Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2785/20.9T8STB-A.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – Dado o disposto no art.º 707.º do CPC, o documento autêntico ou autenticado onde não constam alguns elementos da obrigação exequenda pode ser complementado com outro documento emitido em conformidade com o que nele foi convencionado, tendo então a força de título executivo.
2 – Assim acontece num contrato de abertura de crédito, assinado pelo executado embargante, e autenticado por notário, em que se estatui expressamente que os extractos de conta referentes à disponibilização de capital prevista no contrato constituem documento bastante para a prova da dívida e para a sua reclamação em juízo.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
Correndo os seus termos execução ordinária para pagamento de quantia certa instaurada pela exequente Pelican Protagonist, Unipessoal, Lda., contra o executado AA, veio o executado, por apenso, deduzir oposição por embargos.
Alegou diversos fundamentos de oposição, nomeadamente e em síntese:
- que a exequente é parte ilegítima, quer por não estar demonstrado que os créditos titulados pelos contratos ajuizados foram objeto da cessão de créditos celebrada com a CGD, quer por não ter sido notificado da cessão de créditos;
- que os contratos de abertura de crédito não se revestem de força executiva, sendo que um deles não é documento autenticado e que as alterações feitas aos contratos de 25.09.2014, referentes a prazo e taxas de juro, não se encontram autenticadas e não revestem as características de exequibilidade;
- que a obrigação é inexigível por não ter sido comunicada a cessação do contrato, nem ter sido reclamado o pagamento da totalidade do capital em dívida;
- que há que atender aos pagamentos efetuados no processo de insolvência da devedora Robcork, na sequência da liquidação do ativo da sociedade que ali teve lugar.
- que no acórdão n.º 670/2019, de 13/11, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma constante do art. 9º, n.º 4 do DL n.º 278/93, de 20/8;
- que relativamente ao contrato de abertura de crédito nº ...55, celebrado em 26.12.2013, tendo ficado convencionado que as prestações pagas pela Robcork até ao mês de abril do ano de 2014 (inclusive) pagaram apenas juros e encargos, todas as prestações pagas posteriormente a esta data, para além de pagarem juros e encargos, também amortizaram capital, desconhecendo o embargante qual o valor que pertence a amortização de capital, uma vez que a embargada não juntou o discriminativo de cada prestação, pelo que não é devedor de todo o valor de capital e do valor de juros moratórios reclamados sobre o referido valor de capital;
- que relativamente ao contrato de abertura de crédito nº ...5191, celebrado em 25.09.2014, tendo ficado convencionado que as prestações pagas pela Robcork até ao mês de janeiro do ano de 2015 (inclusive) pagaram apenas juros e encargos, todas as prestações pagas posteriormente a esta data, para além de pagarem juros e encargos, também amortizaram capital, desconhecendo o embargante qual o valor que pertence a amortização de capital, uma vez que a embargada não juntou o discriminativo de cada prestação, pelo que não é devedor de todo o valor de capital e do valor de juros moratórios reclamados sobre o referido valor de capital;
- que relativamente ao contrato de abertura de crédito nº ...5192, celebrado em 25.09.2014, tendo ficado convencionado que as prestações pagas pela Robcork até ao mês de novembro do ano de 2015 (inclusive) pagaram apenas juros e encargos, todas as prestações pagas posteriormente a esta data, para além de pagarem juros e encargos, também amortizaram capital, desconhecendo o embargante qual o valor que pertence a amortização de capital, uma vez que a embargada não juntou o discriminativo de cada prestação, pelo que não é devedor de todo o valor de capital e do valor de juros moratórios reclamados sobre o referido valor de capital;
- que os pagamentos e a sua afetação a cada um dos contratos eram executados livremente pela CGD, que imputava os valores constantes das várias contas de depósitos à ordem, em nome da sociedade Robcork, S.A., a “seu bel prazer”, pelo que não é o embargante devedor da quantia exequenda, até porque terão sido realizados outros pagamentos, executados pela sociedade Robcork, S.A, que não se encontram refletidos na quantia peticionada.
Pelas razões expostas, conclui o embargante com os seguintes pedidos:
“a) Devem ser julgadas procedentes, por provadas, as exceções, e, consequentemente, ser a presente execução liminarmente indeferida e rejeitada, absolvendo-se os Embargantes da instância;
b) Devem ser julgados, procedentes, por provados, os presentes Embargos, e, consequentemente, a execução julgada extinta, com todas as legais e demais consequências daí decorrentes”.
Prosseguindo o processo os seus trâmites, a exequente apresentou contestação para defender a improcedência das exceções invocadas, incluindo o alegado pagamento, referindo que os contratos se revestem de força executiva e que a dívida é exigível quer em face da declaração de insolvência da sociedade devedora, que opera o vencimento das obrigações de forma automática, independentemente de qualquer interpelação, quer por ter ficado previsto nos contratos o afastamento do regime do art. 782º do CC, relativamente ao fiador (o executado), com a renúncia ao benefício do prazo (dizendo ainda que em todo o caso a interpelação sempre teria ocorrido com a citação).
Foi realizada audiência prévia na qual foi fixado o valor da causa, e foi proferido despacho saneador que apreciou e julgou improcedente a excepção da ilegitimidade.
Na mesma audiência, depois de se ter relegado para final a apreciação da excepção do pagamento, foi proferido despacho que fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, que não sofreu qualquer reclamação.
Foi depois admitida a prova requerida e instruída a causa, e por último efectuada a audiência de julgamento.
Finalmente, foi proferida sentença, na qual foi decidido o seguinte:
“a) ao abrigo do disposto nos artigos 202º, nºs. 1 e 2, e 204º da Constituição da República Portuguesa, recuso a aplicação da norma prevista no n.º 4 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, por inconstitucionalidade decorrente da violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
b) no que respeita à execução (cumulada) baseada no contrato referido em 1.a), julgo os embargos procedentes, extinguindo-se nesta parte a ação executiva;
c) no que respeita às execuções (cumuladas) baseadas nos contratos referidos em 1.b), 1.c) e 1.d), julgo os embargos parcialmente procedentes e, consequentemente, determino o prosseguimento do processo para pagamento do capital em dívida acrescido de juros contabilizados desde a data de declaração de insolvência da Robcork – Valorização de Produtos de Cortiça, SA (07.06.2017).”
*
II – DO RECURSO DE APELAÇÃO
Contra a sentença proferida, na parte que lhe foi desfavorável, o embargante instaurou então o presente recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões, que transcrevemos:
A. A decisão proferida pelo Tribunal a quo é ilegal e injusta, na medida em que incorre em erro de julgamento da matéria de facto, face à prova produzida, bem como, faz uma incorreta interpretação e aplicação do direito.
B. O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao dar como provado o ponto 8 dos factos provados:
8. A CGD, SA, entregou à Robcork, SA, os seguintes valores totais de capital:
- com referência ao documento referido em 1. a), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 27.12.2013 até 01.04.2014;
- com referência ao documento referido em 1. b), o valor € 242.269,62, através de libertações de capital que ocorreram desde 02.10.2014 até 23.12.2014;
- com referência ao documento referido em 1. c), o valor € 649.999,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 03.10.2014 até 31.10.2014;
- com referência ao documento referido em 1. d), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 19.03.2015 até 27.03.2015 (cf. extratos que acompanham o requerimento executivo e os documentos referidos em 1.).
C. Salvo melhor entendimento, discorda-se da posição adotada pelo Tribunal recorrido no que toca à apreciação da prova produzida relativamente a esta matéria factual.
D. A apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento conduz a uma resposta distinta daquela que o Tribunal deu àqueles factos.
E. Desde logo, veja-se o depoimento da testemunha da Exequente BB (CD Ref. ..., sessão de ../../2022, com início às ... e termo às ...), onde este nunca referiu ter conhecimento concreto de qualquer um dos contratos de abertura de crédito que constituem título executivo, tendo intervindo apenas numa livrança de €60.000,00.
F. A testemunha enunciou diversos contratos de conta corrente, livranças, sem nunca se referir aos contratos objeto dos autos.
G. A testemunha não tem conhecimento direto dos valores de capital que foram efetivamente disponibilizados à Robcork.
H. Ainda o depoimento da testemunha da Exequente CC (CD Ref. ..., sessão de ../.../2022, com início às ... e termo às ...), que referiu que apenas teve contato com a sociedade Robcork a partir de janeiro de 2015,
I. A testemunha nunca referiu ter conhecimento concreto de qualquer um dos contratos de abertura de crédito que constituem título executivo, referindo apenas que teve intervenção numa livrança de €60.000,00.
J. Não tendo feito qualquer afirmação onde se possa provar que o valor capital cobrado referente aos contratos de abertura de crédito tenha sido efetivamente disponibilizado à Robcork.
K. A Sentença recorrida, fundamenta a decisão de julgar como provado a matéria que consta do ponto 8 dos factos provados da matéria de facto, nos pelos contratos de abertura de crédito e pelos extratos emitidos pelo Banco.
L. Do teor do testemunho do Sr. BB e do testemunho do Sr. CC, dos contratos de abertura de crédito e alegados extratos bancários não resulta provado que a CGD, SA, entregou à Robcork,SA, os valores totais de capital:
e) com referência ao “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 26.12.2013, o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 27.12.2013 até 01.04.2014;
f) com referência ao “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 25.09.2014, o valor € 242.269,62, através de libertações de capital que ocorreram desde 02.10.2014 até 23.12.2014;
g) com referência ao “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 25.09.2014, o valor € 649.999,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 03.10.2014 até 31.10.2014;
h) com referência ao “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 26.02.2015, o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 19.03.2015 até 27.03.2015.
M. Assim, face aos elementos de prova constantes dos autos, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provado o ponto 8 dos factos provados.
N. Termos em que, o Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, o que se invoca.
O. Ora, nos termos do art. 662º, nº1, do CPC, a Relação deve modificar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida impuser decisão diversa.
