Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
31/24.5YREVR
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: EXTRADIÇÃO
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRISÃO PERPÉTUA
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O requerido é cidadão de nacionalidade inglesa e a Justiça do seu país pretende persegui-lo criminalmente pela prática de crimes pelos quais poderá vir a ser condenado em pena de prisão perpétua.
II - O sistema jurídico inglês prevê uma revisão da pena decorrido o período mínimo de reclusão obrigatória e o mais tardar decorridos 20 anos, e também prevê a aplicação de medidas de clemência (com vista a que a pena de prisão perpétua eventualmente a aplicar não seja executada).
III - Perante a “garantia” prestada pelo Estado emissor, e trazida aos autos, de que a pena de prisão a aplicar possui tais características, relativamente ao concreto cidadão estrangeiro aqui em causa, nada obsta à extradição de tal cidadão.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM AUDIÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO

O MP junto deste Tribunal veio, nos termos dos Artsº 1 nº1, 2 nsº1 e 2 al. e) e 4, 15 nsº1 e 2, 16 nº1 e 18 nº2, todos da Lei nº 65/2003, de 23/08, promover a execução, na modalidade de extradição para procedimento criminal pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, do mandado de detenção europeu, emitido pelas autoridades judiciárias do Reino Unido – no âmbito do processo 97140005220, pelo Juiz Distrital Clarke do Tribunal de Magistrados de Liverpool & Knowsley – contra o cidadão de nacionalidade inglesa/britânica (A), nascido em (…..).

O requerimento mostra-se instruído com os elementos necessários a que alude o Artº 16 da Lei 63/03, de 23/08.

Neste Tribunal da Relação de Évora, em 29/01, o arguido foi ouvido pessoalmente sobre o pedido de entrega, de harmonia com o estatuído nos Artsº 17 nsº1 e 2 e 18 nº5 da citada Lei, tendo manifestado a sua oposição ao mesmo, não renunciando à regra da especialidade.
Aí se determinou que os autos aguardassem a prestação, pelo Estado requerente, das garantias previstas no Artº 13 da Lei 65/2003 de 23/08, atento o consignado no Artº78-B da mesma Lei e tendo em atenção que os crimes em causa são punidos pela Lei daquele estado, com pena de prisão perpétua.

No dia seguinte, 30/01, deu entrada no processo o seguinte compromisso emitido pela Justiça do Reino Unido (transcrição da tradução):

COMPROMISSO RELATIVO À ENTREGA DE (A) (DATA DE NASCIMENTO: …..) DE PORTUGAL PARA O REINO UNIDO
Diz a presente respeito ao indivíduo acima mencionado e ao pedido do vosso Tribunal de uma garantia do Governo do Reino Unido relativamente à entrega do Sr. (A).
Quando uma sentença de carácter perpétuo (quer mandatória ou discricionária) é imposta, o juiz que profere a sentença determina qual a parte da sentença que tem de ser cumprida na prisão, antes de que o recluso seja considerado para liberdade condicional; esse período chama-se "termo mínimo". Todas as pessoas condenadas em processo solene têm o direito a solicitar uma revisão desse termo mínimo, a ser realizada pelo Tribunal de Recurso (Court of Appeal).
O recluso tem de cumprir o termo mínimo apropriado que reflete o elemento punitivo da sentença.
Uma vez que este termo punitivo de privação de liberdade tenha expirado, o recluso passa para o "elemento de risco" da sentença. Só poderá ser detido se continuar a representar um risco para o público.
Uma comissão de liberdade condicional (Parole Board) independente realiza a revisão da sentença do recluso após a conclusão do elemento punitivo da sentença, e este painel é presidido por um juiz. Poderá realizar-se uma audiência oral para determinar se o recluso deve continuar detido. A comissão de liberdade condicional (Parole Board) deve decidir se a detenção do recluso é necessária para a proteção do público. O recluso tem o direito a estar presente nesta audiência, a fazer-se representar por um mandatário legal, e a chamar e inquirir testemunhas.
A comissão de liberdade condicional (Parole Board) pode ordenar a libertação do recluso. Se decidir que o recluso deve ser libertado, uma segunda audiência realizar-se-á dentro de 2 anos para rever a detenção do recluso e, subsequentemente, a intervalos regulares.
Todos os reclusos a cumprir penas de carácter perpétuo são libertados sob liberdade condicional, que permanece em vigor para o resto da vida. A liberdade condicional pode ser revogada a qualquer altura, se necessário, por motivos de proteção do público. Em todos os casos, incluindo casos em que tenha sido imposta uma sentença de carácter perpétuo ou um termo mínimo superior a vinte anos, o recluso pode requerer a libertação por motivos compassivos ao abrigo da secção 30 da Lei Criminal (Sentenças) de 1997 (Crime (Sentences) Act 1997) e/ou libertação ao abrigo da Prerrogativa Real de Clemência.

Nos termos do Artº 56 e segs. da Lei 144/99 de 31 de Agosto, pela Ilustre Mandatária do arguido foi apresentada oposição escrita, em que solicita a recusa da execução do Mandado de Detenção Europeu (MDE), na modalidade de Extradição, por o Estado emitente não ter dado a garantia prevista na al. b) do nº1 do Artº 13 da citada Lei 65/03, sendo certo que a mesma, à data da apresentação de tal oposição, desconhecia o que nos autos havia sido recebido por parte da Justiça do Reino Unido e acima transcrito, documentação que já lhe foi, entretanto, notificada.

Notificado desta oposição, o MP pronunciou-se pelo insucesso da mesma, tendo em conta, pela parte do Reino Unido, a prestação de garantias exigidas pela Lei e não sendo um caso de não execução obrigatória do mandado de detenção.

Cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A - Dos autos

A presente extradição reporta-se à execução de mandado de detenção europeu, emitido pelas autoridades inglesas para entrega do arguido, para procedimento criminal, no âmbito do processo 97140005220, pelo Juiz Distrital Clarke do Tribunal de Magistrados de Liverpool & Knowsley, pela prática de infracções relacionadas com o crime de tráfico de estupefacientes e punidas com prisão perpétua.
Tais, factos, apesar de puníveis pelo ordenamento jurídico português, enquadram a previsão normativa do Artº 2 nº2 al. e) da Lei 65/2003 de 23/08, pela qual se dispensa o controlo da dupla incriminação.
O procedimento criminal não se encontra prescrito e os factos em causa não são objecto de procedimento criminal em Portugal.

BDo Direito

Diz-nos o Artº 33 da Constituição da república Portuguesa que:
4. Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.
5. O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.
6. Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.
7. A extradição só pode ser determinada por autoridade judicial.”
Há ainda a considerar a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, e o Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu, aprovado pela Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, particularmente, os Artsº 78-A a 78-G, da Lei nº 144/99, aditados pela Lei n.º 87/2021, de 15 de Dezembro, que regulamenta as disposições do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro, feito em Bruxelas e em Londres em 30 de Dezembro de 2020.
Segundo tais normas, aos procedimentos de emissão e aos processos de execução dos mandados de detenção decorrentes da aplicação de tais acordos é aplicável, com as devidas adaptações, o regime jurídico do mandado de detenção europeu, aprovado pela Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto (Cfr. Artº 78-B).
Destes normativos resulta que mesmo que ao crime seja aplicável pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, as garantias a prestar pelo Estado requisitante reduzem-se à não execução desta pena.
A referida exigência constitucional de que sejam oferecidas garantias de que a pena ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida não será aplicada ou executada foi vertida no regime legal do MDE, mais precisamente no artigo 13º da Lei no 65/2003, de 23 de agosto, que refere:
"l. A execução o mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:
a) Quando a infração que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com ena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo, de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;
b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão”.
No caso concreto, crê-se que as garantias prestadas pelo Estado emissor mostram-se suficientes para alcançar o desiderato previsto na Constituição, pois delas resulta que a Justiça da Inglaterra, caso venha a ser aplicada ao visado a pena de prisão perpétua, aplicará medidas visando a sua não execução.
A semelhante conclusão se chegou no Acórdão desta Relação de 21/05/19, num caso em que o Estado emissor era a França:
“Ora, tendo-se feito constar do MDE ora em execução que “o sistema jurídico francês aplica medidas de clemência previstas pela lei para o não cumprimento da pena, nomeadamente medidas de libertação condicional”, a emissão de tal declaração pela autoridade judiciária emitente do MDE satisfaz a condição exigida pelo citado art. 13º nº 1 a) da lei 65/2003, correspondente ao art. 5º nº2 da Decisão-quadro do Conselho, 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, quer porque nada obsta a que declaração exigida conste do MDE a executar (assim, Ac STJ de 25.02.2010, rel. Pereira Madeira), quer porque estes normativos bastam-se com a garantia de que o Estado de emissão aplique medida visando a não execução da pena perpétua, sem exigirem garantia da verificação do resultado visado por aquelas normas, ou seja, sem exigirem a garantia da não aplicação efetiva da prisão perpétua.
Esta solução só aparentemente contraria a parte final do art.º 33º nº4 da Constituição da República Portuguesa (introduzida na Revisão de 1997 com numeração diversa), que exige a prestação de garantias de que a pena ou medida de segurança com caráter perpétuo não será aplicada ou executada, pois desde a revisão operada pela Lei 1/2001 que o artigo 33º nº5 da CRP ressalva expressamente a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia. Ou seja, a CRP admite expressamente que estas últimas normas estabeleçam regime mais permissivo que o previsto genericamente para a extradição no referido nº4 do seu art. 33º, o que sucede, precisamente, com o citado art. 5º nº2 da DQ 2002/584/JAI, que deu origem ao art. 13º nº1 a) da Lei 65/2003, que são inequivocamente normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da EU.
Assim sendo, a declaração das autoridades judiciárias francesas inserida no MDE de que o sistema jurídico francês aplica medidas de clemência previstas pela lei para o não cumprimento da pena, nomeadamente medidas de libertação condicional, é conforme com estas últimas disposições normativas, que, por sua vez, respeitam a CRP por força da ressalva contida no seu art. 33º nº5, pelo que o caráter perpétuo da pena aplicável não obsta à entrega da pessoa procurada e agora detida à autoridade judiciária francesa emitente do presente MDE.”
Neste mesmo sentido, se pronunciara já o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 13/07/16, onde se poderá ler:
“Quanto à pena de prisão perpétua, tendo sido abolida em Portugal há mais de 125 anos, pela Lei de 4 de Junho de 1884, encontra-se a mesma proscrita pela nossa Constituição da República em virtude de a sua aplicação repugnar à consciência jurídica que enforma o nosso ordenamento, tendo em conta a prevalência da dignidade da pessoa humana e do seu reflexo na ponderação dos fins das penas, onde necessariamente avulta a recuperação e a reintegração social do delinquente.
Mas como já anotava Gomes Canotilho, a propósito da extradição - in Revista de Legislação e Jurisprudência nº 3857, p. 249 e segs -, só em casos de proibição absoluta de extraditar “a ordem jurídico-constitucional portuguesa se autoconstitui em reduto inexpugnável de protecção dos bens da vida e da liberdade. Nos outros casos devem ser tomadas em conta as exigências do direito internacional (...) Só em casos de violação da ordem pública jurídico-constitucional e da inexistência de standards mínimos de justiça procedimental na ordem jurídica do Estado requisitante se exige um comportamento mais vigilantemente amigo dos direitos fundamentais.
(…)
É razoável admitir uma solução menos drástica quando esteja em causa a extradição por crime a que corresponda pena de prisão perpétua. Aqui o critério da punibilidade em concreto é o que melhor se adapta às necessidades de cooperação judiciária internacional em matéria penal, sem que com isso se possa acusar o legislador ou os tribunais de estarem a violar normas constitucionais”.
Também Figueiredo Dias, Extradição e Non Bis in Idem, Parecer, in Direito e Justiça, IX, 1995, p. 216, defendia que “não basta ser presumível a não aplicação da pena de prisão perpétua. Pelo contrário, tem que existir uma garantia efectiva da não aplicação dessa pena, por via do instituto da comutação em face do disposto no artigo 6º do diploma sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal”
Em idêntico sentido sintetizava Marques Vidal - Os Tratados Comunitários e o Acordo e Convenção de Schengen - génese e correlação - in Documentação e Direito Comparado - Boletim do Ministério da Justiça nº 69/70, p.20: -“Deste modo, a cooperação judiciária não será recusada se o Estado parte que a solicita, nos casos puníveis com pena perpétua, der garantias de aplicação concreta de sanções alternativas. Se essas garantias não forem fornecidas pelo Estado parte que solicita a cooperação, esta deve ser-lhe recusada.”
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 533. em anotação ao artº 33º da Constituição:
“Diferentemente do que se previa na lei (DL n 43/91), em que se equiparava a extradição por crime a que correspondesse pena de morte, o texto constitucional estabelece aqui garantias menos enérgicas das que impõe para o caso da pena de morte. A proibição de extradição cede, nestes casos, perante garantias oferecidas pelo Estado requisitante de que tal pena não será aplicada ou executada – porque o Estado requerente decidiu converter a pena ou medida de segurança de duração indefinida ou porque aceitou a conversão dessas penas ou medidas por um tribunal português segundo a lei portuguesa -, o que aponta para a consagração do critério de punibilidade em concreto.”
É sabido que Portugal formulou - como Parte Contratante na Convenção Europeia de Extradição, estabelecida com base no artigo k.3 do Tratado da União Europeia, Relativa à Extradição entre os Estados membros da União Europeia, a seguinte Declaração:
“Tendo formulado uma reserva à Convenção Europeia de Extradição de 1957, segundo a qual não concederá a extradição de pessoas reclamadas por um crime a que corresponda uma pena ou uma medida de segurança com carácter perpétuo, Portugal declara que, nos casos em que o pedido de extradição se baseie numa infracção a que corresponda tal pena ou medida de segurança, apenas concederá a extradição, respeitadas as disposições pertinentes da sua Constituição, conforme interpretadas pelo seu Tribunal Constitucional, se considerar suficientes as garantias prestadas pelo Estado-membro requerente de que aplicará, de acordo com a sua legislação e a sua prática em matéria de execução de penas, as medidas de alteração de que a pessoa reclamada possa beneficiar.”
Nessa medida, e in casu, sendo as infracções em causa punidas com pena de prisão perpetua, a execução do mandado de detenção fica sujeita, nos termos do Artº 78-F da cita Lei, à prestação das garantias estabelecidas na alínea a) do Artº 694 do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido, o mesmo é dizer que a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar as garantias previstas no Artº 13 da Lei nº 65/2003.
Por outro lado, como bem refere o MP no seu parecer:
“C) Quanto ao Direito Internacional, in casu há que ter presente o Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro, na versão publicada no Jornal Oficial da União Europeia L 149, de 30 de abril de 2021, o Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido acima mencionado, havendo a considerar o art. 604º
- Garantias que o Estado de emissão deve fornecer em casos especiais.
Analisado o regime do Reino Unido quanto à denominada aplicação de «penas com carácter perpétuo», verificamos ter semelhanças com dois institutos Penais Portugueses: Liberdade Condicional e imposição de pena relativamente indeterminada.
Por outro lado, como decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no processo Hutchlson v Reino Unido (Processo n° 57592/08), uma sentença de carácter perpétuo pode agora ser considerada como reduzível, em conformidade com o artigo 3.° da Convenção, uma vez que o requerente pode iniciar, a qualquer altura, uma revisão da sua detenção pelo Secretário de Estado juntamente com o prazo mínimo de privação da liberdade claramente identificado.
D) Cfr. a propósito Ac. TRE de 23/01/2024, Processo nº 174/23.2YREVR, in https://www.dgsi.pt
O arguido é cidadão de nacionalidade inglesa e a justiça do seu país pretende prossegui-lo criminalmente pela prática de crimes pelos quais poderá vir a ser condenado em prisão perpétua, circunstância, contudo, que não obsta à sua extradição, na medida em que, pelas garantias dadas por aquela, prevê-se uma revisão da pena decorrido o período mínimo de reclusão obrigatória e o mais tardar decorridos 20 anos e, também, a aplicação de medidas de clemência, com vista a que a pena não seja executada.
Considerando-se suficientes essas garantias, ao abrigo dos normativos citados e assim se assegurando a exigência constitucional de que a Justiça da Inglaterra, caso venha a ser aplicada ao visado a pena de prisão perpétua, aplicará medidas visando a sua não execução, não se verificando, de outra banda, qualquer dos motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção referidos no Artº 78-D da mencionada Lei nº 144/99 de 31 de Agosto, não pode proceder a oposição deduzida pelo requerido, pelo que a pretendida entrega não pode deixar de ser deferida.

3. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se, julgar improcedente a oposição apresentada pelo requerido (A), e em consequência, autorizar a sua extradição para o Reino Unido para procedimento criminal, conforme pedido no mandado de detenção emitido pelas autoridades judiciárias inglesas, no âmbito do processo 97140005220, pelo Juiz Distrital Clarke do Tribunal de Magistrados de Liverpool & Knowsley.
Consigna-se que o requerido não renunciou ao princípio da especialidade.
Comunique de imediato à PGR e ao Gabinete Nacional da Interpol.
Sem tributação.
Oportunamente, transitado este acórdão, proceder-se-á à entrega do requerido às autoridades inglesas e remetam-se certidões da presente decisão, com nota de trânsito em julgado, à Procuradoria-Geral da República e à Embaixada da Inglaterra em Portugal.
Notifique.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 20 de fevereiro de 2024
Renato Barroso (Relator)
João Gomes de Sousa (Adjunto)
Maria Gomes Perquilhas (Adjunta)