Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
366/23.4PAENT-A.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
COMUNIDADE TERAPÊUTICA
PRINCÍPIO REBUS SIC STANTIBUS
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I -Encontrando-se o arguido fortemente indiciado da prática de crimes durante a liberdade condicional, afigura-se não a medida de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica que o vai demover de sair de casa e praticar crimes, pelo que, a medida requerida – obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica em comunidade terapêutica- é insuficiente para as exigências cautelares (continuação da atividade criminosa) em face do sentimento de impunidade com que o arguido atua.
No espectro das medidas de coação privativas da liberdade, entende-se que apenas da prisão preventiva, para além de legítima, é necessária, adequada e proporcional à pena previsivelmente aplicável ao arguido, porquanto inexistem elementos seguros para garantir a viabilidade técnica da obrigação de permanência na habitação ou se a mesma é adequada à situação familiar do arguido e permite tal medida de coação arredar o arguido do modo de vida em que ingressou após ter sido restituído à liberdade condicional.

II - As medidas de coação obedecem ao princípio rebus sic stantibus, isto é, devem permanecer enquanto não ocorreram circunstâncias novas, tal como resulta do artº 212º, nºs 1 e 3 do C.P.P..

Para, eventualmente, se concluir pela alteração da medida de coação teriam que existir circunstâncias novas relevantes que tal justificassem, sob pena de se estar agora a alterar a decisão inicial, o que, no caso, não se verifica.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

Reapreciando a prisão preventiva em que o arguido AA se encontra, em 15/11/2023, foi proferido o seguinte despacho:

“Vi o relatório da DGRSP.

Do seu teor, dê conhecimento ao arguido.

Dado que inexistem circunstâncias novas que tenham reflexo na medida de coacção a que o arguido AA, está sujeito e que tenham que ser apuradas, resulta despicienda, a nosso ver, a audição do arguido prévia à prolação do presente despacho (artigo 213º, nº 3 do C.P.P.).

Nos presentes autos, foi no dia 13/11/2023, a fls. 789 e segs., deduzida acusação contra o aqui arguido AA, imputando-se-lhe, para além do mais, a prática de um crime de roubo na forma tentada e outro na forma consumada e a prática de crimes de furto qualificado.

O mencionado arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, desde 15/07/2023, conforme resulta de fls. 134 e segs., tendo-se então entendido preenchidos os perigos de continuação da actividade criminosa e fortemente indiciados a prática de cinco crimes de furto qualificado, revista a fls. 491 e segs., em 12/10/2023.

Não ocorreram quaisquer circunstâncias que tenham alterado os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base da aplicação a tal arguido de tal medida de coacção, sendo que a dedução da acusação só adensou e reforçou os indícios que, então, se consideraram já recolhidos, sendo que agora se lhe imputam também crimes de roubo, na forma consumada e tentada, para além de outros.

Nomeadamente, mantém-se o perigo de continuação da actividade criminosa, dados os factos que constam da acusação deduzida, praticados em período de liberdade condicional e a situação pessoal do arguido e seu percurso de vida, sendo consumidor de cocaína de há vários anos a esta parte, conforme o arguido o assume, tendo feito duas tentativas de internamento em Comunidade Terapêutica das quais veio a desistir passados pouco dias. No inicio do ano de 2023, deixou de comparecer em consulta do Centro de Respostas Integradas e, em meio prisional mantém-se abstinente e mantém acompanhamento psicológico (tudo conforme fls. 675 e segs., prisão que condiciona e implica tal abstinência.

Fruto das suas necessidades de consumo, a prática dos crimes aqui em apreço, contra o património, cremos, tendo o arguido em sede de 1º interrogatório aludido a tais problemas aditivos. Acresce que tal medida já foi ponderada em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido e afastada, por se entender ser insuficiente e inadequada. Ora, se o era, insuficiente e inadequada, por referência a uma habitação, também o é e muito mais, por referência a instalações de maior dimensão e de mais difícil vigilância.

Acresce que as medidas de coacção estão sujeitas ao principio “rebus sic stantibus”.

Só podem ser alteradas se se alterarem as circunstâncias que estiveram na base da sua aplicação, o que não ocorreu.

Assim sendo, entendo manter o arguido AA sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, assim revendo a mesma, não se mostrando adequada nem suficiente, a salvaguardar o perigo cautelar de continuação da actividade criminosa a obrigação de permanência na habitação ainda que mediante internamento em Comunidade Terapêutica, com sujeição a meios electrónicos de vigilância à distância, conforme requerido pelo arguido.

A comunidade é composta também por espaços exteriores, sem controlo de segurança especial, que os utentes podem frequentar, sendo a Equipa de opinião que o arguido deveria ser autorizado a efectuar saídas no âmbito do seu processo terapêutico, o que de todo acautela tal perigo de continuação da actividade criminosa, mormente recaídas na adicção de que sofre e necessidades de satisfação dessa adicção, consabido que qualquer tratamento de longo prazo apresenta retrocessos e avanços e o arguido ao longo da sua vida já passou por alguns, sem sucesso.

Como todos sabemos, não é difícil o retirar uma pulseira, escusando-se assim o arguido à vigilância electrónica.

O prazo máximo da prisão preventiva não se mostra decorrido, sendo que os 4 meses a que alude o Artigo 215º, nº1, al. a) terminavam no dia 15/11/2023 (4 meses), tendo sido antes deduzida acusação.

DECISÃO:

Termos em que, ao abrigo do Artigo 213º, nº 1, al. b) do CPP, revejo e mantenho a medida e coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA, indeferindo-se o por si requerido quanto à aplicação de medida de obrigação de permanência em Comunidade Terapêutica, ainda que com sujeição a meios electrónicos de vigilância à distância, por manifestamente insuficiente e inadequada tal medida de coacção face ao perigo cautelar de continuação da actividade criminosa.”

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Inconformado com o referido despacho, dele recorreu o arguido, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. DECISÃO RECORRIDA: decisão que não alterou a MC de PP para a MC de OPHVE em comunidade terapêutica, nos termos dos artigos 219.º, n.º 1, 401.º, n.º 1, alínea b), e 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

2. não pode o arguido conformar-se com tal despacho judicial, porquanto o mesmo viola o disposto nos artigos 193.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, e o artigo 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, tendo ainda sido feita uma incorrecta interpretação da norma constante do artigo 212.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

3. o presente recurso versará sobre a interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos supramencionados, ou seja, sobre matéria de direito, em conformidade com o artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

4. O arguido foi sujeito à MC de prisão preventiva, por se encontrar fortemente indiciado de factos susceptíveis de consubstanciar a prática, em concurso efectivo, de cinco crimes de furtos qualificados. Os factos imputados ao arguido são os que constam da decisão que lhe aplicou a MC de prisão preventiva que aqui damos por integralmente reproduzidos.

5. Considerou-se existir um elevado perigo de continuação da actividade criminosa, não se tendo dado como verificado em concreto o perigo de perturbação da instrução do processo (risco de intimidação e silenciamento dos ofendidos), bem como não foi determinado a existência de qualquer perigo de fuga.

6. Por outro lado, o despacho judicial em que se determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva determinou desde logo - e bem – que “porquanto não existem ainda elementos seguros para garantir a viabilidade técnica da obrigação de permanência na habitação ou se a mesma é adequada à situação familiar do arguido e permite tal medida de coação arredar o arguido do modo devida em que ingressou apos ter sido restituído à liberdade.”

7. Mais se escreveu que “assim, tudo visto e ponderado, apenas a medida de coação de prisão preventiva permite garantir de forma bastante, a qual é suscetível de ser substituída se reunidas as condições técnicas e pessoais para a obrigação de permanecia na habitação com vigilância electrónica, caso se venha a comprovar que o arguido tem uma problemática aditiva e se o tratamento em regime de internamento é viável.”

8. Nesse seguimento, foi oficiada a DGRSP solicitando-se a elaboração da informação a que alude o artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro. Nesse seguimento, a DGRSP elaborou relatório que foi junto aos autos a 8 de novembro de 2023, no qual concluiu que: “Tendo em conta a apreciação global da situação do arguido, afiguram-se reunidas as condições objectivas para que este possa beneficiar de acolhimento em comunidade terapêutica.

9. O arguido procedeu à junção aos autos todos os relatórios médicos que comprovam o facto de o arguido tem problemática aditiva e, ainda, de que o seu tratamento em regime de internamento não só é viável, como foi junto parecer favorável da comunidade terapêutica “…” à admissão do recorrente nessa comunidade, havendo já vaga para o mesmo entrar, sendo que a sua admissão seria agendada após decisão do Tribunal nesse sentido.

10. Tendo em conta o teor de tal relatório, e uma vez que se considerou estarem verificados os pressupostos previstos nos artigos 1.º, al. a), 4.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, e 16.º, n.º 1, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro, em conjugação com o artigo 201.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, e por se entender que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação se revela adequada, necessária e proporcional às exigências cautelares que se fazem sentir, o arguido requereu, nos termos do disposto no artigo 212.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a substituição da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, a ser cumprida em regime de tratamento terapêutico à sua dependência de drogas duras, nas instalações da Comunidade Terapêutica “…”.

11. A decisão recorrida só se percebe porque foi proferida por magistrado diferente daquele que proferiu a decisão que aplicou a Prisão preventiva e porque a nova magistrada judicial não leu a decisão que aplicou a MC de prisão preventiva, ou, se a leu, não percebeu o seu alcance nem entendeu o espírito de quem a proferiu – surge então o teor da decisão recorrida.

12. despacho recorrido considerou ser de manter a prisão preventiva aplicada ao arguido.

13. Para fundamentar tal decisão, a Mma. Juíza referiu que inexistência de circunstâncias novas que tenham reflexo na medida de coação que o arguido AA, está sujeito e que tenham de ser apuradas (…).

14. O arguido recorrente não concorda com tal fundamentação, porque os autos demonstram exactamente o contrário.

15. A decisão que aplicou a MC de prisão preventiva ao arguido é clara. No momento em que foi aplicada a MC de prisão preventiva, não resultava provado que o arguido sofresse de qualquer dependência de drogas, nem que o mesmo reunisse as condições obejectivas de poder naquele momento beneficiar de uma MC de OPHVE, designadamente, não se encontravam reunidas as condições objectivas para que este possa beneficiar de acolhimento em comunidade terapêutica.

16. Ora, aquando do pedido de alteração da MC essas condições estavam e estão totalmente preenchidas, encontra-se demonstrada com relatórios médicos e o estado de toxicodependência do arguido de drogas duras, havendo até vaga já para o recorrente ser acolhido na comunidade terapêutica “…”.

17. O que resulta também do relatório elaborado pela DGRSP.

18. Resulta implícito do teor do despacho judicial que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva que a obrigação de permanência na habitação em comunidade terapêutica, com vigilância electrónica, só não foi aplicada em primeira linha porque não se revelava exequível aplicar de imediato tal medida de coacção, desde logo porque não se encontrava demonstrada documentalmente, através de relatórios médicos, a situação de toxicodependência do arguido e, porque também a lei exige que o juiz solicite prévia informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou condenado, e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância electrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar, principalmente, quando estamos a falar de uma OPHVE em comunidade terapêutica (artigos 4.º, n.º 4, e 7.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro).

19. Por esse mesmo motivo, o Mmo. Juiz determinou que a DGRSP elaborasse a informação a que se refere o aludido artigo 7.º, n.º 2, no pressuposto de que poderia ocorrer alteração posterior da medida de coacção caso se viessem a comprovar os requisitos para a aplicação de OPH com vigilância electrónica em comunidade terapêutica.

20.Aliás foram diligenciadas por parte do arguido, através da sua mandatária, vários contactos e diligências junto dos médicos, assistentes sociais e junto da própria comunidade …, para que tudo fosse junto aos autos para demonstrar documentalmente a verificação de todos os pressupostos que a primeira decisão entendeu como necessárias existirem para que ao arguido fosse aplicada a MC de OPHVE em comunidade terapêutica.

21. A decisão recorrida fez tábua rasa de tudo o que foi decidido no despacho que aplicou ao arguido a MC de prisão preventiva e da possibilidade desta MC ser substituída pela OPHVE em comunidade terapêutica caso se reunissem os documentos em falta.

22. Foi determinada a prisão preventiva apenas porque naquele momento não se revelava adequada qualquer outra medida de coacção, em face da impossibilidade de aplicação imediata da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica em comunidade terapêutica.

23.Ao tempo da prolação do despacho de aplicação da prisão preventiva, só essa medida de coacção se revelava adequada, mas posteriormente veio a revelar-se exequível uma outra menos gravosa (OPH com VE em comunidade terapêutica), em face da junção aos autos da informação da DGRSP a que alude o artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro e relatórios médicos do arguido.

24.Isto é, embora as exigências cautelares que determinaram a aplicação da prisão preventiva sejam neste momento (pelo menos) as mesmas que existiam à data da respectiva aplicação, constata-se que agora (e só agora) estão reunidos os pressupostos para que o arguido possa transitar para a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica em comunidade terapêutica.

25.Na decisão recorrida a Mma. Juiz fez uma interpretação puramente literal do teor do artigo 212.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, esquecendo o recurso à interpretação teleológica e sistemática, que exigiria a conjugação do teor desta norma com a prevista no artigo 193.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, com a epígrafe “Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade”

26.Ou seja, a interpretação realizada no despacho recorrido agarra-se cegamente à letra do artigo 212.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (onde se preceitua que “Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-apor outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução”),partindo do pressuposto que esta norma prevê de forma exaustiva todas as hipóteses em que pode ocorrer substituição de medidas de coacção, concluindo assim o despacho recorrido que, mantendo-se inalteradas as exigências cautelares, não pode operar-se a substituição da prisão preventiva por OPH com VE quando vem a constatar-se a verificação (necessariamente superveniente) de que estão reunidos os pressupostos para aplicação da vigilância electrónica à luz da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro.

27.Tal interpretação revela-se manifestamente inconstitucional, violando o disposto no artigo 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, onde se determina que “A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”, e colide frontalmente com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no artigo 193.º do Código de Processo Penal.

28.Os demais argumentos avançados no despacho judicial revelam-se puramente especulativos ou completamente alheados da realidade (é feita menção ao facto de as comunidades terapêuticas serem compostas de espaços exteriores, sem controlo especial – a decisão recorrida não sabe do que fala, certamente nunca visitou sequer uma comunidade terapêutica, caso contrário jamais afirmaria o que afirmou).

29.Considera-se que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, no caso concreto na comunidade terapêutica …, com vigilância electrónica, salvaguarda cabalmente as exigências cautelares que se fazem sentir no presente caso, sendo tal medida de coacção necessária, adequada e proporcional às circunstâncias do caso, revelando-se todas as outras inadequadas e insuficientes, atento o disposto nos artigos 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, 201.º, n.ºs 1 e 3, e 204.º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.

30.O perigo de continuação da actividade criminosa fica devidamente acautelado, uma vez que os crimes imputados ao arguido e que motivaram a aplicação de medida de coacção privativa da liberdade (crimes todos eles contra o património) não podem ser cometidos em contexto de reclusão domiciliária, muito menos em contexto de reclusão em comunidade terapeutica em que o arguido estará a fazer tratamento da sua toxicodependência, ao contrário do que pode suceder com outro tipo de criminalidade (ex: tráfico de estupefacientes, criminalidade informática, violência doméstica).

31. Assim, e uma vez que se deverá dar preferência à aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação em detrimento da prisão preventiva, sempre que a primeira se revele adequada, necessária e proporcional às circunstâncias do caso (artigo 193.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal), e em face do que acima se expôs, o tribunal deveria ter alterado o estatuto coactivo do arguido nos termos por si requeridos e que a decisão que lhe aplicou a MC de prisão preventiva referiu expressamente, determinando que o arguido passasse a estar sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica na comunidade terapêutica ….

32.Não o tendo feito o despacho recorrido não decidiu como se impunha que decidisse, ignorando em absoluto a situação concreta dos presentes autos e as condições pessoais dos arguidos, a decisão que aplicou a MC de prisão preventiva ao arguido e todos os documentos posteriormente juntos e que justificam – sem dúvida alguma – a alteração da MC de prisão preventiva a que o arguido se encontra sujeito até ao dia de hoje.

33.Por todo o exposto, impõe-se a procedência do presente recurso e a MC de prisão preventiva a que o arguido se encontra sujeito seja revogada e substituída por outra que aplique a MC de OPH com VE na comunidade …, com o que se fará a justiça que se espera.

d) Normas violadas:

artigos 193.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal,

artigo 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, te

incorrecta interpretação da norma constante do artigo 212.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Assim, deve o despacho recorrido ser revogado, e substituído por outro que determine que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA seja substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica a ser cumprida na Comunidade Terapeutica …, e que para o efeito sejam emitidos mandados de condução do arguido à a essa Comunidade, disso se informando a DGRSP para efeitos de instalação dos equipamentos de meios técnicos de controlo à distância na aludida Comunidade. Só assim se fazendo Justiça.”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objeto aferir se o despacho do Mmo Juiz do Tribunal “a quo” proferido em 15.11.2023, fez uma incorreta interpretação do artº 212º, nº 3 do CPP, violando, igualmente o disposto no artº 193º, nºs 1 e 3 do referido diploma legal e, bem assim o artº 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa;

2. Pugna o recorrente pela substituição da medida de coação de prisão preventiva que lhe foi aplicada por decisão datada de 15.07.2023, pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica a ser executada na comunidade terapêutica “…”, medida de coação que se revela adequada, proporcional e suficiente a acautelar o concreto perigo de continuação da atividade criminosa e que só não foi aplicada, em primeira linha, por, à data, por não se revelar exequível a sua imediata aplicação;

3. Julgamos que o recorrente lavra em erro uma vez que a decisão datada de 15.07.2023, proferida na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, determinou que o arguido, AA, aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, a única capaz de acautelar as exigências cautelares requeridas pelo caso concreto;

4. Fundamentou tal decisão a circunstância de “o arguido se encontra fortemente indiciado da prática de crimes durante a liberdade condicional, não vai ser uma obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica que o vai demover a sair de casa e praticar crimes (…)” revelando-se “(…) insuficiente para as exigências cautelares (continuação da atividade criminosa) em face do sentimento de impunidade com que o arguido atua …”;

5. Da circunstância de tal decisão se referir à suscetibilidade de substituição de tal medida de coação, se se vierem a reunir as condições técnicas e pessoais para a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, não resulta implícito, ao contrário do alegado pelo arguido no ponto 18 das suas conclusões, que a medida de coação de OPHVE só não foi aplicada, em primeira linha, por não se revelar exequível a sua imediata aplicação.

6. De igual modo não resulta de tal decisão que a substituição da prisão preventiva pela medida de coação de OPHVE ocorra de forma automática, logo que junto o solicitado relatório da DGRSP e no qual se conclua pela verificação das condições objetivas para a sua aplicação.

7. Nem tal seria admissível por lei, considerando que o relatório previsto no artº 7º da Lei nº 33/2010 de 2 de setembro não tem carater vinculativo no que tange à aplicação de medidas de coação, nem mesmo quando pedido para efeitos do disposto no artº 16º, nº 1 do referido diploma legal - o que não foi o caso;

8. A aplicação de qualquer medida de coação rege-se, isso sim, pelo preceituado nos artºs 191º e segts do CPPenal, constituindo o relatório da DGRSP um mero auxiliar do julgador que não está subtraído ao principio da livre apreciação da prova pelo decisor;

9. Assim, como decorre do disposto no artigo 204.º, do Código de Processo Penal, a aplicação das medidas de coação pressupõe que, em concreto, se verifique algum dos perigos elencados nas diversas alíneas do citado preceito, ou seja, fuga ou perigo de fuga (al. a)); perigo de perturbação do inquérito ou instrução (al. b); ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas (al. c) –os designados pericula libertatis.

10. Mas, porque as medidas de coação são, necessariamente, medidas processuais limitativas (em maior ou menor grau) da liberdade pessoal, o legislador ordinário definiu, nos artigos 191.º e seguintes do CPPenal, as condições de aplicação das medidas de coação legalmente admissíveis, bem como os respetivos pressupostos.

11. Assim, as medidas de coação, estão sujeitas aos princípios da legalidade – só podem ser impostas as medidas de coação previstas na lei -, da adequação – devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer - e da proporcionalidade – proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas - e, quanto à prisão preventiva, o da subsidiariedade - só deve ser imposta quando se mostrarem inadequadas e insuficientes as demais medidas menos gravosas (cf. artºs 191º a 193º e 202º, nº 1, todos do CPPenal).

12. Por outro lado, em matéria de alteração das medidas de coação aplicadas vigora a regra rebus sic standibus, ou seja, as medidas de coação aplicadas manter-se-ão enquanto se mantiverem as circunstâncias de facto e de direito que justificaram a sua aplicação.

13. Com efeito, decorre do preceituado no artº 212º do CPPenal que a alteração das circunstâncias de facto e/ou de direito que justificaram a aplicação da medida de coação implica quer a revogação quer a sua substituição por outra medida de coação, a qual pode ser mais ou menos gravosa consoante as novas exigências cautelares que o caso convoca.

14. No caso concreto não se verifica qualquer atenuação das exigências cautelares que motivaram a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva a qual continua a revelar-se, necessária, adequada, proporcional e a única capaz de acautelar as concretas exigências cautelares do caso concreto;

15. Com efeito, à semelhança do que já sucedia aquando da aplicação da medida de coação de prisão preventiva, o perigo de continuação da atividade criminosa não fica suficientemente acautelado com a aplicação da OPVHE na comunidade terapêutica …, não se mostrando assegurado que tal medida de coação logre “arredar o arguido do modo de vida em que ingressou após ter sido restituído à liberdade.”.

16. E isto porque:

• o arguido mostra-se fortemente indiciado da prática de crimes contra o património puníveis com pena de prisão igual ou superior a 5 anos de prisão;

• tais ilícitos foram praticados durante o período de liberdade condicional;

• durante o período em que esteve em liberdade (condicional), o arguido não cumpriu as obrigações a que estava sujeito e decorrentes da concessão da liberdade condicional, deixando de comparecer nas consultas no Centro de Respostas Integradas do …, nem apresentou qualquer justificação;

• O arguido fez duas tentativas anteriores de internamento em comunidade terapêutica das quais viria a desistir;

17. Tais factos revelam, só por si, que o arguido tem uma personalidade marcadamente desviante aos ditames do direito que não é facilmente combatida com ameaças de reclusão (a que já esteve sujeito) e.

18. Pese embora esteja aparente motivado para o tratamento, o arguido revela uma personalidade instável alternando entre uma motivação para o tratamento como uma rápida desistência do mesmo, inexistindo, assim, garantia de que este se manterá empenhado no tratamento na comunidade “…”, de onde, de resto, poderá facilmente ausentar-se.

Termos em que, deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de 15.11.2023 que, indeferindo a requerida substituição da medida de coação aplicada, decidiu manter o arguido sujeito à medida de coação de prisão preventiva.

Vossas Excelências, porém, melhor decidirão, com o habitual elevado saber, assim se fazendo Justiça.”

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi oferecida resposta ao parecer.

APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar é de se saber se a prisão preventiva deve ser substituída por outra medida de coacção, designadamente pela o.p.h.v.e. (mais propriamente no caso concreto seria permanência em comunidade terapêutica).

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Aquando do primeiro interrogatório judicial foi proferido o seguinte despacho (na parte que interessa):

“2 - Motivos da detenção:

1. No dia 23/06/2023, cerca das 22h30, o arguido AA entrou na Lavandaria …, sita na Rua …, nº. …, … e dirigiu-se à área técnica, acedeu ao seu interior estroncando a fechadura da porta de acesso à mesma, com recurso a uma chave de fendas.

2. No seu interior, abeirou-se do moedeiro das máquinas de lavar automáticas, que funcionam através da introdução de notas e moedas, e daí retirou, apoderou-se e fez sua a quantia de € 1.000,00 (mil euros), em notas do Banco Central Europeu, após abandonou o local.

3. Em hora não concretamente apurada, mas entre o dia 27/06/2023 e a 01h35 do dia 28/06/2023, o arguido partiu o vidro da porta principal da Agência Funerária …, sita na Rua …, nº. …, no …, forçou a sua abertura e acedeu ao seu interior.

4. Aí, dirigiu-se a um dos escritórios e removeu do interior de uma gaveta um cofre de cor vermelha, que abriu e de onde retirou um envelope com a quantia de € 215,00 (duzentos e quinze euros), em notas do Banco Central Europeu e um cartão pré-carregado da ….

5. De seguida, dirigiu-se a um outro escritório e daí retirou dois colares de aço e uma pulseira, de valor não concretamente apurado.

6. Após, ausentou-se da agência funerária na posse dos supra identificados bens.

7. Posteriormente, e na posse do sobredito cartão pré-carregado, o arguido efectuou um levantamneto bancário no valor de € 200,00 (duzentos euros), em terminal ATM do Banco … e efectuou duas compras nas Bombas de Combustível da …, no …, no valor total de € 59,90 (cinquenta e nove euros e noventa cêntimos).

8. No período compreendido entre as 17h30 do dia 28/06/2023 e as 10h00 do dia 29/06/2023, o arguido, através de método não concretamente apurado, rompeu a porta de acesso principal ao Cine-Teatro …, sito na Rua …, …, no … e acedeu ao seu interior.

9. Aí chegado, dirigiu-se à máquina de vending, estroncou a fechadura, acedeu ao moedeiro e daí retirou, apoderou-se e fez sua a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros) que ali se encontrava, após abandonou o local.

10. No dia 30/06/2023, cerca das 04h36, o arguido, de modo não concretamente apurado causou estragos na porta de entrada da Clínica Veterinária …, sita na Rua …, nº…., no …, e acedeu ao seu interior.

11. Aí, dirigiu-se à caixa registadora da receção e retirou do seu interior a quantia de € 50,00 (cinquenta euros), em notas do Banco Central Europeu.

12. De seguida, dirigiu-se a um dos gabinetes, e daí retirou uma caixa de metal que continha no seu interior a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) em notas do Banco Central Europeu.

13. Após, deslocou-se a outro gabinete e daí retirou nove cadernetas de plástico para guardar informações de animais, um cartão de débito emitido pela … e um cartão de crédito emitido pela …, ambos titulados por BB.

14. Após, ausentou-se da clínica veterinária na posse dos supra identificados bens.

15. No dia 30/06/2023, no período compreendido entre as 00h00 e as 08h00, o arguido, através de método não concretamente apurado, estroncou a fechadura da porta da entrada da Clínica …, sita na Rua …, …, no … e retirou da receção um cofre de cor verde, que continha várias chaves, um cartão de abertura/fecho de … com código e um tablet de marca …, no valor de € 120,00 (cento e vinta euros), fazendo-o seu e, após, abandonou o local.

16. Em qualquer das relatadas ocasiões, o arguido agiu livre voluntária e conscientemente, bem sabendo e querendo, contra a vontade dos respetivos donos, entrar nos sobreditos estabelecimentos, com recurso ao estroncamento de fechaduras de portas e de recetáculos fechados equipados com fechadura, e fazer seus aqueles bens e quantias de dinheiro que se encontravam no interior daqueles estabelecimentos e recetáculos, sabendo que os aludidos bens e quantias não lhe pertenciam e que a sua conduta era proibida e punida por lei.

De acordo com a factualidade descrita e com os elementos probatórios já carreados para os autos, encontra-se fortemente indiciada a prática, por AA, de cinco crimes de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, nº. 1 e 204º, nº. 1, alíneas e) e f) e nº. 2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do Código Penal.

Resultam ainda dos autos que: Por sentença transitada em julgado em 01/02/2008, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. p. pelo artigo 204º do Código Penal, no âmbito do processo nº. 105/07.7…; Por sentença transitada em julgado em 08/09/2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. p. pelo artigo 204º, nº. 2, alínea e) do Código Penal, no âmbito do processo nº. 239/06.5…; Por sentença transitada em julgado em 11/07/2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nº. 1 do Código Penal, no âmbito do processo nº. 334/13.4…; Por sentença transitada em julgado em 11/01/2018, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. p. pelos artigos 22º, 23º, 26º e 204º, nº. 2, alínea e) do Código Penal, no âmbito do processo nº. 90/17.7…; Por acórdão transitado em julgado em 07/03/2019, o arguido foi condenado pela prática de quatro crimes de furto qualificado, p. p. pelo artigo 203º e 204º, nº. 2 do Código Penal e 2 crimes de roubo, p. p. artigo 210º, nº. 1 do Código Penal, no âmbito do processo nº. 554/17.2….

Tal indiciação resulta dos seguintes elementos probatórios:

(…)

DESPACHO

(…)

Analisando os factos que se encontram fortemente indiciados há a referir que estes ocorreram num curto espaço de tempo (em 7 dias) mas demonstram uma atitude de reiteração que justifica a conclusão de que existe perigo de continuação da atividade criminosa, fruto do passado criminal do arguido. Note-se que, na madrugada do dia 30 de junho, existem fortes indícios do arguido ter praticado dois crimes dos cinco pelos quais se encontra indiciado.

A simples prática deste tipo de crimes, só por si, já desperta um grande sentimento de repulsa e intranquilidade social. Acresce que a localidade do … tem sido fustigada com grande onda de assaltos (fls. 39 dos autos principais).

Verificam-se os perigos previstos na al. c) do n.º1 do art.º 204.º, do Cód. Processo Penal.

Os autos têm fortes indícios da prática criminal pelo arguido ora presente a primeiro interrogatório.

Os crimes são dolosos e puníveis com a pena superior a 5 anos de prisão.

Está preenchido uma das condições do art.º 202.º, do Cód. Processo Penal, mais concretamente a alínea a).

No caso em apreço, considerando o n.º de crimes cometidos em apenas 7 dias e alguns deles praticados na mesma madrugada, as condições pessoais e habitacionais do arguido, e fraca capacidade de por termo à prática delituosa, pois existem fortes indícios do arguido não se abster de continuar com a atividade delituosa contra o património, quando se encontra em liberdade condicional, sem olvidar que, apesar do arguido referir que tem problemas aditivos no que toca ao consumo de cocaína, a verdade é que não existem nos autos prova que indicie suficientemente tal adição, pelo que se conclui que o arguido tem uma personalidade desviante aos ditames do direito e que as penas de prisão a foi submetido não foram suficientes para o afastar da vida do crime.

Ou seja, se o arguido se encontra fortemente indiciado da prática de crimes durante a liberdade condicional, não vai ser uma obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica que o vai demover a sair de casa e praticar crimes, pelo que, a medida requerida pela defesa é insuficiente para as exigências cautelares (continuação da atividade criminosa) em face do sentimento de impunidade com que o arguido atua (que tudo pode fazer e nada lhe acontece).

No espectro das medidas de coação privativas da liberdade, entende-se que apenas da prisão preventiva, para além de legítima, é necessária, adequada e proporcional à pena previsivelmente aplicável ao arguido, porquanto inexistem elementos seguros para garantir a viabilidade técnica da obrigação de permanência na habitação ou se a mesma é adequada à situação familiar do arguido e permite tal medida de coação arredar o arguido do modo de vida em que ingressou após ter sido restituído à liberdade condicional.

Assim, tudo visto e ponderado, apenas a medida de coação de Prisão Preventiva permite garantir de forma bastante, a qual é suscetível de substituição se reunidas as condições técnicas e pessoais para a obrigação de permanência com vigilância eletrónica, caso se venha a comprovar que o arguido tem uma problemática aditiva e se o tratamento em regime de internamento é viável.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 191º, nº 1, 193º, 194º, nº 1 a 3, 195º, 196º, nº 1, 202º, nº 1 al. a) e 204º, n.º1, al. c), todos do Cód. Processo Penal, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de prisão preventiva, além do TIR ora prestado, recolhendo ao estabelecimento prisional.

Notifique, dando cumprimento, para além do mais, ao disposto no art.° 194°, n.° 10, do Código de Processo Penal.

Emitam-se os correspondentes mandados.

Oportunamente, devolva os autos ao Ministério Público.”

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O que está em causa no presente recurso não é propriamente saber se depois do despacho proferido no primeiro interrogatório judicial do recorrente ocorreram, ou não, alterações de facto ou de direito que determinem a mudança do estatuto coactivo do mesmo.

Aliás, segundo a tese defendida pelo arguido, o despacho recorrido mais não deveria ter feito do que concretizar o que já havia sido decidido anteriormente no primeiro interrogatório judicial.

Admite-se que a frase final do despacho proferido aquando do primeiro interrogatório judicial pode dar aso a equívoco: “…a qual é suscetível de substituição se reunidas as condições técnicas e pessoais para a obrigação de permanência com vigilância eletrónica, caso se venha a comprovar que o arguido tem uma problemática aditiva e se o tratamento em regime de internamento é viável”

Ora, há que ter em conta a fundamentação da decisão para melhor se compreender a mesma e o que consta nessa fundamentação não deixa dúvidas de que o que foi decidido foi que o arguido aguardasse o decurso do processo em prisão preventiva, sem mais.

Não se determinou a aplicação da o.p.h.v.e. (seja ela onde for), ficando o arguido em prisão preventiva apenas a aguardar a realização do relatório a que alude o artº 7º, nº 2, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro.

Aliás, nenhum relatório foi solicitado na sequência do despacho proferido no primeiro interrogatório judicial. Tal relatório foi solicitado, sim, na sequência do requerimento apresentado pelo arguido em 19/9/2023.

As seguintes passagens da fundamentação do despacho são bem claras (realce nosso): “Ou seja, se o arguido se encontra fortemente indiciado da prática de crimes durante a liberdade condicional, não vai ser uma obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica que o vai demover a sair de casa e praticar crimes, pelo que, a medida requerida pela defesa é insuficiente para as exigências cautelares (continuação da atividade criminosa) em face do sentimento de impunidade com que o arguido atua (que tudo pode fazer e nada lhe acontece).

No espectro das medidas de coação privativas da liberdade, entende-se que apenas da prisão preventiva, para além de legítima, é necessária, adequada e proporcional à pena previsivelmente aplicável ao arguido, porquanto inexistem elementos seguros para garantir a viabilidade técnica da obrigação de permanência na habitação ou se a mesma é adequada à situação familiar do arguido e permite tal medida de coação arredar o arguido do modo de vida em que ingressou após ter sido restituído à liberdade condicional.

Assim, tudo visto e ponderado, apenas a medida de coação de Prisão Preventiva permite garantir de forma bastante, …”

Assim sendo, não restam quaisquer dúvidas de que a medida que foi aplicada foi a de prisão preventiva (sem sujeição a condições), sendo que a referida “susceptibilidade de modificação” mais não é do que uma generalidade, pois todas as medidas de coacção são susceptíveis de alteração, nos termos do artº 212º, nº 1, al. b), do C.P.P..

E tanto assim é que o despacho recorrido recaiu sobre requerimento do arguido a solicitar a modificação da medida de coacção aplicada e não a concretização do que quer que seja.

As medidas de coacção obedecem ao princípio rebus sic stantibus, isto é, devem permanecer enquanto não ocorreram circunstâncias novas, tal como resulta do artº 212º, nºs 1 e 3 do C.P.P..

Para, eventualmente, se concluir pela alteração da medida de coacção teriam que existir circunstâncias novas relevantes que tal justificassem, sob pena de se estar agora a alterar a decisão inicial.

Não se trata, pois, de apreciar a anterior decisão.

A partir do momento em que há uma decisão transitada em julgado, só a ocorrência de alteração de circunstâncias pode levar a alteração do estatuto do arguido. Tudo em obediência ao princípio rebus sic stantibus.

Ora, como já se referiu, não há qualquer alteração quanto aos factos indiciados (já constantes na acusação proferida em 13/11/2023, dois dias antes do despacho recorrido), nem quanto ao perigo que se referiu no despacho proferido no primeiro interrogatório judicial (continuação da actividade criminosa, tendo em conta, entre o mais, que ocorreram factos no decurso do período de liberdade condicional). Nem o recorrente põe isso em causa.

Por outro lado, é certo que se procederam a algumas diligências com vista a eventualmente ser aplicada a o.p.h.v.e. (no caso seria em instituição com vista ao tratamento do arguido), mas tais diligências foram interrompidas face à informação prestada pela instituição de … de que, afinal, não podia aí receber o arguido.

É certo também que a referida instituição indicou uma outra, mas não foram efectuadas quaisquer outras diligências junto desta nova instituição, estando tal questão fora do âmbito do presente recurso.

Não há, assim, quaisquer novas circunstâncias que possam fundamentar a alteração do estatuto coactivo do arguido, sendo certo, por outro lado, que já em 12/10/2023 havia sido reapreciada a sua situação, mantendo-se a prisão preventiva (embora nesse momento estivessem a decorrer diligências).

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

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Évora, 5 de Março de 2024

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Nuno Garcia

J.F. Moreira das Neves

António Condesso