P. Assim, na medida em que se verificam as condições previstas naquela disposição legal, deve este Venerando Tribunal modificar a decisão da 1ª instância sobre o ponto 8. dos factos provados, no sentido de se dar como não provado que:
8. A CGD, SA, entregou à Robcork, SA, os seguintes valores totais de capital:
- com referência ao documento referido em 1. a), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 27.12.2013 até 01.04.2014;
- com referência ao documento referido em 1. b), o valor € 242.269,62, através de libertações de capital que ocorreram desde 02.10.2014 até 23.12.2014;
- com referência ao documento referido em 1. c), o valor € 649.999,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 03.10.2014 até 31.10.2014;
- com referência ao documento referido em 1. d), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 19.03.2015 até 27.03.2015 (cf. extratos que acompanham o requerimento executivo e os documentos referidos em 1.).
Q. O Tribunal a quo incorreu, igualmente, em manifesto erro na interpretação e aplicação do direito aos factos, na medida em que entendeu que “Assim, no que toca aos contratos referidos em 1.b), 1.c) e 1.d), dúvidas não subsistem de que estamos perante documentos que se revestem de força executiva, considerando que se tratam de documentos autenticados e que foram juntos pela exequente os extratos que, de acordo com uma cláusula dos próprios contratos, constituem documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida (arts. 703º, n.º 1, b), e 707º do CPC).”
R. E como tal esses documentos também não têm qualquer força executória.
S. Os aludidos documentos não obedecem às condições que exige o artigo 707º do CPC,
T. Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2016, “Um contrato de abertura de crédito, ainda que seja um contrato consensual – por se considerar concluído com o mero acordo das partes –, não importa, só por si, a constituição da obrigação de reembolso de qualquer capital; tal obrigação apenas se constitui a partir do momento em que o cliente ou creditado utilize, efetivamente, qualquer capital, nos termos contratados. II – Não resultando do aludido contrato que, no momento da sua celebração, tenha sido, desde logo, disponibilizado qualquer capital, nenhuma obrigação de reembolso se poderá considerar constituída nesse momento e, como tal, o documento que titula esse contrato não constitui título executivo para o efeito de exigir o cumprimento daquela obrigação. III – O art. 50º do anterior CPC– assim como o art. 707º do actual CPC – apenas se aplica a documentos autênticos ou autenticados, pelo que, estando em causa um documento particular, não é admissível a prova complementar a que alude a norma citada para o efeito de provar a constituição da obrigação que nele foi prevista e que se pretende executar; tais documentos (particulares) apenas poderão servir de base à execução se reunirem as características que são exigidas pela alínea c) do art. 46º, ou seja, desde que esses documentos – assinados pelo devedor – importem (eles mesmos e independentemente de qualquer outra prova) a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação, cujo valor seja determinado ou determinável nos termos ali previstos. IV – A prova complementar a que alude o art. 804º do anterior CPC – bem como o art. 715º do actual CPC – não pode ter como objecto o facto de que depende a constituição da obrigação, destinando-se apenas a provar o facto (seja ele uma condição suspensiva ou uma prestação a executar pelo credor ou por terceiro) do qual depende a exigibilidade da obrigação cuja constituição ou reconhecimento já terá que resultar do título executivo.
V – A efectiva disponibilização de fundos ou capital ao abrigo de um contrato de abertura de crédito não corresponde a uma prestação da qual dependa a exigibilidade da obrigação de reembolso desse capital, antes corresponde a uma prestação da qual depende a constituição desta obrigação e, como tal, a prova da realização dessa prestação não pode ser efectuada ao abrigo do disposto no art. 804º do anterior CPC (715º do actual CPC).
VI – Assim, um contrato de abertura de crédito do qual não resulte que tenha sido, desde logo, disponibilizado qualquer capital e que esteja formalizado em documento particular não constitui título executivo para o efeito de exigir o cumprimento da obrigação de reembolso de qualquer capital, ainda que seja acompanhado de qualquer outro documento que, sem qualquer intervenção do devedor, vise demonstrar a efectiva disponibilização ou utilização de fundos nos termos contratados.”
U. Afirma ainda J.P. REMÉDIO MARQUES. Curso de Processo executivo Comum à Face do Código Revisto,2000, p.68, “O que no artigo 50º (atual 707º) estará em causa será a exequibilidade de documentos autênticos ou autenticados que – decorrendo deles já obrigações, a cargo de uma ou das duas partes – documentam contratos, que, para além das declarações de vontade, exigem, como requisito constitutivo, a tradição ou entrega (real ou simbólica) de coisas (v.g. emergente de contrato de comodato, penhor, mútuo, depósito, reporte mercantil, abertura de crédito, garantia bancaria à primeira solicitação, contrato de factoring). Em todos eles, a exequibilidade do documento fica dependente da apresentação de outro documento, passado em conformidade com as cláusulas daquele ou, em alternativa – sendo o primeiro omisso – da apresentação de um outro documento (particular) revestido de força executiva própria, que prove que alguma prestação (v.g. depósito na conta bancária do beneficiário de uma abertura de crédito, de uma quantia por ele solicitada ao banco) foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi contraída na sequência da previsão das partes”.
V. Não cumprindo os contratos e “extratos bancários” o disposto nos supra mencionados Art.703º nº1 b) e 707º, ambos do Código de Processo Civil, não revestindo as características de exequibilidade necessárias à presente execução.
Deste modo
W. Ao julgar parcialmente procedentes os embargos deduzidos pelo Recorrente, o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do
direito aos factos provados, violando o disposto nos arts. 707º e 715º do CPC.
