Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
909/13.1TBPTG.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
DONO DA OBRA
FISCALIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1 - Nos termos do art. 1208.º, do Código Civil, na execução da obra, o empreiteiro tem, antes de mais de respeitar o que foi convencionado com o dono da obra, sendo também pelo contrato que se afere o fim a que a obra se destina (e na falta de indicação no contrato de tal fim, haverá que atender-se ao “uso ordinário”). Para além do que foi acordado, o empreiteiro está vinculado às regras da arte ou profissão em cujo âmbito se integra a execução da obra e a normas técnicas constantes de legislação extravagante, designadamente, no que respeita à construção de edifícios e de outras obras de longa duração.
2 - O dono da obra pode fiscalizar a execução da obra, nos termos previstos no art. 1209.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, verificando se a obra está a ser executada de acordo com as regras da arte respetiva, com os materiais devidos e sem vícios.
3 - Resulta do art. 1209.º, n.º 2 do Código Civil que o direito de fiscalização do dono da obra não o impede de, findo o contrato, fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, designadamente os resultantes de uma prestação defeituosa, exceto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.
4 - Por maioria de razão, o dono da obra não poderá exercer aqueles direitos se tiver sido ele a impor ao empreiteiro determinadas opções na realização da obra. Neste caso é de excluir a culpa do empreiteiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:


I. RELATÓRIO
I.1.
BB e CC, autores na ação de declarativa de condenação movida contra DD, interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Portalegre, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, o qual julgou a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolveu o réu do pedido.

Na ação os autores pediram ao tribunal que condenasse o réu a:
«a) Proceder à reparação e substituição das portas e janelas que forneceu aos autores;
b) Proceder à reparação do primeiro soalho;
c) Pagar aos autores o valor de 350.00 € suportado pela reparação urgente das portas e janelas;
d) Restituir aos autores o valor de 4476,19 € pagos pelo segundo soalho e que o réu não reparou nem substituiu;
e) Restituir aos autores o valor de 226,56 € cobrados indevidamente pelo fornecimento do soalho do vão das escadas.
f) Suportar as custas, procuradoria e tudo o mais que for devido.»

Para fundamentar os seus pedidos, os autores alegaram, em síntese, o seguinte: são os donos e possuidores de um prédio urbano denominado “Lagem das …”, sito no concelho de Castelo de Vide, e encontram-se a proceder a obras de recuperação no mesmo, tendo contratado o réu para a execução de trabalhos de carpintaria/marcenaria necessários à dita recuperação, concretamente, a feitura e montagem de seis janelas de 1,30 m por 1.20 m, de duas folhas e meia, com vidro duplo e pintura e duas portas de duas folhas e meia, com vidro duplo, tudo em madeira de Cambala, no valor de 5.510,00 € (Iva incluído) que englobava o valor do material e mão de obra, e de duas portas exteriores com fechadura de quatro entradas, no valor de 1490,00 €, acrescido de Iva à taxa legal em vigor, um soalho em madeira que se compunha de duas partes, uma relativa ao teto e outra ao soalho do chão, no valor total de 8.952,38 €. Todos os valores foram liquidados pelos autores. As janelas e portas fornecidas pelo réu apresentam defeitos pois a madeira respetiva é de mogno (em vez de cambola), os caixilhos respetivos têm uma espessura de 3 cm em vez de 5 cm e não foram colocados nas cantarias, as borrachas não foram embutidas nos caixilhos e na parte batente para calafetar as mesmas nem foi colocado silicone para proceder a isolamento, as janelas não fecham devidamente e as duas portas de entrada não fecham totalmente, as almofadas das portas estão rachadas e descoladas, o que origina que a água da chuva entre no interior do prédio. Os defeitos das janelas e das portas foram reportados ao réu em setembro de 2012 e, novamente, em fevereiro de 2013, desta feita também dos estragos provocados no estuque das paredes e no soalho em virtude da entrada de água da chuva no 1.º andar e no rés-do-chão, mas aquele não procedeu à reparação dos defeitos. Face à urgência da reparação, a fim de evitar novos danos no prédio, os autores procederam à reparação das seis janelas e quatro portas, a qual ascendeu a 350,00 €, mas que não dispensa a substituição das janelas e portas por outras com as dimensões e qualidade de material pagas pelos autores. Quanto ao segundo soalho, o réu entregou menos 70 m2 e as suas tábuas também são de madeira de qualidade inferior àquela que foi paga e as tábuas não correspondem às medidas encomendadas e estão furadas, rachadas, e como o réu não procedeu à substituição do 2.º soalho nem à sua reparação apesar de instado a fazê-lo, os autores contratam outrem para o fornecimento e colocação do segundo soalho.
O réu contestou, por impugnação.
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual o tribunal convidou os autores ao aperfeiçoamento da respetiva petição inicial, convite aceite pelos últimos.
O tribunal elaborou despacho-saneador no qual conheceu dos pedidos de condenação do réu na restituição do valor de 4476,19 € e do valor de 226,56 €, julgando-os improcedentes, absolvendo o réu dos mesmos, após o que fixou o valor da causa, o objeto do litígio e os temas de prova e se pronunciou sobre os requerimentos probatórios, tendo ordenado, designadamente, a realização de uma perícia singular.
Foi realizada uma segunda perícia, desta feita, colegial.
Procedeu-se à realização da audiência final, finda a qual foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.
Os recorrentes formularam alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1) Errado julgamento da matéria de facto, nomeadamente, o ponto 17, nomeadamente, por se dado como provado que o R não colocou silicone para proceder ao isolamento por vontade da A. que pretendia manter o aspeto rústico das janelas;
2) Tal não é compaginável com as regras da experiência comum, dado que a colocação de silicone não retira " o aspeto rústico,
3) Resultando da perícia que não existia silicone de isolamento e que tal deveria ocorrer
4) E tal ponto entra em contração com o ponto 26 da matéria dada como provada,
5) Sendo que mais uma vez, segundo as regras da experiência comum a A. tenha pedido ao R. que tenha adquirido e este o tenha feito e instalado material de isolamento,
6) Quando resulta do depoimento da A. nos trechos de 20:02/55:14 a 20:14/55:14, 20:47/55:14 a 21:20/55:14, acima transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, que a A. tenha insistido junto do R. e depois o tenha impedido de colocar o material de isolamento.
7) Pelo que o ponto 26 de matéria de facto deve ser julgado não provado.
8) E o ponto 17 deverá ser julgado como provado o seguinte: O R. não colocou silicone para proceder ao isolamento.
9) Quanto ao ponto 27 também não deve ser considerado como provado,
10) Tal como resulta da sentença, face ao depoimento de Carlos P…, e face à perícia, que os rasgos das cantaria foram efetuados e estão efetuados.
11) O ponto D da matéria dada como não provada, deverá ser incluída na matéria dada como provada, pois tal resulta da perícia efetuada e do esclarecimento do perito no trecho 17:15/24:08 a 17:32/24:08, transcrito acima e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12) Considerou como não provado no ponto G que as janelas não fecham devidamente. Ora resulta da perícia que existem algumas janelas que não se fecham devidamente, pelo que ao contrário do que está explanado na sentença, deveria ser dado como provado que há janelas que não se fecham.
13) Erradamente foi considerado como não provado, no ponto H, que as duas portas da entrada não se fecham totalmente, têm 6/7 milímetros de distância fazendo uma frecha,
14) Ora, resulta do relatório a perícia que a frecha existe e que a mesma é percetível do interior para o exterior, e que tal não deveria ocorrer se tivesse sido usado " boa técnica " de fabrico".
15) Considerou como não provado no ponto I, as almofadas das portas estão rachadas e descoladas,
16) Sendo certo que os senhores peritos detetam nas almofadas das portas fissuras, expressão esta sinónima de rachas.
17) Ao invés do considerado no Ponto J como facto não provado, resulta do documento que foi junto como Doc. n.º 16 e do depoimento da Autora nos seguintes trechos: 02:12/55:14 a 03:11/55:14, 03:13/55:14 a 03:24/55:14, 05:48/55:14 a 06:52/55:14, acima integralmente transcritos, dando-se aqui por integralmente reproduzidos, que a A. mulher em setembro de 2012, aquando das primeira chuvas, reportou ao R. os defeitos das janelas e portas, e que este não procedeu à reparação;
18) Primeiro com invocando várias desculpas para não ir ao prédio, e depois afirmando que a responsabilidade não era dele, que teria feito tudo bem.
19) Pelo que ao invés, deveria ser dado como provado o teor do ponto K, ou seja, que o R. não procedeu à eliminação dos defeitos das janelas e portas por si fornecidas, através da reparação ou substituição das mesmas,
20 ) O que resulta do teor da perícia conjugado com o depoimento da Autora nos trechos : 11:48/55:14 a 12:12/55:14, 19:29/55:14 a 19:59/55:14, 20:02/55:14 a 20:14/55:14, 20:47/55:14 a 21:20/55:14 acima transcritos e aqui dados por integralmente reproduzidos.
21) Acresce que existe insuficiência da matéria de facto, dado que na fundamentação o tribunal " a quo" considera que o único defeito detetado nas portas e janelas se prende com os caixilhos serem de madeira de Mogno e não de Kambala, quando não existe nenhum facto dado como provado quanto a tal fundamentação.
22) Resulta dos esclarecimentos dados pelos senhores peritos, que os caixilhos são de madeira de Mogno,
23) E que há algumas partes das janelas e portas que também não serão de Câmbala,
24) Pelo que tais factos devem constar da matéria de facto dado como provada.
25) Quanto à motivação da matéria de facto foi dada credibilidade a Nelson C…, entendendo os AA. que tal depoimento não pode ser credível quando para algo tão direto do seu depoimento como seja a madeira de que foram feitos os caixilhos, trecho 06:26/11:07 a 06:3/11:07 e 07:19/11:07 a 7:23/11:07, acima transcritos e aqui dados por integralmente reproduzidos, o mesmo se revelou contrário à realidade atestada pela perícia.
26) Sendo que é invocado o depoimento de Vítor F…, que não foi testemunha nos presentes autos:
27) E a expressão de que a A. mulher é pessoa que se apresentou de trato muito difícil, não se compreende, a menos que assim seja considerada por não dar a resposta que o tribunal porventura acharia conveniente que deveria dar.
28) Diga-se que o tribunal " a quo" proferiu expressões para a A., que aqui se dão por integralmente reproduzidas e acima transcritas, que se verificam do depoimento da A. nos trechos: 32:12/55:14 a 32:26/55:14 e 32:52/55:14 a 32:58/55:14.
29) Quanto à matéria de direito, entendeu o tribunal " quo", que a calafetação de seis janelas e duas portas na tentativa de impedir a entrada de água e frio entrassem no interior do prédio, face ao facto de o prédio se encontrar devoluto, não revestia tal reparação caráter urgente.
30) Ora, o facto de o prédio estar devoluto, em reconstrução, como é dado como provado na sentença, tal não pode dar azo a que o mesmo fique sujeito à entrada das águas e consequentemente a sofrer estragos e a ficar degradado,
31) Sem que aja um ato de tentativa de impedir que tal aconteça;
32) Sendo certo que o R., apesar de instado para o fazer, não o fez,
33) Pelo que tiveram de ser os AA. a fazê-lo, devendo tal reparação ser considerada urgente, face aos danos que o prédio estava a sofrer.
34) Não sendo possível determinar com precisão, por não ter sido junto prova documental, quando ao valor pago pelos AA. , deveria o tribunal " a quo" socorrer-se de juízo de equidade para a fixação do valor a entregar aos autores- art.º 566º n.º 3 do C. Civil.
35) Mal andou o tribunal " a quo" ao considerar que sendo o único defeito a qualidade da madeira dos caixilhos, sendo a fornecida de mogno e a contratada de Cambala, sendo a primeira de qualidade inferior, que tal defeito não é eliminável,
36) Não se vislumbrando no entanto qualquer fundamento do tribunal " a quo" para considerar tal defeito não é eliminável, sendo certo que bastaria ao R. retirá-los e colocar outros, sem que tal seja de facto dispendioso para o mesmo,
37) Para além de ser perfeitamente substituível as portas da entradas por outras fabricadas com as técnica de bom fabrico e colocadas no prédio sem que seja visível qualquer frecha,
38) Pelo que violou o tribunal " a quo" o disposto no art.º 1221º do C. Civil, devendo a decisão ser revogada e decidir-se de modo inverso, assim se fazendo JUSTIÇA!

