Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2650/16.4T8PTM.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
FACTOS RELEVANTES
MEIOS DE PROVA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – A consideração pelo Tribunal de meios de meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou o não atendimento de meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes, não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.
II - A não indicação pelo recorrente nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, determina a imediata rejeição do recurso, pois constituindo aquela indicação um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugadamente com o artigo 640º, nº 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente, o preceituado no nº1 do artigo 639º, todos do CPC.
III - O prazo de um ano de duração da medida de apoio junto de outro familiar previsto no nº 2 do artigo 60º da LPCJP, o qual em sede de revisão da medida pode ser prorrogado até 18 meses, nos termos do artigo 62º, nº 3, alínea c), da LPCJP, é um prazo unitário, ao qual não acresce o prazo de seis meses de duração de uma medida provisória aplicada anteriormente (artigo 37º, nº 3, da LPCJP).
IV – Resultando do quadro fáctico que se logrou apurar nos autos que a progenitora apresenta uma carência de meios económicos e uma ausência de competências sociais e parentais que prejudicam seriamente o desenvolvimento harmonioso do filho, e que existe viabilidade de a família alargada assumir os cuidados inerentes a esta criança, justifica-se a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar, como forma de evitar condutas lesivas da saúde, formação e educação dessa criança.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Em 17 de Novembro de 2016 o Ministério Público instaurou o presente processo de promoção e proteção a favor da criança BB, nascido a 10 de Agosto de 2016, filho de CC e de DD.
A criança foi sinalizada à CPCJ de Silves a 28 de Setembro de 2016 por ter nascido prematuro, os pais adotarem comportamentos de risco e a situação socioeconómica ser frágil.
Em Novembro desse ano, na sequência de uma situação de violência entre os pais a criança foi encaminhada para Braga pela tia paterna, onde deu entrada no Hospital local.
A 17 de Novembro de 2016, foi aplicada medida provisória de acolhimento residencial para vigorar após alta hospitalar.
A criança deu entrada no Refugio Aboim Ascensão, para execução da medida a 13 de Dezembro de 2016.
Por acordo de promoção e proteção essa medida foi aplicada a título definitivo.
A 5 de Novembro de 2018, foi aplicada a medida provisória de apoio junto de outro familiar, tendo a criança integrado o agregado familiar dos primos maternos EE e FF, onde ainda se encontra.
Não foi possível obter acordo de promoção e proteção para aplicação da medida proposta.
O Ministério Público apresentou alegações continuando a pugnar pela manutenção da criança no agregado familiar dos primos.
Os progenitores apresentaram alegações e provas.
Realizado o debate judicial, em 27.06.2019 foi proferido acórdão, em cujo dispositivo se consignou:
«Em face do exposto, decide-se aplicar ao menor BB a medida de apoio junto de outro familiar com entrega aos cuidados de EE e FF, com quem residirá, mediante a imposição das seguintes obrigações:
1. O casal referido deverá assegurar ao menor todos os cuidados de alimentação, higiene, vestuário, saúde e educação;
2. A mãe poderá visitar a criança duas vezes por mês, a decorrer, por ora, na presença da técnica conforme tem vindo a ser feito;
3. A progenitora poderá contactar a criança por videochamada aos Domingos entre as 18 e as 20 horas, devendo os guardiães disponibilizar as condições pra o efeito;
4. Os intervenientes deverão seguir as orientações da técnica da segurança social que acompanha o caso;
Esta medida tem a duração de um ano com revisão em seis meses.»
Inconformada, a progenitora apelou do assim decidido, pugnando pela revogação do acórdão, tendo finalizado as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«I.º A apelante discorda da decisão de que injustamente foi alvo, mãe e filho, pela censurada Sentença, fundamentando o seu recurso em questões de facto e de Direito.
II.º BB nasceu a 10 de Agosto de 2016.
III.º Em Novembro desse ano, na sequência de uma situação de violência entre os pais do menor, foi encaminhado para Braga pela tia paterna.
IV.º Na sequência de tal situação de violência, foi o progenitor de BB, condenado na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, processo crime que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Silves, J1, proc. n.º 464/16.0GESLV.
V.º O menor deu entrada no Refugio Aboim Ascensão, para execução da medida a 13/12/2016.
VI.º O menor esteve institucionalizado até 4/11/2018.
VI.º A 5 de Novembro de 2018, foi aplicada medida provisória de apoio junto de outro familiar, tendo o menor integrado o agregado familiar dos primos maternos EE e FF, onde ainda se encontra.
VII.º A recorrente opôs-se à continuidade da medida aplicada.
VIII.º A recorrente esteve durante o último ano, com trabalho remunerado.
IX.º Presentemente, está a trabalhar, auferindo vencimento equivalente ao salário mínimo nacional.
X.º Vive há cerca de 18 meses com a sua mãe, ajudando no pagamento as despesas da casa.
XI.º Decidiu como projecto de vida, coabitar com a sua mãe, em S. Bartolomeu de Messines, mesmo possuindo casa própria em Armação de Pêra.
XII.ºA progenitora é pessoa idónea, independente e trabalhadora.
XIII.º A progenitora não constitui perigo para o menor.
XIV.º O meio habitacional e social onde a progenitora se insere não constitui perigo para o menor.
XV.º A sentença proferida não contem factos importantes e discutidos no debate judicial, sendo que as testemunhas arroladas pela progenitora, e ouvidas em sede de debate judicial não mereceram a atenção devida na douta sentença.
XVI.º Padecendo a douta sentença de DO ERRO DE PROCEDIMENTO E DA VIOLAÇÃO DE LEI (Da Insuficiência de Alegação de Factos essenciais e Erro de Julgamento);
XVII.º Das quatro testemunhas ouvidas, apenas se faz uma pequena referência a duas delas, Tânia O… (mãe da progenitora) e Sónia O… (tia da progenitora), que afirmaram a mudança e maturidade de DD, no entanto é referida na aludida sentença “ … situação não é totalmente corroborada pelos restantes meios de prova e o percurso que fez ao longo deste processo.”
XVIII.º Os restantes meios de prova em nada falam sobre o invocado em sentença.
XIX.º Os relatórios sociais, nada referem sobre as capacidades parentais da progenitora.
XX.º Os relatórios sociais, nada referem que a progenitora constitua perigo para o menor.
XXI.º Tais relatórios afirmam que a progenitora possui condições habitacionais, trabalho remunerado e coabita com a mãe.
XXII.º A sentença contraria a prova produzida e demais documentos juntos aos autos, que leva ao douto e superior conhecimento do ilustre tribunal ad quem com vista a obter a sua anulação, revogando-se a Decisão Final e substituindo-se por douto Acórdão que reponha a legalidade.
XXIII- Por conseguinte, submetem-se à apreciação do venerando Tribunal, as questões que se epigrafaram do modo seguinte:
XXIV- DO ERRO DE PROCEDIMENTO E DA VIOLAÇÃO DE LEI (Da Insuficiência de Alegação de Factos essenciais e Erro de Julgamento);
- DA NULIDADE DA SENTENÇA;
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(Erro de Julgamento e Reapreciação da prova);
- DO ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO (Erro na Interpretação das Normas Aplicadas e Erro na Determinação das Normas Aplicáveis);.
XXV - Dispondo o art.º 607.º, n.º 4, do CPC que na fundamentação da Sentença, o meritíssimo Juiz deve declarar os factos que considera provados e não provados, selecionando - segundo as regras da prova e da experiência comum - dentre os que tenham sido alegados na ação, aqueles que julgue comprovados ou não provados.
XXVI- Normas e princípios, que, conjugadamente interpretados, significam que o Tribunal tem de ater-se aos factos provados que tenham sido objeto de completa e cuidada alegação, não podendo ele substituir-se ao sujeito ativo na alegação dos factos essenciais à procedência da ação, nessa matéria regendo também o princípio da autoresponsabilização das partes, em virtude do que se encontra cerceado ao Tribunal.
XXVII - Assim sendo, é de facto notório que a prova produzida não foi correctamente apreciada, nomeadamente, as declarações da progenitora, o depoimento das testemunha Sónia O… e Tânia O…, como se omitiu o teor dos documentos juntos pela progenitora e coordenadora Cristina C….
XXVIII- Assim, a manifesta insuficiência dos pertinentes factos àqueles critérios subjacentes, omissão aliás completa, de alegação e de correspetiva prova, e a violação de lei que o pedido consubstancia, obstaculizava a prolação da Sentença tal como foi, ilicitamente, proferida.
XXIX- A qual infringiu os aludidos princípios e normas jurídicas (que se indicam como violados) posto que ao tribunal está legalmente vedado decidir sem factos, e ao extravasar tais normativos, cometeu grave e insuprível erro de procedimento que a afeta na sua intrínseca validade, pois, a factualidade provada, não tem a virtualidade, por si só, nem é suficiente, para o tribunal acolher a pretensão da A. e dar como verificados os pressupostos fácticos imprescindíveis à procedência da ação, uma vez que a Decisão de direito, ilegalmente tomada, não pode jamais subsistir sem a alegação e prova dos factos atinentes aos critérios legais.
XXX - Assim, a sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, sob pena de insustentável violação dos preceitos legais já acima citados e o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 607.º do CPC, que igualmente se indica como violada.
XXXI - Não se tendo pronunciado, especificamente,o tribunal a quo sobre o teor dos documentos juntos, a falta de alegação de factos essenciais e concomitante ilegalidade, como surte evidenciado da Sentença que não cuidou de a decidir – já que sobre tal questão não verteu uma única palavra - entende-se ser de integrá-la no regime das nulidades da sentença, de conformidade com o disposto na al. d), do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, nulidade essa que se argui, para todos os legais efeitos, por omissão em que incorreu o tribunal a quo, e deve ser decretada, como é de lei e se impõe.
XXXII- Sem prescindir do conhecimento das referidas questões do erro de procedimento, violação de lei e nulidade, e da consequente prolação de douto Acórdão, que julgue improcedente a ação e o pedido, como se defende ser o adequado - por mero excesso de cuidado e para prevenir a hipótese de os fundamentos a tal respeito invocados não serem acolhidos pelo Tribunal ad quem, como se não concede - o apelante procede à IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, com pedido de Reapreciação da prova gravada.
XXXIII- A apelante não se conforma com a Decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual se impugna por erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo, na medida em que peca dos vícios de insuficiência da factualidade que resultou provada e de incorrecto julgamento sobre outra que, apesar de plenamente provada, foi indevidamente julgada não provada ou desconsiderada apesar de fundamental.
XXXIII – Por outro lado, no caso em apreço, foi aplicada a medida de institucionalizar o menor, e subsequentemente o acolhimento junto de familiares no artigo 35.º, n.º 1, al. b) e f), da LPCJP, com as finalidades expressas no seu artigo 39.º.
XXXIV.ºA primeira foi aplicada inicialmente em Dezembro de 2016, prorrogada por diversas vezes, e a segunda aplicada a 5 de Novembro de 2018, prorrogada agora, por sentença, por mais uma, revista ao fim de 6 meses, tendo decorrido até à data 31 meses.
XXXV - º Ora, estabelece o artigo 60.º, n.º 1 que:
“Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as medidas previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial”.
Acrescentando-se no seu n.º 2 o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto no número seguinte, cada uma das medidas referidas no número anterior não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos”.
XXXVI.º Por outro lado, cf. seu artigo 63.º, n.º 1, al. a), as medidas cessam quando decorra o respectivo prazo de duração ou eventual prorrogação.
XXXVII.º O tribunal a quo alega a imaturidade da progenitora, sem quaisquer provas ou fundamentos.
XXXVIII .º Pelo que, face ao exposto, não pode subsistir a decisão recorrida, impondo-se a cessação da medida aplicada.

O Ministério Público contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, consubstanciam-se em saber:
- se a sentença enferma da nulidade que lhe é imputada pela recorrente;
- se deve ser alterada a matéria de facto;
- se deve ser revogada a medida de apoio junto de outro familiar decretada pelo Tribunal a quo.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. O menor BB, nascido a 10 de Agosto de 2016, filho de CC e de DD;
2. Esta criança foi sinalizada à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Silves a 28 de setembro de 2016, por ter nascido prematuro e os progenitores, a mãe com 18 anos e o pai com 23, terem comportamentos de risco e o contexto sociofamiliar ser desfavorável, por ambos se encontrarem desempregados;
3. O pai tem uma história de vida marcada pelo consumo de estupefacientes e delinquência;
4. A mãe teve uma adolescência conturbada, com comportamentos de oposição e conflito aberto com a sua própria mãe, tendo sido acompanhada no âmbito de processo de promoção e proteção, onde lhe foram aplicadas medidas sem efeito, inclusivamente de institucionalização, processo que durou até à sua maioridade;
5. Durante esse processo a progenitora revelou perturbações do foro psicológico, tendo sido encaminhada para a Clínica da Juventude em Lisboa onde lhe foi diagnosticada Perturbação Depressiva e de Perturbação da Personalidade Borderline, tendo sido prescrita medicação e acompanhamento psicológico;
6. Ainda durante a menoridade DD iniciou uma relação de namoro com CC, da qual resultou a gravidez do BB;
7. A criança nasceu prematura, fruto de uma gravidez não vigiada;
8. A vivencia do casal DD e CC foi marcada por diversas situações de violência deste para com aquela, na sequência das quais decorreu processo crime n.º 464/16.0GESLV, no Juízo de Competência Genérica de Silves, J l, que culminou com a condenação do primeiro por crime de violência doméstica, por sentença de 26 de outubro de 2017, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período;
9. A 12 de Novembro de 2016, na sequência de uma discussão, o progenitor agrediu a mãe da criança quando esta tinha a criança ao colo;
10. O progenitor nesse dia entregou o filho aos cuidados da sua irmã, que o levou para Braga, onde deu entrada no Hospital dessa cidade, por iniciativa da avó paterna, por se encontrar a vomitar;
11. Os pais alimentavam a criança com alimentos impróprios para a sua idade, como leite com chocolate e sumo de ananás;
12. Durante o internamento hospitalar os progenitores envolveram-se em conflito, tendo sido necessária a intervenção da PSP no hospital;
13. Na sequência destes factos, foi proferida decisão a 17 de Novembro de 2016, em que se aplicou medida de acolhimento residencial à criança a título provisório;
14. A criança entrou no Refugio Aboim Ascensão no dia 13 de Dezembro de 2016;
15. Nessa data a criança encontrava-se estabilizada, mas com recomendações específicas relativas à alimentação;
16. Durante o período que durou a institucionalização a criança foi visitada com regularidade pela mãe e pela avó materna;
17. Durante as visitas mãe e avó adequavam o comportamento ao que era esperado, mas foram mantendo entre si uma relação de conflito, porque a progenitora não reconhece autoridade à avó materna;
18. A progenitora nutre afeto pela criança, mas revela imaturidade na sua relação com o filho e apresenta dificuldade em assumir os cuidados à criança sem retaguarda;
19. A progenitora tem dificuldade em seguir orientações e em organizar-se em termos pessoais e laborais;
20. Foi disponibilizado acompanhamento para a progenitora por parte do CAFAP de Silves, que incluía acompanhamento psicológico, mas não iniciou esse acompanhamento;
21. A progenitora tem casa própria que herdou de seu pai, em Armação de Pera;
22. Após a institucionalização da criança foi residir com a mãe para S. Bartolomeu de Messines;
23. Encaminhada para o Centro de Emprego, por se encontrar desempregada, iniciou a 24 de Novembro de 2016, frequência de curso de educação e formação para adultos, no polo de formação de Silves do Centro de Emprego e Formação Profissional, o qual deveria concluir em 30 de Junho de 2018, mas não chegou a concluir por falta de assiduidade;
24. Em Março de 2017, a progenitora encontrava-se a viver sozinha na casa de Armação de Pera, e estava desempregada;
25. Entre Abril de Setembro de 2017 trabalhou na área de hotelaria para a empresa Sucess work, empresa de trabalho temporário;
26. Ainda durante o mês de Setembro desse ano trabalhou três semanas no Café Silvense, tendo saído por vontade própria após esse tempo, e entrou em situação de desemprego sem proteção social;
27. Nessa altura, continuava a viver na casa de Armação de Pera, alegadamente sozinha, e assumiu não ter condições para ter o filho, que disse deveria ser entregue à avó materna, não obstante o conflito evidente que mantinha com esta;
28. Vivia da ajuda económica da mãe e de um primo;
29. A 27 de Novembro de 2017 a progenitora assinou acordo de promoção e proteção mantendo a medida de acolhimento residencial da criança;
30. A 7 de Fevereiro de 2018 DD referiu estar a desempenhar trabalhos no ramo da agricultura, na apanha da laranja, sendo que a nível económico mantinha-se parcialmente dependente da avó materna;
31. Nessa altura a progenitora admitiu ter iniciado uma relação de namoro com um individuo de nacionalidade brasileira, cujo apelido desconhecia;
32. Ainda em Fevereiro desse ano esteve a trabalhar para a Pizzaria Oásis em Armação de Pera, situação que se manteve até Abril, altura em que partiu um pé na sequência de uma situação de violência com o então namorado;
33. Na sequência da fratura do pé DD foi viver com a sua mãe para S. Bartolomeu de Messines e apresentou essa residência como o local onde teria que permanecer para ter apoio com o filho;
34. Nessa altura, o primo EE apareceu nos serviços de Segurança social dando conta que estava a apoiar DD e a avó materna, e que caso a integração da criança no agregado destas não fosse solução ele próprio estaria disponível para acolher a criança no seu agregado familiar e dar apoio a DD se ela decidisse ir morar para Viana do Castelo, cidade onde reside;
35. A 1 de Março de 2018 DD celebrou contrato de trabalho com a sociedade Unipessoal Fases Mágicas, para trabalhar como empregada de mesa em locais indicados por esta;
36. Em Julho de 2018 estava a trabalhar no Hotel dos Salgados, trabalho que deixou para, em Dezembro desse ano, ir trabalhar para o café Académico, em S. Bartolomeu de Messines, onde trabalha a sua mãe, onde permaneceu apenas dois meses, tendo saído por iniciativa própria;
37. Atualmente trabalha no Hotel Vida Mar, em Albufeira, com horário das l0H00 às 18H00/20H00 e aufere € 6,10 à hora;
38. Continua a viver com a avó materna em S. Bartolomeu de Messines;
39. A partir de Abril de 2018, os primos maternos EE e FF, começam a visitar a criança na instituição, inicialmente na companhia da mãe e da avó materna;
40. Tendo estes apresentado disponibilidade pata acolherem a criança no seu agregado, foi avaliado (relatório de fls. 466/473), tendo sido concluído pelos técnicos que o casal apresentava as competências necessárias pata acautelar o BB e uma situação familiar, habitacional e económica que lhe permitia concretizar esse projeto;
41. Na instituição foi constatada a existência de relação afetiva e uma boa interação entre o casal e a criança;
42. A 5 de Novembro de 2018, foi aplicada à criança medida de apoio junto de outro familiar, tendo a criança integrado a família dos primos maternos no dia 6 de Novembro de 2018;
43. Desde então a criança está ao cuidado dos primos EE e FF e a viver com eles em Viana do Castelo;
44. A criança encontra-se bem integrada, os primos têm feito um adequado acompanhamento da situação de saúde, iniciou a frequência de infantário a 15 de Novembro, e está bem integrado na família;
45. A criança estabeleceu com o casal cuidador uma relação segura de confiança, e o casal dispensa-lhe todos os cuidados e atenção de que ela carece, tendo-se sedimentado entre todos uma relação afetiva consistente;
46. A progenitora e a avó materna têm feitos visitas presenciais em Viana do Castelo, DD duas vezes por mês, e têm mantido e contactos através de Skype;
47. A criança reage bem à presença da mãe e da avó, existindo entre eles relação de afeto, embora no final da visita a criança não mostre dificuldade na separação;
48. A progenitora adota uma posição crítica relativamente aos primos questionando os cuidados prestados à criança;
49. Segundo avaliação psicológica efetuada em setembro de 2017, DD não é portadora de sintomatologia psicopatológica ou indicador de disfuncionalidade a nível psicológico;
50. Embora faça um esforço para manter um comportamento adequado perante as situações, continua a revelar-se imatura e impulsiva, com dificuldade em acatar regras;
51. Tem uma relação tensa com a sua mãe cuja autoridade não reconhece e contesta;
52. O progenitor CC tem sido uma figura ausente na vida do filho, nunca o tendo visitado no Refúgio Aboim Ascensão durante os quase dois anos que este aí permaneceu;
53. A avó paterna GG visitou a criança na instituição;
54. Recentemente o progenitor, sob a influência da avó paterna, solicitou visitas ao filho, que foram autorizadas;
55. Efetuou três visitas na companhia da avó paterna em Viana do Castelo;
56. Nessas visitas foi notória a ausência de relação da criança com estes familiares (avó paterna e pai);
57. A avó paterna GG é invisual, condição que não a impede de fazer a sua vida normalmente;
58. O progenitor CC tem um passado marcado pela instabilidade pessoal e laboral, comportamentos antissociais e consumos de drogas;
59. Tem outra filha ainda menor que vive com a mãe em Porches, concelho de Lagoa, com quem não mantém contactos nem presta assistência;
60. Atualmente desconhece-se a sua situação pessoal e o seu modo de vida.

Da nulidade da sentença.
Diz a recorrente que a prova produzida não foi corretamente apreciada, «nomeadamente, as declarações da progenitora e os depoimentos das testemunhas Sónia O… e Tânia O…, como se omitiu o teor dos documentos juntos pela progenitora e coordenadora Cristina C…”, havendo por isso «insuficiência dos pertinentes factos …, e a violação de lei que o pedido consubstancia», uma vez que «ao tribunal está legalmente vedado decidir sem factos», tendo sido cometido «grave e insuprível erro de procedimento» que afeta a sentença «na sua intrínseca validade, pois, a factualidade provada, não tem a virtualidade, por si só, nem é suficiente, para o tribunal acolher a pretensão da A. e dar como verificados os pressupostos fácticos imprescindíveis à procedência da ação», pelo que «a sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, sob pena de insustentável violação dos preceitos legais já acima citados[1] e o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 607.º do CPC», concluindo que a sentença é nula nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do art.º 615.º do CPC» - cfr. conclusões XXVII a XXXI.
Mas não tem razão a recorrente.
Como é sabido, as nulidades da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.
Assim, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia incidem sobre as “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos artigos 608º e 615º, nº 1, alínea d), do CPC, com as quais se não devem confundir os “argumentos” expendidos no seu âmbito.
No que respeita aos recursos, as questões a resolver definem-se à luz do respetivo objeto genericamente traçado nos artigos 639º, nº 1 e 2, e 640º, nº 1, alíneas a) e c), do CPC:
a) - quanto ao erro de direito, por delimitação do erro de interpretação e/ou de aplicação da normas tidas por violadas, ou do erro na determinação da norma que devia ser aplicada – artigo 639º, n.º 2, alíneas a) a c);
b) – quanto ao erro de facto, por especificação dos pontos de facto tidos por incorretamente julgados e da decisão que se entende dever ser proferida – artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c).
No que respeita à decisão de facto, «o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, (…)»[2].
Como ensina Alberto dos Reis[3]:
«(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.

«(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
«E, por argumento de maioria de razão, o mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito»[4].
Ora, analisando a decisão recorrida, é manifesto que não foi violado qualquer princípio ou regra orientadora da apreciação da prova, tendo o Tribunal a quo realizado um exercício lógico-dedutivo, apreciando de forma crítica, conjugada e concatenada a prova produzida, socorrendo-se ainda das regras da experiência, o que permitiu alcançar a decisão de facto, tudo em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC.
E, seja como for, a alegada “incorreção” na apreciação da prova não se reconduz ao vício de omissão/excesso de pronúncia, pelo que a questão devia ser colocada no âmbito da impugnação da matéria de facto, o que analisaremos de seguida, se for o caso.
Em suma, a sentença recorrida não enferma da nulidade invocada pela recorrente.

Da impugnação da matéria de facto.
Ao impugnar a matéria de facto, deve o recorrente observar minimamente os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º do CPC.
Tais ónus consistem em[5]:
- especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), mencionando o diverso sentido em que se impõe decidir quanto a cada um dos factos impugnados, por referência ao que foi julgado provado na decisão recorrida (ou seja, na indicação do sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das consideradas);
- fundamentar as razões da discordância, especificando os concretos meios probatórios em que se funda a impugnação;
- quando se baseie em depoimentos testemunhais que tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Escreveu-se a este propósito no Acórdão do STJ de 31-05-2016[6]:
«(…), embora o Novo Código de Processo Civil exija o cumprimento do ónus de alegação a cargo do Recorrente, impondo a este, quando se trata de impugnação da decisão da matéria de facto, que proceda à especificação prevista nas alíneas do nº 1 do art. 640º, o exercício desse ónus, conforme se salientou em ponto anterior, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado na respectiva motivação.
A lei não exige essa reprodução (…).
O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.
Efectivamente, sendo as conclusões uma súmula e síntese da indicação dos fundamentos por que se deduz a impugnação relativa à matéria de facto, deixariam de ter esse cunho se a Recorrente tivesse que inserir e especificar detalhadamente, em sede conclusiva, todos os elementos que compõem a impugnação e que se mostram enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 640º do NCPC, com a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações.
Seguramente que nas conclusões o Recorrente deve indicar os pontos da matéria de facto que pretende ver modificados, ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto» (sublinhado nosso).
Ainda a propósito da indicação nas conclusões dos pontos da matéria de facto que o recorrente pretende ver alterados, exarou-se no Acórdão do STJ de 21-03-2019[7]:
«(…) quanto à problemática de saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou bastará incluí-los no corpo alegatório, refere o Acórdão do STJ, de 19.02.2015 (processo nº 99/05.6TBMGD.P2.S1), que a resposta a dar a esta questão depende da função que está subjacente a cada um dos referidos ónus.
Deste modo, «constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635º, nº4, conjugadamente com o art. 640º, nº1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente, o preceituado no nº1 do art. 639º, todos do CPC» (sublinhado nosso).
No caso em apreço, além da recorrente não ter cumprido integralmente os ónus acima referidos, limitando-se a indicar no corpo das alegações passagens de gravações que atribui às testemunhas que indica, e a dizer que “todas as testemunhas afirmaram a evolução positiva da recorrente, como pessoa autónoma e independente”, sem concretizar, porém, quais os factos que foram mal julgados e aqueles que deveriam ser dados como provados, as conclusões são também totalmente omissas a esse respeito[8], não tendo assim a recorrente cumprindo o estabelecido no artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC.
Essa omissão determina a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto, pelo que nenhuma alteração será feita à decisão sobre tal matéria proferida pela 1ª instância.

Da adequação da medida de promoção e proteção aplicada.
Diz a recorrente que a decisão recorrida não pode subsistir por duas ordens de razões. Em primeiro lugar porque se mostra excedido o período de duração da medida aplicada, tendo em contas as anteriores medidas aplicadas e, em segundo lugar, porque “o tribunal a quo alega a imaturidade da progenitora, sem quaisquer provas ou fundamentos”[9].
Nenhuma destas razões é de acolher. Senão vejamos.
O artigo 60º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) fixa o prazo de duração máxima para a medida de apoio junto de outro familiar.
A medida de apoio junto de outro familiar terá a duração estabelecida no acordo de promoção ou na decisão judicial, mas nunca por um período superior a um ano.
Porém, após a sua execução, admite-se que esse prazo, em sede de revisão da medida nos termos do artigo 62º, nº 3, alínea c), da LPCJP, possa ser prorrogado até 18 meses, desde que o interesse da criança ou do jovem o aconselhe e, simultaneamente, se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos.
Decorre deste preceito legal a natureza perentória do prazo de duração da medida em causa, não podendo, em qualquer caso, ser ultrapassado esse limite, que o legislador considerou suficiente para que a medida aplicada alcance a finalidade subjacente à sua aplicação (art. 34º da LPCJP).
Por isso, é estabelecido, com precisão, o período temporal máximo das medidas definitivas aplicadas à criança ou jovem, prazo que não pode, nem deve, ser excedido[10].
Ora, no caso concreto, por decisão provisória de 5 de Novembro de 2018 a criança BB foi entregue aos cuidados dos primos EE e esposa FF, residentes em Viana do Castelo, ao abrigo de uma medida de apoio junto de outro familiar.
Daqui resulta, contrariamente ao que defende a recorrente, que não foi excedido o prazo a que alude o nº 2 do artigo 60º da LPCJP, pois anteriormente esteve em causa uma medida provisória, sendo que o prazo de seis meses de duração dessa medida (art. 37º, nº 3, da mesma Lei), não acresce ao prazo de um ano previsto no nº 2 do artigo 60º.
É também indiferente para o caso que anteriormente, por decisão proferida em 17 de Novembro de 2016, tenha sido aplicada ao Ulisses medida provisória de acolhimento residencial, pois além se se tratar de uma medida provisória é uma medida diferente da agora decretada.
Ora, ainda que não fosse uma medida provisória, o período de duração da medida diz respeito apenas à concreta medida aplicada e não a outras medidas, como decorre inequivocamente do nº 2 do artigo 60º: “… cada uma das medidas referidas no número anterior não pode ter duração superior a um ano, …”.
Não tem, pois, razão a recorrente neste ponto.

Também não tem razão a recorrente quanto ao que se acha vertido na conclusão XXXVII, de que “o tribunal a quo alega a imaturidade da progenitora, sem quaisquer provas ou fundamentos”.
Só uma leitura algo apressada do acórdão recorrido poderá ter levado a recorrente a fazer tal afirmação, bastando para tanto atentar, designadamente, nos pontos 11, 18 (parte final), 19, 20 e 50 do elenco dos factos provados.
Prescreve o nº 5 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que «[o]s pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos», não podendo os mesmos ser separados dos pais, exceto quando estes não cumprirem os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (nº 6 do mesmo preceito).
Por sua vez, as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral – artigo 65º da CRP.
Aos pais compete, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança, saúde, sustento, e educação - artigo 1874º do Código Civil.
Concretizando tais princípios, dispõe o artigo 3º da LPCJP que a intervenção para a proteção e promoção do direito da criança ou jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, considerando-se que a criança ou jovem está em situação de perigo nomeadamente quando “assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais (…) se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação” - alínea g) do seu nº 2.
O perigo a que se reporta este normativo, para além da sua atualidade, traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efetiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. É suficiente, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério[11].
Essa intervenção deverá, sempre, nortear-se no superior interesse da criança, ser proporcional e atual, dando-se prevalência às medidas que integrem o jovem na sua família (no sentido de que os pais assumam os seus deveres para com os filhos), como decorre do art.º 4º alíneas a), e), f) e h) do referido diploma legal.
As medidas de promoção e proteção visam afastar o perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral – art.º 34.º do mencionado diploma legal.
Ora, no caso concreto, e tendo em conta a factualidade apurada, justificou-se na sentença recorrida a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar nos seguintes termos:
«(…) o progenitor sempre teve uma atitude de total desinteresse, durante os dois anos de institucionalização do filho nunca o visitou.
As três visitas que fez desde que a criança se encontra em Viana do Castelo foram feitas por influência da avó paterna.
Não existe relação de afeto entre o pai e a criança e também não existe víinculo com a avó paterna, como resulta das visitas recentes.
A avó paterna sendo invisual, ainda que autónoma, não está nas melhores condições para prestar os cuidados à criança, além da instabilidade que ao longo do tempo envolve o seu agregado familiar como resulta do relatório de fls. 177 e seguintes.
A progenitora tem o seu percurso pessoal e profissional marcado pela instabilidade, marcado por reações impulsivas e tendencialmente imaturas.
Existe relação afetiva entre a mãe e a criança e uma boa interação durante as visitas. E essa relação deverá ser promovida, mas não à custa do bem-estar da criança.
A criança tem um percurso marcado pela negligência nos primeiros três meses de vida, enquanto esteve aos cuidados dos progenitores, tendo sido a falta de cuidados deste que levaram ao internamento hospitalar da criança, antes de ingressar na instituição. Na instituição a criança, ainda que bem cuidada, esteve desprovida de meio familiar porque durante esse período, os pais, e nomeadamente a mãe, não adequaram a sua vida para serem alternativa a essa situação.
A criança saiu da instituição porque apareceu o casal disponível e com competências para lhe poder proporcionar um ambiente familiar estável, rodeando-o de cuidados e afeto para poder crescer e desenvolver as suas potencialidades de forma equilibrada.
A criança desde que foi provisoriamente entregue ao casal composto por EE e FF estabeleceu laços com esta família, integrou-se no seu meio familiar e social e está fazer um percurso de adaptação que permite fazer um prognóstico favorável quanto ao seu futuro desenvolvimento e crescimento.
O percurso feito pela criança até chegar ao agregado familiar de EE e FF foi determinado pelas circunstâncias adversas criadas pelos pais e que até agora não conseguiram colmatar.
A vida da criança é um processo que se quer evolutivo no sentido do desenvolvimento integral e bem-estar crescentes em direção a uma maioridade e autónoma e responsável. E é nisso que o tribunal tem que se basear para apurar do superior interesse da criança e com base nele decidir da medida a aplicar.
O superior interesse do menor BB tem que ser avaliado na atualidade.
E esse interesse não é outro que não a manutenção das relações de afeto securizantes que lhe permitam crescer e desenvolver-se de forma equilibrada, dentro daquilo que foi o seu percurso de vida.
O tribunal quando decidiu a medida provisória que aplicou em Novembro de 2018 fê-lo consciente e baseado no parecer dos técnicos que acompanharam a criança e a mãe ao longo dos últimos três anos. A tomada de uma decisão diferente nesta altura, depois a criança estar integrada numa família e estar afetivamente ligada aos elementos dessa família, sem garantias de estabilidade da parte da mãe, que continua a não estar organizada para o efeito, dependendo da sua própria mãe, com quem sempre teve e mantém uma relação de conflito, para assegurar inclusivamente as rotinas, era trocar o certo pelo incerto. Essa decisão não defenderia aquilo que é, neste momento, o interesse da criança.
A solução que se afigura adequada a salvaguardar os interesses do menor BB é, pois, a continuação da medida de apoio junto de EE e FF.
A progenitora deverá continuar a ter visitas nos moldes em que estão definidas, sem prejuízo de, melhorando o relacionamento com o casal, se poder evoluir para um regime de mais autonomia e tempo desses contactos. O que deverá ser avaliado pelos técnicos ao longo do tempo.
Porque não existe relação da criança com o pai por desinteresse deste, e porque as visitas do pai à criança não serem gratificantes para esta, mas antes fonte de stress, como resultou do depoimento da técnica que as acompanhou. Ponderando-se, mais uma vez, o interesse do menor, não se fixam visitas ao pai.»
Subscrevemos integralmente o raciocínio seguido na decisão recorrida, já que os factos provados evidenciam que ambos os progenitores sempre se revelaram incapazes de tratar adequadamente o filho, com grave prejuízo para a sua saúde, formação e educação.
Com efeito, o quadro fáctico que se logrou apurar nos autos[12] permite-nos concluir, com segurança, que a progenitora apresenta uma carência de meios económicos e uma ausência de competências sociais e parentais que prejudicam seriamente o desenvolvimento harmonioso do BB.
De outra banda, resulta dos autos que existe viabilidade de a família alargada, assumir os cuidados inerentes a esta criança[13].
Ora, é justamente para evitar condutas lesivas da saúde, formação e educação do Ulisses, que se justifica a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar, a qual já revelou, anteriormente, resultados bem positivos, ou seja, é precisamente porque se atende ao seu superior interesse que se deve manter a medida aplicada, já que não está em causa a privação da criança com a mãe e convivência com esta, ou, dito de outro modo, a continuidade de relações de afeto de qualidade com a mãe, princípio contemplado no artigo 4º, alínea a).
Em suma, a medida aplicada mostra-se necessária, adequada e proporcional à situação de perigo em que se encontra o BB, a qual, por isso, é de manter.
Improcedem assim as conclusões da recorrente em sentido contrário.

Sumário:
I – A consideração pelo Tribunal de meios de meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou o não atendimento de meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes, não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.
II - A não indicação pelo recorrente nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, determina a imediata rejeição do recurso, pois constituindo aquela indicação um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugadamente com o artigo 640º, nº 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente, o preceituado no nº1 do artigo 639º, todos do CPC.
III - O prazo de um ano de duração da medida de apoio junto de outro familiar previsto no nº 2 do artigo 60º da LPCJP, o qual em sede de revisão da medida pode ser prorrogado até 18 meses, nos termos do artigo 62º, nº 3, alínea c), da LPCJP, é um prazo unitário, ao qual não acresce o prazo de seis meses de duração de uma medida provisória aplicada anteriormente (artigo 37º, nº 3, da LPCJP).
IV – Resultando do quadro fáctico que se logrou apurar nos autos que a progenitora apresenta uma carência de meios económicos e uma ausência de competências sociais e parentais que prejudicam seriamente o desenvolvimento harmonioso do filho, e que existe viabilidade de a família alargada assumir os cuidados inerentes a esta criança, justifica-se a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar, como forma de evitar condutas lesivas da saúde, formação e educação dessa criança.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas, por não serem devidas – artigo 4º, nº 1, alínea i) do Regulamento das Custas Processuais.
*
Évora, 24 de Outubro de 2019
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

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[1] O único preceito legal “acima citado” foi o nº 4 do artigo 607º do CPC.
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 23.03.2017, proc. 7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível, assim como os demais adiante citados, em www.dgsi.pt.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pp. 144-146.
[4] Cfr. o citado Acórdão do STJ de 23.03.2017, que aqui seguimos de perto.
[5] Cfr., na jurisprudência, inter alia, o Ac. do STJ de 15.09.2011, proc. 1079/07.0TVPRT.P1.S1; na doutrina, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., pág. 181 e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014 - 2ª edição, pp. 132-133.
[6] Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1.
[7] Proc. 3683/16.6T8CBR.C1.S2.
[8] Vejam-se as conclusões XXXII e XXXIII transcritas supra.
[9] Vejam-se as conclusões XXXIII a XXXVIII.
[10] Neste sentido Tomé d’Almeida Ramião, in Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 8.ª edição, pp. 141-142.
[11] Cfr. Tomé d’Almeida Ramião, in Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 8ª edição, p. 31.
[12] Cfr., nomeadamente, os pontos 7 a 13, 18 a 20, 23 a 33, 37, 50 e 51 dos factos provados.
[13] Cfr. pontos 39 a 45 dos factos provados.