X. Termos em que, deve a sentença ora recorrida ser revogada, por incorreta interpretação e aplicação do direito, sendo substituída por acórdão que julgue totalmente procedentes os embargos.
*
Devidamente notificada das alegações do recorrente, a embargada optou por não apresentar contra-alegações.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. A execução baseia-se nos seguintes documentos:
a) documento denominado “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 26.12.2013, no qual a CGD, SA, concedeu à sociedade Robcork – Valorização de Produtos de Cortiça, SA, um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de € 500.000,00, pelo prazo global de 84 meses e a ser reembolsado em prestações de capital e juros;
b) documento denominado “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 25.09.2014, no qual a CGD, SA, concedeu à sociedade Robcork – Valorização de Produtos de Cortiça, SA, um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de € 250.000,00, pelo prazo global de 36 meses e a ser reembolsado em prestações de capital e juros;
c) documento denominado “contrato de abertura de crédito”, celebrado em 25.09.2014, no qual a CGD, SA, concedeu à sociedade Robcork – Valorização de Produtos de Cortiça, SA, um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de € 650.000,00, pelo prazo global de 84 meses e a ser reembolsado em prestações de capital e juros;
d) documento denominado “contrato de abertura de crédito, celebrado em 26.02.2015, no qual a CGD, SA, concedeu à sociedade Robcork – Valorização de Produtos de Cortiça, SA, um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de € 500.000,00, pelo prazo global de 84 meses e a ser reembolsado nos termos em prestações de capital e juros - provado por documento.
2. Nos documentos referidos em 1., o embargante declarou que se constituía fiador solidário e principal pagador de todas e quaisquer quantias que fossem ou viessem a ser devidas no âmbito dos contratos, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos, dando antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que viessem a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora, e renunciando ao benefício do prazo previsto no art. 782º do Código Civil, bem como ao exercício das exceções previstas no art. 642º do mesmo Código (cláusula 21.1) - provado por documento.
3. As assinaturas constantes do documento referido em 1. a) apostas pelos signatários na qualidade de representantes legais da Robcork, SA, foram objeto de reconhecimento presencial (sendo que o embargante assinou o documento por si e enquanto representante legal da Robcork, SA) – provado por documento.
4. O documento referido em 1. a) foi objeto de alteração através de documento assinado em 27.01.2015 (relativamente aos prazos e à taxa de juro, mantendo-se em tudo o mais o estipulado no contrato inicial), sendo que o embargante assinou por si e enquanto representante legal da Robcork, mas que apenas a assinatura do embargante feita naquela qualidade foi objeto de reconhecimento simples - provado por documento.
5. Os documentos referidos em 1. b), c), e d) foram objeto de autenticação notarial - provado por documento.
6. Os documentos referidos em 1. b) e c) foram objeto de alteração em 27.01.2015 [o referido em 1.b) no que respeita aos prazos - resultando da alteração que o prazo global de 36 meses se manteve mas passou a ser contado a partir de data posterior - e à taxa de juro, mantendo-se em tudo o mais o estipulado no contrato inicial; o referido em 1.c) no que respeita aos prazos - resultando da alteração que o prazo global de 84 meses se manteve mas passou a ser contado a partir de data posterior -, mantendo-se em tudo o mais o estipulado no contrato inicial], sendo que o embargante assinou os documentos por si e enquanto representante legal da Robcork, mas que apenas as assinaturas do embargante feitas naquela qualidade foram objeto de reconhecimento simples – provado por documento.
7. O documento referido em 1. d) foi objeto de retificação da identificação da primeira contratante (Robcork – Valorização de Produtos de Cortiça, SA) em 14.04.2015 (por forma a ser designada apenas por “DEVEDORA OU CLIENTE”, em vez de “DEVEDORA OU CLIENTE e também, como AUTORA DE PENHOR”), sendo que o embargante assinou o documento por si e enquanto representante legal da Robcork, mas que apenas a assinatura do embargante feita naquela qualidade foi objeto de reconhecimento presencial feito por Notário.
8. A CGD, SA, entregou à Robcork, SA, os seguintes valores totais de capital:
- com referência ao documento referido em 1. a), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 27.12.2013 até 01.04.2014;
- com referência ao documento referido em 1. b), o valor € 242.269,62, através de libertações de capital que ocorreram desde 02.10.2014 até 23.12.2014;
- com referência ao documento referido em 1. c), o valor € 649.999,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 03.10.2014 até 31.10.2014;
- com referência ao documento referido em 1. d), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 19.03.2015 até 27.03.2015 (cf. extratos que acompanham o requerimento executivo e os documentos referidos em 1.).
9. As cláusulas 8ª e 16ª do contrato referido em 1. a) estipulam que:
- “8.1 - O capital em dívida vence juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a 12 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do inicio de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um “spread” de 5%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa nominal de 5,513% ao ano;
- “16.1 - Em caso de incumprimento da obrigação de pagamento de (i) capital, (ii) juros remuneratórios capitalizados, exceto na parte em que estes se tenham vencido sobre os juros remuneratórios anteriormente capitalizados (que não vencem juros moratórios) e ou (iii) comissão pela recuperação de valores em dívida, na medida em que tiver acrescido ao capital, a CAIXA poderá cobrar, dia a dia e por todo o período de duração do incumprimento, juros calculados à taxa estipulada nos termos da cláusula 8.ª (“Taxa de Juro”), acrescida de uma sobretaxa até 3% ou outra que seja legalmente admitida.” – provado por documento.
10. As cláusulas 8ª e 16ª dos contratos referidos em 1. b) e c) estipulam que:
- “8.1 - O capital em dívida vence juros a uma taxa variável correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do inicio de cada período de contagem de juros (média essa designada por indexante), arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima, segundo a seguinte convenção: (…), e acrescida de um “spread” de 5%, sendo o valor do indexante de 0,292%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa nominal de 5,292% ao ano;
- “16.1 - Em caso de incumprimento da obrigação de pagamento de (i) capital, (ii) juros remuneratórios capitalizados, exceto na parte em que estes se tenham vencido sobre os juros remuneratórios anteriormente capitalizados (que não vencem juros moratórios) e ou (iii) comissão pela recuperação de valores em dívida, na medida em que tiver acrescido ao capital, a CAIXA poderá cobrar, dia a dia e por todo o período de duração do incumprimento, juros calculados à taxa estipulada nos termos da cláusula 8.ª (“Taxa de Juro”), acrescida de uma sobretaxa até 3% ou outra que seja legalmente admitida.” – provado por documento.
11. As cláusulas 8ª e 16ª do contrato referido em 1. d) estipulam que:
- “8.1 - O capital em dívida vence juros a uma taxa variável correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a 12 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do inicio de cada período de contagem de juros (média essa designada por indexante), arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima, segundo a seguinte convenção: (…), e acrescida de um “spread” de 5%, sendo o valor do indexante de 0,298%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa nominal de 5,298% ao ano;
- “16.1 - Em caso de incumprimento da obrigação de pagamento de (i) capital, (ii) juros remuneratórios capitalizados, exceto na parte em que estes se tenham vencido sobre os juros remuneratórios anteriormente capitalizados (que não vencem juros moratórios) e ou (iii) comissão pela recuperação de valores em dívida, na medida em que tiver acrescido ao capital, a CAIXA poderá cobrar, dia a dia e por todo o período de duração do incumprimento, juros calculados à taxa estipulada nos termos da cláusula 8.ª (“Taxa de Juro”), acrescida de uma sobretaxa até 3% ou outra que seja legalmente admitida.” – provado por documento.
12. As cláusulas 22. e 23. dos documentos referidos em 1. a), b) e c) têm a seguinte redação:
“(…)
22. CONFISSÃO DE DÍVIDA: A CLIENTE confessa-se devedora, das quantias utilizadas através desta abertura de crédito, dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos no presente contrato.
23. MEIOS DE PROVA:
23.1 – Fica convencionado que o extrato de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CGD, e relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judiciais dos créditos que delas resultem em qualquer processo.
23.2 - As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efetuados.
(…)” – provado por documento.
13. As cláusulas 22. e 23. do documento referido em 1. d) têm a seguinte redação:
“(…)
22. CONFISSÃO DE DÍVIDA: OS CLIENTES confessam-se solidariamente devedores/A CLIENTE confessa-se devedora, das quantias utilizadas através desta abertura de crédito, dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos no presente contrato.
23. MEIOS DE PROVA:
23.1 – Fica convencionado que o extrato de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CGD, e relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judiciais dos créditos que delas resultem em qualquer processo.
23.2 - As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efetuados.
(…)” – provado por documento.
14. Por sentença proferida em 07.06.2017 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, ... - Juiz ..., foi declarada a insolvência da sociedade Robcork - Valorização de Produtos de Cortiça, SA – provado por documento.
15. Em escritura pública de cessão de créditos celebrada em 04.10.2018, entre a CGD¸ SA, e a Clooney Issuer Designated Activity Company, foram cedidos os créditos a que respeitam os contratos referidos em 1., sendo tais créditos identificados no anexo da escritura através do respetivo número de operação (...5591 (€ 500.000,00), ...1291 (€ 250.000,00), ...1391 (€ 650.000,00) e ...1291 (€ 500.000,00) – provado por documento.
16. Em escritura pública de cessão de créditos celebrada em 29.04.2019, entre a Clooney Issuer Designated Activity Company e a exequente, a primeira cedeu à segunda os créditos que haviam sido cedidos pela CGD, SA, na escritura de 04.10.2018 - provado por documento.