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que importa conhecer são as seguintes:
1 – Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
2 – Erro de julgamento quanto à aplicação do Direito.

II.3.
FACTOS
II.3.1.
Factos provados
O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:
1. Os AA. são donos do prédio urbano denominado "Lagem das …", descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Vide sob o n.º …, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Santiago Maior, concelho de Castelo de Vide.
2. Os AA. encontram-se a proceder a obras de recuperação no mencionado prédio.
3. O R., em 21 de Dezembro de 2011, apresentou à A. mulher o orçamento n.º 0256 para a feitura e montagem de janelas e portas, a saber:
a) seis janelas de 130x110 cm, de 2,5 folhas, com vidro duplo e pintura;
b) duas portas de 2,5 folhas, com vidro duplo.
4. A madeira aplicada seria de Cambala.
5. O valor a pagar pelo material e mão-de-obra, conforme consta do orçamento, comportava o valor de 4.480,00€ acrescido de IVA à taxa em vigor, o que totalizava a quantia de 5.510,00€.
6. Tendo este valor sido aceite pelos AA..
7. A A. mulher liquidou por cheque n.º 0635154891 da CGD emitido em 21/12/2011, o valor de 2.200,00€.
8. Tendo o R. emitido a correspondente fatura e recibo n.º 0568 em 10/02/2012.
9. Em 8/03/2012, a A. através de cheque n.º 2739318257 da CGD, liquidou ao R. o valor de 3.100,00€.
10. Tendo o R. emitido a correspondente fatura e recibo n.º 0572 em 10/03/2012.
11. O R. prestou ainda serviços respeitantes a duas portas exteriores com fechadura de quatro entradas, no valor de 1.490,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
12. Tendo a A. procedido ao seu pagamento por transferência bancária em 11/07/2012.
13. A madeira das janelas e portas que os AA. encomendaram e pagaram é madeira de Cambala.
14. Sendo que a madeira dos caixilhos das janelas e portas que o R. forneceu é de qualidade inferior, sendo de mogno.
15. A madeira de Cambala tem o custo médio de 1.700,00€ por m3, e a madeira de Mogno de 1.200,00€ por m3.
16. Os caixilhos das janelas e portas têm de espessura 3,5 cm e 8 cm de largura.
17. O R. não colocou silicone para proceder ao isolamento por vontade da A. que pretendia manter o aspeto rústico das janelas.
18. O que origina que a água das chuvas entre no interior do prédio.
19. O que levou a que os AA. procedessem posteriormente, através da contratação de um terceiro, à calafetação das seis janelas e duas portas, que consistiu na colocação de borrachas de calafetar à volta caixilhos e afinação das mesmas, na tentativa de impedir desta forma que a água e frio entrassem no interior do prédio.
20. À data os AA. não residiam no prédio, encontrando-se o mesmo devoluto.
21. Os AA. encomendaram e pagaram ao R., o soalho em madeira, que se compunha por duas partes:
a) uma relativa ao teto;
b) e outra ao soalho do chão.
22. Tendo os AA. pago a quantia de 8.952,38€.
23. A obra em causa é uma obra de recuperação e reconstrução de uma casa antiga e que se encontrava em mau estado de conservação.
24. As soleiras das portas são irregulares.
25. O Réu alertou a Autora para estes factos.
26. A pedido da Autora o Réu adquiriu e instalou nas portas material para isolamento.
27. A Autora, apesar de aconselhada pelo Réu a fazê-lo, não quis fazer rasgos na cantaria das portas e janelas, para escoamento das águas, o que leva a infiltrações e à eventual entrada de água da chuva.

