Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
55498/18.0YIPRT.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
COMISSÃO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A lei não exige que a celebração do negócio objecto do contrato de mediação resulte exclusivamente da actuação do mediador, bastando-se com a demonstração de que a actuação do mediador foi determinante para a concretização da venda, que foram as suas diligências que serviram para aproximar os interessados e que o seu trabalho influiu na conclusão do mesmo.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 55498/18.0YIPRT.E1 (2ª Secção Cível)





ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
No Tribunal Judicial da Comarca de Évora (Juízo Local Cível de Évora – Juiz 2), “(…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, demanda (…) e (…), em ação especial destinada ao cumprimento de obrigações pecuniárias, com origem em requerimento de injunção, pedindo que os mesmos fossem condenados no pagamento de € 8.917,50, a título de comissão pelos serviços de mediação imobiliária realizados pela Autora, aos Réus, na venda do seu imóvel, conforme fora acordado em contrato escrito celebrado entre as partes.
Os requeridos deduziram oposição alegando, em síntese, que a requerente não conseguiu comprador para a sua casa, dentro do período de vigência do contrato, pelo preço convencionado pelas partes no contrato de mediação; o comprador da casa não visitou o imóvel durante o período de vigência do contrato, muito menos por intermédio da autora, só o visitou posteriormente, através das diligências encetadas pelo seu sogro, amigo do pai da ré.
Foi realizada audiência final no seguimento da qual veio a ser proferida sentença, em que se decidiu julgar procedente a ação e, em consequência condenar os réus a pagar à autora a quantia de € 8.917,50.
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Não se conformando com a decisão foi interposto pelos réus o presente recurso de apelação pelo qual pretendem a revogação da decisão, terminando as suas alegações por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. A douta sentença “a quo" violou grosseiramente o disposto no artº 19º da Lei 15/2013 (para a qual se remete a cláusula 5º do contrato de mediação imobiliária) ao sentenciar os Réus no pagamento de uma remuneração/comissão à Autora quando tal no caso sub judice não se pode exigir de acordo com o prescrito no referido artigo da referida lei pois não se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigidos.
2. A douta sentença" a quo" cometeu ainda um erro de julgamento ao não dar como provados os factos que com base nos documentos juntos e nos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento impunham decisão diferente, nomeadamente, uma matéria de facto dada como provada e mais extensa.
3. Face aos documentos junto aos autos pelos Réus, Docs. 1 a 6, e aos depoimentos que se transcreveram supra e aqui se dão por reproduzidos verifica-se que houve erro de julgamento, devendo os pontos 4,5,6, 7 e 8 dos factos dados como provados serem alterados por não refletirem na íntegra aquilo que na realidade ficou do depoimento das testemunhas (…) e (…) e dos documentos junto aos autos:
- No facto 4), haveria que ter-se acrescentado que a carta que os Réus endereçaram à Autora a denunciar o contrato ocorreu muito antes da visita do (…) ao imóvel, pelo que a não concretização do negócio não se deveu a qualquer causa que possa ser imputável aos Réus, mas única e simplesmente porque durante a vigência do contrato nenhum resultado foi alcançado nesse sentido, o que desmotivou os Réus em continuarem com o mesmo.
Durante a vigência do contrato, entre 01/04/2017 e 01/10/2017, ninguém mostrou interesse na aquisição do imóvel dentro das condições que os Réus tinham estabelecido com a Autora para a sua concretização;
- No facto 5), não é verdade que tenha ficado provado que visita ao imóvel ocorreu na data de 29/09/2017, antes pelo contrário, veja-se o depoimento do (…) ao minuto 11:57, 12:43, 13:03, e 13: 18, assim como também não é verdade que o mesmo tenha demonstrado interesse no imóvel, o que é corroborado pelo depoimento da testemunha (…). Veja-se o depoimento da testemunha (…) ao minuto 04:55 e 05:55 e da testemunha (…) ao minuto 04:55.
Como também não ficou na matéria dada como provada que o (…) aquando da visita ao imóvel/imóveis, fê-lo na pessoa da (…), na qualidade de Consultora Imobiliária, conhecida e amiga do senhor seu sogro (vide depoimento do … ao minuto 02:21, 02:27 e 02:34) e não enquanto Representante/Colaboradora de uma Agência Imobiliária, muito menos da Agência da ora Autora/Apelada, que não era.
- No facto 6), não é verdade que no início de Outubro tenha havido qualquer contacto direto entre a Ré e (…). Esse contacto ocorreu sim, mas já numa data muito posterior, meados/finais de Outubro, veja-se articulado no artº 8º da oposição assim como o depoimento da testemunha (…) ao minuto 20:21, 20:24, 20:28, 20:41, 20:52 e 20:53.
Veja-se também o articulado no artº 10º da oposição em que os Réus aclaram que as negociações propriamente ditas só começaram em Novembro de 2017, depois do (…) e a sua companheira aferirem junto da instituição bancária se teriam capacidade para contrair o empréstimo ou não para aquisição do imóvel (vide depoimento da testemunha … ao minuto 21:58 e o documento nº 5 junto aos autos pelos Réus).
Tudo isto ocorre já numa data e numa fase muito posterior à cessação do contrato de mediação imobiliária, já para não falar que a concretização do negócio propriamente dita, a efetivação do mesmo ocorre 3 meses depois do contrato de mediação imobiliária ter cessado, e 29/12/2017.
A leitura deste facto 6) dado como provado fica muito aquém daquilo que na realidade se passou, originando uma interpretação muito deficitária do mesmo e pouco abonatória para a decisão que veio a ser proferida, a sentença" a quo".
- No facto 7) também a leitura do facto dado como provado é bastante deficitária e parca, como padece inclusive de erro atendendo ao depoimento prestado pela testemunha (…).
Esta "outra moradia" não é de todo o imóvel em questão, tratava-se sim de um imóvel que o (…) visitara, e não na presença da agente (…) como atrás se explana, com também o e-mail que a Agente (…) lhe envia sobre o eventual interesse na casa, não é a casa ora em questão, mas sim uma outra que lhe havia primeiramente mostrado e por si angariada, conforme se aclarou também anteriormente.
- No facto 8) não é verdade que o (…) tenha omitido a intervenção da Autora porque na realidade não houve nenhuma intervenção da Autora aquando este e os Réus entraram em negociações, pois estas ocorreram já na 2ª semana de Novembro de 2017 e culminaram em 29 de Dezembro de 2017, cerca de 3 meses depois de o contrato de mediação ter cessado.
4. Por outro lado é também a matéria dada como provada deficitária face à prova produzida em sede de audiência e o alegado pelas partes nos seus articulados.
5. A forma com foi desvalorizada pela Mma. Juiz os depoimentos prestados pelas testemunhas (…) e (…) que decididamente implicaria uma decisão/sentença em sentido diferente, isto é, não se pode querer sentenciar os Réus com o pagamento de uma remuneração/comissão à Autora quando esta não alcançou a sua obrigação de encontrar um destinatário para o negócio, uma pessoa que se dispusesse a satisfazer as condições que o seu Cliente, ora Réus/Apelantes, tinha estabelecido para sua concretização, nomeadamente, preço, existência contrato promessa, montante do sinal, momento da celebração do contrato visado. Nada disso foi alcançado e o depoimento destas duas testemunhas é a prova provada disso.
6. Nunca em tempo algum o imóvel em questão foi a prioridade, a preferência do (…), conforme ficou demonstrado no seu depoimento que atrás se transcreveu.
7. Essa decisão já foi equacionada muito posteriormente à data da cessação do contrato, e foi uma decisão de recurso.
8. Assim como também tal foi entendido e confirmado pela testemunha (…). Através do seu depoimento verifica-se que o imóvel pelo qual o (…) demonstrou interesse tinha sido aquele que ela lhe mostrara primeiramente, aquele por si angariado, aquele que fazia parte da sua carteira de clientes e não o da Autora.
9. Razão pela qual não poderá vingar a tese defendida pela sentença recorrida "de que ainda que o contrato de mediação imobiliária sob análise tivesse sido denunciado com efeitos a partir de 01/10/2017, a celebração do contrato de compra e venda entre os Réus e (…) e (…) do imóvel objeto da mediação foi conseguido graças atividade da mediadora, sujeitando os Réus á obrigação de remunerar a mediador enquanto tal".
10. Ora isso não é verdade, porque quer os Réus, quer o (…) não foram conhecedores uns dos outros ou estabeleceram algum contacto durante a vigência do mesmo, isto porque, convém salientar que o imóvel em questão não era habitação permanente dos Réus, que residiam e residem em Lisboa. Tratava-se de uma 2ª habitação para fins de semanas e férias, convindo também acentuar que todas as visitas que ocorreram ao local, nomeadamente, a do (…) não foram presenciadas pelos Réus, encontrando-se a chave do imóvel, primeiramente junto da Autora e numa segunda fase na posse do pai da Ré. Daí que estes só tinham conhecimento de quem visitava o local através de reporte da Autora, como decorre da consulta dos documentos nº 2 e 3 junto pelos Réus, nunca tendo a visita do (…) sido reportada aos Réus.
11. Como o (…) durante a vigência do contrato nunca demonstrou interesse no imóvel, este imóvel nunca foi o da sua preferência ou pretensão, de tal forma que depois deste visitara outros, conforme decorre do seu depoimento, e aquele que preferira não se concretizou devido a uma situação de suicídio que ocorreu no mesmo, conforme descreve no seu depoimento.
12. O imóvel sub judice já foi um imóvel de recurso, equacionado por este já somente em finais de Outubro, início de Novembro, conforme decorre do seu depoimento, e sob condição, a de a proposta de crédito ser aprovada, conforme doc. nº 5 junto aos autos pelos Réus”.


Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão que importa apreciar prende-se com o erro de julgamento no que respeita à matéria de facto, bem como à solução a dar ao pleito em termos de direito, tendo-se esse erro por verificado.

No tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
1) A Requerente é uma empresa do ramo de atividade de mediação imobiliária, detentora da licença AMl n.º (…), emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do imobiliário e da Construção, LP. (IMPLC, IP).
2) Em 01/04/2017, a autora, como mediadora, celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária, que reduziram a escrito, por via do qual aquela se obrigou a procurar destinatário para a realização de negócio jurídico de compra e venda, pelo preço de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), do prédio de que os réus eram proprietários, prédio esse urbano, sito em Portel, inscrito na matriz sob o art. (…) e descrito na Conservatória do registo predial de Portel sob o número (…)/Portel.
3) No âmbito do contrato referido em 2), foram convencionadas, entre outras, as seguintes cláusulas contratuais:
Cláusula 4.ª (regime de contratação)
1) O segundo contraente contrata a mediadora em regime de exclusividade.
2) Nos termos da legislação aplicável quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência) ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.
- Cláusula 5.ª (remuneração)
1) A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também) nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade) o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.
2) O segundo contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
3) O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura) documento particular ou conclusão do negócio.
- Cláusula 8.ª (prazo de duração do contrato)
O presente contrato tem um validade de seis meses contados a partir da data da sua celebração) renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo) caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente) com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.
4) Em 04/09/2017 a autora recebeu uma carta registada, com aviso de receção, por parte dos Réus, comunicando-lhe a decisão de não renovação do contrato, considerando-se o mesmo extinto em 01/10/2017.
5) Em 29/09/2017, a autora, através da agente (…), apresentou o imóvel referido em 2) a (…), que o visitou no mesmo dia, tendo mostrado interesse no mesmo, apesar de não ter apresentado qualquer proposta.
6) No início de Outubro de 2017, (…) contacta diretamente a Ré, tendo ambos marcado um encontro no Centro Comercial "Dolce Vita Tejo", no dia 12 de Outubro de 2017.
7) Em 27 de Outubro de 2017, após ter sido questionado pela agente (…) sobre o eventual interesse na casa, (…) enviou-lhe um e-mail dizendo que tinham "optado por outra moradia".
8) Por escritura pública celebrada em 29 de Dezembro de 2017, os Réus procederam à venda do imóvel referido em 2), pelo preço de € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros), a (…) e (…), tendo omitido a intervenção da Autora no negócio.
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Conhecendo da questão
Invocam os recorrentes a existência de erro de julgamento da matéria de facto relativamente aos pontos 4, 5, 6, 7 e 8, dos factos que foram considerados provados, pretendendo que os mesmos sejam alterados, por não refletirem na íntegra aquilo que na realidade ficou do depoimento das testemunhas (…) e (…), e dos documentos juntos aos autos.
Como é sabido, a sindicalização da matéria de facto só pode ser exercida pelo Tribunal da Relação nos termos referidos no artº 662º do CPC.
Nos termos do nº 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Porém, para o recorrente poder obter a alteração terá que observar os ónus impostos pelo artº 640º, do mesmo Código, o qual estabelece que:
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” [nº 2, alínea a)].
Este artigo impõe, sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a verificação, sob pena de rejeição, do seguinte:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
A inobservância de algum destes ónus tem como consequência a rejeição imediata do recurso, não sendo admissível despacho de convite ao aperfeiçoamento, como resulta do confronto com o artº 639º do mesmo Código que apenas prevê tal despacho relativamente aos recursos da matéria de direito.
As referidas exigências compreendem-se à luz do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (vide A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª ed.2010, Almedina, 159).
Esta norma impõe rigor e precisão, onerando o recorrente com o dever de especificar os factos e os meios probatórios que, em concreto, questiona, bem como o sentido decisório que devem ter as questões de facto impugnadas.
No caso sob apreciação os recorrentes não deram cumprimento ao disposto no nº 1 alínea c) do artº 640º do CPC, uma vez que não indicaram a decisão que no seu entender deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, embora salientam que “não é verdade” o que se fez constar da matéria que põem em causa, manifestando por essa via o seu inconformismo.
Ora, decorre da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria (cfr. Ac. do STJ de 09/02/2012 no processo 1858/06.5TBMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.)
O Código de Processo Civil vigente mantém em termos praticamente idênticos todos os ónus anteriormente existentes, aditando ainda o de o recorrente dever especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento.
Ora, no caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os recorrentes vêm impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados. Todavia, os recorrentes não cumpriram o ónus que resulta da lei uma vez que não indicaram a decisão que no seu entender deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim, a inobservância por parte dos recorrentes, do que lhes é imposto pela alínea c) do nº 1 do artº 640º do CPC, determina a imediata rejeição do recurso (v. entre outros os Acs. do TRG de 26/3/2015, proc. 82170/12.2YIPRT.G1; do TRC de 08/04/2014, proc. 998/11.3TBSCD-K.C1; do TRP de 28/04/2014, proc. 2134/11.7TBPVZ.P1; do TRL de 13/03/2014, proc. 569/12.7TVLSB.L1.6; e, ainda, os Acs do STJ de 29/01/2014, proc. 813/08.5TBFLG.G1.S1; de 15/09/2011, proc. 455/07.2TBCCH.E1.S1; de 19/02/2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Consequentemente, em obediência ao preceituado no artigo 640º, nº 1, alínea c), do CPC, impõe-se rejeitar o recurso, no que à matéria de facto respeita.
Importa, assim atender à factualidade dada como provada em 1ª instância.

Vejamos, agora, no que concerne à subsunção dos factos dados como provados ao direito aplicável.
Em face da imutabilidade do quadro factual dado como assente, relativamente ao enquadramento jurídico que o Julgador “a quo” deu aos factos, entendemos nenhuma censura haver a fazer à posição por ele perfilhada na decisão impugnada, a qual se mostra especificadamente fundamentada, nela constando tudo o que com interesse se poderia consignar, sendo certo que a impugnação efetuada pelos recorrentes, no que ao direito respeita tem subjacente o deferimento da sua pretensão de modificação da matéria de facto e como tal, a subsunção do direito a esse novo quadro factual, pretensão esta que não foi atendida por este Tribunal Superior.
Diremos que as partes não põem em causa, nos presentes autos, que tenham celebrado entre si um contrato de mediação imobiliária em 01/04/2017, em regime de exclusividade, vigorando pelo período de 6 meses, isto é até 01/10/2017.
Os recorrentes entendem é que a recorrida não tem direito a qualquer remuneração pela venda do imóvel, nomeadamente a que consta da cláusula 5ª do contrato celebrado pelas partes, uma vez que é seu entendimento que a recorrida não cumpriu a sua obrigação de encontrar um destinatário para o negócio. Os recorrentes não reconhecem ao Mediador qualquer direito a uma remuneração, pois apenas obtiveram um potencial destinatário ao negócio o (…) durante a vigência do contrato, tendo este visitado o imóvel, mas não houve por parte deste algum interesse em celebrar o negócio.
O contrato celebrado pelas partes rege-se pela Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro.
Face á matéria que foi considerada provada é inquestionável de que a atividade da autora possibilitou que (…) conhecesse o imóvel e se interessasse pelo mesmo, tendo-o posteriormente comprado diretamente aos recorrentes.
A doutrina e a jurisprudência têm definido o contrato de mediação imobiliária como um contrato de prestação de serviços (artº 1145º do C.C.), mediante o qual o mediador assume uma obrigação de meios, consubstanciada na obrigação de aproximar duas ou mais pessoas, com vista à celebração de um certo negócio, mediante retribuição. Nesse sentido, Menezes Cordeiro, Do Contrato de Mediação, in O Direito, Ano 139, 2007, III, 516 a 545, fez corresponder a noção básica de contrato de mediação nos seguintes termos: “Em sentido amplo, diz-se mediação o ato ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação”. Caracteriza-o também como um “contrato aleatório”, na medida em que só dá direito à retribuição ajustada, se a mediação tiver êxito. Significa isto que, para que o contrato se considere cumprido não basta que o mediador seja diligente na angariação de um interessado no negócio imobiliário. É também necessário que o negócio se concretize com o interessado angariado pelo mediador. Só nessa altura nasce o direito à remuneração.
Esta regra vem definida no artº 19º, nº 1, da Lei 15/2013, de 8/02 ao estabelecer que “A remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”.
Decorre deste preceito, e já era assim no regime anterior (cfr Menezes Cordeiro, acima citado e Lacerda Barata, in Contrato de Mediação I, pág. 203” e Ac. do STJ de 18/03/97, in C.J. vol.V, pág. 158) que, para haver direito à remuneração, é necessário que haja uma relação causal entre a atuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato (cfr. Acs. do STJ de 15/11/2007 e de 03/04/2008, no proc. 07B3569 e 07B4498, respetivamente, in www.dgsi.pt).
Analisados os autos e a factualidade dada como provada, resulta claro que a autora cumpriu os ónus que sobre si impendia ou seja, alegou e provou os factos suficientes e necessários à demonstração do direito que invocava e que basicamente consistia em demonstrar que, em cumprimento do contrato de mediação, foi a A. que angariou o cliente, com quem os recorrentes vieram a concretizar o negócio, foi ela que fez diligências de promoção do prédio junto do interessado, designadamente mostrando-o e acompanhando o interessado na visita.
Os compradores não surgem como uma entidade estranha ao ato de mediação, nem o negócio objeto da mediação está desligado do mesmo.
A lei não exige que a celebração do negócio objeto do contrato de mediação resulte exclusivamente da atuação do mediador, basta-se com a demonstração de que a atuação da mediadora foi determinante para a concretização da venda, que foram as suas diligências que serviram para aproximar os interessados e que o seu trabalho influiu na conclusão do mesmo (cfr. Ac. R P de 20/09/2001, proc.0131169; Ac. RL de 24/03/2009, proc.3006/07.5TBOER.L1-7 e Ac. do TRC. De 03/02/2015, proc.1399/11.9TBCLD.C1 in www.dgsi.pt), ainda que posteriormente as negociações se tenham desenrolado apenas entre os recorrentes e os compradores, dúvida não restam de que foi a autora que deu a conhecer o imóvel ao comprador (…).
Como já referimos, entendemos que a sentença recorrida fez uma correta aplicação do direito aos factos provados, não merecendo reparo, sendo, por isso de confirmar e, em consequência, irrelevam as conclusões formuladas pelos recorrentes.
No que respeita às custas do recurso tendo os apelantes ficado vencidos, caberia responsabilizá-los pelo seu pagamento, na vertente de custas de parte. Mas como não foram apresentadas contra alegações e, por isso, não houve dispêndios por parte da recorrida, não há que proceder à condenação dos apelantes, nessa vertente.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Não são devidas custas.
Évora, 11 de Julho de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes