesse ouvir, gritando, como é hábito da sua parte, dirigindo à A. as seguintes expressões: “não me interessa o que fizeste antes, tenho mais pessoas disponíveis mas quero que sejas tu a ir, porque eu é que mando e se eu mando, tens que me obedecer.”;
T) A A. referiu-lhe que precisava de almoçar e que não tinha condições imediatas para fazer outro serviço;
U) Ao que TT retorquiu, em voz alta, gritando, para quem quisesse ouvir, as seguintes expressões: “Tenho ordens da direção para te marcar faltas cada vez que recusares algum serviço, como lavar o chão ou as viaturas”, “a direção diz que tens que ser dobrada”, “não és ninguém”, “vou marcar-te falta por ordem da direção, podes ir embora e não voltar”, posto o que ordenou à centralista que marcasse falta à A.;
V) A A. informou, então, que iria almoçar a após regressaria ao trabalho, o que fez;
W) Em 23 de fevereiro de 2022, por ordem e determinação da R., na pessoa de UU (Coordenador Local de Emergência de ...), procedeu a A. ao exercício de funções de motorista para fazer o transporte de três doentes;
X) A viatura ..-..-AO tinha o banco molhado, tendo o coordenador resolvido a situação, tirando plásticos e a toalha molhada que se encontrava sobre o banco, colocando um novo plástico para que a A. não ficasse molhada;
Y) Ao regressar do serviço, a A. e sua colega depararam-se com TT no estacionamento da Delegação, que se dirigiu à A. em voz alta, para quem quisesse ouvir, em tom e postura corporal agressiva, proferindo impropérios, dirigindo-lhe a seguinte expressão: “vaca”, tudo por que o banco da viatura se encontrava sem forras e a toalha molhada;
Z) Em ../../2022, a A. acompanhou o colega VV num serviço ao hospital;
AA) No decurso desses serviços, a A. foi incumbida de transportar a bagagem da utente ao invés de fazer as suas funções de enfermeira e ajudar na passagem da doente para a maca;
BB) A A. foi buscar a guia de transporte, avisando para o efeito o colega, o qual deixou a utente sozinha e foi fumar e conversar com amigos, sem vigiar a utente;
CC) Quando regressou à ambulância, vendo que a utente se encontrava lá sozinha e sem a vigilância de VV, a A. chamou-o, ao que ele se lhe dirigiu ainda fumando e a A. disse-lhe que deixasse de fumar e para entrar na ambulância;
DD) Na Instituição Acaso, onde deixaram a utente, VV levou imenso tempo a limpar a maca, facto notado pela enfermeira de serviço e que motivou que a A., já dentro da ambulância, o questionasse para que foi tudo aquilo;
EE) VV que lhe dirigiu, entre outras, as seguintes expressões: “és mimada”, “deves ter a mania”, fazes o que eu quero e acabou”, ofensivas da sua honra e consideração;
FF) VV disse que a A. teria que ir fazer ainda com ele um serviço a ..., o que esta recusou, solicitando que a deixasse sair, o que este não fez;
GG) O que motivou que a A. contactasse HH (Coordenador Local de emergência), que ouviu algumas das expressões ofensivas e desrespeitosas que VV lhe dirigiu;
HH) Chegados à central, a A. relata o sucedido a HH e em seguida VV chega ao local e que dirigiu à A. as várias expressões ofensivas da sua honra e consideração;
II) No dia 1 de junho de 2022, no âmbito do transporte dos utentes WW, II e XX, foi atribuída à equipa da A. a viatura com a matrícula ..-..-QX, na qual se verificou que a maca não funcionava corretamente, pelo que, para fazer o transporte em segurança era necessário levantar a utente em peso no tabuleiro;
JJ) Após verificar que as portas dos armários da viatura se abriam sozinhas e que a maca se deslocava, a A. contactou a Chefe FF para trocar de viatura pois não se mostrava acautelada a segurança da utente nem de II;
KK) Ao que a referida Chefe FF dirigiu à A. as seguintes expressões: “duas pessoas fazem bem a II, se não és capaz mete baixa”;
LL) Durante o transporte a maca deslocou-se e entalou os joelhos da utente, tendo a equipa regressado à central.

IV – Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é agora o momento de analisar e decidir, de per se, cada uma delas, tendo em conta a precedência lógica que apresentam.

1. Da Impugnação da matéria de facto
Como resulta das conclusões das alegações de recurso, a recorrente impugna diversa matéria de facto, dada como provada ou não provada.
E nas alegações de recurso, a recorrente indica os concretos meios probatórios (prova documental e testemunhal, aqui com menção da concreta gravação) que, no seu entender, impõem decisão diversa e a decisão que deve ser proferida sobre cada um dos factos impugnados.
Nada obsta, pois, a que se conheça da impugnação da matéria de facto.
Para tal procedemos à audição dos depoimentos indicados pela recorrente, não só na parte por ela indicada como também noutras partes que se afiguram relevantes, designadamente tendo em conta a fundamentação fáctica da 1.ª instância e as contra-alegações, bem como à análise da prova documental.
Analisemos então os diversos factos impugnados.

1.1. Aditamento à matéria de facto
1.1.1. Pretende a recorrente que se adite à factualidade assente uma alínea com o seguinte teor: “A Autora é detentora de formação profissional de Tripulante de Ambulância de Transporte”.
Ancora-se para tanto que a Autora/recorrida possui essa formação profissional, que lhe foi facultada gratuitamente pela Ré/recorrente, o que justifica que tenha (a recorrente) encetado todos os esforços para manter esse posto de trabalho, atribuindo-o à autora.
Vejamos.

Pese embora resulte dos autos, designadamente das declarações da própria Autora, que possui a formação profissional em causa, já não resulta que essa formação tinha em vista a Autora passar a exercer o conteúdo funcional referente a “Tripulante de Ambulância de Transporte” (TAT).
Atente-se que a própria autora declarou que (…) tirei a formação de TAT quando estava no aeroporto, para perceber o que é que os TAT sabiam, para saber o que é que aquela pessoa dar em termos de ajuda (…)”.
Assim, nada resulta dos autos que a obtenção do curso de TAT pela Autora se inseria nos esforços da Ré para manter o posto de trabalho (de enfermeira) daquela, pelo que não se deteta qualquer relevância do facto para a decisão da causa.
Além disso, como bem salienta a Autora nas contra-alegações, deixou de prestar funções no aeroporto em 14-12-2020 (passando posteriormente a prestar funções ao abrigo do mesmo contrato de trabalho na sede da Ré, e ainda posteriormente na ...), a cessação do contrato entre a Ré e a “ANA Aeroportos de Portugal, S.A.” ocorreu em 31-03-2021 e a extinção do posto de trabalho (da Autora) apenas se verificou em ../../2022, pelo que não se vislumbra qualquer relevância para a decisão da causa do pretendido aditamento.
Em consequência, não se procede ao requerido aditamento.

1.1.2. Pretende também a Ré que se adite à matéria de facto o seguinte: “Existe uma sala, composta por sofás e televisão, onde os trabalhadores se reúnem para descanso ou enquanto aguardam pela chamada de serviço”.
Importa não olvidar que o recurso em matéria de facto para a Relação constitui apenas um remédio jurídico destinado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
Em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova, para tal criando a sua própria convicção, e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Mas tudo isso com base nos factos essenciais alegados pelas partes (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
É certo que além dos factos essenciais alegados pelas partes são ainda considerados pelo juiz factos instrumentais, complementares ou de concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa (n.º 2 do referido artigo 5.º).
Porém, não pode em sede de impugnação da matéria de facto pretender-se que o tribunal de recurso proceda à reapreciação de factos que não se localiza que tenham sido alegados pelas partes e que se inscrevem em factos instrumentais ou complementares, sob pena de violação dos poderes cognitivos deste tribunal, ao proceder a um novo julgamento, com reapreciação de toda a prova.
Ora, quanto ao pretendido, já resulta da alínea TTT) a existência de um sofá no interior das instalações da ré, num corredor de passagem, que funciona como sala de estar, por onde circulam os trabalhadores da ré.
Este é o facto essencial: não se vislumbra justificação para que se complemente o facto com base no depoimento de uma ou outra testemunha, quando, inclusive, se desconhece se esse facto complementar foi objeto de discussão na audiência de julgamento.
Assim, não se procede ao requerido aditamento.

1.1.3 Quanto à matéria constante da alínea Y dos factos provados (“A R., ainda durante o decurso do contrato de trabalho com a A., recorreu por inúmeras vezes, e continua a recorrer, à contratação de prestadores de serviços na área de enfermagem, para exercer funções da esfera de competências da A., a ganhar cerca de 25€ (vinte e cinco euros), 30€ (trinta euros) à hora”).
Pretende a recorrente que este facto passe a ter a seguinte redação:
“A R. ainda durante o decurso do contrato de trabalho com a A. recorreu por inúmeras vezes, e continua a recorrer, à contratação de prestadores de serviços na área de enfermagem, para exercer funções da esfera de competência da A., a ganhar cerca de 25€ (vinte e cinco euros), 30€ (trinta euros) à hora, em eventos nos quais a A. se recusava a participar.”
Da leitura dos articulados não se retira que esta última factualidade tenha sido alegada.
Mas, seja como seja, o certo é que das declarações prestadas pela recorrida não se extrai que ela se recusasse a participar em eventos: o que poderá estar em causa é a participação ou não em eventos fora do seu horário de trabalho (por exemplo, ao fins de semana, período noturno, etc.).
Ora, o pretendido aditamento da Ré – quanto à recusa da Autora em participar em eventos – parece pressupor (pois só assim poderia assumir relevância à decisão da causa) que essa participação seria no horário normal de trabalho, o que não resulta minimamente da prova produzida.
Conclui-se, pois, não ser de proceder ao pretendido aditamento.

1.1.4. Quanto à matéria provada constante das alíneas SS) e WW) que a recorrente pretende que seja dada como não provada
As alíneas são do seguinte teor:
“SS) A A. exerceu funções de coordenação da farmácia até ../../2021 e manteve as funções de Coordenadora do Posto Fixo de testagem à Covid-19 até final de setembro de 2021”;
“WW) FF passou a ser a coordenadora da farmácia em julho de 2021”.
Quanto à 1.ª parte da alínea SS), sustenta a recorrente que se encontra em contradição com alínea P) da matéria de facto (“Em ../../2020, a A. ficou responsável pelo depósito de material designado por Farmácia”); mas essa contradição é meramente aparente: é que na alínea P) alude-se ao início das funções como responsável pelo depósito de material designado por farmácia, enquanto na alínea SS) qualificam-se essa funções e o termo das mesmas.
Quanto ao facto consta da alínea WW), não se descortina qualquer relevância para a decisão da causa, pelo que se torna inútil qualquer análise.

1.1.5. Quanto à matéria constante da alínea XX dos factos provados
A mesma é do seguinte teor:
“Em ../../2021 a A. viu cessadas as suas funções como coordenadora da farmácia”.
No entendimento da recorrente, o que deve constar do facto é o que consta do facto P), ou seja, que em ../../2021 a autora viu cessadas as funções como responsável pelo depósito de material designado de farmácia.
Também aqui não se vislumbra qualquer fundamento para a alteração, tendo em conta que o responsável pelo depósito de material designado por farmácia era classificado como coordenador.
De resto, o depoimento de YY é esclarecedor quanto ao exercício de funções de coordenação da farmácia por parte da Autora.
Aliás, a própria legal representante da Ré afirmou, nas declarações de parte, que a Autora ficou também responsável por “aquilo que é o depósito de consumíveis que nós chamamos de farmácia”: ou seja, a Autora saiu do aeroporto e foi para a sede da delegação da Ré, em ..., e ficou aí responsável pelo posto de testagem covid da Ré e pelo depósito de consumíveis, mantendo o suplemento de coordenação/chefia, tendo sido preocupação (da Ré) que a Autora não ficasse com um “salário” muito inferior ao que tinha até então.
A este propósito, refira-se que não deixa de surpreender que a Ré, como alega e resulta da documentação que juntou, tenha pago à Autora pelo exercício das funções de coordenação, de janeiro até ../../2021, sem que tivesse dado nota à Autora que o pagamento nesse período era indevido e que porventura se teria ficado a dever a lapso, e só na resposta à contestação da Autora é que vem alegar não ser devido tal pagamento…por entender não ter que proceder ao peticionado pagamento referente aos períodos de julho, agosto e setembro de 2021, agora apenas como coordenadora do posto fixo de testagem à Covid-19!
Mantem-se, pois, o facto como provado.

1.1.6. Quanto ao facto provado constante da alínea Q)
Recorde-se que o mesmo é do seguinte teor:
“Mais exerceu funções no Posto fixo de testes à Covid-19 e no Posto de enfermagem, tendo encetado a laboração no Posto Fixo de testes Covid, efetivamente, em ../../2020, o que perdurou até ../../2021, com o encerramento do referido Posto”.
Sustenta a Ré que desse facto seja retirada a expressão “posto de enfermagem”.
Não anuímos a tal entendimento.
A este propósito já se explicitou que a Autora ficou responsável pelo posto fixo de testagem Covid-19 existente na delegação e pelo depósito de consumíveis designado por farmácia.
Nas suas declarações, a legal representante da Ré também esclareceu que nesse espaço (pensa-se que aludia ao local de testagem) foram feitas obras e foi pensado para posto de enfermagem, que tentaram promover os serviços de enfermagem – tendo, inclusive, aí efetuado alguns desses serviços, mas com pouca expressão –, mas não havia utentes significativos, pois em frente, do outro lado da estrada, havia um Centro de Saúde que fazia gratuitamente os atos/serviços que a Ré fazia, mediante pagamento, nas suas instalações.
Assim, verifica-se que embora não o denominando expressamente como posto de enfermagem, a ré fez aí serviços de enfermagem, pelo que inexiste fundamento para alterar o facto.

1.1.7. Quanto aos provados sob as alíneas X) e YYY)
Estes factos referem-se a obras no posto de enfermagem, pese embora a Ré não o ter chegado a abrir com essa denominação.
Como já resulta do referido anteriormente, a Ré fez obras no espaço, chegou aí a prestar serviços de enfermagem, embora com pouca expressão/procura, mas não o chegou a abrir com a denominação de “posto de enfermagem” porque, face à existência de um Centro de Saúde próximo, chegou à conclusão que não apresentava rentabilidade económica.
Mantêm-se, por consequência, os factos em causa.

1.1.8. Quanto ao constante da alínea VVV) dos factos provados
A Ré pretende que, face ao disposto no artigo 421.º e n.º 3 do artigo 3.º, ambos do Código de Processo Civil, essa matéria seja eliminada, uma vez que foi dado como provado com base em depoimentos prestados por testemunhas noutro processo judicial, em que (a aqui Ré) também é Ré, sendo Autor um outro seu trabalhador, e a decisão desse processo ainda não transitou em julgado.
A alínea em causa é do seguinte teor:
“Em 16/09/2022 decorreu a audiência de julgamento de KK nesse Tribunal de Trabalho de ... em que era R. a Cruz Vermelha Portuguesa, que corre termos com o n.º 717/22.... – Juiz ..., em que as testemunhas LL e MM declararam como testemunhas o facto de a A. estar a ser vítima de assédio”:
Pois bem: nessa alínea nada se prova de relevante para a presente ação, apenas se afirma o que duas testemunhas declararam: “a A. estar a ser vítima de assédio”.
Ou seja, está em causa um meio de prova, consistente no afirmado por duas testemunhas (que a Autora estava a ser “vítima de assédio”) num outro processo: mas isso não significa que a Autora estava, efetivamente, a ser vítima de assédio, que, de resto, é uma conclusão jurídica que, por isso, não pode constar dos factos provados.
Por isso, pese embora se entenda que o constante da alínea é inócuo à presente ação, tendo em conta que o que está em causa é a impugnação dos factos provados e não provados, e o que ali consta não é um “facto”, mas sim, quando muito, um meio de prova, entende-se manter a alínea.

1.1.9. Quanto às alíneas A) B), C) e D) dos factos não provados
Recorde-se que nas referidas alíneas consta que não se provou que:
“A) Com a cessação desta prestação de serviços, a Delegação Faro-Loulé passou a não ter disponível qualquer outro posto de trabalho que fosse compatível com a categoria profissional possuída pela Autora;
B) Não havendo a obrigatoriedade de realização de testes à COVID-19, a Delegação Faro-Loulé passou a não ter disponível qualquer outro posto de trabalho que fosse compatível com a categoria profissional possuída pela Autora;
C) A Direção da Delegação Faro-Loulé verificou que não tinha condições económicas e financeiras que lhe permitissem manter este posto de trabalho, porque esta Delegação não tinha, nem tem possibilidade de gerar receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho
D) Tendo perdido a receita anual de € 88,200,00 euros, paga pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, bem como as receitas advindas da realização da testagem e rasteio à COVID-19, a situação da tesouraria da Direção da Delegação Faro-Loulé entrou num grave desequilíbrio económico-financeiro”.
No entendimento da recorrente, esses factos devem ser dados como provados.

Abre-se aqui um parêntesis para se afirmar que se entende estarem em causa conclusões fácticas que se prendem com a subsunção jurídica de existência ou não de fundamento para a extinção do posto de trabalho da Autora.
Tenha-se presente que nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, o tribunal declara como provados «factos», e não juízos conclusivos ou questões jurídicas.
Isto é, objeto de prova são factos; as questões de direito, ou os juízos de valor, não fazem parte do julgamento da matéria de facto.
No ensinamento de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição, Coimbra, 1985, págs. 206 e 207): “a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.
Mais adiante (pág. 209) escreve o mesmo autor: “Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os factos ou seres dos homens.
Entendemos por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios de direito”.
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 268 a 270) afirma que «(…) são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos (…)», sendo indiferente que a esse factos se possa chegar diretamente ou através de regras gerais e abstratas (através das regras da experiência).
E acrescenta que são de equiparar a factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido, ou seja, os que contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum: neste caso, remata o referido autor, «(…) deverão tomar-se no sentido corrente ou comum, ou no próprio sentido em que a lei os tome, quando coincidente, desde que as partes não disputem sobre eles, podendo ainda figurar sempre na especificação e ainda no questionário quando não constituam o próprio objecto do quesito».
Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 407) entendem que «[d]entro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem (…), mas também eventos do foro interno, da vida psíquica ou emocional do indivíduo (v.g. a vontade real do declarante: art. 236°,2, do cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário (…); as dores fisicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria: art. 496°, 1, do Cód. cit.)».
Acrescentam ainda os mesmos Autores (pág. 408) que, embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as "ocorrências virtuais” (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros “juízos de facto".
Manuel de Andrade escreve (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 194) que podem ser objeto de prova tantos os factos do mundo exterior (factos externos), como os da vida psíquica (factos internos), tanto aos factos reais, como os factos hipotéticos, tanto os factos “nus e crus”, como os juízos de facto.
O quer se deixa afirmado quanto à matéria de facto/versus matéria de direito, serve para se concluir que o constante das referidas alíneas não pode deixar de se considerar um juízo de facto, uma conclusão fáctica, e, assim, de se admitir o mesmo em sede de matéria de facto.

Fechado o parêntesis, vejamos se é de manter os factos como não provados, como foi decidido na 1.ª instância, ou de os considerar provados, como sustenta a ré.
Sobre esta problemática, respiga-se da 1.ª instância a seguinte fundamentação para dar os factos como não provados:
(…) a A. foi contratada para a prestação de cuidados de enfermagem em situações de emergência e atendimento de utentes no Aeroporto ..., prestação de enfermagem na Unidade de Emergência de ..., apoio a eventos e ao domicílio, sempre que necessário, prestação de serviços nos Planos de Verão de Praias e apoio, sempre que necessário, no âmbito da sua formação, em outras áreas da Delegação, o que se deu como provado.
(…)
Porém, não logrou a R. provar os demais factos que alega relativos à inexistência de condições económicas e financeiras que lhe permitissem manter este posto de trabalho em concreto, nem que a Delegação ... não tinha, nem tem possibilidade de gerar receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho, também em concreto. O quadro de pessoal da R. de fls. incluí cerca de trabalhadores com custos semelhante ao posto de trabalho da A. e não há notícia nos autos da necessidade de outras extinções ou que a R. as tenha efectuado.
Também não ficou comprovado nos autos que tivesse havido uma relação directa entre o facto da R. ter perdido a receita anual de € 88,200,00 euros, paga pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, bem como as receitas advindas da realização da testagem e rasteio à COVID-19, e a necessidade de extinção do posto de trabalho da A., e nem mesmo que a situação da tesouraria da Direcção da Delegação Faro-Loulé entrou num grave desequilíbrio económico-financeiro.
Tanto mais que se deu como provado que a A. sai do aeroporto antes da cessação ou não prorrogação do contrato com a A..., ou seja, este cessa em 31.03.2021 e a A. já havia cessado funções no aeroporto em 14.12.2020 e assumido novas funções na R..”.

Nas contra-alegações, a Autora/recorrida sustenta que a factualidade em causa se deve manter como não provada, por ser conforme à prova produzida
Aduziu para tanto, além do mais, a seguinte argumentação: “não obstante se ter provado que existiu a cessação do contrato que vigorava entre a R. e a “Ana – Aeroportos de Portugal, S.A.”, a verdade é que, tal facto sucedeu em 31/03/2021, e a extinção do posto de trabalho da A. tão-só em 31/12/2022.
(…) Bem assim, a A. deixou de prestar serviço no Aeroporto ... em ../../2020, passando a prestar o seu serviço, ao abrigo deste seu contrato de trabalho, na sede da entidade patronal, ora R., e, posteriormente, no Posto da ..., exercendo funções no âmbito da sua categoria profissional e do previsto no seu contrato de trabalho, pelo que, existiam funções para a A..
(…) Donde, não poderia, obviamente, resultar comprovado que, com a cessação do contrato com a Ana – Aeroportos de Portugal, S.A., a R. não tivesse qualquer outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da A.
(…) Sendo certo que, a A. deixou de prestar serviço de testagem covid em 30/09/2021.
(…) Ora, se a R. diz que deixou de ter funções para atribuir à A. Desde esta data, porque procedeu à extinção do seu posto de trabalho apenas no final de 2022????”.

Por sua vez, a Ré/recorrente afirma que os factos devem ser considerados como provados, pois com o fim da prestação de serviços de enfermagem no aeroporto (a delegação da Ré) deixou de ter qualquer outro posto de trabalho compatível para a Autora; e, tendo em conta a perda de receitas não só com essa prestação de serviço, mas também com as receitas advindas da realização da testagem e rastreio à COVID-19, a situação da tesouraria da Direção da Delegação Faro-Loulé entrou num grave desequilíbrio económico-financeiro, e daí a necessidade da extinção do posto de trabalho.
Adiante-se desde já que não se sufraga este entendimento.
Desde logo, a sequência cronológica dos factos afasta tal conclusão.
Com efeito, em 01-06-2016 a Ré celebrou com a A..., S.A., um contrato de prestação de serviço de enfermagem em primeiros socorros pelo período de um ano, que foi sendo renovado e que veio a cessar, por iniciativa da A..., em 31-03-2021 [alíneas D) e E) da matéria de facto].
A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 01-10-2019, para, como trabalhadora da Delegação ... da Ré, exercer as funções de enfermeira, essencialmente para prestar cuidados de enfermagem em situações de emergência e atendimento de utentes no aeroporto, podendo também prestar “(…) cuidados de enfermagem na Unidade de Emergência de ..., apoio a eventos e ao domicílio, sempre que necessário; - prestação de serviços nos Planos de Verão de Praias; - Apoio, sempre que necessário, no âmbito da sua formação, em outras áreas da Delegação; Com a seguinte ressalva aí constante”.
E acrescentou-se no contrato de trabalho: “A referida descrição de funções não pretende ser um documento exaustivo e definitivo da função que irá ou poderá ser desempenhada. O presente contrato é uma orientação genérica das funções/atividades/tarefas que o colaborador deverá desempenhar no âmbito do respetivo contrato de trabalho, sem prejuízo da evolução dinâmica subjacente à relação laboral” [alíneas C) e J) da matéria de facto];
Em ../../2020, a A. passou a acumular às suas (as funções de enfermagem pré-hospitalar no Aeroporto ...), as de coordenação das equipas de enfermagem no Aeroporto ... e de TAT (Técnicos de Ambulância de Transporte) [alínea N)].
Ou seja, para além das funções de enfermagem no Aeroporto ..., a Autora foi contratada para poder desempenhar essas funções noutros locais.
E essas funções da Autora no Aeroporto ... cessaram em 14-12-2020, sendo que no dia 17 do mesmo mês ficou responsável pelo depósito designado de Farmácia e a prestação de serviço da Ré no aeroporto cessou em 31-03-2021 [alíneas O), P) e E)].
Quanto a Autora deixou de prestar funções no Aeroporto ... ao serviço da Ré, foi contratada pela Ré a enfermeira BB para desempenhar as funções da Autora, ao abrigo do contrato de prestação de serviço entre a Ré e a A..., S.A. [M) da matéria de facto].
No período de ../../2020 a 30-09-2021 a Autora exerceu funções, ao serviço da Ré, no posto fixo de testes à COVID-19 e no posto de enfermagem e no período de 10-05-2021 a 09-07-2021, com reinicio em 30-09-2021, no posto da Ré na ... [alíneas Q) e R)].
Desde outubro de 2021 a Autora prestou serviço como Técnica de ambulâncias de transporte (TAT), apesar da Ré manter o posto na ... [alíneas S) e T)].
Desde a cessação de funções no Aeroporto ..., a A. também prestou serviços no posto de enfermagem nas Instalações da R., na Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, sita na Rua ..., em ..., nomeadamente, como enfermeira e Coordenadora da Unidade de Emergência da referida delegação, e também fez parte da brigada móvel de testes à Covid-19 no período de 27/12/2021 a 08/04/2022 [alíneas U) e V)].
Importa ainda ponderar que ainda durante o decurso do contrato de trabalho com a Autora, a Ré recorreu por inúmeras vezes, e continua a recorrer, à contratação de prestadores de serviços na área de enfermagem, para exercer funções da esfera de competências da Autora, a ganhar cerca de 25€ (vinte e cinco euros), 30€ (trinta euros) à hora [alínea Y)] da matéria de facto.

Ora, desta factualidade resulta – crê-se que de forma evidente – que não se provou que com a cessação da prestação de serviço no Aeroporto ... a Ré não tivesse outro posto de trabalho compatível para a Autora, tanto assim que a Autora deixou de prestar a atividade no aeroporto (em 14-12-2020) antes da cessação da prestação de serviço (em 31-03-3021), e passou desde então a exercer funções numa série de outros locais, como sejam a ..., instalações da Ré na Delegação ... e ....
E também não se provou que não tivesse condições económicas e financeiras para manter o posto de trabalho da Autora, ou que a cessação da prestação de serviço no aeroporto tenha conduzido a que a sua situação de tesouraria entrasse em grave desequilíbrio económico-financeiro.
Como se assinalou na sentença recorrida, [d]o relatório e contas de 2021 da R., constante de fls. 75 verso a 86, 143 a 157 verso, resultou que o exercício de 2021 teve resultado negativo.
Porém, não logrou a R. provar os demais factos que alega relativos à inexistência de condições económicas e financeiras que lhe permitissem manter este posto de trabalho em concreto, nem que a Delegação ... não tinha, nem tem possibilidade de gerar receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho, também em concreto. O quadro de pessoal da R. de fls. incluí cerca de trabalhadores com custos semelhante ao posto de trabalho da A. e não há notícia nos autos da necessidade de outras extinções ou que a R. as tenha efectuado.
Também não ficou comprovado nos autos que tivesse havido uma relação directa entre o facto da R. ter perdido a receita anual de € 88,200,00 euros, paga pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, bem como as receitas advindas da realização da testagem e rasteio à COVID-19, e a necessidade de extinção do posto de trabalho da A., e nem mesmo que a situação da tesouraria da Direcção da Delegação Faro-Loulé entrou num grave desequilíbrio económico-financeiro.
Tanto mais que se deu como provado que a A. sai do aeroporto antes da cessação ou não prorrogação do contrato com a A..., ou seja, este cessa em 31.03.2021 e a A. já havia cessado funções no aeroporto em 14.12.2020 e assumido novas funções na R.”.
Concorda-se inteiramente com a fundamentação da 1.ª instância, sendo, pois, de manter nos seus precisos termos as alíneas A) a D) dos factos não provados.

1.2. Assim, e em conclusão, improcedem as conclusões das alegações de recurso, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, mantendo-se, pois, tal como fixada na 1.ª instância.

2. Da extinção do posto de trabalho da Autora
A 1.ª instância concluiu pela ilicitude do despedimento, tendo para tanto desenvolvido a seguinte fundamentação:
“De acordo com o disposto no artigo 367º, nº 1, do Código do Trabalho, “Considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”.
Por seu turno estabelece o nº 2 desse artigo que “Entende-se por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos os como tal referidos no n.º 2 do artigo 359.º”.
Ou seja, conforme do disposto no artigo 359º, nº 2, do Código do Trabalho, consideram-se, nomeadamente:
“a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.”
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 368º, n.º 1, do Código do Trabalho: “O despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; d) Não seja aplicável o despedimento colectivo. ”
Para além disso, no n.º 4 do mesmo preceito, dispõe-se que “Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador demonstre ter observado critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho”.
A jurisprudência vem entendendo que, na apreciação da procedência dos fundamentos invocados pelo empregador para concretizar um despedimento por extinção de posto de trabalho, cabe ao tribunal, à luz dos factos provados mas com respeito pelos critérios de gestão da empresa, proceder, não só ao controlo da veracidade dos fundamentos invocados, como também à verificação da existência de um nexo entre esses fundamentos e a decisão de despedimento, apreciando, segundo critérios de razoabilidade, se os fundamentos invocados se mostram efectivamente aptos a justificar a decisão de despedimento.
(…)
A apreciação desta questão deve efectuar-se à luz da matéria de facto provada conjugada com o direito aplicável, de forma a proceder-se ao controlo da veracidade dos fundamentos invocados pela ré para a extinção do posto de trabalho do trabalhador e que conduziu ao seu despedimento, bem como à verificação da existência de um nexo sequencial ou de causalidade entre esses fundamentos e a decisão de despedimento, de forma a aquilatar-se se os fundamentos invocados, apreciados segundo critérios de razoabilidade, se mostram ou não aptos a justificar uma tal decisão (cf. Acórdão da Relação de Évora de 28/11/2013, processo 482/09.5TTFAR.E1, acessível em www.dgsi.pt).
Ora, no caso concreto, foi remetida à Autora, que a recebeu, a comunicação datada de 14/10/2022, com respectivo aviso de recepção, com o seguinte teor: “ (…) Assunto: Notificação de intenção de despedimento por necessidade de extinção do posto de trabalho por motivos estruturais e de mercado. Cumpre-me comunicar a V. Exª. que é nossa intenção proceder ao vosso despedimento por necessidade de extinção do posto de trabalho, correspondente à categoria professional de Técnica, da área da enfermagem, nos termos dos nºs. 1 dos artigos 368º. e 369º., ambos do Código do Trabalho, nos termos e com os seguintes fundamentos: 1. A necessidade de extinção deste posto de trabalho é fundamentada, por um lado, por motivo de ter cessado a presença da Delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa no Aeroporto ..., onde deixou de prestar assistência de emergência e de outra natureza; 2. Por outro lado, é também fundamentada pela desnecessidade de assegura, de forma intensiva como a Delegação ... vinha fazendo, a testagem à doença Covid-19, bem como pela desnecessidade de assegurar a assistência nas praias na época de verão, não existindo outras actividades ou funções que lhe possam ser atribuídas na sua área professional; 3. Consequentemente, a cessação da presença e assistência no Aeroporto ..., bem comoa melhoria dos indicadores da pandemia de Covid-19, que levou ao alívio das medidas tomadas neste context, acarretou a diminuição do fluxo de trabalho nessas áreas, o que tem causado inclusive graves problemas ao nível da tesouraria e do apuramento de resultados, em virtude da diminuição de entrada de receitas, que constituiam uma importante fonte de recurdos financeiros para a Delegação Faro-Loulé e para a nossa Instituição; 4. Não se prevendo a alteração destas circunstâncias num futuro próximo, até porque, mesmo ao nível da pandemia de Covid-19, a previsão é o regresso à vida normal em sociedade, esta situação obriga à eliminação do posto de trabalho que é ocupado por V. Exª., por se ter tornado impossível a subsistência da relação de trabalho e o respéctivo vínculo laboral, sendo que não existe outro posto de trabalho compatível ou similar com a categoria professional que V. Exª. é detentora e não ser possível suportar os custos decorrentes deste contrato de trabalho; 5. Todos estes factos resultam de factores estruturais e de mercado, para os quais em nada contribuíram nem V. Exª. nem a Delegação Faro-Loulé, nem esta Instituição enquanto vossa entidade empregadora. Mais se informa que, não sendo esta uma pretensão afeta a despedimento coletivo, nem a mesma se deve a uma conduta culposa da nossa parte, é imperioso para os interesses desta Instituição, a tomada desta decisão. Fica-se a aguardar pelo vosso parecer, caso a entenda conveniente, no prazo de 10 (dez) dias a contar da presente comunicação. (…).
Foi remetida à Autora, que a recebeu, a comunicação datada de 15/11/2022, com respectivo aviso de recepção, com o seguinte teor: “Assunto: Comunicação de decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho. Na sequência da n/ comunicação de 14/10/2022 p. p. e nos termos do art. 371º. do Código do Trabalho, cumpre comunicar a V. Exª. a decisão de extinção do posto de trabalho, correspondente à categoria professional de Técnica, até aqui ocupado por V. Exª. na Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, cessando deste modo o contrato de trabalho que a vinculava desde ../../2019. Conforme nossa comunicação de 14/10/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzida, reiteramos os fundamentos da presente decisão, a saber (…): I) MOTIVOS DA EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO: 1. A necessidade de extinção deste posto de trabalho é fundamentada, por um lado, por motivo de ter cessado a presença da Delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa no Aeroporto ..., onde deixou de prestar assistência de emergência e de outra natureza; 2. Por outro lado, é também fundamentada pela desnecessidade de assegura, de forma intensiva como a Delegação ... vinha fazendo, a testagem à doença Covid-19, bem como pela desnecessidade de assegurar a assistência nas praias na época de verão, não existindo outras actividades ou funções que lhe possam ser atribuídas na sua área professional; 3. Consequentemente, a cessação da presença e assistência no Aeroporto ..., bem comoa melhoria dos indicadores da pandemia de Covid-19, que levou ao alívio das medidas tomadas neste context, acarretou a diminuição do fluxo de trabalho nessas áreas, o que tem causado inclusive graves problemas ao nível da tesouraria e do apuramento de resultados, em virtude da diminuição de entrada de receitas, que constituiam uma importante fonte de recurdos financeiros para a Delegação Faro-Loulé e para a nossa Instituição; 4. Não se prevendo a alteração destas circunstâncias num futuro próximo, até porque, mesmo ao nível da pandemia de Covid-19, a previsão é o regress à vida normal em sociedade, esta situação obriga à eliminação do posto de trabalho que é ocupado por V. Exª., por se ter tornado impossível a subsistência da relação de trabalho e o respéctivo vínculo laboral, sendo que não existe outro posto de trabalho compatível ou similar com a categoria professional que V. Exª. é detentora e não ser possível suportar os custos decorrentes deste contrato de trabalho; 5. Todos estes factos resultam de factores estruturais e de mercado, os quais não são devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador. II) REQUISITOS DA EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO: Deste modo estão reúnidos os requisitos legais para a extinção do posto de trabalho, previstos no nº. 1 do artigo 368º. do Código do Trabalho, uma vez que é insustentável, em função de grave desiquilibrio económico e financeiros, a manutenção do contrato de trabalho celebrado com V. Exª., já que a Delegação de ... da CVP não gera receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho, cumprindo-se assim os critérios que levam à determinação deste posto de trabalho a extinguir. III) DIREITO A COMPENSAÇÃO: Mais se comunica que a compensação e demais créditos salariais ilíquidos a que tem direito na quantia de 5.181,84 €, será liquidada por transferência bancária no dia ../../2022. IV) DATA DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO: Face ao que antecede, torna-se impossível a subsistência da relação laboral, pelo que este contrato de trabalho cessa no dia ../../2022, cumprindo desta forma o aviso prévio legalmente previsto na alínea b) do nº. 3 do artigo 371º. do Código do Trabalho.(…)”.
A Ré colocou à disposição da Autora a compensação a que tem direito, conforme comunicação que lhe enviou, datada de ../../2022.
Vejamos, então, o que resultou provado.
A 01/06/2016, a Ré, representada pelo Presidente da Direcção da Delegação Faro-Loulé e na sequência do processo de consulta nº 0016/DCOMP/2016, celebrou com a “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, um contrato de prestação de serviços de enfermagem em primeiros socorros, com a duração de 12 (doze) meses, pelo qual a Ré se comprometeu a assegurar a prestação de serviços de enfermagem em primeiros socorros no Aeroporto ..., pelo preço anual de € 88.200,00 euros.
A mencionada prestação de serviços foi sendo prorrogada por sucessivos períodos de 12 (doze) meses até ao mês de Março de 2021, mas, por iniciativa da “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, que, justificando a redução abrupta de actividade e receitas, esta prestação de serviços não foi renovada por mais um (1) ano e, assim, cessou a 31/03/2021, conforme melhor consta da comunicação que foi efectuada à Ré a 18/03/2021, pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”.
Sucede que os serviços que a A. exercia para a R. no Aeroporto de ... Serviços cessaram em ../../2020.
E em ../../2020, a A. ficou responsável pelo depósito de material designado por Farmácia.
Assim, o primeiro motivo para extinção do posto de trabalho não é de atender, pois quando cessa o contrato entre a R. e a A..., em Março de 2021, já a A. não prestava funções em tal local.
Posteriormente, a Delegação Faro-Loulé atribuiu à Autora funções no âmbito da testagem e rastreio à COVID-19, uma vez que a Ré tinha implementado, desde o inicio da pandemia em 2020, a constituição de postos de testagem, quer fixos, quer móveis, promovendo a sensibilização para a importância da realização destes testes à COVID-19.
Face às etapas de controlo da pandemia e às fases de desconfinamento que se seguiram, no final do primeiro trimestre de 2022, a Ré procedeu à desmontagem destes postos de testagem, pela sua desnecessidade, deixando de auferir as receitas garantidas por estes postos de testagem.
O custo anual da contratação de um enfermeiro está orçado em cerca de € 23.330,22.
Não foi alegado e nem sequer provado o montante das receitas que tal posto proporcionava à R..
De qualquer modo, a R. alega que tal ter-se-á verificado no ínicio de 2022 e não na data em que se dá a extinção do posto de trabalho.
Ao que acresce o facto de ter ficado provado que a A. exerceu funções no Posto fixo de testes à Covid-19 e no Posto de enfermagem, tendo encetado a laboração no Posto Fixo de testes Covid, efetivamente, em ../../2020, o que perdurou até ../../2021, com o encerramento do referido Posto.
Ora, a extinção dá-se mais de um ano após.
Por outro lado, a A. foi admitida ao serviço da R. para exercer as funções de Técnica, funções estas melhor descritas no anexo ao contrato de trabalho, sem termo, celebrado entre A. e R. datado de ../../2019, a saber: “- prestação de cuidados de enfermagem em situações de emergência e atendimento de utentes no Aeroporto ...; - prestação de cuidados de enfermagem na Unidade de Emergência de ..., apoio a eventos e ao domicílio, sempre que necessário; - prestação de serviços nos Planos de Verão de Praias; - Apoio, sempre que necessário, no âmbito da sua formação, em outras áreas da Delegação; Com a seguinte ressalva aí constante: “A referida descrição de funções não pretende ser um documento exaustivo e definitivo da função que irá ou poderá ser desempenhada. O presente contrato é uma orientação genérica das funções/atividades/tarefas que o colaborador deverá desempenhar no âmbito do respetivo contrato de trabalho, sem prejuízo da evolução dinâmica subjacente à relação laboral”.
E o que é certo é que a A. ainda prestou também serviço no Posto da Cruz Vermelha da ... no período de ../../2021 a ../../2021, com reinício em ../../2021.
A A., desde a sua vinda do Aeroporto ..., também prestou serviços no posto de enfermagem, nas Instalações da R., na Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, sita na Rua ..., em ..., nomeadamente, como enfermeira e Coordenadora da Unidade de Emergência da referida delegação.
A A. também fez parte da brigada móvel de testes à Covid-19 no período de 27/12/2021 a 08/04/2022.
Todas as funções exercidas pela A., acima referenciadas, foram-lhe expressamente determinadas pela R..
Sucede que a R. continuou com o Posto da Cruz Vermelha da ....
Também ficou provado que a R. fez obras no Posto de Enfermagem, sito na sede da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, com recurso a fundos comunitários, o qual não chegou a abrir.
E, por outro lado, demonstrado ficou que a R., ainda durante o decurso do contrato de trabalho com a A., recorreu por inúmeras vezes, e continua a recorrer, à contratação de prestadores de serviços na área de enfermagem, para exercer funções da esfera de competências da A., a ganhar cerca de 25€ (vinte e cinco euros), 30€ (trinta euros) à hora.
Por tudo o referido, não podemos deixar de concluir que os motivos de extinção alegados quanto à falta de funções para a A. não ficaram demonstrados e, se alguns se efectivaram tal ocorreu há mais de um ano face a data da extinção do posto de trabalho, mantendo a R. o Posto da ..., a contratação de enfermeiros em prestação de serviços e um posto de enfermagem pronto a funcionar.
Quanto à perda de facturação que tería determinado o seu desequilíbrio económico e financeiro e a necessidade de reestruturação.
Apesar do relatório e contas de 2021 da R., constante de fls. 75 verso a 86, 143 a 157 verso, apresentar que o exercício de 2021 teve resultado negativo, não logrou a R. provar os demais factos que alega relativos à inexistência de condições económicas e financeiras que lhe permitissem manter este posto de trabalho em concreto, nem que a Delegação ... não tinha, nem tem possibilidade de gerar receitas que permitam fazer face aos encargos decorrentes do referido contrato de trabalho, também em concreto.
O quadro de pessoal da R. na Delegação ... incluí inúmeros trabalhadores com custos semelhante ao posto de trabalho da A. e não há notícia nos autos da necessidade de outras extinções ou que a R. as tenha efectuado ou pense efectuar.
Também não ficou comprovado nos autos que tivesse havido uma relação directa entre o facto da R. ter perdido a receita anual de € 88,200,00 euros, paga pela “ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA”, bem como as receitas advindas da realização da testagem e rasteio à COVID-19, e a necessidade de extinção do posto de trabalho da A., e nem mesmo que a situação da tesouraria da Direcção da Delegação Faro-Loulé entrou num grave desequilíbrio económico-financeiro.
(…)
Não podemos deixar de concluir pela ausência de prova dos motivos para a extinção do posto de trabalho da A. aqui em causa.
Tudo a apontar, pois, para a ilicitude do despedimento”.

A Ré/recorrente rebela-se contra tal conclusão, argumentando, muito em síntese, que a extinção do posto de trabalho respeitou os requisitos legais previstos para a sua concretização e que se verifica o nexo de causalidade entre os motivos invocados e a extinção do posto de trabalho, pelo que se deve ter por regular e lícito, por ter sido respeitado o disposto nos artigos 367.º a 372.º do Código do Trabalho.
Por sua vez, a recorrida, bem como a exma. Procuradora-Geral-Adjunta no seu douto parecer, aplaudem a decisão recorrida, uma vez que – argumentam – não se provaram os factos em que a Ré/recorrente fundamentou a extinção do posto de trabalho.

Adiante-se desde já que se entende que a 1.ª instância decidiu com acerto.
Expliquemos porquê.
Desde logo, a pretensão da recorrente quanto à licitude do despedimento era tributária da (pretendida) alteração da matéria de facto, maxime que os factos dados como não provados sob as alíneas A) a D) passassem a ser considerados provados.
Não tendo logrado obter êxito nessa matéria, forçosamente que inexiste fundamento legal para a extinção do posto de trabalho.
Não obstante, acrescentam-se apenas umas breves considerações em torno da matéria, procurando evitar-se ser tautológico em relação ao já afirmado pela 1.ª instância.

Entre as causas de cessação do contrato de trabalho encontra-se o despedimento por extinção do posto de trabalho [alínea e) do artigo 340.º e artigo 367.º, ambos do Código do Trabalho].
No dizer de Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 404), o despedimento por extinção do posto de trabalho (…) perfila[-se] como uma espécie de variante individual do despedimento colectivo [ ]”.
Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 245) qualifica o despedimento por extinção de posto de trabalho como uma subespécie (juntamente com o despedimento coletivo) dos “despedimentos por eliminação de emprego”, considerando também que a distinção entre despedimento por extinção de posto de trabalho e despedimento coletivo assenta apenas no número de trabalhadores abrangidos pelo despedimento, ou seja, num elemento externo à motivação do despedimento.
Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 22.ª edição, 2023, Almedina, págs. 708-709) escreve que a modalidade de cessação do contrato por extinção do posto de trabalho apresenta uma (…) fisionomia híbrida: cruzam-se nela algumas características do despedimento por justa causa e outras do despedimento colectivo.
Trata-se, com efeito, de um despedimento por, como decorre do critério de aferição da legitimidade do motivo de ruptura: o art. 368º/1-b) exige que «seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». Este critério é imposto pela necessidade de compatibilizar justificações para despedir independentes da conduta pessoal do trabalhador com a proibição constitucional do despedimento «com justa causa», sendo que esta última noção corresponde, na nossa tradição legislativa, a situações de inexigibilidade do prosseguimento da relação de trabalho. As “causas objectivas”só podem relevar se preencherem este critério.
De resto, e ao contrário do que sucede com a justa causa disciplinar, a lei explicita um critério também objectivo de determinação dessa impossibilidade prática» ou “inexigibilidade” da subsistência da relação de trabalho. Ela existe – segundo o art. 368º/4 – “quando o empregadora não disponha de outro (posto de trabalho”) compatível com a categoria profissional do trabalhador.
(…)
Esta via de extinção do contrato de trabalho tem elementos comuns ao despedimento colectivo. Quanto à sua caracterização, os motivos invocáveis são de natureza idêntica ((“de mercado, estruturais ou tecnológicos”; e alguns traços de regime são também comuns, nomeadamente no que toca à compensação devida ao trabalhador”.
E mais adiante (pág. 711) acrescenta o mesmo Autor que o momento decisivo, sob o ponto de vista da motivação relevante do despedimento, localiza-se não no feixe de ponderações técnico-económicas ou gestionárias a que alude o artigo 359.º, n.º 2, , (…) mas, a jusante daquele, no facto da extinção do posto de trabalho, produto de uma decisão do empregador, e nesse outro “facto” que é demonstração da observância , na escolha do trabalhador a despedir, de critérios conformes ao padrão legal.
Está-se, pois, perante uma forma de despedimento que culmina uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial (por ex., redução de custos), uma decisão organizativa intermédia (a da extinção de um posto de trabalho, que pode, na verdade, consistir no mero afastamento de um certo trabalhador) e uma decisão «contratual« terminal (a do despedimento)”.
No dizer de Pedro Furtado Martins (obra citada, pág. 279), (…) decisivo é, nas duas modalidades de despedimento em apreço [despedimento coletivo e por extinção do posto de trabalho] , verificar se a extinção dos postos de trabalho decorre causalmente dos motivos invocados – os quais, naturalmente, o empregador terá de alegar e demonstrar – e não tanto aferir da Legitimidade da «decisão gesticionária inicial»”.

De acordo com o artigo 367.º, n.º 1, do Código do Trabalho, [c]onsidera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”; e nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, entendem-se como motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, os referidos no n.º 2 do artigo 359.º.
Neste último preceito legal, estabelece-se que se consideram:
“a) Motivos de mercado – redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos – alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação”.
Assentando a extinção do posto de trabalho numa base verdadeiramente economicista, o que importa é verificar se essa extinção decorre causalmente dos motivos invocados pelo empregador, e não propriamente aferir se essa medida (extinção do posto de trabalho) era a única adequada a ultrapassar as dificuldades económicas da empresa; dito de outro modo, a legalidade da extinção do posto de trabalho deverá ser aferida de acordo com critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo ao tribunal verificar da existência dos motivos económicos ou de mercado, tecnológicos ou estruturais que foram invocados e a existência de nexo causal entre esses motivos e a extinção do posto de trabalho, de forma a que possa concluir que esta eram adequados à redução de pessoal (neste caso através da extinção do posto de trabalho).
Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 368.º, do Código do Trabalho, o despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos:
a) os motivos invocados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) não seja aplicável o despedimento coletivo.
Considera-se praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho quando o empregador não disponha de outro posto compatível com a categoria profissional do trabalhador, sendo que na decisão de despedimento proferida por escrito deve mencionar-se, se for caso disso, a recusa da alternativa proposta ao trabalhador [n.º 4 do referido artigo 368.º e 371.º, n.º 2, alínea b)].
A falta de qualquer dos requisitos determina a ilicitude do despedimento, cabendo o ónus de verificação dos mesmos ao empregador [artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 384.º, alínea a), do Código do Trabalho].
Mas o despedimento é também ilícito se não se observarem determinadas regras procedimentais, maxime as que vêm elencadas nos artigos 369.º a 371.º, do Código do Trabalho, regras essas cujo cumprimento não vem aqui questionado, e, enfim, se se verificar uma das outras causas comuns de ilicitude previstas no artigo 381.º do mesmo compêndio legal, designadamente se o empregador não demonstrou em juízo a exatidão dos factos justificativos do despedimento e que se consideram suscetíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho [alínea b)].

Ora, no caso em apreço, como já se deixou analisado a propósito da impugnação da matéria de facto, a recorrente não logrou fazer tal prova.
Com efeito, a Ré/recorrente invocou como motivo para a extinção do posto de trabalho, em síntese, a cessação da prestação de serviço (de enfermagem) que mantinha no Aeroporto ..., a desnecessidade de assegurar de forma intensiva a testagem à doença de COVID-19, bem como a assistência nas praias no verão, que em virtude desses factos se verificou uma diminuição de entrada de receitas e que tem tido “graves problemas ao nível da tesouraria e do apuramento de resultados”.
Ou seja, a Ré invocou motivos de mercado (redução da atividade, provocada pela diminuição da procura de serviços de enfermagem) e estruturais (desequilíbrio económico-financeiro).
Pode admitir-se que se verificou uma redução da atividade da Ré com a cessação da prestação de serviço que mantinha no Aeroporto ....
Todavia, tendo em conta a data em que a Autora deixou de trabalhar no aeroporto, por conta e ao serviço da Ré (14-12-2020), a data em que esta cessou a prestação de serviço no aeroporto (31-03-2021) e data da extinção do posto de trabalho (../../2022), não se vislumbra qualquer nexo causal entre essa redução de atividade e a extinção do posto de trabalho da Autora.
E o mesmo se diga quanto à desnecessidade de assegurar a prestação de serviço noutros locais que não o aeroporto (delegação da ré, nas praias na época de verão, etc.) e a não existência de outro posto de trabalho compatível para a Autora.
Basta para tanto atentar na sequência cronológica dos factos:
- a Autora foi contratada em 1 de outubro de 2019 para prestar serviços de enfermagem no Aeroporto ..., bem como na unidade de emergência de ..., apoio a eventos e ao domicílio, sempre que necessário, prestação de serviços nos planos de verão das praias e ainda apoio, sempre que necessário, no âmbito da sua formação, em outras áreas da delegação da R.;
- a Autora cessou a prestação de serviços no aeroporto em 14-12-2020, tendo entretanto a Ré contratado a enfermeira BB para desempenhar as funções da Autora, ao abrigo do contrato de prestação de serviço entre a Ré e a A..., S.A.;
- no período de ../../2020 a 30-09-2021 a Autora exerceu funções, ao serviço da Ré, no posto fixo de testes à COVID-19 e no posto de enfermagem e no período de 10-05-2021 a 09-07-2021, com reinicio em 30-09-2021, no posto da Ré na ...;
-desde outubro de 2021 a Autora prestou serviço como Técnica de ambulâncias de transporte (TAT), apesar da Ré manter o posto na ...;
- a cessação do contrato de trabalho, com fundamento em extinção do posto de trabalho, apenas se verificou em ../../2022;
- durante o decurso do contrato de trabalho com a Autora, a Ré recorreu por inúmeras vezes, e continua a recorrer, à prestação de serviços na área da enfermagem, para exercer funções da esfera de competências da Autora, a ganhar cerca de 25€ (vinte e cinco euros), 30€ (trinta euros) à hora.
Daqui decorre que não só o motivo de redução da procura de serviços para a extinção do posto de trabalho não era válido, como também, tendo em conta a contratação de prestadores de serviços para desempenharem idênticas atividades às que eram prestadas pela Autora, afastam a verificação da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.
Importa ter presente, por um lado, que o cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-04-2017, Proc. n.º 1950/14.2TTLSB.L1, disponível em www.dgsi.pt); por outro,
Conclui-se, por isso, tal como se concluiu na 1.ª instância, pela ilicitude do despedimento, em conformidade com o resulta da interpretação conjugada dos artigos 368.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 e 384.º, alínea a), ambos do Código do Trabalho.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Do valor da indemnização pela ilicitude do despedimento
A 1.ª instância fixou o valor da indemnização em 35 dias por cada ano completo ou fração de antiguidade, tendo para tanto desenvolvido a seguinte fundamentação:
“Nos termos do artigo 392º., nº. 3 do Código do Trabalho: “Caso o tribunal exclua a reintegração, o trabalhador tem direito a indemnização, determinada pelo tribunal entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, nos termos estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, não podendo ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades.”
A A. peticiona uma indemnização.
A fixação da compensação terá, por isso, em conta a retribuição base de € 1.205,08.
Ter-se-á em conta a antiguidade do trabalhador, não podendo a indemnização ser inferior a seis meses de retribuição base.
A A. trabalhou no âmbito do presente contrato de trabalho ao serviço da R. desde 1 de outubro de 2019 até ../../2022, o que perfaz três anos e três meses de antiguidade.
Verifica-se, por isso, que na fixação do valor de referência da indemnização de antiguidade relevam, por um lado, o valor da retribuição e, por outro, o grau da ilicitude.
(…)
Verifica-se que se provou que a autora auferia uma retribuição de valor superior à média nacional, pelo que este factor aponta para a fixação da indemnização abaixo do seu ponto médio.
No que se refere ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, verificamos que o mesmo é elevado, o que aponta para a fixação da indemnização próximo do ponto um pouco acima do médio da moldura.
Termos em que se afigura equilibrada a fixação da indemnização em 35 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade ou fracção, no valor de € 5.272,33.

A recorrente discorda do valor da indemnização, ancorando-se para tanto no entendimento de que o despedimento da Autora foi formalmente correto, com o cumprimento das formalidades legais, apenas não tendo sido atendidos os fundamentos por si invocados para tal, e que tendo em conta do valor da retribuição mensal da Autora, superior à média nacional, deve o valor da indemnização fixar-se no limite mínimo, ou seja, em 15 dias.
Já no entendimento da recorrida, o valor fixado a tal título, mostra-se ajustado, pelo que deve ser mantido.
Vejamos.

Antes de mais, constata-se que a 1.ª instância convocou para a fixação da indemnização em causa o disposto no artigo 392.º do Código do Trabalho, que tem como epígrafe “Indemnização em substituição da indemnização de reintegração a pedido do empregador”, onde no seu n.º 3 se estatui que caso o tribunal exclua a reintegração, o trabalhador tem direito a uma indemnização, determinada entre 30 e 60 dias da retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, não podendo ser inferior ao valor correspondente a 6 meses de retribuição base e diuturnidades.
Todavia, não se localiza na fundamentação da sentença que o tribunal tenha excluído a reintegração!
Ao invés, compulsados os autos, constata-se que na contestação apresentada pela trabalhadora/recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 98.º-L, do Código de Processo do Trabalho, peticiona, além do mais, que seja (…) a R. condenada a pagar à A. a quantia de 5.874,86€ (cinco mil oitocentos e setenta e quatro euros e oitenta e seis cêntimos) a título de indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador, correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidade, por cada ano completo ou fração da antiguidade”.
E no articulado da contestação refere expressamente (artigo 52.º) que (…) não pretende a sua reintegração e que pretende, ao invés, ser indemnizada em sua substituição, nos termos do disposto no artigo 389º, n.º 1, al. b) e 391º, ambos do Código do Trabalho, pelo despedimento ilícito”.
Daí que, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, não se lobriga fundamento para a fixação da indemnização por exclusão da reintegração a pedido do empregador (artigo 392.º), devendo, sim, a indemnização ser fixada nos termos gerais previstos no artigo 391.º, como de resto a trabalhadora peticionou (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, quanto à não vinculação do juiz às regras de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito).
Assim, face ao que dispõe o artigo 391.º do Código do Trabalho, o valor da indemnização deverá ser fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade (n.º 1), devendo o tribunal atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença (n.º 2), mas não podendo ser inferior a 3 meses de retribuição base e diuturnidades.

Na fixação do valor referência da indemnização de antiguidade relevam, por um lado, o valor da retribuição e, por outro lado, o grau de ilicitude.
Na aplicação do quantum indemnizatório aos casos de despedimento ilícito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem partido do entendimento que só se justifica uma indemnização próximo do limite máximo de 45 dias nas situações de ostensiva violação dos direitos do trabalhador, o que significa que quanto maior for a ilicitude maior deve ser a indemnização, assim como quanto mais baixa for a retribuição mais elevada deve ser a indemnização (cfr., por todos, os acórdãos de 24-02-2011, Recurso n.º 2867/04.4TTLSB.S1,de 26-05-2015, Proc. n.º 373/10.7TTPRT.P1.S1, e de 06-12-2023 Proc. n.º 6652/21.0T8ALM.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, atendendo, por um lado, que o despedimento foi declarado ilícito, por inexistência de fundamento legal para o mesmo e, por outro, que a trabalhadora auferia mensalmente a quantia de € 1.205,08, valor que embora superior ao salário mínimo nacional não pode deixar de se considerar modesto, julga-se equilibrado fixar o valor da indemnização em 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração.
Tendo em conta que a Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1 de outubro de 2019, até final de fevereiro do corrente ano completaram-se 4 anos completos de antiguidade e 4 anos de fração.
Assim, considerando a retribuição mensal que auferia de € 1.205,08, até 29 de fevereiro do corrente anos o montante indemnizatório perfaz o valor de € 5.222,01 [€ 4.820,32 (€ 1.205,08x4) + € 401,69 (€ 1.205,08:12x4)].
A este cálculo deverá acrescer o valor devido até ao trânsito em julgado da sentença, mas sempre com o limite total da condenação da 1.ª instância de € 5.272,33, uma vez que no recurso este limite não vem questionado pela recorrida.
Procedem, por isso, parcialmente, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Quanto a saber se existe fundamento para a condenação da recorrente/Ré por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, se o montante não deve ultrapassar € 1.500,00.
A 1.ª instância condenou a recorrente na indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 3.000,00.
Para tanto considerou, no essencial, que se provou que com o despedimento a Autora (i) ficou bastante preocupada com o seu futuro, temendo não conseguir novo emprego com rapidez como enfermeira, sentindo temor, angústia, tristeza e grande apreensão, (ii) temeu que não tendo emprego não conseguisse honrar os seus compromissos financeiros, nomeadamente, suportar o pagamento da renda de casa, de água, luz e gás, alimentação, vestuário e despesas de saúde, temendo entrar em incumprimento e até perder a sua casa, (iii) que teve que recorrer à ajuda financeira da mãe para cumprir as suas obrigações, o que lhe causou grande sofrimento psicológico, frustração, preocupação, vergonha e ansiedade, dificultando-lhe o sono e criando-lhe profunda tristeza, (iv) que a diretora da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, Dra. EE, informou a senhoria da A., de que esta havia perdido o emprego e que não iria conseguir pagar a renda, facto que lhe foi transmitido e questionado pela senhoria, (v) e que desde a notícia do despedimento, a Autora, pessoa normalmente alegre, bem disposta e comunicativa, passou a permanecer triste, esmorecida, chorosa e desanimada, o que perdura até aos dias de hoje, sentindo-se injustiçada com toda a situação e recortes que verdadeiramente determinaram o seu despedimento ilícito, o que a perturba psicologicamente de forma profunda e a faz sentir triste, desanimada e preocupada, ansiosa com toda a situação.
Analisemos.

A reparação por danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, em consequência de despedimento ilícito, encontra previsão no artigo 389.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho.
De acordo com o disposto no artigo 483.º do Código Civil, constituem pressupostos da obrigação de indemnizar a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos.
E de acordo com o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do mesmo Código, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; acrescenta-se no n.º 4 que a indemnização será fixada equitativamente, devendo o tribunal atender, em qualquer caso, às circunstâncias mencionadas no artigo 494.º do mesmo Código, ou seja, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
Assim, no caso, provada a ilicitude do despedimento, a trabalhadora terá também que fazer prova da existência dos danos e o nexo causal entre o facto ilícito (despedimento da trabalhadora) e os prejuízos sofridos.
No caso, com relevância para a decisão verifica-se que:
- A Autora foi despedida pela Ré a ../../2022 [facto HHHH)], tendo o despedimento sido declarado ilícito;
- A Autora ficou bastante preocupada com o seu futuro, temendo não conseguir novo emprego com rapidez como enfermeira, sentindo temor, angústia, tristeza e grande apreensão [HH)];
- Mais temeu que, não tendo emprego, não conseguisse honrar os seus compromissos financeiros, nomeadamente, suportar o pagamento da renda de casa, de água, luz e gás, alimentação, vestuário e despesas de saúde, temendo entrar em incumprimento e até perder a sua casa [I)];
- A Autora teve que recorrer à ajuda financeira de sua mãe, DD, para cumprir as suas obrigações, o que lhe causou grande sofrimento psicológico, frustração, preocupação, vergonha e ansiedade, dificultando-lhe o sono e criando-lhe profunda tristeza [JJ)];
- A diretora da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, Dra. EE, informou a senhoria da Autora, de que esta havia perdido o emprego e que não iria conseguir pagar a renda, facto que lhe foi transmitido e questionado pela senhoria [K)];
- Desde a notícia do despedimento, a Autora, pessoa normalmente alegre, bem disposta e comunicativa, passou a estar triste, esmorecida, chorosa e desanimada, o que perdura até aos dias de hoje [L)];
- A Autora sente-se injustiçada com toda a situação e recortes que verdadeiramente determinaram o seu despedimento ilícito, o que a perturba psicologicamente de forma profunda e a faz sentir triste, desanimada e preocupada, ansiosa com toda a situação [M)].

Como decorre do referido, a Ré despediu ilicitamente a Autora, por inexistência de fundamento para o despedimento, a conduta da Ré foi culposa (uma vez que não se mostra ilidida a presunção de culpa prevista no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), verificando-se, inclusive, que a diretora da delegação da Ré informou a senhoria da Autora que esta tinha perdido o emprego e que não iria conseguir pagar a renda, o que levou a senhoria a questionar a Autora sobre esse facto, e em consequência da conduta da Ré a Autora sofreu danos (temor, angústia, tristeza, temeu, por ter perdido o emprego, que não conseguisse honrar os compromissos financeiros, designadamente o pagamento da renda da casa, tendo recorrido à ajuda financeira da mãe para cumprir as obrigações financeiras) e, sendo até então uma pessoa alegre, bem disposta e comunicativa, passou a partir daí a permanecer triste, esmorecida, chorosa e desanimada.
O comportamento da Ré foi censurável, não só pela inexistência de fundamento para o despedimento, como também por a própria Ré informar a senhoria da Autora de que esta tinha perdido o emprego e que não conseguiria pagar a renda da casa, podendo com tal comportamento conduzir que a referida senhoria pusesse termo ao contrato de arrendamento; e as consequências daí decorrentes par a Autora – como tristeza, angústia e desânimo por perder o emprego e pela situação vivida em consequência do despedimento, são relevantes, justificando a tutela do direito.
A indemnização por danos não patrimoniais deve ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, à reputação do ofendido e à gravidade e dimensão dos danos sofridos.
Neste contexto, ponderando, para além da inexistência de fundamento para o despedimento, a retribuição base mensal da Autora (€ 1.205,08) e desconhecendo-se a concreta situação económica-financeira da Ré (mas, de acordo com a informação pública, apresenta-se algo instável e precária), num juízo de equidade afigura-se equilibrado o montante de € 3.000,00 fixado na sentença recorrida, pelo que se mantém.
Improcedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

5. Quanto à condenação da recorrente a pagar à recorrida as importâncias devidas a título de funções de coordenação
A 1.ª instância condenou a recorrente, com tal fundamento, na importância de € 1.000,00.
Para o efeito aduziu a argumentação que a Autora assumiu as funções coordenadora do serviço no posto de socorro do aeroporto de ... em ../../2020, tendo por conta dessas funções passado a ser “retribuída”, para além do vencimento base, com a quantia mensal de € 250,00: todavia, não lhe foi paga a quantia referente ao período de 15 a 30 de setembro de 2020 e que exerceu as funções de coordenação de farmácia e do posto fixo de testagem Covid-19 até final de Setembro de 2021, não lhe tendo sido pago tal subsidio.
Já no entendimento da recorrente, não é devida a referida importância à recorrida, uma vez que esta deixou de exercer as funções de coordenação a partir de 14-12-2020.

A pretensão da recorrente quanto a esta questão era tributária da pretendida alteração da matéria de facto.
Com efeito, mantendo-se os factos constantes das alíneas N) e SS) da matéria de facto, ou seja, que a partir de 15-09-2020 a Autora passou a acumular às suas (as funções de enfermagem pré-hospitalar no Aeroporto ...), as de coordenação das equipas de enfermagem no Aeroporto ... e de TAT (Técnicos de Ambulância de Transporte), e que manteve as funções de coordenadora do posto de Covid-19 até final de setembro de 2021, não pode a Ré/recorrente deixar de ser condenada no pagamento da importância de € 250,00 mensais pelas funções de coordenação nos peticionados meses de julho, agosto e setembro de 2021, o que totaliza € 750,00.
Porém, o mesmo já não se verifica em relação aos restantes € 250,00 peticionados, que a Autora/recorrida afirmava serem-lhe devidos € 125,00 pelos dias 15 a 30 de setembro de 2020 em que exerceu essas funções e os restantes € 125,00, com referência ao subsídio de natal.
Ora, em relação a este, mostra-se decidido pela 1.ª instância, sem que tal venha questionado, que (o) valor a título de subsídio de coordenação efectivamente pago não entrará no cálculo do subsídio de Natal”.
Em relação aos € 125,00 referentes dias 15 a 30 de setembro de 2020, verifica-se, e é aceite pela própria Autora (vide artigo 68.º da contestação), que no final do ano, em dezembro de 2020, lhe foi paga, a título de subsídio de coordenação, a importância de € 375,00.
Pela coerência e regras da experiência comum, se a Autora iniciou as funções de coordenação em ../../2020 e, como se extrai da sua contestação, se lhe foi pago o respetivo subsídio referentes aos meses de outubro a dezembro desse ano, o montante de € 125,00 que lhe foi pago em excesso a tal título no final do ano só pode reportar-se ao período em falta, ou seja, de 15 a 30 de setembro de 2020.
Por consequência, procedem nesta parte, mas apenas parcialmente, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve revogar-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré/recorrente a pagar à Autora/recorrida, a título de subsídio de coordenação, a importância de € 1.000,00, que deverá ser substituída pela condenação, a tal título, na importância de € 750,00.

6. Da existência, ou não, de assédio moral e, em caso afirmativo, do valor indemnizatório
Referente a esta questão, importa lembrar que a 1.ª instância condenou a aqui recorrente a pagar à recorrida a importância de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais em consequência do assédio que exerceu sobre esta.
Arrimou-se para tanto, no essencial, na seguinte fundamentação:
“Nos termos do artigo 29º. do Código do Trabalho, entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
O assédio moral pode concretizar-se numa de duas formas: o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo; e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa (mobbing).
No caso dos autos, não resultou provado que a R. tenha assumido um qualquer comportamento indesejado e hostil baseado num qualquer factor de descriminação do tipo dos enunciados no artigo 24º., nº. do Código do Trabalho, razão pela qual deve concluir-se no sentido de que a R. não cometeu qualquer comportamento susceptível de ser enquadrado no assédio moral discriminatório.
(…)
Entendemos que o que verdadeiramente diferencia o conflito laboral do assédio moral é a intencionalidade que está por detrás de um e de outro, sendo que neste último existe, como motivação da conduta, uma clara e manifesta intenção do agressor se livrar da pessoa assediada, ao passo que no primeiro não existe da parte do agressor uma intenção deliberada de livrar-se do trabalhador; sem essa intenção do agressor não existe assédio moral.
(…)
Resulta de tudo quanto ficou dito que só pode ter-se por registada uma situação de mobbing naqueles casos em que subjacente ao comportamento indesejado do empregador ou dos superiores hierárquicos esteja a pretensão de forçar o trabalhador a desistir do seu emprego.
Ora, face à factualidade dada como provada, verifica-se precisamente essa situação.
Na verdade, ficou demonstrado que a A. sempre foi uma funcionária rigorosa, que chamava a atenção para as falhas e irregularidades que ocorriam nos serviços por onde passou dentro da Instituição, reportando-as por escrito, nomeadamente, quanto à existência de fármacos e materiais fora de prazo, falta de higiene da farmácia, vicissitudes no tratamento dos lixos, má organização da testagem covid, irregularidades no cumprimento de protocolos, más condições de serviço, do Posto da Cruz Vermelha da ... e falta de material e material fora do prazo, bem como, irregularidades nas medicações disponíveis, incumprimento das suas orientações de serviço, o que sempre causou grande incómodo aos elementos da Direção.
A A. denunciou violações dos seus direitos laborais junto do Sindicato dos Enfermeiros, bem como, junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, nomeadamente, quanto às horas de Descanso que lhe eram devidas, entre outros, o que determinou a intervenção do Sindicato junto da R..
Em ../../2021, a A. foi testemunha de CC, na ação de processo comum, que correu termos nesse Tribunal do Trabalho de ... – Juiz ..., com o n.º1327/21...., em que foi R. a ora R., Cruz Vermelha Portuguesa;.
Anteriormente, já a A. tinha sido testemunha no processo disciplinar instaurado pela ora R. a CC.
Em 20/08/2021 já a A. solicitou intervenção Inspetiva pela prática de assédio junto do ACT, nomeadamente, por conta das alegadas alterações de funções;
Em ../../2021 é determinado à A. o exercício de funções com Técnica de Ambulância de Transporte e não de enfermeira.
O que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
Na sequência de interpelação da A. no sentido de ver fixado o seu horário de almoço, em 4 de março de 2022, a A. viu o seu horário de trabalho alterado, tendo, para o efeito, sido avisada tão-só no dia anterior.
A A. cumpria o horário de trabalho das 9h às 18h.
Na sequência do sobredito pedido de fixação de horário para o almoço, a A. passou a ter o horário das 9h às 13h e das 15h às 19h, fixando-se duas horas de almoço, sem qualquer justificação e com claro prejuízo para a vida pessoal e descanso da A., que assim, saia uma hora mais tarde do que o previsto.
O que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros;
Em 8 de junho de 2022 e em 12 de agosto de 2022, a A. solicitou trabalhar em jornada contínua, o que sempre lhe foi indeferido.
Em 1 de julho de 2022 a A. deslocou-se à urgência do hospital de ... com quadro de várias semanas de cervicalgia e lombalgia com agravamento com esforço físico no trabalho, medicada com paracetamol sem melhoria.
Em 15 de julho de 2022, a A. teve consulta de medicina do trabalho onde lhe foi determinado o seguinte: “Não pode exercer cargas superiores a 10kgs. A função de transporte de doentes deve ter como base o Decreto-Lei 330/93 de 25 de setembro. Reobservar em nova consulta de medicina do trabalho em setembro de 2022”.
A R. ignorou constantemente os pedidos apresentados pela A..
O que determinou nova intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses junto da Instituição.
Na sequência da determinação do médico da medicina do trabalho, de que a mesma não poderia carregar pesos superiores a 10kgs, desde então, quando esta se apresentava ao serviço não lhe eram atribuídas funções, permanecendo a mesma sentada num sofá no interior das instalações da R., num corredor de passagem, que funciona como sala de estar, onde circulavam todos os colegas da A..
A partir desse momento, a A., não tendo função distribuída, via passar os seus colegas para os vários trabalhos quer de enfermagem, quer TATs (Técnicos de Ambulância de Transporte) quer TASs (Técnicos de Ambulância de Socorro), assoberbados com o trabalho, enquanto esta se encontrava sentada no sofá.
Em 16/09/2022 o Dr. NN ... da direção ordenou-lhe que carregasse uma caixa do seu escritório para a unidade de emergência, enquanto a funcionária da secretaria, OO assistia.
No mesmo dia, ../../2022 o Dr. NN, ... da direção, verificando que a A. se encontrava sentada no sofá a ler livros, dirigiu à A. as seguintes expressões: “Está proibida de ler, ler é um desrespeito para com os seus colegas, não pode ler aí, está a gozar com os seus colegas”.
Após a ação Inspetiva da ACT a A. passou a alternar os períodos no sofá com o transporte de doentes autónomos em que a sua função se limitava a abrir e fechar a porta das ambulâncias até ao termo do contrato.
Devido ao supra descrito, a A. não conseguia dormir a pensar em todas as humilhações sofridas; apresentava labilidade; - síndrome depressivo e ansioso devido a relação laboral disfuncional; - ansiedade aguda, choro fácil, insegurança, baixíssima auto-estima, elevado stress emocional, défices de atenção, memória e sono (forma grave de stresse psicossocial).
A A., pessoa bem disposta e afável, muito organizada e segura, passou a estar triste, chorosa e cabisbaixa, desorientada e insegura, colocando em causa as suas capacidades pessoais e profissionais.
Por conta das referidas condutas, a A. ía infeliz diariamente para o trabalho, em estado de stress e ansiedade, sempre com receio de qual seria a próxima atitude da R. contra ela.
A A. viu-se forçada a recorrer a consultas de psicologia, que a diagnosticaram com síndrome depressivo e ansioso devido a relação laboral disfuncional.
A A. apresentou nas consultas de psicologia um quadro de degradação gradual a nível emocional e cognitivo; que este tipo de défice emocional, gera “deficiências” no funcionamento social e ocupacional, representando um declínio significativo em relação a um nível prévio de funcionamento, com génese numa relação laboral disfuncional, tipo mobbing, que não se minimiza por ação, tendo sido sugerido pelo Psicólogo a continuidade de acompanhamento psicológico, o que mantém até à presente data.
Por tudo o referido, face a um comportamento da A. que a R. considerava indesejado (de denuncia de situações, deficiências, insuficiências por questões de trabalho, entre outras), viu-se a primeira, ao longo do tempo, esvaziada de funções, desvalorizada profissionalmente, com restrições no seu horário de trabalho, o que culminou com uma situação em que a A. permanecia num sofá, sentada durante o seu horário de trabalho, a aguardar que lhe fossem atribuídas funções, o que, sistematicamente, não sucedia. E isto ocorreu desde Julho de 2022 até ao final do contrato ../../2022, muito embora o esvaziamento de funções e desvalorização profissional já ocorresse anteriormente como supra descrito.
Assim, existiu uma situação de mobbing, já que subjacente ao comportamento indesejado da R. ou dos superiores hierárquicos da A. em representação da R. estava a pretensão de forçar o trabalhador a desistir do seu emprego.
E tanto assim foi que, como a A. não teve tal iniciativa, decidiu a R. lançar mão do seu despedimento invocando a extinção do posto de trabalho”.

A recorrente discorda desta conclusão, sustentando, ao fim e ao resto, que o que efetivamente se verificou foi uma degradação na relação laboral que existia entre as partes, sem gravidade que assumisse a qualificação de assédio, que perante a não existência de serviços específicos de enfermagem para atribuir à recorrida, resultantes da cessação da prestação de serviços no Aeroporto ... e do declínio nas testagens à Covid-19, ainda (a recorrente) tentou encontrar funções compatíveis com a formação profissional da recorrida, por isso lhe atribuindo funções como tripulante de ambulância de transporte, sem qualquer intenção de a desvalorizar profissionalmente, e que logo que foi notificada pela ACT que essa desvalorização configurava desvalorização profissional, cessou a atribuição dessas funções à recorrida, que passou a aguardar pela existência de solicitações relativas a pedidos de enfermagem, que eram escassas, e daí que esta aguardasse sentada no sofá da sala de convívio pela chamada de serviço para tais solicitações.
Acrescentou, por fim, que ainda que assim se não entenda, ou seja, ainda que se considere a existência de assédio, num juízo de equidade não deve a indemnização a tal título ultrapassar € 1.500,00.
Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 15.º do Código do Trabalho, o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva integridade física e moral.
No n.º 1 do artigo 29.º consagra-se a proibição da prática de assédio, prescrevendo-se no n.º 2 que se entende por assédio o (…) comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
Como escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 2023, 22.ª Edição, Almedina, págs. 302-303), são os seguintes os traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
“a) Um comportamento (não um acto isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (Exº redução à inactividade e ao isolamento, sem razão objectiva);
b) Uma intenção de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro, tirando partido de algum factor seu de debilidade ou menor resistência (desde logo, a dependência económica e o receio do desemprego; mas também, em não poucos casos, uma especial vulnerabilidade psicológica ou mesmo física; ou até situações da vida privada cuja divulgação se receia), ou, no mínimo, a desconsideração de tal efeito [];
c) Uma relação de causalidade adequada entre esse comportamento e efeitos perturbadores, constrangedores, atentatórios da dignidade ou geradores de clima social negativo para o destinatário (ficando à margem todos os comportamentos integráveis em padrões de normalidade no contexto social concreto);
d) Um objectivo final ilícito ou eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (submissão total à vontade do assediante, penalização por actos legítimos da vítima, indução à resolução do contrato ou ao abandono do trabalho, aceitação de uma modificação negativa das condições de trabalho)”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2019 (Proc. n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), após se fazer uma extensa análise da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria, concluiu-se, na esteira dos acórdãos do mesmo tribunal de 03-12-2014 e de 09-05-2018 (Procs. n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1 e n.º 532/11.5TTSTRE.E1.S1, respetivamente, também disponíveis em www.dgsi.pt), que [o] assédio moral implica comportamentos, real e manifestamente, humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências” e que [a]pesar de o legislador ter (…) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável”.
Integram, pois, o conceito de assédio moral todos os comportamentos humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador que se prolonguem no tempo que tenham como intenção exercer pressão moral sobre o mesmo, com vista a um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável.

É altura de regressarmos ao caso em apreço.
Com relevância para a questão em análise, verifica-se, no essencial, que:
- em 01-06-2016 a Ré celebrou um contrato de prestação de serviço de enfermagem em primeiros socorros, pelo prazo de 12 meses, com a Ana – Aeroportos de Portugal, S.A., no âmbito do qual se comprometeu a prestar esse serviço no Aeroporto ... [D)];
- esse contrato foi sendo prorrogado por iguais períodos, vindo a cessar em 31-03-2021 [E)];
- a Autora foi admitida ao serviço da Ré em 01-10-2019, para desempenhar as funções de Técnica, designadamente prestando cuidados de enfermagem em situação de emergência no referido Aeroporto ... [J)];
- posteriormente passou a acumular a essas funções as de coordenação das equipas de enfermagem no aeroporto e de TAT, Técnicos de Ambulância de Transporte [N)];
Em 14-12-2020 deixou de prestar serviço no aeroporto, tendo a Ré aí colocado uma outra enfermeira que contratou para esse efeito [M)];
- a partir de ../../2020 a Autora ficou responsável pelo depósito de material da Ré, designado de farmácia, e, a partir de ../../2020, exerceu funções no posto de enfermagem e no posto fixo de testes Covid-19, tendo este encerrado em 30-09-2021 [R)];
- a Autora exerceu ainda funções no posto da Ré da ..., no período de ../../2021 a ../../2021, com reinício em ../../2021, “com grande esforço da A., pois que, a deslocação era feita de barco, alterando um trajeto para o local de trabalho de 5m para mais de uma hora, atendendo a que as deslocações eram efetuadas nos barcos da carreira, com horários fixos, não compatíveis com o horário de trabalho fixado pela R.[R)];
- sempre foi uma funcionária rigorosa, chamava a atenção para as falhas e irregularidades que ocorriam nos serviços por onde passou dentro da Instituição, reportando-as por escrito, nomeadamente, quanto à existência de fármacos e materiais fora de prazo, falta de higiene da farmácia, vicissitudes no tratamento dos lixos, etc., o que causava incómodo da direção da Ré e dos colegas de trabalho [Z) e TT)];
- denunciou violações dos seus direitos laborais junto do Sindicato dos Enfermeiros, bem como junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), nomeadamente quanto às horas de descanso que lhe eram devidas, o que determinou a intervenção do Sindicato junto da Ré [AA)];
- em ../../2021, a Autora viu cessadas as suas funções como coordenadora da farmácia [XX)];
- em ../../2021 solicitou intervenção Inspetiva da ACT, pela prática de assédio, designadamente pelas alegadas alterações de funções [YY)];
- em ../../2021 a Ré determinou-lhe que passasse a exercer as funções de Técnica de Ambulância de Transporte e não de enfermeira, o que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses [ZZ) e AAA)];
- em ../../2021, foi testemunha de CC, na ação de processo comum, que correu termos nesse Tribunal do Trabalho de ... – Juiz ..., em que era Ré a ora Ré, sendo que já anteriormente tinha sido testemunha num processo disciplinar instaurado pela Ré àquele [ BB) e CC)];
- na sequência de interpelação da Autora, no sentido de ver fixado o seu horário de almoço, em 4 de março de 2022 a Ré alterou-lhe o horário de trabalho, tendo, para o efeito, sido avisada tão-só no dia anterior [BBB)];
- cumpria o horário de trabalho das 9h às 18h e na sequência do referido pedido de fixação de período para almoço, passou a ter o horário das 9h às 13h e das 15h às 19h, fixando-se duas horas de almoço, sem qualquer justificação e com claro prejuízo para a vida pessoal e descanso da Autora, que assim, saia uma hora mais tarde do que o previsto, o que motivou a intervenção do Sindicato dos Enfermeiros [CCC), DDD) , EEE)];
- em 8 de junho de 2022 e em 12 de agosto de 2022, a Autora solicitou trabalhar em jornada contínua, o que sempre lhe foi indeferido;
- em junho de 2022 reportou à direção da delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa que havia vários meses que era colocada para fazer o transporte de uma utente, que pesava mais de 90kgs, tendo ainda referido que era a única fixa nos transportes, sendo os demais elementos rotativos, exatamente, por se tratar de um trabalho muito pesado [III) e JJJ)];
- em 1 de julho de 2022 a Autora deslocou-se à urgência do hospital de ... com quadro de várias semanas de cervicalgia e lombalgia com agravamento com esforço físico no trabalho, medicada com paracetamol sem melhoria, tendo no dia 15 do mesmo mês consulta de medicina do trabalho, onde foi determinado que não podia exercer cargas superiores a 10kgs, o que foi ignorado pela Ré, tendo determinado nova intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses junto da Ré [PPP), QQQ), RRR), SSS)];
- na sequência da referida declaração do médico de medicina do trabalho – de que a Autora não podia carregar pesos superiores a 10 Kg – , quando se apresentava ao serviço não lhe eram atribuídas funções, permanecendo a mesma sentada num sofá no interior das instalações da R., num corredor de passagem, que funciona como sala de estar, onde circulavam todos os colegas da Autora [TTT)];
- a partir dessa altura, a Autora não tinha funções distribuídas, via passar os seus colegas para os vários trabalhos quer de enfermagem, quer TATs (Técnicos de Ambulância de Transporte) quer TASs (Técnicos de Ambulância de Socorro), assoberbados com o trabalho, enquanto ela se encontrava sentada no sofá [UUU)];
- em ../../2022 foi ordenado por um elemento da direção da Ré que carregasse uma caixa do seu escritório para a unidade de emergência, enquanto uma senhora funcionária da secretaria assistia [VVV)];
- nesse mesmo dia, o mesmo elemento da direção da Ré, verificando que a Autora se encontrava sentada no sofá a ler livros, dirigiu-lhe as seguintes expressões: “Está proibida de ler, ler é um desrespeito para com os seus colegas, não pode ler aí, está a gozar com os seus colegas”;
- após a ação Inspetiva da ACT, a Autora passou a alternar os períodos no sofá com o transporte de doentes autónomos em que a sua função se limitava a abrir e fechar a porta das ambulâncias até ao termo do contrato [ZZZ)];
- No dia ../../2022 a Autora foi chamada à direção da delegação da Ré, onde lhe foram entregues os documentos referentes ao despedimento [AAAA)];

Desta factualidade decorre que até outubro de 2021 houve várias mudanças de funções e de local de trabalho da Autora, que poderia configurar conflito litígio laboral, mas sem que daí se demonstre um qualquer comportamento manifestamente humilhante, vexatórios e atentatório da dignidade da Autora que visasse obter pressão sobre ela com vista a objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, rectius, de forma a conduzir a que a Autora, por sua iniciativa, pusesse termo à relação laboral.
Dito de outra forma: com essas sucessivas transferências de funções e local de trabalho poderá ter havido violação dos deveres da empregadora para com a trabalhadora, porventura até um arbitrário poder de direção – matéria que para a presente questão não releva –, mas não poderá afirmar-se que esse comportamento visasse levar a trabalhador a pôr termo ao contrato.
Note-se, por exemplo, que não obstante ter sido colocada no posto da Ré na ..., e de tal lhe alterar o trajeto para o local de trabalho de 5 m para mais de uma hora, o que é certo é que tendo a Autora sido colocada em outubro de 2021 em TAT e mantendo-se o posto da Ré na ..., se bem se intui da alegação da Autora nessa altura pretenderia manter-se a trabalhar ao serviço da Ré na referida ....
Todavia, entende-se que a partir de outubro de 2021 a situação alterou-se.
Tenha-se presente que nesta altura a Ré determinou à Autora que passasse a exercer as funções de TAT, e não de enfermeira, o que levou à intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
Nesse mesmo mês, a Autora foi ouvida como testemunha, arrolada por um outro trabalhador em ação movida contra a Ré.
Na sequência do pedido da Autora de fixação de horário de trabalho para almoço, em 4 de março de 2022 a Ré alterou-lhe o horário de trabalho, tendo-a, para o efeito, avisado apenas no dia anterior à implementação dessa alteração, e tendo-lhe fixado um horário para almoço das 13.00h às 15.00h, sem justificação e com prejuízo para a sua vida pessoal, que assim passava a sair apenas às 19.00h, uma hora mais tarde do que sucedia anteriormente, o que motivou nova intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
E em 8 de junho de 2022 e em 12 de agosto de 2022, a Autora solicitou à Ré trabalhar em jornada contínua, o que lhe foi indeferido.
Nesse mesmo mês de junho, a Autora deu nota à Ré que o trabalho que lhe tinha sido destinado lhe exigia um grande esforço físico (designadamente por força do transporte de uma utente com mais de 90 KG) e que era a única trabalhadora fixo na realização desse trabalho de transporte.
Porém, a Ré não deu resposta a essa interpelação da Autora.
E na sequência da declaração do médico de medicina do trabalho – de que a Autora não podia carregar pesos superiores a 10 Kg –, e de nova intervenção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, quando se apresentava ao serviço não lhe eram atribuídas funções, permanecendo a mesma sentada num sofá no interior das instalações da R., num corredor de passagem, que funciona como sala de estar, onde circulavam todos os colegas: tudo isto, enquanto esses colegas se encontravam assoberbados de trabalho!
E, note-se, nesse período, mais concretamente em ../../2022, foi-lhe ordenado por um elemento da direção da Ré para carregar uma caixa do seu escritório para a unidade de emergência, enquanto uma senhora funcionária da secretaria assistia; e nesse mesmo dia, verificando que a Autora se encontrava sentada no sofá a ler livros (se não lhe era atribuído trabalho, essa seria, porventura, a forma mais útil de ocupar o tempo…!), dirigiu-lhe as seguintes expressões: “Está proibida de ler, ler é um desrespeito para com os seus colegas, não pode ler aí, está a gozar com os seus colegas”.
E já após a intervenção da ACT, a Autora passou a alternar os períodos no sofá com o transporte de doentes autónomos em que a sua função se limitava a abrir e fechar a porta das ambulâncias até ao termo do contrato.
Desta sequência factual, crê-se que a partir de outubro de 2021 se verificaram uma sequência de factos por parte da Ré – inatividade quase total da Autora, determinação de realização de trabalhos que, pelo esforço físico que exigiam, eram inapropriados, ou até realização de trabalhos, como carregar uma caixa – que, dentro das regras da normalidade e da experiência comum, foram eticamente reprováveis, e humilhantes para a Autora, exercendo pressão sobre ela de forma a sentir-se insatisfeita e desvalorizada profissionalmente, porventura por essa se visando que a mesma pusesse termo ao contrato.
Nesta sequência, entende-se que se verificou assédio por parte da Ré/recorrida para com a Autora/recorrente, o que confere a esta o direito a uma indemnização por peticionados danos não patrimoniais.
Recorde-se, mais um vez, que para haver lugar à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º do Código Civil é necessário que se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos (cfr. artigo 483.º do Código Civil).
No caso, face à conclusão anteriormente alcançada, maxime o comportamento assediante da Ré e, com ele, a situação humilhante e de afetação da dignidade pessoal e profissional da Autora, verifica-se não só o facto ilícito, culposo e danoso, como também o nexo causal entre o comportamento e o dano (quanto a estes, remete-se para os factos referidos a propósito da indemnização por damos não patrimoniais pelo despedimento ilícito)
Este comportamento da Ré iniciou-se quando a Autora tinha cerca de 2 anos ao serviço daquela, e prolongou-se por mais de 1 ano, até à cessação do contrato, com fundamento em extinção do posto de trabalho, sem fundamento, como se analisou supra.
Importa também ponderar a retribuição base mensal da Autora (€ 1.205,08), sendo certo que se desconhece a concreta situação económico-financeira da Ré (mas sabendo-se, de acordo com documentos dos autos, que em 2021 a delegação da Ré teve um resultado líquido negativo de € 130.527,20).
Por isso, ponderados estes elementos, não perdendo de vista a indemnização por danos não patrimoniais já fixada pela ilicitude do despedimento (os danos sentidos pela trabalhadora parecem decorrer não só deste como também do assédio), tendo presente o efeito dissuasor que a sanção deve ter, bem como o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (vejam-se, designadamente, os acórdãos deste tribunal de 24-05-2018 e de 29-01-2019, também relatados pelo ora relator e proferidos no processo n.º 1723/16.8T8FAR.E1 e no processo n.º 959/17.9T8TMR.E1, respetivamente, encontrando-se aquele disponível em www.dgsi.pt e em que no 1.º se fixou uma indemnização de € 20.000,00 e no 2.º de € 10.000,00), justifica-se fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 10.000,00 (dez mil euros).
Procedem, por isso, nesta parte, mas apenas parcialmente, as conclusões das alegações de recurso.

Vencidas parcialmente, cada uma das partes deverá suportar as custas respetivas, em ambas as instâncias, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
V – Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Cruz Vermelha Portuguesa e, em consequência:
(i) Revoga-se a condenação da Recorrente/Ré a pagar à Recorrida/Autora uma indemnização no valor de € 5.272,33 em substituição da reintegração, que se substitui pela condenação daquela a pagar a esta, a tal título, uma indemnização referente a 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença (valor que a 29-02-2024 se cifra em € 5.222,01), com o valor limite de € 5.272,33, correspondente à condenação da 1.ª instância;
(ii) Revoga-se a condenação da Recorrente/Ré a pagar à Recorrida/Autora a quantia de € 1.000,00 a título de subsídio de coordenação, que se substitui pela condenação daquela a pagar a esta, a tal título, a quantia de € 750,00;
(iii) Revoga-se a condenação da Recorrente/Ré a pagar à Recorrida/Autora a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais resultantes de assédio moral, que se substitui pela condenação daquela a pagar a esta, a tal título, a quantia de € 10.000,00;
(iv) Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pela recorrente e pela recorrida, na proporção do respetivo decaimento.

Évora, 7 de março de 2024
João Luís Nunes (relator)
Emília Ramos Costa
Paula do Paço
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Emília Ramos Costa (2) Paula do Paço.