II.3.2.
Factos não provados
O tribunal de primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade:
«A. As janelas e portas fornecidas pelo R. apresentam defeitos.
B. Quando deveriam ter 5 cm de largura.
C. Os caixilhos deviam ter sido colocados na cantaria das janelas, o que o R. não fez.
D. Deveria o R. ter embutido borrachas nos caixilhos e na parte batente para calafetar as mesmas, o que não fez.
E. Como não têm espessura suficiente, e os caixilhos não estão colocados na cantaria, as borrachas não podem ser embutidas.
F. Face ao facto de o caixilho não ter a largura que deveria ter, o R. colocou dobradiças de parafusos.
G. As janelas não fecham devidamente.
H. As duas portas de entrada não se fecham totalmente, têm 6/7milimetros de distância, fazendo um frecha.
I. As almofadas das portas estão rachadas e descoladas.
J. Em Setembro de 2012, aquando das primeiras chuvas, a A. mulher reportou junto do R. os defeitos das janelas e portas, sendo que apesar de promessas por parte do R., este não procedeu à reparação dos defeitos.
K. Não tendo o R. procedido à eliminação dos defeitos das janelas e portas por si fornecidas, através de reparação ou substituição das mesmas.
L. Tendo suportado, por tal reparação, a quantia de 350,00€.
M. Esta reparação é apenas de carácter temporário, já que, tendo em consideração a espessura das portas e janelas, não foi possível embutir as borrachas nas mesmas.
N. Pelo que terão sempre de ser substituídas por outras, com as dimensões e qualidade de material devidas, e pagas pelos AA..
O. O soalho do teto é denominado 1º soalho, devia ser de madeira de boa qualidade, de pinho nacional, com tábuas de 20mm de espessura por 21 cm de largura, a madeira devia ser afagada e pintada.
P. O primeiro soalho (teto do rés-do-chão) também não está corretamente colocado, tendo apenas sido pregado numa parte, o que origina que o mesmo tenha ficado abaulado.»

II.4.
Mérito do recurso
II.4.1.
Impugnação da decisão de matéria de facto
Insurgem-se os recorrentes quanto ao facto de o tribunal a quo ter valorizado e julgado credível o depoimento da testemunha Nelson Cardoso; referem, também, que o juiz a quo invoca o depoimento de uma testemunha de nome Vitor F…, a qual não foi testemunha nos autos e, por fim, sustentam que o tribunal a quo classificou a autora como pessoa “de trato muito difícil” e que condicionou as testemunhas apresentadas pela autora e a respetiva inquirição, prejudicando desta forma os recorrentes.
Apreciando.
Na impugnação da decisão de facto visa-se obter uma reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, ou seja, apurar se determinados factos foram incorretamente julgados, quer por terem sido indevidamente considerados assentes, devendo julgar-se não provados, quer por terem sido considerados não provados quando deveriam ter sido considerados assentes. Por conseguinte, ao tribunal de segunda instância em matéria de facto incumbe apenas reapreciar pontos de factos concretamente enunciados pelos interessados e não fazer uma apreciação crítica da valoração efetuada pelo tribunal de primeira instância de um determinado meio probatório sem correlação com um específico ponto de facto que haja sido por aquele (mal) julgado em consequência de tal valoração. Por outras palavras, não incumbe a este tribunal de segunda instância empreender uma reapreciação autónoma da fundamentação da decisão de facto com vista a uma eventual alteração de tal fundamentação.
Pelo que se impõe a rejeição deste segmento do recurso.
Relativamente à menção na sentença sob recurso de uma testemunha de nome Vitor F…, constata-se, pela identificação da mesma empreendida pelo juiz a quo que este se quis referir a Severino R…, testemunha que foi efetivamente ouvida em sede de julgamento. Trata-se, assim, de um lapso de escrita do juiz a quo (porventura resultante do facto de na ata da audiência de julgamento ser aquele o nome que ali consta), cuja retificação os recorrentes não requereram, quer perante a 1.ª instância quer em sede recursiva (cfr. art. 614.º, n.º 2, do CPC).
Pelo que se rejeita, também, este segmento do recurso.
Quanto a eventuais violações do dever de urbanidade que deve pautar as relações entre magistrados e advogados e as partes, aquelas não têm nem devem ser apreciadas nesta sede recursiva.
No que respeita a alegados «condicionalismos» impostos pelo tribunal a quo às testemunhas e à forma de inquirição das mesmas, os recorrentes sustentam que o tribunal a quo, ao decidir, no início da audiência de julgamento, que no tocante aos factos abrangidos pela perícia não haveria prova testemunhal a produzir, prejudicou os autores porquanto «relativamente ao tempo decorrida e à data em que a perícia se realizou haver factos insuscetíveis de a perícia responder, como acontece!» (sic)
A inobservância das prescrições prescritas na lei para a prática dos atos processuais é suscetível de gerar nulidades, cujo regime está previsto nos arts. 186.º e ss. do CPC.
Prescreve o art. 195.º, n.º 1, do CPC que «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»
No normativo citado estão previstas nulidades que para serem declaradas e surtirem os respetivos efeitos têm de ser invocadas pelas pessoas a favor das quais a nulidade foi estabelecida e que são sanáveis pelo decurso do tempo, quando não arguidas dentro do respetivo prazo.
Nos termos do art. 199.º, n.º 1, do CPC, a nulidade deve ser arguida logo no momento em que é cometida, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, e enquanto o ato não terminar, ou, se não o estiver, no prazo de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No caso em apreço, a nulidade processual invocada pelos recorrentes consiste no facto de terem sido impedidos pelo juiz a quo de inquirir as testemunhas sobre factos que consideram não estar abrangidos pelas perícias realizadas. Pelo que teria de ter sido arguida pelos recorrentes perante o tribunal a quo e até ao final da audiência de julgamento, na qual aqueles estiveram representados por mandatário (art. 199.º, n.º 1, do CPC).
A impugnação que se poderia eventualmente enxertar no recurso que foi interposto da sentença final proferida — ainda que condicionada nos termos previstos no art. 630.º, n.º 2, do Código de Processo Civil — seria apenas a relativa a uma eventual decisão que tivesse conhecido e decidido da arguição da nulidade processuais agora invocada pelo recorrente.
Não tendo os recorrentes arguido a nulidade invocada neste recurso perante o tribunal a quo, não foi a mesma conhecida por este último, considerando-se sanada e, como tal, não pode ser conhecida pelo tribunal de segunda instância.
Pelo que improcede este segmento do recurso.
*
Prescreve o art. 662.º, n.º 1, do CPC sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
O Tribunal de segunda instância deve formar a sua própria convicção acerca dos elementos probatórios disponíveis (os indicados pelas partes e os obtidos oficiosamente) a qual deve ser obtida através de uma ponderação crítica dos mesmos, quando sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova (como sucede, no caso vertente). Ou, dito de outra forma, a segunda instância deve funcionar como um efetivo segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.
No caso concreto, o recorrente defende que o tribunal a quo julgou incorretamente os pontos n.ºs 17, 26 e 27 dos factos provados e os pontos D), G), H), I), J) e K) dos factos não provados, pretendendo, também, que seja julgado provado que «os caixilhos são em madeira de mogno, que há algumas partes das janelas e portas que também não serão de Cambala.»
Vejamos se lhe assiste razão.

II.4.1.1.
Pontos n.ºs 17 e 26 da factualidade provada
Os factos em causa têm o seguinte teor:
«O réu não colocou silicone para proceder ao isolamento por vontade da autora que pretendia manter o aspeto rústico das janelas.» (facto 17)
«A pedido da autora o réu adquiriu e instalou nas portas material para isolamento» (facto 26).
Os recorrentes pretendem que a última parte da factualidade contida no ponto n.º 17 - «por vontade da autora que pretendia manter o aspeto rústico das janelas» - transite para a factualidade não provada e que seja julgada não provada a factualidade constante do ponto n.º 26.
Relativamente à factualidade constante do ponto 16 os recorrentes invocam as regras da experiência comum para pôr em causa o depoimento da testemunha Nelson Cardoso, na medida em que este declarou que apesar de ser necessário colocar isolante nas janelas porque as pedras da cantaria são irregulares, concretamente massa e silicone, foi a autora que não o quis fazer porque «não gostava de ver a massa à vista, queria aquilo o mais rústico», alegando que «o silicone tem a característica de ser incolor pelo que a colocação de silicone não retira o aspeto rústico de qualquer janela ou porta».
Mais sustentam os recorrentes que existe uma contradição entre este facto n.º 17 e o facto n.º 26.
Extrai-se da sentença recorrida que o juiz a quo fundou a sua convicção quanto ao facto provado n.º 17 no depoimento da testemunha Nelson C… — o qual já foi carpinteiro e trabalhou para o réu de 1993 a 2013 —, tendo o tribunal a quo considerado que o seu depoimento foi claro, sincero e verosímil, em suma credível.
O juiz a quo valorou o depoimento da testemunha em causa segundo a sua livre convicção, princípio que significa que a prova é valorada a partir das particularidades do caso e segundo padrões flexíveis e critérios razoáveis (vg. máximas de experiência e da lógica), mas que impõe ao juiz que fundamente a decisão proferida sobre a matéria de facto. O que implica — para além da respetiva sustentação em prova efetivamente produzida — uma explicação analítica e racional do processo de valoração da prova que deixe claros os motivos que levaram o tribunal a julgar provada ou não provada a factualidade relevante.
Michelle Taruffo[1] refere-se ao princípio da livre convicção como próprio de um sistema essencialmente racional, em que o juiz se encontra liberto das regras da prova legal mas não das regras da razão, devendo valorar a prova segundo o que chama de discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação racional.
Relativamente ao critério da livre convicção, refere o conselheiro Tomé Gomes[2] que «há que ter presente que o convencimento do julgador se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjetivo do juiz, mas tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso. […] Assim, na valoração dos testemunhos, o juiz deverá tomar em consideração uma multiplicidade de fatores relevantes, designadamente, a idade, as condições físicas, as qualidades intelectuais e morais e a experiência profissional da testemunha, por forma a aferir o rigor das perceções relatadas, bem como a razão de ciência indicada a as circunstâncias objetivas – de tempo e lugar – em que terá percecionado os factos.»
Retornando ao caso em apreço, a testemunha Nelson P… trabalhou para o réu até ao ano de 2013, e designadamente na realização e montagem das portas e janelas em causa nos autos, tendo afirmado, de forma que nos pareceu segura, que apesar de ser necessário colocar massa e silicone nas janelas por causa da irregularidade das pedras das cantarias, a autora não o autorizou para preservar o aspeto rústico das janelas, explicação que parece, também a nós, verosímil considerando que a obra em causa é de remodelação de uma casa antiga, tendo sido evidente no depoimento da autora a preocupação desta última na preservação dos materiais originais da casa.
Também não se vislumbra, e ao contrário do que sustentam os recorrentes, qualquer contradição entre o ponto n.º 17 e o ponto n.º 26 dos factos provados desde logo porque o primeiro reporta-se apenas a janelas ao passo que o segundo se refere a portas. Acresce que, como resultou do depoimento da autora, esta pediu ao réu para colocar borrachas e silicone na janelas mas só o fez depois das primeiras chuvas de setembro e não na altura da montagem das janelas. Pelo que é perfeitamente verosímil que num primeiro momento a autora se tivesse oposto à colocação de isolamento e que, após as primeiras chuvas tivesse reconsiderado e decidido colocar o referido (ou outro) isolamento.
Por conseguinte, deverá manter-se o facto n.º 17 nos termos julgados provados pelo tribunal a quo.
No que respeita ao facto provado n.º 26, não se faz na sentença recorrida alusão aos meios probatórios a que o tribunal a quo recorreu para julgar provada aquela concreta factualidade, extraindo-se de um segmento da sentença que o juiz a quo fez a seguinte consideração: «Ademais, como resultou da conjugação da prova carreada para os autos, a operação de calafetação não é dispendiosa, nem morosa, não tendo o réu nenhuma razão para se recusar a fazê-lo, manchando a sua reputação profissional, atestada pela testemunha Vítor F…, e perder uma cliente a quem já tinha prestado diversos serviços de valor considerável, o que é manifestamente contrário às regras de experiência comum.»
A testemunha Nelson P… declarou, e de forma segura, que o réu não chegou a colocar qualquer isolamento «porque não os deixaram entrar na obra». Ademais a autora também declarou que o réu não colocou isolamentos e que foi o filho do mestre M… que acabou por ir lá colocar as borrachas e o silicone, tendo Francisco P… (filho do mestre M…) confirmado que colocou nas janelas da fachada principal uma borracha em volta das janelas e no batente das janelas, bem como silicone pelo lado de fora das janelas.
Não se olvida que a testemunha Nelson P… afirmou que o réu comprou material de isolamento mas sem especificar qual, nem quando, e do documento junto a fls. 62 dos autos não se infere que o material ali descrito se destinasse à obra em causa nos autos e, concretamente, às janelas (nele há referência a perfis de isolamento para portas).
Pelo que a factualidade contida no ponto n.º 26 deve transitar para os factos não provados, procedendo, nesta parte, o recurso.

II.4.1.2.
Ponto n.º 27 da factualidade provada
Este facto tem o seguinte teor:
«A Autora, apesar de aconselhada pelo réu a fazê-lo, não quis fazer rasgos na cantaria das portas e janelas, para escoamento das águas, o que leva a infiltrações e à eventual entrada de água da chuva».
Os recorrentes sustentam que tal matéria deverá ser julgada não provada porque resulta das perícias que os rasgos se encontram efetuados.
Efetivamente, resulta da perícia colegial que à data da peritagem as cantarias das portas e janelas possuem rasgos para escoamento de águas para o exterior.
Contudo, resultou do depoimento da autora que aqueles rasgos não foram efetuados na fase da montagem inicial das portas e janelas. Afirmou ela que: «o réu entendeu fazer rasgos nas pedras e ela opôs-se. Depois, pediu ao pedreiro para fazer os rasgos, mas a água entrou a mesma.»
Por conseguinte, pese embora a factualidade contida no ponto n.º 27 esteja provada, impõe-se situá-la no tempo, aditando-se à mesma que:
«Aquando da montagem das janelas e das portas, a Autora, apesar de aconselhada pelo réu a fazê-lo, não quis fazer rasgos na cantaria das portas e janelas, para escoamento das águas, o que leva a infiltrações e à eventual entrada de água da chuva.»

II.4.1.3.
Ponto D) dos factos não provados
É a seguinte a redação daquela factualidade:
«Deveria o R. ter embutido borrachas nos caixilhos e na parte batente para calafetar as mesmas, o que não fez.»
Os recorrentes defendem que aquela factualidade deverá ser considerada provada atendendo ao teor da perícia, aos esclarecimentos do perito Jorge G… e às regras da experiência comum.
A primeira parte da alínea D) - «deveria o R. ter embutido borrachas nos caixilhos e na parte batente para calafetar as mesmas» - não configura matéria de facto, traduzindo-se, ao invés, num juízo conclusivo eventualmente baseado em factos que não constam da redação da alínea em questão o que obsta a que este tribunal verifique se os mesmos resultam, ou não, da prova produzida. Consequentemente, não há que determinar a sua transição para os factos provados, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova indicados pelos recorrentes.
Quanto à segunda parte da alínea D) - «o que não fez» - surgindo a mesma na decorrência e em conexão lógica com a primeira parte da alínea, o seu conhecimento torna-se inútil, não havendo, por isso, que verificar se o mesmo resulta provado, ou não. E, consequentemente, não há também que determinar a sua transição para os factos provados, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova indicados pelos recorrentes.
Improcede, assim, este segmento do recurso.

II.4.1.4.
Ponto G) dos factos não provados
Este facto tem o seguinte teor:
«As janelas não fecham devidamente.»
Os recorrentes entendem que deveria ter sido julgado provado que «Algumas das janelas não se fecham devidamente», invocando o relatório pericial.
Na sua petição inicial os autores/recorrente haviam alegado que «As janelas não fecham devidamente» (art. 24.º).
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente a todos os factos não provados essencialmente na prova pericial – singular e colegial – efetuada nos autos, referindo que «[…] na construção da decisão da matéria de facto afigurou-se decisiva a análise da prova pericial carreada para os autos por ordem do tribunal consubstanciada numa primeira perícia singular e numa segunda perícia colegial, tendo ambas concluído no mesmo sentido de modo absolutamente concordante e esclarecedor, tendo em conta os vários esclarecimentos prestados, quer por escrito nos autos, quer oralmente em audiência de julgamento, ditando a decisão respeitante à matéria de facto não provada.» (negrito nosso).
Ora, na primeira perícia (singular) o sr. perito confirmou que algumas das janelas não fecham «como deve ser», avançando como causa possível o facto de não serem bem fechadas.
Na segunda perícia (colegial) escreveu-se que «À data da peritagem, há janelas que fecham e outras que não fecham devidamente».
Em sede de audiência final, o sr. perito Jorge G… “esclareceu” que experimentou algumas janelas que não fechavam bem mas não sabe a razão para tal.
Sendo o facto probando saber se as janelas fecham, ou não - e não as respetivas causas - e tendo ambas as perícias confirmado que algumas janelas não fecham devidamente, deveria ter sido julgado provado que «Algumas das janelas não fecham devidamente».
Assim, procede este segmento do recurso.

II.4.1.5.
Ponto H) dos factos não provados
Este facto tem a seguinte redação: «As duas portas de entrada não se fecham totalmente, têm 6/7milimetros de distância, fazendo uma frecha.»
Entendem os recorrentes que o tribunal a quo deveria ter julgado provado que «As duas portas de entrada não se fecham totalmente, têm 6/7milimetros de distância, fazendo uma frecha visível do interior para o exterior
Os recorrentes invocam a perícia «da qual resulta que a frecha existe» e, ainda, os esclarecimentos dos peritos e as regras de experiência comum.
A redação do ponto H) dos factos não provados corresponde ao teor do art. 25.º da petição inicial.
Quer a perícia singular quer a perícia colegial confirmaram a existência da frecha.
Por conseguinte, deverá transitar para a factualidade provada que as duas portas de entrada não se fecham totalmente, fazendo uma frecha.
Quanto ao demais –«a frecha é visível do interior para o exterior» – há que verificar, previamente à reapreciação dos meios de prova indicados pelos recorrentes, se aquela factualidade cabe nos poderes de cognição do tribunal em matéria de facto.
E, para tal, há que chamar à colação o art. 5.º, do CPC, normativo que regula a aquisição processual de factos relevantes para a decisão da causa que o tribunal pode ter em consideração na decisão da causa apesar de os mesmos não terem sido alegados pelas partes nos respetivos articulados.
Dispõe tal normativo, sob a epígrafe Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, que:
«1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.»
Os recorrentes não procederam à integração do facto que pretendem ver julgado provado - «visível do interior para o exterior» - em qualquer uma das categorias previstas no normativo supra citado e, de facto, não se vislumbra que se trate de um facto instrumental ou de um facto essencial complementador ou concretizador[3] do facto alegado: existência de uma frecha com 6/7 mm de largura.
Por conseguinte, não se trata de facto que deveria ter sido considerado pelo juiz, não havendo, consequentemente, que reapreciar a prova produzida.
Improcede, assim, este segmento do recurso.
II.4.1.6.
Ponto I) dos factos não provados
Este facto tem a seguinte redação: «As almofadas das portas estão rachadas e descoladas.»
Defendem os recorrentes que esta factualidade deveria ser julgada provada, atendendo ao teor da perícia.
No art. 26.º da PI, foi alegado que «As almofadas das portas estão rachadas e descoladas».
Na perícia singular escreveu-se que «[…] se vêm algumas rachas nas almofadas não muito grandes assim como um fungo de humidade do lado exterior, possível talvez derivado da falta de manutenção, a racha maior que se vê não me parece que seja por natureza da madeira ter rachado, mais me parece que tenha sido forçada por algum motivo.»
Na perícia colegial consta o seguinte: «à data da perícia, as almofadas apresentam algumas fissuras e um deslocamento normal, o qual é proveniente das mesmas não estarem coladas e a não colagem das almofadas obedece a boa técnica de montagem para desse modo se poderem movimentar com as diferenças climatéricas».
Resulta, pois, da perícia que as portas apresentam algumas fissuras/rachas e descolagem.
Em face do exposto, deverá transitar para a factualidade provada que as almofadas das portas apresentam algumas rachas e que estão descoladas.

II.4.1.7.
Pontos J) e K) dos factos não provados
É a seguinte a redação da factualidade em causa:
«Em Setembro de 2012, aquando das primeiras chuvas, a A. mulher reportou junto do R. os defeitos das janelas e portas, sendo que apesar de promessas por parte do R., este não procedeu à reparação dos defeitos.» (al. J)
«Não tendo o R. procedido à eliminação dos defeitos das janelas e portas por si fornecidas, através de reparação ou substituição das mesmas.» (al. K)
Defendem os recorrentes que o facto J) deveria ter sido julgado provado, invocando o documento n.º 16 anexo à petição inicial e o depoimento da autora. E que resultou da perícia e do depoimento da autora a factualidade a que alude a alínea K).
Extrai-se da sentença recorrida que o juiz a quo fundamentou a sua convicção quanto à factualidade em causa da seguinte forma: «[…]uma vez incompatibilizada com o R., a atuação da A., ao contrário do que de modo incongruente tentou fazer crer, foi a de contratar terceiros para solucionar o problema por si criado, não permitindo ao R. tal possibilidade, como aliás fez com todas as restantes intervenções realizadas na casa respeitantes à compra e instalação de novas janelas, à colocação do segundo soalho, à reparação dos estragos provocados pela chuva, etc, etc, julgando erroneamente que depois poderia imputar tais custos ao R.. Ademais, como resultou da conjugação da prova carreada para os autos, a operação de calafetação não é dispendiosa, nem morosa, não tendo o R. nenhuma razão para se recusar a fazê-lo, manchando a sua reputação profissional, atestada pela testemunha Vítor F…, e perder uma cliente a quem já tinha prestado diversos serviços de valor considerável, o que é manifestamente contrário às regras de experiência comum
Como ponto prévio, dir-se-á não se olvidar que as declarações de parte devem ser valoradas com especial cuidado na medida em que são produzidas por um interessado no desfecho da causa, são, portanto, “declarações interessadas”. Mas, no caso concreto, as declarações da autora, no que respeita aos factos ora em apreço, até foram corroboradas por outros meios probatórios. Com efeito, encontra-se junto aos autos uma carta datada de 6 de fevereiro de 2013, dirigida pela autora ao réu (documento n.º 16 anexo à PI), o qual não foi impugnado, e na qual consta a seguinte passagem «[…] cerca de setembro de 2012, altura das primeiras chuvas, por mim foi-lhe reportado que tais portas e janelas apresentavam defeitos».
Da conjugação daqueles dois meios probatórios (declarações de parte da autora e documento n.º 16) resulta que, logo em setembro de 2012 e após as primeiras chuvas, a autora interpelou o réu para que este «fizesse alguma coisa» às janelas e portas para evitar a entrada de água no interior do prédio.
A autora declarou, em sede de julgamento, que embora o réu nunca lhe tivesse dito que não se disponibilizava, também não aparecia para fazer as reparações que fossem necessárias e que seguramente no ano de 2013, telefonou ao réu muitas vezes e que ele apareceu uma vez na Quinta, tendo ela pedido que ele pusesse as borrachas necessárias nas janelas senão contrataria um terceiro e que o réu se recusou dizendo que «Se as águas entram, não é minha culpa».
Resulta assim da prova produzida que, em Setembro de 2012, aquando das primeiras chuvas, a autora-mulher reportou ao R. a existência de problemas nas janelas e portas, e que apesar de promessas por parte do R., este não procedeu, então, a qualquer reparação.
Também resulta provado que o réu nunca procedeu a qualquer reparação nas janelas e portas, ou a qualquer substituição. Isso mesmo foi confirmado pela testemunha Nelson P….
Em face do exposto, há que julgar provada a factualidade em causa, procedendo, assim, este segmento do recurso.

II.4.1.8.
Ampliação da matéria de facto provada
Pretendem os recorrentes que o tribunal adite aos factos provados a seguinte factualidade: «Os caixilhos são em madeira de mogno e há algumas partes das janelas e portas que também não são de madeira de Cambala.»
Invocam a perícia e os esclarecimentos prestados pelos srs. peritos.
Os autores alegaram na sua petição inicial que a madeiras das janelas e portas que os autores encomendaram e pagaram é madeira de Cambala e que a madeira das janelas e portas que o réu forneceu é de qualidade inferior, sendo mogno (arts. 15.º e 16.º).
O tribunal a quo julgou provado que a madeira dos caixilhos das janelas e portas que o R. forneceu é de qualidade inferior, sendo de mogno.
Pelo que a primeira parte da factualidade que os recorrentes pretendem ver julgada provada («os caixilhos são em madeira de mogno») já foi julgada provada pelo tribunal a quo, impondo-se, por isso, a rejeição desta parte do recurso.
Quanto ao demais, a prova produzida não autoriza a pretensão dos autores. Com efeito, no relatório da perícia colegial está escrito que «pelas raspagens que foram feitas em duas portas, dois caixilhos e duas janelas, os peritos verificaram que a madeira aplicada é Cambala, em ambas as portas e janelas, sendo que nos caixilhos aparece madeira de mogno» e que a maioria da madeira aplicada é Cambala. E, em sede de esclarecimento, os srs. peritos confirmaram que a amostragem realizada demonstrou isso mesmo.
Improcede, portanto, este segmento do recurso.
*
*
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, em consequência:
1 – Ordena-se a transição do facto enunciado sob o n.º 26 na sentença recorrida para a factualidade não provada.
2 – Altera-se a redação do facto julgado provado na sentença recorrida sob o n.º n.º 27 que passará a ser a seguinte: «Aquando da montagem das janelas e das portas, a Autora, apesar de aconselhada pelo réu a fazê-lo, não quis fazer rasgos na cantaria das portas e janelas, para escoamento das águas, o que leva a infiltrações e à eventual entrada de água da chuva».
3 – Ordena-se a transição para a matéria de facto provada do seguinte facto: «Algumas das janelas não fecham devidamente».
4 – Ordena-se a transição da factualidade constante da alínea H) dos factos não provados para os factos provados com a seguinte redação: «As duas portas de entrada não se fecham totalmente, têm 6/7milimetros de distância, fazendo uma frecha.»
5 – Ordena-se a transição da factualidade constante da alínea I) dos factos não provados para os factos provados.
6 – Ordena-se a transição da factualidade constante das alíneas J) e K) dos factos não provados para os factos provados.
*
Por uma questão de clareza, procede-se agora à enunciação dos factos provados:
1. Os autores são donos do prédio urbano denominado "Lagem das …", descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Vide sob o n.º …, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Santiago Maior, concelho de Castelo de Vide.
2. Os autores encontram-se a proceder a obras de recuperação no mencionado prédio.
3. O réu, em 21 de Dezembro de 2011, apresentou à autora mulher o orçamento n.º 0256 para a feitura e montagem de janelas e portas, a saber:
a) seis janelas de 130x110 cm, de 2,5 folhas, com vidro duplo e pintura;
b) duas portas de 2,5 folhas, com vidro duplo.
4. A madeira aplicada seria de cambala.
5. O valor a pagar pelo material e mão-de-obra, conforme consta do orçamento, comportava o valor de 4.480,00€ acrescido de IVA à taxa em vigor, o que totalizava a quantia de 5.510,00€.
6. Tendo este valor sido aceite pelos autores.
7. A autora mulher liquidou por cheque n.º 0635154891 da CGD emitido em 21/12/2011, o valor de 2.200,00€.
8. Tendo o réu emitido a correspondente fatura e recibo n.º 0568 em 10/02/2012.
9. Em 8/03/2012, a autora através de cheque n.º 2739318257 da CGD, liquidou ao réu o valor de 3.100,00€.
10. Tendo o réu emitido a correspondente fatura e recibo n.º 0572 em 10/03/2012.
11. O réu prestou ainda serviços respeitantes a duas portas exteriores com fechadura de quatro entradas, no valor de 1.490,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
12. Tendo a autora procedido ao seu pagamento por transferência bancária em 11/07/2012.
13. A madeira das janelas e portas que os autores encomendaram e pagaram é madeira de cambala.
14. Sendo que a madeira dos caixilhos das janelas e portas que o R. forneceu é de qualidade inferior, sendo de mogno.
15. A madeira de cambala tem o custo médio de 1.700,00€ por m3, e a madeira de mogno de 1.200,00€ por m3.
16. Os caixilhos das janelas e portas têm de espessura 3,5 cm e 8 cm de largura.
17. O réu não colocou silicone para proceder ao isolamento por vontade da autora que pretendia manter o aspeto rústico das janelas.
18. O que origina que a água das chuvas entre no interior do prédio.
19. O que levou a que os autores procedessem posteriormente, através da contratação de um terceiro, à calafetação das seis janelas e duas portas, que consistiu na colocação de borrachas de calafetar à volta caixilhos e afinação das mesmas, na tentativa de impedir desta forma que a água e frio entrassem no interior do prédio.
20. À data os autores não residiam no prédio, encontrando-se o mesmo devoluto.
21. Os autores encomendaram e pagaram ao réu, o soalho em madeira, que se compunha por duas partes:
a) uma relativa ao teto;
b) e outra ao soalho do chão.
22. Tendo os autores pago a quantia de 8.952,38€.
23. A obra em causa é uma obra de recuperação e reconstrução de uma casa antiga e que se encontrava em mau estado de conservação.
24. As soleiras das portas são irregulares.
25. O réu alertou a autora para estes factos.
26 (antigo 27). Aquando da montagem das janelas e das portas, a autora, apesar de aconselhada pelo réu a fazê-lo, não quis fazer rasgos na cantaria das portas e janelas, para escoamento das águas, o que leva a infiltrações e à eventual entrada de água da chuva.
27. Algumas janelas não fecham devidamente.
28. As duas portas de entrada não se fecham totalmente, têm 6/7milimetros de distância, fazendo uma frecha.
29. As almofadas das portas apresentam algumas rachas e descolagem.
30. Em Setembro de 2012, aquando das primeiras chuvas, a autora mulher reportou junto do réu defeitos das janelas e portas, sendo que apesar de promessas por parte do réu, este não procedeu à reparação dos defeitos.
31. Não tendo o réu procedido à eliminação dos defeitos das janelas e portas por si fornecidas, através de reparação ou substituição das mesmas.


II.4.2.
O Direito
Estão em causa, tão só, os pedidos de condenação do réu a proceder à reparação e substituição das portas e janelas que forneceu aos autores e a condenação do réu a pagar aos autores o valor de 350.00 € suportado pela reparação urgente das portas e janelas.
Os recorrentes impugnam a parte da sentença em que o tribunal a quo julgou que a reparação consistente na calafetagem de seis janelas e duas portas para tentar impedir a entrada de água e de frio no interior do prédio não reveste caráter urgente e, consequentemente, julgou improcedente o pedido supra enunciado, bem como a parte da sentença em que o tribunal a quo considerou que o defeito consistente no fornecimento de madeira diferente da contratada e paga «não é eliminável», tendo, por isso, violado o disposto no art. 1221.º, do Código Civil, entendendo, ainda, que a frecha existente nas portas da entrada é um defeito e eliminável.
Apreciando.
Não é controvertido que entre os autores e o réu foi outorgado um contrato de empreitada o qual é definido no art. 1207.º, do Código Civil como aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Trata-se de um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço.
Quem celebra um contrato de empreitada tem direito a que, no prazo acordado, lhe seja entregue uma obra realizada nos termos convencionados, sendo a sua principal obrigação a prestação do preço acordado, o qual, na falta de cláusula ou uso em contrário, deve ser pago no ato de aceitação da obra (arts. 1208.º e 1211.º, n.º 2, ambos do CC).
Assim, constitui obrigação do empreiteiro executar a obra conforme o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou diminuam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208.º e art. 406.º, ambos do Código Civil).
No contrato de empreitada, o cumprimento do mesmo ter-se-á por “defeituoso” quando a obra foi realizada com “deformidades” ou com “vícios” (art. 1208.º, do CC).
Os “vícios” traduzem-se em anomalias objetivas da obra, independentemente das características convencionadas, que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão[4] para o uso ordinário ou para o uso previsto no contrato (cfr. art. 1208.º, do CC).
As “desconformidades” traduzem-se em desvios ao projeto de obra, expressa ou tacitamente convencionado, sem autorização do dono da mesma e que não se revelem necessárias (art. 1214.º, do CC). Neste caso, o defeito resulta do facto de o empreiteiro realizar uma obra diferente daquela que foi estipulada, independentemente de qualquer exclusão ou redução do seu valor, ou da adequação do fim a que se destina. «Nas características convencionadas, incluem-se todas aquelas qualidades da obra que o empreiteiro assegurou quer no momento da realização do contrato perante a contraparte, quer aquelas que anteriormente publicitou por qualquer meio e que foram do conhecimento do dono da obra, desde que estas últimas reúnam os requisitos necessários à sua eficácia como declarações tácitas negociais e não tenham sido afastadas no texto contratual»[5].
Por conseguinte, se o empreiteiro realizar alterações ao projeto da obra tal como convencionado, sem o acordo do dono da obra e contra a sua vontade, a obra há-se considerar-se defeituosa.
O cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, por parte do empreiteiro, tem por base a ideia de que aquele está vinculado a uma obrigação de resultado, estando obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e regras da arte e se a obra apresenta defeitos, então, não foi alcançado o resultado prometido.
Ao contrato de empreitada aplicam-se não apenas as regras previstas nos arts. 1207.º e ss. do Código Civil, mas também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas não se revelem incompatíveis – neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 27.01.2003, processo n.º 03B3968, publicado em www.dgsi.pt e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Coleção Teses, 2000, Almedina, pp. 271 e ss.
O cumprimento defeituoso da obrigação de realizar a obra convencionada faz o empreiteiro incorrer em responsabilidade civil contratual, nos termos do art. 798.º, do Código Civil.
A responsabilidade derivada do cumprimento defeituoso baseia-se na culpa do devedor, a qual se presume (art. 799.º, n.º 1, do CC).
O prof. Carneiro da Frada[6], a propósito da presunção expressa no art. 799.º, n.º 1, do Código Civil no incumprimento das obrigações de resultado em geral, escreveu: «O âmbito da presunção de culpa pode ser de facto bastante mais alargado. Para além da censurabilidade da conduta do devedor, ela estende-se também à existência de um comportamento faltoso do devedor ou dos seus auxiliares e à causalidade entre esse mesmo comportamento e a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso verificados. Assim, provada a falta ou a deficiência da prestação realizada, presume a lei também que elas repousam numa conduta ilícita do devedor (uma presunção de ilicitude), desonerando o credor da respetiva prova.»
No domínio do contrato de empreitada, aquela presunção significa que ao dono da obra cumpre apenas provar a materialidade do incumprimento, recaindo sobre o empreiteiro o ónus de provar de que o incumprimento defeituoso não lhe é imputável, isto é, não procede de culpa sua.
Mas, como salienta o conselheiro Cura Mariano, ob. cit., p. 71: «Este ónus de prova não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. […] O empreiteiro tem de provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha […].»
Também Pedro Martinez, ob. cit. p. 281, afirma que «[…] para que o facto não se considere imputável ao devedor, a este cabe unicamente a prova de uma causa estranha. Assim, o vendedor, para afastar a presunção de culpa, só pode invocar três causas: força maior; atitude negligente da contraparte; e facto de terceiro. O mesmo se passa quanto ao empreiteiro».
Questão com relevo para a presente ação é saber se a presunção de culpa do devedor pode ser afastada se um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, sendo que, nos termos do art. 570.º, do CC, a indemnização, em tais casos, pode ser reduzida ou até excluída.
No caso da empreitada, poderá a responsabilidade civil do empreiteiro ser afastada se os defeitos se ficaram a dever, por exemplo, a ordens ou instruções do dono da obra?
Nos termos do art. 1208.º, do Código Civil, na execução da obra, o empreiteiro tem, antes de mais de respeitar o que foi convencionado com o dono da obra, sendo também pelo contrato que se afere o fim a que a obra se destina (e na falta de indicação no contrato de tal fim, haverá que atender-se ao “uso ordinário” da obra, quer dizer, ao uso normal ou corrente). Para além do que foi acordado, o empreiteiro está vinculado às regras da arte ou profissão em cujo âmbito se integra a execução da obra e a normas técnicas constantes de legislação extravagante, designadamente no que respeita à construção de edifícios e de outras obras de longa duração.
Na empreitada, as normas técnicas estão, de certa forma, associadas às regras da arte e tanto umas como outras dependem do estado de evolução da técnica, no momento da realização do ato[7].
O dono da obra pode fiscalizar a execução da obra, nos termos previstos no art. 1209.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, verificando se a obra está a ser executada de acordo com as regras da arte respetiva, com os materiais devidos e sem vícios.
Resulta do art. 1209.º, n.º 2 do Código Civil que o direito de fiscalização do dono da obra não o impede de, findo o contrato, fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, designadamente os resultantes de uma prestação defeituosa, exceto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.
Por maioria de razão, o dono da obra não poderá exercer aqueles direitos se tiver sido ele a impor ao empreiteiro determinadas opções na realização da obra. Neste caso parece ser de excluir a culpa do empreiteiro.
Os direitos do dono da obra realizada defeituosamente estão previstos nos arts. 1221.º e ss. do Código Civil. Como referido supra, são eles, respetivamente, e para além do direito a recusar a obra, o direito de eliminação dos defeitos, o direito de redução do preço, o direito de resolução do contrato e o direito de indemnização.
Note-se que se tem entendido que o dono da obra não pode exercer aqueles direitos de forma indistinta: em primeiro lugar, o empreiteiro está adstrito a eliminar os defeitos ou a realizar nova obra; frustrando-se esta pretensão, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato.
No que concerne ao direito à eliminação dos defeitos, o mesmo está previsto no art. 1221.º, do Código Civil, o qual estabelece que:
«1- Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção.
2 – Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.»
Como decorre do normativo citado, a eliminação dos defeitos não é exigível caso seja impossível (“se não puderem ser suprimidos”) ou se revele desproporcional (“se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito”). Ou seja, na aferição da desproporcionalidade do exercício do direito à eliminação dos defeitos, há que ponderar o custo das obras de reparação e o proveito para o dono da obra consistente na eliminação do defeito. Para determinar essa onerosidade a relação que se estabelece não é entre o valor da reparação e o preço acordado mas sim entre aquele e a vantagem que o credor obtém[8].
Na ação em que o dono da obra exerça o direito em causa, aquele tem de provar apenas a existência do defeito, impendendo sobre o empreiteiro o ónus da prova da impossibilidade da sua eliminação ou da desproporção dos custos dos respetivos trabalhos, em conformidade com o art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
No caso de os defeitos não serem elimináveis, pelas razões acima expostas, a lei prevê o direito do dono da obra a «uma nova construção», o que é dizer, o dono da obra tem direito a que o empreiteiro repita a prestação a que se obrigou (art. 1221.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC).
A norma em causa abrange quer uma nova realização de toda a obra, como só de parte da obra, ou até apenas a substituição de materiais[9].
No contrato de empreitada, a eliminação do defeito pode implicar uma nova realização parcial da obra.
Também no caso da substituição ou nova realização da obra, o empreiteiro pode escusar-se a repetir a sua prestação, caso o custo se revele desproporcionado, isto é, se o custo da repetição for desmesuradamente superior ao resultado da diferença entre o valor da obra com defeito e sem defeito, no interesse do seu dono. Neste caso, o dono da obra deverá exercer outro dos direitos que a lei lhe confere, nomeadamente, o direito à redução do preço (art. 1222.º, n.º 1, do CC). Mas, também aqui, incumbe ao empreiteiro o ónus de prova da desproporção dos custos de realização de uma nova obra (art. 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Outra questão que se coloca e que releva para o caso sub é a de saber se a não eliminação dos defeitos pelo empreiteiro permite, ou não, ao dono da obra, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos e reclamar, posteriormente, do empreiteiro o pagamento das despesas efetuadas com esses trabalhos.
Tem-se admitido que, verificando-se um incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-las, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer, falhou no seu cumprimento ou deixou que a realização da sua prestação perdesse o interesse para o credor, o dono da obra pode efetuar a reparação pelos seus meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo ressarcimento do custo de tais trabalhos – vd., por todos, Cura Mariano, ob. cit. p. 140, e na jurisprudência, entre outros, Ac. RL de 13.03.2012, processo n.º 3919/09.0TBVFX.L1-1, Ac. RG de 14.02.2019, processo n.º 995/16.2T8BGC.G2, Ac. RG de 25.10.2012, processo n.º 1121/11.0TPEPS.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Para além dos casos de incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, a não eliminação dos defeitos por banda daquele não confere ao dono da obra o direito de, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos e, posteriormente, reclamar do primeiro o pagamento das despesas que teve com a eliminação dos defeitos, na medida em que o direito de eliminação do defeitos (e de realização de obra nova) estão estabelecidos no interesse de ambos as partes, devendo, por isso, o dono da obra dar ao empreiteiro a oportunidade de reparar o defeito, sob pena de se considerar extinta a obrigação do empreiteiro de reparação dos defeitos da obra na medida em que aquela se torna impossível com a intervenção do dono da obra (art. 790.º, n.º 1, do Código Civil).
Excetuam-se, porém, os casos de urgência, aqueles que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a enquadrar nos institutos da ação direta (art. 336.º, do CC) ou do estado de necessidade (art. 339.º do CC) – vd., por todos, o ac. RL de 13.03.2012, supra referido. Nestes, portanto, o dono da obra pode proceder à eliminação dos defeitos pelos seus meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo reembolso do valor despendido.
Retornando ao caso concreto, os autores haviam peticionado a reparação e eliminação de defeitos das janelas e portas «devendo o material aplicado ser o que efetivamente foi faturado pelo réu e pago pela autora».
O tribunal a quo julgou que «o único defeito detetado nas portas e janelas, assacável ao réu, prende-se com o facto de os caixilhos serem de madeira de mogno e não de madeira de kambala, como foi contratado, sendo a primeira de qualidade inferior.» E que, por não ter ficado demonstrado que aquela circunstância impeça a realização do fim a que se destinam, não se tratando de um efeito eliminável e sendo manifestamente desproporcionada a despesa de substituir os caixilhos existentes em mogno por madeira de kambala, não assiste aos autores o direito de pedir a sua substituição mas apenas a redução do preço, nos termos do art. 1222.º, n.º 1, do Código Civil, a qual não foi peticionada» Pelo que, não podendo o tribunal condenar o réu em objeto diverso do que foi pedido, julgou improcedente o pedido de condenação do réu a proceder à substituição das portas e janelas.
Está provado que a madeira das janelas e portas que os autores encomendaram e pagaram é madeira de cambala e que a madeira aplicada pelo réu nos caixilhos[10] das janelas e portas é de mogno, madeira de qualidade inferior, tendo a primeira um custo médio de 1.700,00 por m3 e a segunda um custo de 1.200,00€ por m3 (cfr. supra II.4.1.8).
Estamos, portanto, perante uma “desconformidade” da obra, isto é, um desvio ao projeto de obra convencionado pois o que os autores acordaram com o réu e lhe pagaram foi a construção das janelas e portas em madeira de cambala e o que o réu aplicou nos caixilhos das janelas e portas foi madeira de Mogno – no sentido de que as “desconformidades podem resultar da falta de correspondência entre os materiais previstos para a obra e os efetivamente utilizados, vd. Ac. RP de 07.11.2013, processo n.º 91046/11.0YPRT.P1, consultável em www.dgsi.pt. e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Coleção Teses, 2000, Almedina, p. 131.
No caso em apreço a “desconformidade” em causa é relevante atendendo não à diferença de preço e de qualidade entre as duas madeiras (a que foi paga e a que foi utilizada pelo réu na construção dos caixilhos), pelo que se impõe a eliminação do defeito, a qual implica a substituição dos caixilhos das portas e janelas por uns caixilhos em madeira de cambala.
O réu não alegou, logo não provou, a impossibilidade de substituição de uns caixilhos por outros nem uma eventual desproporcionalidade entre o custo de tal substituição e o proveito que para os autores envolve essa substituição (art. 342.º, n.º 2, do CC), tendo-se limitado a afirmar que as portas e janelas são em madeira de cambala (cfr. art. 5.º da Contestação), não vislumbrando nós em que facto se suportou o tribunal a quo para considerar que o «defeito não é eliminável».
Concluindo, os autores têm direito à substituição dos caixilhos em madeira de mogno por uns caixilhos em madeira de cambala, a qual encomendaram e pagaram.
Quanto ao pedido de reparação/substituição das duas portas de entrada, em virtude da existência de uma frecha, os recorrentes alegaram que o facto de as duas portas não fecharem totalmente, tendo uma 6/7 mm de distância, fazendo uma frecha origina que a água das chuvas entre no interior do prédio (cfr. arts. 25.º e 27 da PI).
Porém, não foi estabelecido qualquer nexo de causalidade entre uma coisa e outra, isto é, entre a frecha das portas e a entrada de água no prédio, pelo que não podemos afirmar estar perante um «defeito» de obra. Improcedendo, assim, qualquer pretensão de reparação/substituição das portas em virtude das referidas frechas.
Relativamente ao pedido de condenação do réu/recorrido no pagamento do valor de 350,00€, o mesmo prende-se com a calafetação de seis janelas e duas portas que os autores contrataram a terceiro.
O tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação do réu no pagamento aos autores do valor de 350.00 € suportado pela reparação urgente das portas e janelas porquanto «para além de não ter ficado provada qualquer urgência na operação de calafetação por terceiro, foi a autora quem ignorou as recomendações e avisos do réu para abrir rasgos nas cantarias e proceder à calafetação, não permitindo, depois, tal ação, não podendo, por isso, ser assacada ao réu qualquer responsabilidade pelo respetivo custo» (sic).
Está provado que «O réu não colocou silicone para proceder ao isolamento por vontade da autora que pretendia manter o aspeto rústico das janelas, o que origina que a água das chuvas entre no prédio, o que levou a que os autores procedessem posteriormente, através da contratação de um terceiro, à calafetação das seis janelas e duas portas que consistiu na colocação de borrachas de calafetar à volta dos caixilhos e afinação das mesmas, na tentativa de impedir desta forma que a água e frio entrassem no interior do prédio» (cfr. supra II.4.1.8).
Ou seja, a calafetação em causa visou obstar à entrada de água e de frio no interior do prédio dos autores, causada pela falta de aplicação de silicone. Contudo, provou-se que a não colocação de silicone, aquando da montagem efetuada pelo réu, foi determinada pela própria autora (cfr. supra II.4.1.8).
Por conseguinte, não existia, por banda do réu/recorrido, a obrigação de proceder à reparação daquele concreto defeito, ficando prejudicada a apreciação da questão da urgência da reparação levada a cabo pelos autores, por intermédio de terceiro.

Sumariando:
1 - Nos termos do art. 1208.º, do Código Civil, na execução da obra, o empreiteiro tem, antes de mais de respeitar o que foi convencionado com o dono da obra, sendo também pelo contrato que se afere o fim a que a obra se destina (e na falta de indicação no contrato de tal fim, haverá que atender-se ao “uso ordinário”). Para além do que foi acordado, o empreiteiro está vinculado às regras da arte ou profissão em cujo âmbito se integra a execução da obra e a normas técnicas constantes de legislação extravagante, designadamente, no que respeita à construção de edifícios e de outras obras de longa duração.
2 - O dono da obra pode fiscalizar a execução da obra, nos termos previstos no art. 1209.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, verificando se a obra está a ser executada de acordo com as regras da arte respetiva, com os materiais devidos e sem vícios.
3 - Resulta do art. 1209.º, n.º 2 do Código Civil que o direito de fiscalização do dono da obra não o impede de, findo o contrato, fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, designadamente os resultantes de uma prestação defeituosa, exceto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.
4 - Por maioria de razão, o dono da obra não poderá exercer aqueles direitos se tiver sido ele a impor ao empreiteiro determinadas opções na realização da obra. Neste caso é de excluir a culpa do empreiteiro.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, condena-se o réu José Maria Meio Tostão Nogueira a proceder à substituição dos caixilhos das janelas e portas em madeira de mogno por uns caixilhos em madeira de Cambala, revogando-se a sentença recorrida nesta parte, confirmando-se no mais a sentença.
Sem custas na presente instância porquanto a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso encontra-se pago e não há lugar a custas de parte porque não houve resposta às alegações de recurso (arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do CPC).
Notifique.

Évora, 24 de outubro de 2019,
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato
Mata Ribeiro

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[1] Michele Taruffo, Conocimiento científico e estándares de prueba judicial, Boletin Mexicano de Derecho Comparado, nueva série, año XXXVIII, nº 114.
[2] Um Olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no Processo Civil, revista do CEJ, III.IV, 1995, 127-168.
[3] Dentro da categoria dos factos “essenciais” há aqueles que são “complementares”, isto é, factos que «emprestam um certo sentido (essencial) aos factos já alegados, conferindo unidade e concludência jurídica ao contexto factual» e os que são “concretizadores”, isto é, circunstâncias de facto subordinadas, sem sentido autónomo, que permitem densificar o facto essencial alegado, até um nível de concretização exigido pela norma substantiva para que o direito invocado, com o âmbito pedido, possa ser reconhecido – vd. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, os Artigos da Reforma, 2014, 2.ª edição, Almedina, pp. 34 e ss.
[4] A exclusão ou redução do valor são aferidas pelo seu valor normal de mercado, isto é, o valor corrente das coisas da mesma categoria ou género existentes no comércio.
A exclusão ou a redução da aptidão da obra relativamente ao uso ou fim a que se destina reporta-se a uma utilização satisfatória, num padrão de normalidade, ou a uma especial finalidade visada pelo dono da obra, caso esta esteja prevista no contrato - João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015, 6.ª edição revista e aumentada, Almedina, p. 58.
[5] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015, 6.ª edição revista e aumentada, Almedina, p. 61.
[6] Contrato e Deveres de Proteção, 1994, Coimbra, p. 191-192.
[7] Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 181.
[8] Cura Mariano, ob. cit., p. 113.
[9] Pedro Martinez, ob. cit., pp. 350-351.
[10] Parte da esquadria que sustenta e guarnece os vidros.