17. No requerimento executivo alega-se além do mais o seguinte:
“(…)
III – DOS FACTOS: CONTRATOS COM FIANÇA:
9.º
O banco cedente no âmbito da sua atividade de creditícia, concedeu a sociedade declarada insolvente - identifica no n.º 8 do presente requerimento ... créditos sob a forma de abertura de crédito a saber:
A) Contrato de abertura de crédito, celebrado em 26/12/2013, identificado pela designação alfanumérica ...5591, até ao montante de €500.000,00 (quinhentos mil euros), pelo prazo global de 84 (oitenta e quatro) meses e a ser reembolsado nos termos e condições constantes do respetivo contrato que se junta, bem como os respetivos aditamentos/adendas, sob a designação de Doc. n.º 5;
B) Contrato de abertura de crédito, celebrado em 25/09/2014, identificado pela designação alfanumérica ...1291, até ao montante de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), pelo prazo global de 34 (oitenta e quatro) meses e a ser reembolsado nos termos e condições constantes do respetivo contrato que se junta, bem como os respetivos aditamentos/adendas, sob a designação de Doc. n.º 6;
C) Contrato de abertura de crédito, celebrado em 25/09/2014, identificado pela designação alfanumérica ...1291, até ao montante de €650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros), pelo prazo global de 84 (oitenta e quatro) meses e a ser reembolsado nos termos e condições constantes do respetivo contrato que se junta, bem como os respetivos aditamentos/adendas, sob a designação de Doc. n.º ...;
D) Contrato de abertura de crédito, celebrado em 26/02/2015, identificado pela designação alfanumérica ...1291, até ao montante de €500.000,00 (quinhentos mil euros), pelo prazo global de 84 (oitenta e quatro) meses e a ser reembolsado nos termos e condições constantes do respetivo contrato que se junta, bem como os respetivos aditamentos/adendas, sob a designação de Doc. n.º ....;
(…)
16.º
Destarte é o acima referido responsável pelas seguintes quantias, que se pormenorizam pela ordem a que se vem fazendo referência:
A) Contrato N.º ...5591:
Capital: €499.950,00
Juros à taxa de 7,87% desde 30/01/2016 a 15/05/2020: €171.046,09
Total: €670.996,10 (seiscentos e setenta mil, novecentos e noventa e seis euros e dez cêntimos).
B) Contrato N.º ...1291:
Capital: €242.269,62
Juros à taxa de 7,74% desde 01/01/2016 a 15/05/2020: €83.132,40
Total: €325.402,03 (trezentos e vinte e cinco mil, quatrocentos e dois euros e três cêntimos).
C) Contrato N.º ...1391:
Capital: €649.999,00
Juros à taxa de 7,74% desde 02/01/2016 a 15/05/2020: €222.900,91
Total: €872.899,91 (oitocentos e setenta e dois mil, oitocentos e noventa e nove euros e noventa e um cêntimos).
D) Contrato N.º ...1291:
Capital: €499.950,00
Juros à taxa de 4% desde 03/01/2016 a 15/05/2020: €174.215,63
Total: €674.165,63 (seiscentos e setenta e quatro mil, cento e sessenta e cinco euros e sessenta e três cêntimos).
(…)” - provado por documento.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO
1 – O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC). No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso sintetizam-se no seguinte:
- Em primeiro lugar, a reapreciação do julgamento da matéria de facto quanto ao ponto impugnado pelo recorrente,
- Em segundo lugar, a apreciação da força executiva dos documentos que servem de base à execução.
*
2 – SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
O embargante/apelante começa por impugnar o julgamento da matéria de facto que foi feito na primeira instância, concretamente na parte respeitante ao ponto 8 dos factos considerados provados, pretendendo que essa matéria seja declarada não provada, por ter sido erroneamente avaliada a prova disponível a esse respeito.
Nas palavras do recorrente, “discorda-se da posição adotada pelo Tribunal recorrido no que toca à apreciação da prova produzida relativamente a esta matéria factual” e a “apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento conduz a uma resposta distinta daquela que o Tribunal deu àqueles factos.”
A prova produzida em audiência de julgamento, a que o recorrente alude, consiste concretamente nos depoimentos das testemunhas BB e CC, ambos bancários na instituição exequente, arrolados por esta como testemunhas, e cujos depoimentos, conjugados com os documentos pertinentes, fundamentaram a resposta positiva do tribunal ao ponto 8 da matéria de facto, que o recorrente pretende ver invertida.
Recorde-se que do ponto controvertido consta o seguinte:
“8. A CGD, SA, entregou à Robcork, SA, os seguintes valores totais de capital:
- com referência ao documento referido em 1. a), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 27.12.2013 até 01.04.2014;
- com referência ao documento referido em 1. b), o valor € 242.269,62, através de libertações de capital que ocorreram desde 02.10.2014 até 23.12.2014;
- com referência ao documento referido em 1. c), o valor € 649.999,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 03.10.2014 até 31.10.2014;
- com referência ao documento referido em 1. d), o valor € 499.950,00, através de libertações de capital que ocorreram desde 19.03.2015 até 27.03.2015 (cf. extratos que acompanham o requerimento executivo e os documentos referidos em 1.).”
O embargante, que está a ser executado como fiador da empresa referida, alega que os elementos de prova em referência não bastam para confirmar a efectiva disponibilização desses montantes, pelo que o ponto 8 deve ser agora julgado não provado.
A este propósito o tribunal recorrido fundamentou a sua resposta nos seguintes termos:
“A matéria que consta do ponto 8. foi julgada provada face aos elementos documentais integrados pelos contratos de abertura de crédito e pelos extratos emitidos pelo Banco (atendendo a que tais extratos, de acordo com os referidos contratos - cláusula 23.1-, constituem documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a reclamação em juízo dos respetivos créditos), em conjugação com os depoimentos de BB e CC, que trabalham na CGD e que tiveram contacto com os assuntos relacionados com os contratos, incluindo em reuniões em que esteve presente o próprio embargante (como referiu BB), sendo evidente para ambos que os valores de capital foram efetivamente disponibilizados, uma vez que todos os contactos realizados tiveram sempre como pressuposto a existência da dívida.”
Em face desta fundamentação, constata-se que o julgador da primeira instância baseou a sua convicção na sua avaliação e conjugação dos meios de prova que descreveu, coincidentes com aqueles mencionados pelo recorrente.
E diga-se que vale no caso na sua plenitude o princípio consagrado na primeira parte do n.º 5 do art.º 607.º do Código de Processo Civil – o juiz aprecia livremente as provas existentes.
Porém, prosseguindo, temos que, como é sabido, a pretendida impugnação da matéria de facto tem a sua previsão legal fundamentalmente no artº 640º do CPC.
A aludida norma legal dispõe, quanto a ónus do recorrente, e com interesse para o caso presente, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(...)
Uma vez que, vistas as conclusões e a motivação do recorrente, mostram-se cumpridos satisfatoriamente os ónus a cargo do recorrente, estabelecidos no art. 640º do Código de Processo Civil, importa conhecer da impugnação deduzida.
Diremos que, desde logo, vista a argumentação do recorrente, afigura-se que este procura essencialmente afirmar a sua convicção pessoal, no respeitante à apreciação da prova que indica, e defender que essa convicção pessoal deve sobrepor-se à convicção do julgador da primeira instância.
Ora o que a lei exige é precisamente a indicação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
O rigor da expressão legal “impunham” explica-se pelas vantagens que a imediação confere ao julgador da primeira instância: não havendo razões decisivas que emerjam da reapreciação da prova levada a cabo pelo tribunal superior deve dar-se posição de primazia, relativamente à apreciação da credibilidade dos depoimentos e dos outros elementos probatórios, ao julgador a quo, que deteve a possibilidade de ouvir, perante si, os relatos das pessoas inquiridas, de confrontar os seus depoimentos com os outros elementos existentes nos autos, isto não obstante a valoração diferente que possa ser dada aos mesmos por terceiros, nomeadamente pela recorrente, que lhes possibilita chegar a conclusões divergentes das do julgador a quo (cfr. Ac. do TRE de 23/09/2004 no processo 1027/04-2, disponível em www.dgsi.pt).
Como sublinha Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil II, Almedina, 4ª edição, 266: “Existem aspectos comportamentais ou reacções do depoente que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”.
Compreende-se, porém, a linha de argumentação do recorrente. Visto que não existem outros elementos de prova, de sentido contrário, que se oponham aos que foram invocados na fundamentação da sentença recorrida, não existe outro caminho que não seja tentar demonstrar a insuficiência desses meios de prova para suportar a resposta dada pelo tribunal (o que não é o mesmo que concluir que “impunham” decisão oposta).
Todavia, e dito isto, acrescentamos que verificada a fundamentação constante da sentença recorrida, e examinada a prova disponível, afigura-se que a pretensão do recorrente não é procedente.
Na verdade, a posição tomada pelo julgador, devidamente explicada na fundamentação, afigura-se aquela que resulta logicamente dos elementos de prova a considerar, e não é contrariada pelas razões invocadas no recurso.
Ouvidos os depoimentos em causa, e conjugados com os elementos documentais a que se reportam, não há razão para nos afastarmos do julgamento feito na primeira instância.
Reapreciada a prova em questão, de forma a formar convicção própria, este tribunal de recurso acompanha a convicção afirmada pelo julgador recorrido.
As duas testemunhas referidas depuseram com serenidade e isenção, embora sejam profissionais ao serviço da embargada e confirmaram a realidade dos factos (a disponibilização efectiva dos montantes mencionados nos extractos e notas de débito), baseados nos contactos mantidos ao longo do tempo com os devedores, nomeadamente o fiador, ora recorrente, que tiveram sempre como pressuposto assente as dívidas em causa e onde nunca foi questionada a aludida disponibilização.
Obviamente que as testemunhas não sabiam de cor os montantes precisos dessas disponibilizações de capital, nem isso seria verosímil, mas foram convincentes na afirmação da realidade vertida nesses extractos.
Consequentemente, concluímos que é improcedente a impugnação da matéria de facto em apreciação, pelo que se mantém inalterado o julgamento feito na primeira instância.
*
3 – DA FORÇA EXECUTÓRIA DOS TÍTULOS APRESENTADOS
Naufragando a impugnação do julgamento da matéria de facto, resta conhecer da questão de direito levantada pelo recorrente nas suas conclusões, quando defende que os documentos juntos pela exequente não constituem título válido e suficiente para basear a execução.
Segundo o recorrente, o tribunal errou ao entender que “no que toca aos contratos referidos em 1. b), 1. c) e 1.d), dúvidas não subsistem de que estamos perante documentos que se revestem de força executiva, considerando que se tratam de documentos autenticados e que foram juntos pela exequente os extratos que, de acordo com uma cláusula dos próprios contratos, constituem documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida (arts. 703º, n.º 1, b), e 707º do CPC).
Discordando, diz o recorrente que esses documentos não têm qualquer força executória, por não obedecerem às condições que exige o artigo 707º do CPC.
Impõe-se a este propósito relembrar as disposições legais pertinentes, nomeadamente o art. 703º e o art. 707º do CPC.
O art. 703º, n.º al. b), estabelece que podem constituir base para a execução “os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
E o art. 707º, sobre a exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados, acrescenta que “os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.”
Da conjugação dos dois preceitos decorre que constitui título executivo o documento autenticado em que se convencionem prestações futuras desde que se prove por documento passado em conformidade com as cláusulas dele constantes que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio.
Ora os documentos referidos no ponto 1. b), c), e d), da factualidade apurada, a que se refere o presente recurso, são contratos de abertura de crédito que foram objecto de autenticação notarial (cfr. n.º 5 da matéria de facto).
Um documento particular tem que considerar-se autenticado quando o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante, no caso o notário, nos termos prescritos nas leis notariais (cfr. art. 35.º, n.º 1, do Código do Notariado).
O embargante assinou os documentos por si, como fiador, e enquanto representante legal da Robcork.
Nos documentos referidos o embargante declarou que se constituía fiador solidário e principal pagador de todas e quaisquer quantias que fossem ou viessem a ser devidas no âmbito dos contratos, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos, dando antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que viessem a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora, e renunciando ao benefício do prazo previsto no art. 782º do Código Civil, bem como ao exercício das exceções previstas no art. 642º do mesmo Código (cfr. n.º 2 da factualidade provada).
Posteriormente a exequente CGD, SA, em cumprimento desses contratos de abertura de crédito, entregou à Robcork, SA, os valores de capital mencionados no ponto 8 da matéria provada, com referência aos contratos de abertura de crédito aí identificados.
Essa disponibilização efectiva de capital consta dos extratos que acompanham o requerimento executivo, emitidos pela exequente (cfr. o aludido ponto 8).
Provou-se ainda, como descrito no ponto 12 da factualidade assente, que desses contratos constam expressamente as seguintes cláusulas:
“23.1 – Fica convencionado que o extrato de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CGD, e relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judiciais dos créditos que delas resultem em qualquer processo.
23.2 - As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efetuados.”
Em face desta descrita factualidade, afigura-se demonstrado que estamos perante documentos autenticados, assinados pelo devedor e pelo fiador, convencionando disponibilizações futuras de capital, que se provou terem sido realizadas, e que são comprovadas pelos meios estipulados nos próprios contratos em questão.
Consequentemente, os documentos relativos aos contratos de abertura de crédito referidos, complementados com os extractos que os acompanham, reúnem todas as condições de exequibilidade exigíveis face ao disposto nos arts. 703º, n.º 1, al. b), e 707º, ambos do CPC.
Neste sentido já decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 08-11-2018, proferido no processo n.º 2896/17.8T8LOU-A.P1, em que foi relatora Inês Moura, disponível em www.dgsi.pt:
“No art.º 707.º do C.P.C. o legislador admite que alguns elementos da obrigação exequenda possam não constar do documento que serve de título executivo, mas de outro documento ou com força executiva própria ou emitido em conformidade com o documento autêntico ou autenticado apresentado como título executivo, considerando que tal constitui garantia suficiente da existência da dívida.”
Com orientação idêntica pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, em douto Acórdão de 13-05-2021, relatado por Maria da Graça Trigo, no processo n.º 15465/16.0T8LSB-A.L1.S1, também publicado na mesma base de dados, com argumentação que se aplica inteiramente ao caso dos autos.
Como se explica neste aresto, a tese da admissibilidade para efeitos de formação do título executivo de documentos complementares ao contrato constante de documento particular corresponde à orientação da jurisprudência dominante do STJ.
E acrescenta-se ainda, de um modo que responde directamente a uma linha de argumentação esgrimida pelo recorrente nas suas conclusões:
“Quanto à posição segundo a qual a prova complementar apenas pode ser feita através de documentos em que tenha havido intervenção do devedor e não através de extractos de conta bancária, emitidos pelo próprio banco, será aceitável para os casos em que o contrato nada dispõe acerca da forma de efectivar a disponibilização das quantias monetárias, e é certamente correcta para os casos em que o contrato prevê que a utilização do crédito seja concretizada mediante ordens escritas, subscritas pelo devedor; mas já não é de aceitar quando, como ocorre no caso sub judice, o contrato de abertura de crédito, assinado pelos executados embargantes, prevê expressamente que o extracto da conta emergente do empréstimo é documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação”.
Perfilhamos inteiramente a orientação exposta, que coincide também com a posição assumida na sentença recorrida.
E assim sendo é forçoso rejeitar a argumentação do recorrente, e acompanhar o entendimento seguido pela sentença recorrida, que julgou os embargos parcialmente improcedentes “no que respeita às execuções (cumuladas) baseadas nos contratos referidos em 1.b), 1.c) e 1.d), determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento do capital em dívida acrescido de juros contabilizados desde a data de declaração de insolvência da Robcork, SA (07.06.2017).”, decisão contra a qual se insurge o presente recurso.
Nada mais havendo a tratar, atentos os fundamentos do recurso, tal como delimitado nas respectivas conclusões, terminamos com a conclusão da improcedência deste, e consequente confirmação da sentença recorrida.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedente a presente apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do embargante, como parte vencida (cfr. art. 527º, n.º 1, do CPC).
*
Évora, 7 de Março de 2024
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso