Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1325/21.7T8BJA.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - No cálculo da indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade parcial permanente – dano biológico – importa seguir o entendimento, que ultimamente vem prevalecendo na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que se extinga no final do período provável de vida, tendo-se sempre presente o princípio da equidade que deverá presidir à fixação do valor em causa.
- Por outro lado, a indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico para que possa, de forma efectiva, satisfazer a finalidade a que se destina.
- Assim, temos como perfeitamente adequada e equilibrada, mostrando-se equitativamente ajustada, face às lesões sofridas pela A. no acidente, a atribuição à lesada de uma indemnização no valor de € 20.000,00 para a Autora, a título de danos não patrimoniais, onde se já inclui o dano biológico.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 1325/21.7T8BJA.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora.

AA intentou a presente acção declarativa comum contra, (…) – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar à A. uma indemnização por responsabilidade civil por acidente automóvel, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais de valor nunca inferior a € 222.360,00, bem como seja ainda a R. condenada ao pagamento de indemnização por responsabilidade civil por facto ilícito a título de danos patrimoniais e não patrimoniais de valor nunca inferior a € 5.000,00.
Alegou para o efeito, em resumo, que sofreu lesões e sequelas físicas, carecidas de tratamento para as mesmas, com sofrimento físico e emocional, acrescido da perda de bens materiais, tudo em consequência de um acidente de viação ocorrido na A..., no dia ../../2018, o qual foi provocado por um veículo automóvel segurado na R.
Devidamente citada para a acção veio a R. contestar, impugnando a extensão dos danos invocados pela A. e, ainda, negando a quantificação económica em que a A. valoriza tais danos.
De seguida, foi proferido despacho saneador e fixou-se o objecto do litígio e os temas de prova.
Oportunamente veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida a respectiva sentença pelo M.mo Juiz a quo, na qual julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 1.100,00, a título de danos patrimoniais e também a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, absolvendo a R. do demais peticionado.

Inconformada com tal decisão dela apelou a A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. A Recorrente deslocou-se às urgências hospitalares a ../../2018, 3 (três) dias após a ocorrência do acidente de que foi vítima e, ainda, a 7 de janeiro de 2019, por não sentir melhorias.
II. O relatório de urgência junto com a Petição Inicial como Doc. n.º 4 descreve todos os acontecimentos vividos pela Recorrente nas duas idas ao hospital.
III. Do mesmo é possível constatar ter ocorrido um “traumatismo de desaceleração por choque de carro e por trás”.
IV. As imagens do estado em que ficou o veículo da Recorrente, em resultado do acidente de viação, demonstram a violência do mesmo.
V. Forçoso é concluir que o choque violento sofrido pela Recorrente se revela mais do que suficiente para danificar a sua dentição e, consequentemente, para lhe provocar um dano estético.
VI. Ao considerar o douto Tribunal que a Recorrente, em decorrência do acidente, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica num grau de 2 pontos, o que equivale a dizer que a Recorrente ficou com reduzida capacidade de trabalho para a sua atividade profissional, em consequência do sinistro.
VII. Ao assumir o primeiro facto como provado e o segundo como não provado, a douta sentença incorreu numa clara contradição.
VIII. Sendo ainda facto provado que a Recorrente sofreu inúmeras lesões em decorrência do acidente, e que as mesmas assentam essencialmente na região cervical e lombar, tendo até sido diagnosticada uma lombalgia pós-traumática, forçoso é concluir que tais condições fisiológicas só encontrariam melhorias através do recurso a determinados tratamentos, como é o caso da fisioterapia.
IX. Dada a proximidade temporal existente entre a data do sinistro e os dias em que a Recorrente se dirigiu ao hospital, não restam dúvidas de que a Recorrente só realizou sessões fisioterapêuticas pelos danos que sofreu em decorrência do acidente.
X. Em virtude das lesões dentárias e bocais sofridas pela Recorrente na sequência do sinistro, a mesma foi sujeita a uma limpeza e exodontia de algumas peças dentárias, as quais tiveram o custo total de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros).
XI. Ademais, a Recorrente suportou o custo médio de € 25,00 (vinte e cinco euros) por cada sessão de fisioterapia. Considerando os dois recibos juntos com a Petição Inicial como Doc. n.º 19, computa-se o valor de € 50,00 (cinquenta euros).
XII. Considerando os € 1.100,00 (mil e cem euros) no qual a Ré foi condenada, deverá ainda suportar as referidas despesas tidas pela Recorrente, condenando-se a Ré a pagar à Recorrente o valor de € 1.405,00 (mil e quatrocentos e cinco euros), a título de danos patrimoniais.
XIII. No que diz respeito a danos não patrimoniais, o douto Tribunal teve em consideração a idade da Recorrente, o respetivo grau de incapacidade e um valor de remuneração, de acordo com os critérios previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, com as alterações da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, mais concretamente com o Anexo IV.
XIV. O dano biológico em si considerado abrange uma série de prejuízos resultantes do sinistro, entre os quais: a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da atividade profissional habitual, a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de outras atividades ou tarefas de cariz económico, o esforçou ou incremento nessas mesmas atividades ou tarefas, entre outros.
XV. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, com as alterações da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, encontra-se completamente desatualizada e desajustada aos dias de hoje.
XVI. Apesar de ser ponto de referência junto dos nossos tribunais em casos semelhantes, não se encontram os mesmos vinculados aos critérios previstos na referida Portaria, devendo existir uma maior reflexão quanto à sua aplicação, visto que decorreram mais de 14 anos desde a última vez em que foi alvo de alterações!
XVII. O dano biológico não pode ser indemnizado tendo em conta tabelas financeiras rígidas, desajustadas à realidade, conduzindo assim a soluções injustas, colocando em causa o próprio princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deverá seguir- se sim um critério de equidade, procurando obter uma solução equilibrada e justa, de acordo com as exigências do caso concreto, nos termos dos n.ºs e 1 e 4 do artigo 496.º do Código Civil.
XIX. Existe um conjunto de fatores que deve sim ser valorado para aferir um quantum justo, desde logo: à esperança média de vida da Recorrente, à data do acidente – 83,6 anos; ao grau de incapacidade permanente com que ficou – 2 pontos; à sua atividade profissional – tosquiadora de cães e de gatos.
XX. A Recorrente ainda hoje não recuperou totalmente do acidente que sofreu, estando condicionada na execução das mais simples tarefas no seu dia-a-dia.
XXI. É com enorme esforço que a Recorrente desempenha a sua atividade profissional, não conseguindo efetuar as tosquias com o ritmo que detinha anteriormente ao acidente.
XXII. A reduzida capacidade da Recorrente compromete a sua progressão de carreira.
XXIII. Ponderadas todas as circunstâncias, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) revela-se completamente inadequada.
XXIV. Termos em que se requer a V. Ex.ªs:
a) Seja considerado procedente o recurso por legal e tempestivo;
b) Seja, a final, considerado provado e procedente o recurso, revogando-se parcialmente a douta sentença, condenando a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 1.405,00 (mil e quatrocentos e cinco euros) a título de danos patrimoniais e no valor de € 222.360,00 (duzentos e vinte e dois mil trezentos e sessenta euros) a título de danos não patrimoniais.
XXV. Assim farão, Ex.mos Juízes Desembargadores, a costumada Justiça.
Pela R. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos – cfr. artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela A., aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se as indemnizações que lhe foram fixadas – a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (incluindo-se nestes o dano biológico) – deverão ser aumentadas para o montante de € 1.405,00 e de € 222.360,00, respectivamente.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo, a qual, de imediato, passamos a transcrever:
1. No dia ../../2018, quando a Autora conduzia o veículo de matrícula ..-..-ME, na A..., na direção sul, sofreu uma pancada traseira pelo veículo com a matrícula ..-PZ-.., ao Km ....
2. A responsabilidade civil emergente de acidentes causados pelo veículo automóvel com a matrícula ..-PZ-.. encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Ré a coberto da apólice n º ...51.
3. A Ré assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro supra descrito.
4. A Autora perdeu os sentidos no embate e foi acordada mais tarde pelo INEM após ter sido desencarcerada do veículo e colocada na ambulância, tendo aí acordado sentada.
5. A Autora, em choque após o acidente, não sentindo dores relevantes no momento, não pretendeu ter observação médica hospitalar e foi para casa.
6. Em consequência do acidente, ficaram danificados/inutilizáveis, bens da Autora que eram transportados no carro, como a respetiva roupa, um relógio, um telemóvel e um computador portátil.
7. Em ../../2018, pelas 12h13m, referindo queixas de cefaleia, dor cervical, na grelha costal à direita e no tornozelo esquerdo, a Autora recorreu ao serviço de urgência do Hospital ....
8. Nessa ocasião a Autora apresentava-se consciente, colaborante e orientada, com pele corada, mucosas hidratadas, pupilas iso/iso, reflexos mantidos, oculomotricidade preservada e dor à palpação da grelha costal à esquerda e dor à mobilização do pé esquerdo.
9. Nessa ocasião, a Autora realizou TC-CE que revelou «ausência de alterações ao nível intracraniano, nomeadamente que possamos relacionar com o acidente referido na informação clínica. Cisternas permeáveis. Sistema ventricular com calibre e morfologia dentro dos parâmetros da normalidade. Ausência de desvios das estruturas da linha média. Não se observam soluções de continuidade óssea no estudo em janela de osso».
10. Nessa ocasião, a Autora realizou radiografias à coluna, tórax e tornozelo sem evidência de fraturas.
11. Nessa ocasião, a Autora realizou ainda TC cervical que revelou «aparente integridade morfo-estrutural das peças esqueléticas do ráquis cervical, não se identificando traços de fratura transomáticos ou dos arcos vertebrais posteriores que mantêm a normal relação anatómica entre si na posição de estudo. Ausência de significativas alterações da configuração dos discos intersomáticos cervicais ou dos foramina intervertebrais. Canal raquidiano central de dimensões habituais. Está conservado o alinhamento dos muros corpóreos posteriores».
12. A Autora teve alta em 27 de dezembro de 2018, pelas 11h54m, medicada com analgésicos e colar cervical em vigilância domiciliária até ser reavaliada por médico assistente.
13. Em 07 de janeiro de 2019, pelas 14h15m, referindo queixas de dor lombar à direita com três dias de evolução e incapacidade de deambular, a Autora recorreu ao serviço de urgência do Hospital ....
14. Nessa ocasião, a Autora apresentava-se estável, com dor na região lombar à mobilização da perna direita.
15. Nessa ocasião, a Autora realizou radiografia da coluna lombar, sem linha de fratura.
16. A Autora teve alta no mesmo dia, pelas 20h47m, medicada e com indicação para vigilância no médico de família.
17. Em 26 de julho de 2019, a Autora apresentou-se na Unidade de Saúde ..., tendo sido produzido o seguinte relatório médico: «utente afirma que se encontra com queixas a terem sido desencadeadas e agravadas na sequência de acidente de viação de ../../2018. Afirma que na sequência do mesmo acidente teve lesões orais com perda de peças dentárias e com dificuldades subsequente nas atividades de vida diária, por este motivo. Tem indicação médica para avaliação através de seguradora para avaliação e orientação destas situações».
18. Em 11 de setembro de 2019, a Autora apresentou-se na (…) – Clínica Dentária, e realizou limpeza e exodontia das unidades dentárias 41, 32, 35, 25 e 45, devido a extrema mobilidade dentária.
19. Os tratamentos aludidos no ponto anterior custaram o valor total de € 255,00.
20. Na ocasião aludida no ponto 18, mais foi elaborado à Autora um orçamento para continuação do tratamento com exodontia e próteses, no valor total de € 795,00.
21. A Autora recorre a tratamentos de fisioterapia, com o valor médio de € 25,00 por sessão.
22. Nos dois meses que se seguiram ao acidente, a Ré não prestou acompanhamento clínico à Autora.
23. Em consequência do acidente supra descrito a Autora sofreu dor de cabeça, cervical, na grelha costal à direita e no tornozelo esquerdo.
24. Em consequência do acidente supra descrito a Autora sofreu traumatismo lombar.
25. As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente supra descrito consolidaram-se em 31 de janeiro de 2019.
26. As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente supra descrito determinaram:
26.1 Um período de défice funcional temporário total, de 4 dias;
26.2 Um período de défice funcional temporário parcial, de 26 dias;
26.3 Uma repercussão temporária na atividade profissional total, de 30 dias;
26.4 Um quantum doloris, num grau de 2/7;
26.5 Um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, num grau de 2 pontos.
27. A Autora nasceu em ../../1972.
28. A Autora é tosquiadora de cães.
29. O preço médio de cada tosquia oscila entre € 25,00 e € 30,00.
30. À data do acidente a Autora exercia a sua atividade diretamente junto de particulares.
31. A Autora, em datas não concretamente apuradas, pelo início de 2019, prestou serviços junto da Medicina Veterinária de ..., a título experimental, cerca de quatro/cinco tosquias, auferindo cerca de € 100,00.
32. A Autora presta serviços junto da clínica A..., Lda., desde agosto de 2020, tendo auferido, até maio de 2022, o montante de € 9.986,26.
33. Desde cerca de setembro de 2022, a Autora não presta serviços junto da clínica A..., Lda., por motivo de baixa para cirurgia.
34. A Autora declarou junto da Autoridade Tributária, relativamente ao ano de 2020, rendimentos no montante de € 4.212,40.
35. A Autora declarou junto da Autoridade Tribuária, relativamente ao ano de 2021, rendimentos no montante de € 6.662,60.
36. A Autora foi ajudada, no período após o acidente, quer doméstica quer financeiramente, por amigos.
37. A Autora remeteu à Autoridade de Supervisão de Seguros, a missiva postal datada de 06 de abril de 2020, junta aos autos a folhas 95, aqui dada por integralmente reproduzida, reportando queixas na atuação da Ré.
38. A Autora remeteu à Ré, a missiva postal datada de 16 de abril de 2020, junta aos autos a folhas 99, aqui dada por integralmente reproduzida, comunicando, entre o mais, o seguinte: «(…) a presente missiva vem no seguimento de inúmeras tentativas infrutíferas de contacto efetuadas pela nossa constituinte com a vossa entidade com o propósito de resolver o diferendo surgido em razão do sinistro com a referência supra mencionada. Será, porém, na eventualidade de não se avançar com uma proposta no seguimento da presente interpelação, a última tentativa de resolução antes do recurso à via judicial para o efeito, conforme V. Ex.ªs certamente compreenderão. Conforme é consabido e consta da extensa documentação a que V. Exªs possuem já acesso, no dia ../../2018, quando seguia na autoestrada A... no sentido Norte-Sul, a viatura em que seguia a nossa constituinte foi autenticamente abalroada por viatura segurada pela vossa companhia. Na sequência dessa ocorrência, o veículo automóvel em que seguia a nossa constituinte ficou completamente destruído, havendo ainda a lamentar os graves danos corporais sofridos pela mesma, a qual permaneceu encarcerada no interior da carcaça da viatura durante largo período e teve de ser submetida a tratamento hospitalar sucessivo e recorrente. Ora, conforme consta da documentação a que V. Exªs têm acesso – sendo que permanecemos ao vosso inteiro dispor para facultar documento, dado ou informação adicional que entendam útil ou pertinente – a nossa constituinte suportou danos corporais graves e muito relevantes, dos quais resultaram, direta e indiretamente, prejuízos para a sua vida pessoal e profissional, com impacto, designadamente na sua capacidade para gerar rendimentos, bem como na capacidade de inter-relacionamento e afetação negativa da sua autoestima. Ora, a nossa constituinte pretende ser ressarcida por todos esses danos e perdas, estando na disposição de recorrer à via judicial se necessário for. O que esperamos, todavia, seja possível evitar com o estabelecimento deste contacto, no qual se pretende sensibilizar a vossa entidade ao cumprimento das vossas obrigações contratuais e legais. Destarte, antes de ser instaurado qualquer procedimento judicial tendo em vista a vossa responsabilização, vimos convidar V. Exªs a, no prazo de 10 (dez) dias, apresentarem proposta de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais (corporais e psicológicos) sofridos pela nossa constituinte em razão do sinistro sub judice, sem o que será, se imediato, e sem mais diligências de pré-aviso, instaurado no tribunal competente ação judicial para o efeito, à qual acrescerão naturalmente os encargos legais (e.g., custas judiciais e juros moratórios vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento), sendo certo também que os valores a peticionar serão certamente muito superiores aos que, por via de um acordo extrajudicial, a nossa constituinte se encontra ainda na disposição de considerar».
39. A Ré remeteu à Autora, a missiva postal datada de 23 de abril de 2020, junta aos autos a folhas 101, aqui dada por integralmente reproduzida, comunicando, entre o mais, o seguinte: «Temos presente a exposição apresentada junto da ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões a 6 de abril de 2020, manifestando desagrado com a forma de regularização do processo relativo ao acidente de ../../2018. Antecipadamente lamentamos algum aspeto menos positivo eventualmente ocorrido na regularização do presente processo, bem como no atendimento relacionado com o mesmo. Pagámos danos materiais após acordo pelo que nada podemos acrescentar. Na sua exposição refere desagrado com a forma de regularização dos danos na sua viatura e no vestuário. Contudo, verificando-se que pagámos os mesmos após acordo obtido junto de si, nada temos a acrescentar no que diz respeito aos mesmos. Necessitamos de relatório médico das lesões e informação sobre necessidade de acompanhamento, para análise. Informamos que de acordo com Auto de Ocorrência elaborado pelas autoridades, os seus ferimentos seriam ligeiros. Ainda assim, na sequência de averiguação, foram realizadas tentativas de contacto na sua morada, tendo sido deixado documento com contactos do averiguador na sua habitação com os contactos do mesmo, não tendo existido qualquer contacto. Face ao parecer do nosso corpo clínico, relativamente às queixas que indica, como resultantes do acidente, necessitamos de relatório médico das lesões e informação sobre necessidade de acompanhamento, para análise, conforme anteriormente solicitamos. Não pagamos tratamento dentário pois não está relacionado com o acidente. No que diz respeito ao tratamento dentário, analisado o episódio de urgência, não existe qualquer menção a lesão na boca, pelo que também solicitámos historial clínico do seu dentista, não tendo o nosso corpo clínico encontrado relação do mesmo com o acidente, pelo que não poderemos atender ao solicitado».
40. A remuneração média nacional em dezembro/2018 era de € 970,40.

Apreciando, de imediato, a questão recursiva suscitada pela A., ora apelante – saber se as indemnizações que lhe foram fixadas – a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (incluindo-se nestes o dano biológico) – deverão ser aumentadas para o montante de € 1.405,00 e de € 222.360,00, respectivamente – importa dizer a tal respeito que a recorrente pretende, relativamente aos danos patrimoniais, que aí sejam contabilizadas, também, as despesas que teve em tratamentos dentários (€ 255,00) e em duas sessões de fisioterapia (€ 50,00), despesas essas que, conforme alegou, tiveram na sua base o acidente dos autos e, quanto aos danos não patrimoniais, entende que face à gravidade das lesões, ao défice funcional atribuído, à sua idade e à actividade profissional por si desenvolvida, foram os mesmos fixados num valor que peca por defeito e que, por isso, deverá ser aumentado para o montante por si peticionado (€ 222.360,00).
Ora, no que tange aos danos patrimoniais, apenas se dirá que a A. não impugnou a factualidade dada como provada e não provada nos presentes autos, nos termos previstos no artigo 640.º do C.P.C., pelo que temos por assente tal factualidade.
Assim, e não obstante se tenha apurado que: “em 26 de julho de 2019, a Autora apresentou-se na Unidade de Saúde ..., tendo sido produzido o seguinte relatório médico: «utente afirma que se encontra com queixas a terem sido desencadeadas e agravadas na sequência de acidente de viação de ../../2018. Afirma que na sequência do mesmo acidente teve lesões orais com perda de peças dentárias” (cfr. ponto 17 dos factos provados), a verdade é que as lesões orais aí mencionadas tiveram na sua base, tão só, as declarações que foram prestadas ao médico por parte da A., não tendo sido verificadas, in loco, por especialista em medicina dentária.
Além disso, da análise dos factos dados como não provados consta, expressamente, o seguinte:
d) Que a Autora, em consequência do acidente supra aludido, haja sofrido lesões na sua boca e dentição.
g) Que os serviços de fisioterapia a que recorre a Autora sejam consequência do acidente supra aludido.
Deste modo, forçoso é concluir que não podia ter sido incluída na indemnização à A., a título de danos patrimoniais, os valores por ela despendidos, quer em tratamentos dentários (€ 255,00), quer em sessões de fisioterapia (€ 50,00), pelo que, nessa parte, se mantém a decisão sob censura.

Por outro lado, no que respeita aos danos não patrimoniais – aí se englobando, também, o chamado dano biológico – importa frisar que, como vimos supra, a A. não impugnou a factualidade dada como provada e não provada constante da sentença recorrida, nos termos previstos no artigo 640.º do C.P.C., pelo que tal factualidade está assente de forma definitiva.
E, analisando os factos dados como não provados, consta dos mesmos o seguinte:
b) Que a Autora, em consequência do acidente supra aludido, haja sofrido dano estético.
f) Que a Autora, em consequência do acidente supra aludido, haja ficado com reduzida capacidade de trabalho para a sua atividade profissional.
No entanto, apurou-se que as lesões sofridas pela A. em consequência do acidente supra descrito determinaram, nomeadamente:
- Uma repercussão temporária na actividade profissional total, de 30 dias;
- Um quantum doloris, num grau de 2/7;
- Um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, num grau de 2 pontos (cfr. ponto 26 dos factos provados).
Além disso – conforme resulta do teor da 1ª perícia médica efectuada à A. – as sequelas do acidente em causa, embora sejam compatíveis com o exercício da sua actividade profissional (tosquiadora de cães e gatos), implicam esforços suplementares aos que habitualmente lhe eram exigidos.
Ora, quanto ao dano biológico, importa ter presente que a nossa lei não contém regras precisas com vista à sua fixação, pelo que tais danos devem calcular-se com recurso à equidade, segundo critérios de verosimilhança e de probabilidade, de acordo com o que é normal acontecer, segundo o curso normal das coisas.
O que se exige é uma comparação entre duas situações patrimoniais presentes, uma real e outra hipotética, que impõe considerar eventuais evoluções hipotéticas do património do lesado, se não tivesse ocorrido a lesão, critério que sempre terá de ser completado por sãos juízos de equidade – artigo 566.º, nºs 2 e 3, do Código Civil.
Na valoração desse dano deve ter-se em conta todos os prejuízos que ocorrerão, com grande probabilidade, incluindo os relacionados com as dificuldades de ingresso (ou de progressão) na carreira profissional e os resultantes da vida quotidiana.
O lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade parcial permanente.
Apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade permanente parcial, dano cujo valor deve ser apreciado equitativamente (cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 11-2-99, BMJ. 484, pág. 352, o Ac. do S.T.J. de 17-11-05, C.J., Tomo 3º, pág. 127 e o recente Ac. do STJ de 22/6/2017, disponível in www.dgsi.pt).
Ora, o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos em 100, de que a A. ficou afectada produz, afinal, um dano para o resto da sua vida, que se traduz, “in casu”, na A. ter ficado a padecer das sequelas descritas nos pontos 23 a 26 dos factos provados, sendo que a indemnização de tais danos tem por objectivo compensar as limitações funcionais, decorrentes do exercício de todas as actividades da vida profissional e quotidiana da A. (sendo que, tendo a A. 46 anos de idade à data do acidente, tem ainda pela frente cerca de 20 anos do exercício da sua actividade profissional e 36 anos de esperança média de vida).
A este propósito pode ver-se, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 9/11/2006, in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- Atentemos agora no critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de incapacidade permanente.
O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564.º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil).
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros - sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes - desde que previsíveis.
No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564.º, n.º 2, 2ª parte, do Código Civil).
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).
A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
No primeiro caso, procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Têm sido utilizadas, para o efeito, pela jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme.
Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida.
Acresce que não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com a ampla utilização de juízos de equidade.
A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
Apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo, no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.

No caso dos autos – e no que tange ao cálculo do quantum indemnizatório devido à A. por virtude da incapacidade permanente de que ficou afectada – haverá que frisar, desde já, que é entendimento pacífico na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que a Portaria 377/2008, de 26/5 (respeitante aos critérios e às fórmulas plasmadas para a fixação da indemnização devida pelo dano corporal), apenas tem aplicação para dirimir litígios extrajudiciais, o que, manifestamente, não se verifica no caso em apreço.
Nesse sentido, veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 7/7/2009, disponível in www.dgsi.pt, no qual é afirmado o seguinte:
- No que diz respeito à indemnização devida pelo dano (morte), a Portaria 377/2008, de 26-05, tem um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não derroga Lei ou DL, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais – como o caso dos autos – é, apenas, o definido no Código Civil.
Assim, atentas as razões e fundamentos supra explanados – e tendo em conta a factualidade relevante apurada nos presentes autos, nomeadamente as diversas lesões sofridas pela A. e as sequelas daí resultantes (cfr. pontos 7 a 17 e 23 a 26 dos factos provados) – haverá que considerar que aquela, à data do acidente, tinha 46 anos de idade (cfr. ponto 27 dos factos provados), sendo a esperança média de vida para os homens e mulheres em Portugal de cerca de 80 e 82 anos de idade, respectivamente, e, como consequência do acidente, sobreveio para a A. um Défice Funcional Permanente de 2 pontos em 100.
Ora, as sequelas de que a A. ficou a padecer repercutem-se e vão implicar esforços suplementares no domínio da sua vida profissional e quotidiana (conforme é afirmado no relatório da 1ª perícia médica realizada à A. e, aliás, é um dado da experiência de vida …), sendo, por isso, perfeitamente justa e equilibrada, a atribuição de uma indemnização, na vertente do dano biológico.
Por outro lado – no que tange aos danos não patrimoniais propriamente ditos - haverá que referir a tal propósito que a obrigação de indemnização decorre, neste âmbito, do estipulado no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, o qual estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso dos autos é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pela A., merecem ser indemnizados, estando apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Ora, estabelece o n.º 3 do citado artigo 496.º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida» – cfr. Código Civil Anotado, vol. I., 3ª ed., pág. 474.
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias mencionadas no artigo 494.º” – cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 14/9/2010, também disponível in www.dgsi.pt.
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» – cfr. Ac. do STJ de 3/2/2011, também disponível in www.dgsi.pt.
Na verdade, como em todas as coisas, na fixação de tais danos, deve imperar o bom senso, sem perder de vista os dados objectivos em que se apoia o juízo de equidade, como sejam a gravidade objectiva das lesões e sua extensão, o tempo de recuperação das mesmas e eventuais sequelas, os sinais externos de sofrimento, etc..
Daí que é entendimento actual e maioritário na jurisprudência que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar, pelo que não pode, de todo em todo, ser meramente simbólica ou miserabilista – cfr., nesse sentido, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 16/12/93 e de 8/6/99, in CJSTJ, Ano I, Tomo 3º, pág. 183 e BMJ 488, pág. 323, respectivamente e ainda o Ac. do STJ de 19/4/2012, disponível in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido jurisprudencial podem ver-se ainda os Acórdãos do STJ de 27/1/2005, 8/3/2005 e 3/3/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt, onde foram fixados valores de € 100.00,00 e € 150.000,00 para tais danos.
Também em acórdão recente, datado de 15/6/2023, proferido no Proc. n.º 2190/17.4T8FAR.E1 – em que o relator foi o mesmo deste aresto – veio a ser fixado ao lesado uma indemnização por danos não patrimoniais (onde se incluía o dano biológico) no valor de € 85.000,00, tendo o mesmo 18 anos na altura do acidente, sujeito a internamento hospitalar cerca de 3 meses e com a cura das lesões a demorarem cerca de 6 meses, tendo ficado com um défice funcional permanente de 9,80 pontos em 100 e sendo fixado o grau de quantum doloris em 5 pontos numa escala crescente de 1 a 7.
Voltando agora ao caso em apreço (e a propósito dos referidos danos não patrimoniais), constata-se que ficou apurado nos autos que estamos na presença de um acidente que provocou várias lesões no corpo da A., determinando-lhe sofrimento e algumas limitações que ainda hoje perduram e que vão acompanhá-la para o resto da sua vida – cfr. pontos 7 a 17 e 23 a 26 dos factos provados.
Por isso, tendo em conta a idade da A. quando do acidente em causa (46 anos), a natureza e as várias lesões por ela sofridas – que, todavia, não necessitaram de intervenções cirúrgicas – o período de tempo que as lesões demoraram a curar (cerca de um mês) e os tratamentos a que teve de se submeter, as sequelas com que ficou (um défice funcional permanente de 2 pontos em 100) e a sua repercussão na sua vida quotidiana, as quais, embora sejam compatíveis com o exercício da sua actividade profissional (tosquiadora de cães e gatos), implicam esforços suplementares aos que habitualmente lhe eram exigidos, o grau de quantum doloris da A. fixado em 2 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se à medida que a sua idade for avançando, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na R., sem qualquer parcela de responsabilidade por parte da viatura automóvel conduzida pela A., temos amplamente por justificada e equitativa uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, sendo que a indemnização atribuída irá minorar todo o sofrimento por que a A. passou e, muito embora clinicamente possa estar já curada, irá sofrer a A., pelo resto da vida fora, de dores e desconfortos vários pelas sequelas das lesões sofridas (é um dado da experiência…).
Nestes termos, face aos danos sofridos pela A., sendo certo que os não patrimoniais são, com frequência, mais difíceis de suportar do que os danos patrimoniais – in casu alguns nunca se irão extinguir, pois sempre estarão presentes durante a vida da A. – ponderando-se ainda que uma indemnização para ser justa tem que ser significativa, mas sem se cair nos exageros do sistema anglo-saxónico, entendemos que o montante indemnizatório de € 10.000,00 fixado à A. pelo tribunal a quo (sendo € 5.000,00 pela incapacidade permanente e outros € 5.000,00 pelos demais prejuízos morais), peca por defeito e, por via disso, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, aumentando-se tal montante para o valor € 20.000,00 quanto à A., a título de danos não patrimoniais (onde já se inclui o dano biológico, o qual se fixa em € 10.000,00), quantia essa que é actualizada na data da presente decisão, conforme jurisprudência assente (cfr. AUJ n.º 4/2002, de 9/5/2002, in D.R., Série I-A, de 27/6/2002), à qual acrescem juros de mora, desde o dia seguinte à data da prolação deste aresto até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis.
***

Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: (…)

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela A. e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, fixando-se à A. uma indemnização no valor de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais por ela sofridos, aí se incluindo já o dano biológico (o qual se fixa em € 10.000,00), em tudo o mais se mantendo a decisão sob censura.
Custas pela A./apelante e pela R./apelada, em ambas as instâncias, na proporção do respectivo vencimento.
Évora, 07 de Março de 2024
Rui Machado e Moura
Francisco Matos
Isabel Imaginário

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, págs. 286 e 299).