Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
309/19.0T8ELV-C.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
CUMPRIMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
EXEQUIBILIDADE
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A sanção pecuniária compulsória tem por finalidade, servir de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor no cumprimento das obrigações fixadas, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça com o correspondente benefício para os credores e para o Estado (artigo 829.º-A, n.º 3, do CC).
2 - A sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento da prestação de facto infungível prescrita no n.º 1 do artigo 829.º-A do CC, está sujeita ao impulso processual do exequente, nomeadamente no que respeita à liquidação pelo período de incumprimento, permitindo-se ao executado o pleno exercício do contraditório. O que basta para assegurar a exequibilidade do título.
3 - Contestado o incumprimento em sede de embargos, para que o exequente tenha direito à sanção pecuniária compulsória, fixada na transação terá de provar em sede de embargos os factos constitutivos da situação de incumprimento (artigo 342.º, n.º 1, do CC).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 309/19.0T8ELV-C.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

(…) e (…), vieram, por apenso aos autos de execução, em que é exequente (…), deduzir embargos de executado, bem como oposição à penhora, nos termos do disposto nos artigos 728.º e 856.º do C.P.C..

Para tanto alegam que, por transação alcançada entre a exequente e executados em 21-08-2019 no âmbito do processo n.º 309/19.0T8ELV-A (procedimento cautelar) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, homologada por sentença transitada em julgado foi reciprocamente acordada a entrega pelos embargantes à embargada, do prédio rústico descrito na CRP de Elvas sob o n.º (…), da Freguesia da (…), com artigo matricial n.º (…), denominado “Courela da (…)”, livre de animais, gerador, contentores e colmeias que ali se encontravam, até que fosse proferida decisão na ação principal transitada em julgado.

Acordou-se que a entrega do identificado prédio rústico seria concretizada pelos executados-embargantes até ao dia 20-09-2019 mediante remoção pelos requeridos de todos os cadeados que lá se encontravam e que pertenciam ao executado.

Mais se acordou que, em caso de incumprimento do prazo fixado para entrega do imóvel, os executados obrigavam-se a pagar uma sanção pecuniária compulsória à exequente no valor diário de € 15,00, por cada dia de atraso na entrega do identificado prédio rústico.

Alegou a exequente no requerimento executivo que os executados se mantiveram na posse do identificado prédio rústico até 09-05-2022, sendo devido, consequentemente, a título de sanção pecuniária, prevista na transação, o valor de € 15.042,11.

O que não corresponde à verdade, uma vez que os executados em momento anterior a 20-09-2019, passados 3 a 4 dias da transação procederam à remoção dos referidos bens móveis (gerador, contentores, colmeias) e animais, o que fizeram igualmente com remoção do cadeado do protão principal, limitando-se a abrir a portão do prédio propriedade da exequente para que os animais atravessassem a estrada e acedessem ao prédio rústico propriedade do executado, tendo também procedido à retirada do gerador e contentores, com auxílio de uma grua.

Nunca os embargantes após a entrega ocuparam o prédio em causa e, a existência de animais seus no referido prédio foi fortuita, ocasionada por os próprios animais terem passado a rede divisória, tendo os mesmos sido retirados do local logo que verificada a situação.

Esses episódios não causaram quaisquer danos e não se subsume a qualquer cominação que possa ser considerada como falta de entrega pelos executados do prédio rústico propriedade da exequente no prazo acordado.

Em suma, alegam os embargantes que a exequente pretende através da presente execução de forma manifestamente ilegítima fazer uma utilização indevida do título executivo, usando um episódio isolado e involuntário de algumas ovelhas que tresmalharam da propriedade dos executados para a propriedade da exequente e, com isso, fazer crer ao Tribunal que a desocupação não se concretizou no prazo acordado e que os executados se mantiveram ilegitimamente na posse do identificado prédio rústico até ao dia 09.05.2022, o que não corresponde à verdade.

Pedem seja julgado procedente o pedido de embargos e ordenado o levantamento das penhoras.

Mais alegam que a exequente não atuou com a prudência normal ao requerer a penhora de 9 prédios rústicos e de outros bens propriedade dos executados cujo valor, em qualquer caso, é manifestamente superior ao valor que a exequente reclama indevidamente aos executados, o que lhes tem causado danos de natureza patrimonial.

Assim, requerem que seja a exequente condenada em multa processual a favor dos executados no valor de 10 % do valor da execução nos termos do disposto no artigo 858.º do Código de Processo Civil.

Mais requerem a condenação da embargante na qualidade de litigante de má-fé por alegar factos que sabe não corresponder à verdade e omitir outros pertinentes para a decisão.

Contestou a embargada, impugnando a factualidade invocada pelos embargantes e respetivos documentos.

Refere, entre o mais que, após a transação de 21-08-2019 e dentro do prazo aí estipulado para entrega do aludido prédio à embargada, os embargantes não retiraram o cadeado que haviam colocado no portão de acesso ao aludido prédio, o que ocorreu até meados de Julho de 2022.

No dia 21-09-2019, ou seja, um dia depois da data acordada para a entrega, os embargantes procederam ao corte de uma parte da vedação existente entre o aludido prédio da embargada e o prédio do embargante marido, entre si confinantes, criando, assim, uma entrada, por forma a que as ovelhas daqueles, acedessem ao prédio da embargada e aí pastoreassem, o que lograram conseguir, até finais de Fevereiro de 2022, não se tratando de qualquer ato isolado, mas inversamente, de uma conduta reiterada.

Pronuncia-se, assim, pela improcedência dos embargos, pedindo que os embargantes sejam condenados por litigância de má-fé, incluindo o pagamento das despesas e honorários suportados pelos embargados, nos termos do disposto no artigo 543.º, n.º 1, alínea a), do C.P.C., a apurar em sede de liquidação de sentença.

Mais pede sejam os embargantes condenados em multa a favor do Estado, a arbitrar pelo Tribunal (artigo 542.º do CPC e artigo 27.º, nº 3, do RCP).

Alega ainda inexistir excesso de penhora, porquanto os valores reais dos prédios, do quinhão hereditário e dos direitos penhorados, são manifestamente insuficientes para garantir a dívida exequenda, demais encargos com o processo e os juros compulsórios devidos ao Estado.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedentes por provados, os presentes embargos de executado, julgando-se extinta a execução.

Mais indeferiu a requerida condenação dos requeridos nos termos do artigo 858.º do C.P.C. e decidiu não ocorrer litigância de má-fé em relação a qualquer das partes.

Inconformada com tal decisão veio a embargada recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso:

I) A embargada/apelante não alinha com o aresto recorrido, na parte em que julgou inexequível o titulo executivo e os embargos procedentes e, assim, determinou a extinção da execução, discordância que tem por objeto, matéria de facto e de direito.

II) De facto, quanto à inexequibilidade do título executivo, em primeiro lugar, o tribunal recorrido subsume a inexequibilidade do título executivo na previsão da alínea b) do artigo 729.º, quando, na verdade, a mesma está prevista na alínea a) do mesmo preceito, lapso que se impõe corrigir.

III) Por outro lado, a verificar-se inexequibilidade do título, o que não sucede no caso em apreciação, por “se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados” – Vide Acórdão da Relação de Lisboa de 12/01/2023, processo n.º 3141/07.0TBLLEZ.L1-2, in www.dgsi.pt .

IV) Visitando a petição de embargos, constata-se que os embargantes / apelados não invocaram a referida inexequibilidade .

V) Por conseguinte, ao julgar os embargos procedentes, a primeira instância fê-lo com o fundamento de que os embargantes/apelados haviam cumprido a obrigação a que se haviam vinculado, por via da transação e sentença em que a execução assenta, por se ter convencido, que apurou prova nesse sentido, o que não sucedeu, como mais adiante se demonstrará – Vide fundamentação de direito .

VI) Ora, tal como referido, sendo o requisito formal da exequibilidade do título de conhecimento oficioso e, tendo o tribunal recorrido concluído que tal requisito não estava verificado, impunha-se-lhe, então, proferir decisão de rejeição do requerimento executivo e não como fez, conhecer do mérito da causa e a final, julgar os embargos procedentes.

VII) No caso, entende a embargada/apelante, que o titulo dado à execução é exequível.

VIII) Com efeito, o Tribunal a quo estriba este seu segmento decisório no que se encontra escrito no acórdão da Relação do Porto de 28/10/2021, processo n.º 1596/19.9T8AGD-CP1, disponível em www.dgsi .

IX) Porém, analisando o texto integral deste acórdão, a situação nele tratada, não é igual ou sequer semelhante, à situação dos presentes autos, pois que naqueles quando a execução foi proposta, o exequente não estava munido de qualquer sentença que reconhecesse que os executados não haviam cumprido a referida transação, ao passo que nos presentes autos isso não sucede.

X) Porquanto, quando a embargada/apelante intentou a ação executiva – 07.07.2022 –, já a sentença proferida na ação do processo principal havia transitado em julgado, o que sucedeu em 09.05.2022.

XI) Sentença na qual é reconhecido que os embargantes/apelados (ali réus) se encontravam na posse e a ocupar o prédio em questão e que ainda não o haviam restituído à embargada /apelada (ali autora) – vide 4 dos factos assentes e certidão da sentença, com nota da data de trânsito em julgado, junta ao requerimento executivo como documento n.º 3.

XII) O caso concreto, encontra respaldo nos acórdãos da Relação de Guimarães de 25/06/2020, processo n.º 5315/17.6T8VNF-A.G1, da Relação de Guimarães de 25/06/2020, processo n.º 5315/17.6T8VNF-A.G1, e da a Relação de Lisboa, de 05/11/2009, processo n.º 661/08.2YYLSBB.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt, cujos sumários se encontram transcritos supra em 21, os quais aqui se dá por integralmente reproduzida, para os devidos efeitos legais.

XIII) Feita esta abordagem, há que a conjugar com o que se encontra provado na sentença recorrida, a este propósito, em 3 e 4 e ainda com o teor da sentença junta ao requerimento executivo, como documento n.º 3 e com a data de transito em julgado que dela consta, que aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.

XIV) Nessa sentença (doc. n.º 3 junto ao requerimento executivo), proferida em 25.03.2022 e transitada em julgado em 09.05.2022, em 17 dos factos provados consta que “os RR colocaram um portão fechado na vedação, com cadeado fechado à chave”.

XV) Ora, se na ação principal os embargantes/apelados (ali réus) foram condenados a restituírem à embargada/apelante (ali autora) o prédio em causa e, tendo em conta os factos provados em 17, “os RR colocaram um portão fechado na vedação, com cadeado fechado à chave”, dúvidas não restam, que os mesmos se encontravam na posse desse mesmo prédio, não o haviam restituído e/ou entregue à embargada /apelante e o referido portão encontrava-se por eles fechado com cadeado fechado à chave.

XVI) Aliás, diga-se em abono da verdade, que se assim não fosse, não teria o tribunal que proferiu tal sentença de condenação dos embargantes /apelados (ali réus) a restituírem um prédio que já o havia sido e, também não se teriam os embargantes/apelados (ali réus) conformado com essa decisão, como fizeram, como se retira do lapso temporal decorrido entre a data da prolação da sentença – 25.03.2022 – e a data do seu trânsito em julgado – 09/05/2022.

XVII) Mais, desde o início do processo principal até ao encerramento da discussão e julgamento, os embargantes (ali réus) nunca vieram alegar factos supervenientes demonstrativos de que já haviam restituído e/ou entregue o imóvel em causa à embargada/apelada (ali autora), desocupado o mesmo e retirado o cadeado do portão, o que podiam ter feito, até ao encerramento da discussão da causa (588.º, n.º 1, do C.P.C.) – Vide relatório da sentença junta ao requerimento executivo, como documento n.º 3.

XVIII) E, acaso o tribunal lhes desse razão, apenas os poderia condenar, a retirarem do tal prédio, os bens móveis não contemplados na transação e respetiva sentença dada à execução, o que não sucedeu.

XIX) Donde, quando a embargada/apelante moveu a ação executiva, já estava munida de uma sentença transitada em julgado, na qual foi reconhecido o incumprimento da referida transação pelos embargantes /apelados.

XX) Como assim, o título executivo aqui em presença é exequível e, por se encontrar provado que os embargantes não restituíram/entregaram o prédio em questão à embargada/apelada, não cumpriram aqueles a transação aludida, devendo, por essa razão, os embargos ser julgados improcedentes e, consequentemente, determinar-se o prosseguimento da execução.

XXI) Assim, a decisão a quo terá que ser revogada e substituída por outra que assim o julgue.

XXII) Procedendo este segmento do recurso, a apreciação das demais questões suscitadas mostra-se prejudicada.

XXIII) Não obstante, sem conceder e, por uma questão de cautela, irá a embargada / apelante demonstrar as outras razões da sua discordância com o aresto ora impugnado, na parte que considerou o cumprimento pelos executados da entrega do prédio à exequente.

XXIV) Diz a primeira instância, a este propósito, que a embargada/apelante tinha o ónus de alegar e provar os factos integradores do incumprimento pelos embargantes/apelados da restituição e entrega do prédio em questão.

XXV) E de facto assim é, mas sucede porém que quando a execução foi intentada (07.07.2022) e a sentença recorrida foi proferida ( 25.03.2022), já a embargada/apelante havia cumprido esse ónus na ação do processo principal, a que o apenso de embargos se reporta, cuja decisão já havia transitado em julgado em 09.05.2022. Vide 4 dos factos provados e sentença junta à execução, como documento n.º 3.

XXVI) Confrontando a decisão recorrida com a que foi preferida na ação do processo principal, daqui resulta estar-se perante uma situação de caso julgado material, porquanto existe entre as duas causas identidade de causa de pedir, de sujeitos e de pedidos. Vide neste sentido, Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed.-307, acórdão do STJ de 14/01/2021, acórdão da Relação de Coimbra de 18/02/2014, processo n.º 889/13.3TBPBL-C1, disponíveis em www.dgsi.pt, cujas passagens se encontram acima transcritas em 41 a 43 e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

XXVII) Efetivamente, no caso vertente toda a matéria de facto dos presentes autos já foi objeto de uma pronúncia definitiva no processo principal, sendo que na ação principal, na execução e subsequentes embargos de executados aqui em causa existe identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir.

XXVIII) Com efeito, nas duas ações a causa de pedir alicerça-se na posse e ocupação ilegítimas por parte dos ora embargantes/apelados (réus na ação do processo principal) do prédio aqui em causa, da propriedade da embargada /apelante (autora na ação do processo principal).

XXIX) Por outro lado, os sujeitos processuais (Autores e Réus na ação do processo principal) são os mesmos na execução e nos embargos de executados.

XXX) Quanto aos pedidos, na ação do processo principal, é peticionado, para além do mais, a condenação dos réus a restituírem e a desocuparem o aludido prédio à autora, livre de quaisquer pessoas, animais, objetos, ferramentas e alfaias, colocando-o no mesmo estado em que se encontrava, devendo os réus, designadamente, eliminarem o furo de captação de água aberto, retirarem a vedação colocada em torno do referido prédio e colocarem a que arrancaram, demolirem e retirarem os contentores e colmeal construídos e as colmeias aí existentes. Vide ponto 1 dos factos assentes e sentença junta à execução como doc. n.º 13.

XXXI) Na execução, a exequente /embargada (autora naquela outra ação), deduz pedido de pagamento de quantia certa, a título da sanção pecuniária compulsória, fixada no titulo dado à execução, fundado no incumprimento pelos executados/embargantes da restituição e de desocupação desse mesmo prédio.

XXXII) Os executados/embargantes, por seu turno, deduzem pedido de extinção da execução, com fundamento no cumprimento da referida restituição e desocupação.

XXXIII) Ora, com esses pedidos, pretende-se obter o mesmo efeito jurídico, assim, verifica-se a identidade de pedidos, porquanto a sua finalidade única é assegurar a sua utilidade e eficácia.

XXXIV) O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir, em termos diferentes, o direito concreto aplicável à relação material objeto do litígio.

XXXV) Na situação sub judice, a primeira instância ao invés de se abster de conhecer do mérito dos embargos de executados que o caso julgado material lhe impunha, até porque se trata de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (artigo 578.º do C.P.C.), proferiu decisão contraditória com a que proferiu anteriormente, na ação do processo principal.

XXXVI) Pois que, na primeira causa considerou que os réus (aqui embargantes/apelados) encontravam–se na posse e a ocupar o prédio da propriedade da autora (aqui embargada / apelante), condenando-os a procederem à restituição e desocupação do aludido prédio e, nesta ação, decidiu que os embargantes/apelados já haviam entregue esse mesmo prédio, em data anterior a 20/09/2019, ou seja, em data anterior à prolação da sentença (25/03/2023) – Vide 4 dos factos provados.

XXXVII) Quando, na verdade, se impunha à primeira instância abster-se de decidir do mérito da causa e, assim, julgar, liminarmente, os embargos totalmente improcedentes e, nessa sequência, determinar o prosseguimento da execução .

XXXVIII) Repare-se que quando os embargantes/apelados deduziram embargos , o que sucedeu em 15.02.2023, já a sentença que foi proferida no processo principal havia transitado em julgado (09.05.2022) . Vide embargos de executados de 15.02.2023 com a refª 44740436 e certidão da sentença junta ao requerimento executivo, como documento n.º 3 .

XXXIX) Realidade que o tribunal a quo não podia ignorar, por um lado por dever de oficio, já que a sentença dos autos principais foi proferida pelo mesmo julgador e, por outro lado, porque o requerimento executivo foi instruído com essa mesma sentença, com certificação da data do transito em julgado.

XL) Daqui decorrendo que ao decidir de forma diversa, violou a primeira instância o disposto nos artigos 497.º, n.º 1 e 2, 498.º, n.º 1 (“leia-se 580.º e 581.º”), e 578.º, todos do C.P.C..

XLI) A procedência desta parte do recurso implica que a apreciação das demais questões nele suscitadas se mostre prejudicada.

XLII) Todavia, mais uma vez, por uma questão de cautela, sempre se dirá que a improcedência dos embargos também se impõe, por outra ordem de razões.

XLIII) Primeiramente, porque a restituição e entrega do prédio da embargada/apelante, por via da transação homologada por sentença, que serve de titulo à execução, teria que ser feita, para além do mais, livre de animais.

XLIV) Ora, mesmo que se considere acertada a decisão de facto, que deu como provado que alguns animais da propriedade dos embargante/apelados “tresmalharam”, em duas ocasiões, para o prédio da embargada/apelante, o que não se considera, pelas razões que mais adiante se aduzirão, tal circunstância demonstra que afinal aqueles não chegaram a restituir e a entregar o imóvel a esta, nos termos acordados, não se tratando pois de um mero atraso na restituição e entrega mas, outrossim, a falta de entrega de tal prédio nos termos acordados, sendo da responsabilidade dos embargantes/apelados assegurarem-se que os animais da sua propriedade não ocupariam a referida propriedade, fosse porque meio fosse e em que ocasião fosse.

XLV) Daqui resultando que andou mal a primeira instância, quando considerou que a embargada / apelante não logrou provar a obrigação dos embargantes/apelados lhes pagaram a quantia exequenda (leia-se “retiraram os animais”), dando, nessa sequência , como não provados os factos que fez constar em 1 e 3.

XLVI) Tendo tal incorreção da apreciação da prova como desfecho que o tribunal recorrido tivesse julgado procedentes os embargos, quando, na verdade, se impunha decisão contrária.

XLVII) Como assim, deverá o aresto recorrido ser substituído por outro que julgue provados os referidos factos da seguintes forma: Os embargantes , sem autorização e contra a vontade da exequente, a partir de 20/09/2019, continuaram a ocupar o prédio a que se alude no ponto 1 dos factos provados; Tal situação manteve-se até ao trânsito em julgado da sentença proferida nos autos do processo principal.

XLVIII) E, nessa sequência, julgue os embargos improcedentes e, assim , determine o prosseguimento da execução .

XLIX) A procedência desta parte do recurso implica que a apreciação das demais questões que se seguem se mostre prejudicada.

L) Contudo e, mais uma vez , por mera cautela, irá a embargada/apelante demonstrar, de seguida, os demais motivos pelos quais defende que os embargos deveriam ter sido julgados improcedentes.

LI) Para dar como provados os embargos considerou a primeira instância que a embargada /apelante não logrou provar que os embargantes/apelados não haviam cumprido a obrigação de entrega do prédio, fazendo assentar este seu segmento decisório nos factos não provados constantes de 5 e 6 e nos factos não provados vertidos sob 1 a 3, os quais se encontram supra descritos em 71 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

LII) Segundo o tribunal a quo, a sua convicção, no que a esta parte da decisão concerne, assentou no seguinte: 5 e 6 dos factos provados: “declarações dos próprios embargantes (…) e (…), as quais, pese embora não revistam de carácter confessório, estão sujeitas à livre apreciação do julgador e resultaram consentâneas com a restante prova produzida, em particular com as declarações de (…) e (…), militares da GNR, que foram ao local na sequência de participações efetuadas às autoridades e descreveram o procedimento e o “animus” dos embargantes em conformidade com o que resultou provado”; 1 a 4 dos factos não provados: “ausência de prova”.

LIII) Vejamos, então, o acerto deste segmento decisório.

LIV) Quanto aos FACTOS PROVADOS (5 e 6), na contestação e na audiência prévia, de fls., a embargada /apelante requereu o depoimento de parte dos embargantes/apelados a determinados factos e estes requereram as suas declarações de parte, o que foi deferido – Vide contestação e ata da audiência prévia de fls..

LV) A propósito da apreciação e valoração do depoimento de parte e declarações de parte, seguimos o que se escreveu nos acórdãos acima transcritos em 75, acórdão do STJ de 16.03.2011, Proc. n.º 237/04.3TCGMR.S1., acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2014, Pedro Martins, 1878/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 17.12.2014, Pedro Martins, 2952/12.

LVI) No caso que nos ocupa, a primeira instância entendeu que as declarações de parte tiveram apoio probatório nos testemunhos de (…) e (…), ambos militares da GNR.

LVII) Não assiste, porém, razão ao Tribunal a quo, pois que as declarações dos embargantes / apelados foram, diversamente, contrariadas pelos referidos testemunhos.

LVIII) De facto, previamente à transcrição dos excertos dos depoimentos destas testemunhas, quanto a esta matéria, há que referir que (…) elaborou o relatório de serviço n.º 508/19, de 10/12/2019 e consta do mesmo como testemunha e (…) elaborou o relatório de serviço n.º 502/21, de 31/12/2021, e consta do mesmo como testemunha – Vide relatórios juntos à contestação.

LIX) Sendo que estas testemunhas confirmaram o teor de tais relatórios e os documentos a eles juntos e esclareceram o tribunal acerca dos factos que efetivamente presenciarem, do que se passou nessas datas e dos factos de que não se recordavam.

LX) Ora, desses depoimentos não resulta minimamente provado o que o tribunal fez constar desses pontos de facto (5 e 6 dos factos provados), bastando, para tanto, atentar na transcrição feita supra em 80 dos seus depoimentos, a este propósito: Diligencia _309-19.0T8ELV-c_2023-09-13_10-28-28.mp3- Depoimento de parte e declarações de parte de … (21.14-21.35 e 21.35 -21.56 ; 22.53-22.55 e 22.55-22.56); Diligencia _309-19.0T8ELV-C_2023-09-13_09-50-20.mp3-Depoimento de parte e declarações de parte de … (3.15-3.16 e 3.16-3.25; 31.55-31.59 e 31.59; :32.08-32.11 e 32.11-32.13); Diligencia_30919.0T8ELV-C_2023-09-13_09-50-20.mp3; Depoimento da testemunha … (Confrontada com o relatório de serviço n.º 508/19, junto à contestação, a testemunha disse o seguinte: 4.36-4.55 e 4.55-4.57; 4.57-5.01 e 5.01.-5.02; 8.52-8.57); Diligencia_309-19.0T8ELV-C_2023-09-13_12-23-57.mp3; depoimento da testemunha … (Confrontada com o relatório de serviço n.º 502/2021 junto à contestação, a testemunha disse o seguinte: 1.09-1.29 e 1.29-1.39; 1.54 -2.06; 2.56-3.03 e 3.04-3.15; 3.17-3.21 e 3.21-3.24).

LXI) Aqui chegados, conjugando as declarações dos embargantes/apelados com os depoimentos das referidas testemunhas e com os relatórios de serviço por estes elaborados juntos à contestação e, bem assim, com o teor da certidão do auto de noticia junto ao requerimento executivo, temos pois que as declarações dos embargantes não foram confirmadas por estes depoimentos e documentos, no sentido de demonstrar que as ovelhas a estes pertencentes “tresmalharam” para o prédio da propriedade da embargada/apelante.

LXII) Aliás, como podiam estas testemunhas confirmar que os referidos animais “tresmalharam” para o prédio da embargada/apelante , se quando lá chegarem já os animais se encontravam neste prédio?

LXIII) Para além disso, não foram as referidas declarações confirmadas pelas referidas testemunhas, de que os embargantes/apelados procederam à remoção de tais animais, o que também não consta do auto de notícia junto ao requerimento executivo, que o tribunal a quo nem sequer apreciou .

LXIV) Mais acrescenta o tribunal recorrido, que estas testemunhas confirmaram o “animus” dos embargantes em conformidade com o que resultou provado.

LXV) Impondo-se aqui perguntar em que parte dos referidos testemunhos encontra a primeira instância suporte, fazer retirar esta concluir dessa forma ?

LXVI) Aliás, uma atenta leitura das declarações do embargante/apelado, permite é o contrário, ou seja, dar como provado que o mesmo sempre teve o “animus “ de ocupação e de não restituição /entrega do referido prédio, como se poderá comprovar nos documentos juntos pela embargada /apelante na audiência prévia (vide ata de fls.) que o tribunal nem sequer apreciou e na seguinte transcrição das declarações, supra feita em 87.: Diligencia _309-19.0T8ELV-c_2023-09-13_10-28-28.mp3(2.07-2.30 e 2.32-2.44).

LXVII) Ora, estas declarações conjugadas com o que consta da transação homologada por sentença, que sustenta a execução, e com os documentos juntos na audiência prévia pela embargada / apelante, são de molde a concluir, com segurança e certeza, que o embargante / apelado nunca teve o “animus” de não ocupar o aludido prédio da embargada /apelante, nem tão pouco de o restituir /entregar .

LXVIII) Por último, quanto ao número de vezes que tais animais se encontravam no prédio da embargada /apelante, as aludidas testemunhas não confirmaram as declarações dos embargantes / apelados, mas diversamente, limitaram-se a esclarecer o tribunal que cada uma delas foi uma vez ao prédio da embargada/apelante em questão, e que nessas ocasiões as ovelhas da propriedade dos embargantes/apelados estavam lá .

LXIX) Sendo que o depoimento da testemunha (…), contrariamente ao que sustenta o Tribunal recorrido, não foi de todo desmentido pelas referidas testemunhas, porquanto as mesmas apenas foram ao dito prédio, uma vez cada uma, nada sabendo as mesmas do que verdadeiramente se passou nesse prédio, fora dessas ocasiões e circunstâncias.

LXX) Pelo que entende-se que o depoimento desta testemunha deveria ter sido valorado, pois que a livre apreciação da prova não se confunde com arbitrariedade na análise da mesma, como sucedeu neste caso, pois que desconhecendo designadamente porque não estavam presentes os factos relatados por esta testemunha, é óbvio que não podiam as mesmas desmentir uma realidade por elas desconhecida.

LXXI) Efetivamente, revisitando o depoimento destas testemunhas, deles resulta que as referidas ovelhas da propriedade dos embargantes/apelados encontravam-no no terreno da embargada /apelante, nas datas que constam dos relatórios que elaboraram, ou seja, 10/12/2021 e 31/12/2021 e que os embargados não as retiraram daí, nada mais demonstrando saber estas testemunhas do que passou fora dessas ocasiões.

LXXII) Mais se encontra provado, pela certidão do auto de notícia junta ao requerimento executivo, que no dia 15/01/2021, a GNR presenciou a ocupação do terreno da embargada / apelante, com ovelhas da propriedade dos embargantes/apelados, meio de prova que o tribunal não apreciou.

LXXIII) Relativamente, às demais vezes de ocupação do prédio da embargada/apelante, pelos referidos animais, pelas razões acima expostas, deveria a primeira instância ter valorado o testemunha de (…), a qual esclareceu, com isenção e credibilidade, que através de câmaras colocada na casa da mãe visualizou que as referidas ovelhas se encontravam no aludido prédio da embargada/apelante, quase todos os dias, conforme se poderá confirmar na transcrição acima efetuada em 95, do seu depoimento, que se segue: Diligencia _309-19.0T8ELV-C_2023-09-13_11-04-39.mp3 - depoimento da testemunha … (3.23-3.29-3.29-4.01; 5.34-6.27-6.27-7.16; 7.41-7.52 – 7.52-8.39; 8.54-9.14).

LXXIV) Analisando os relatórios de serviço da GNR, juntos à contestaçã , contata-se que o último data de 31.12.2021.

LXXV) Defluindo do ora alegado que correlacionada toda esta prova, deverá alterar-se o ponto 5 dos factos provados, por forma a que dele passe a constar que as ovelhas da propriedade dos embargantes mantiveram-se no prédio da embargada/apelante todos os dias a partir de 20.09.2019 e considerar-se não provado o que consta de 6 dos factos provados.

LXXVI) Relativamente AOS FACTOS NÃO PROVADOS em 1 a 3, acima transcritos em 71, considerou a primeira instância que esta sua decisão assenta na ausência de prova, argumento a que não se adere.

LXXVII) De facto, no que concerne aos factos de 1, como já referido e pelas razões acima escalpelizadas, não resultou de todo provado que as ovelhas da propriedade dos embargantes / apelados tivessem “tresmalhado” para o prédio da propriedade da embargada /apelante descrito em 1 dos factos assentes e, bem assim , o “animus” dos embargantes/apelados, de não ocuparem e não restituírem /entregarem o aludido prédio.

LXXVIII) Provando-se, isso sim, que as tais ovelhas se encontravam no aludido prédio nos dias em que os militares da GNR se deslocaram ao local, ou seja, em 15/01/2021, 10/12/2021 e 31/12/2021, e que essa ocupação não foi consentida pela embargada/apelante, porque caso assim não fosse, de acordo com as regras de experiência comum e da lógica das coisas, não teria a mesma solicitado a intervenção da GNR, como fez, e como se confirma no auto de notícia junto ao requerimento executivo e nos relatórios de serviço juntos à contestação.

LXXIX) Quanto ao número de vezes e periocidade dessa ocupação, tal como se referiu anteriormente, a mesma resulta do testemunho de (…), cuja valoração a primeira instância deveria ter acolhido pelos motivos invocados supra em LXXIII).

LXXX) Mas mesmo que não fosse através deste testemunho, tal resulta das declarações do próprio embargante/apelado que referiu ao julgador a quo “Enquanto houve a ação cautelar nunca houve acordo e ainda hoje não existe, eu nunca concordei, eu nunca concordei com uma coisa que era e irá ser minha, tivesse ficado despojado, ainda hoje não há acordo, até que eu morra nunca existe acordo”, Vide transcrição acima realizada em 87.

LXXXI) Ante o exposto, deverá este ponto de facto ser acrescentado ao leque dos factos provados.

LXXXII) No que concerne aos factos descritos sob 2, os embargantes/apelados juntaram aos embargos que deduziram a fotografia de um portão com cadeado e aloquete, que afirmaram ser o que está em discussão nos autos – vide embargos de fls. – sustentando os mesmos que esse cadeado e aloquete pertence à embargada/apelante.

LXXXIII) Depois de produzida a prova, o que resultou demonstrado foi que esse cadeado e aloquete pertence aos embargantes/apelados e que os mesmos o mantiveram até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo principal.

LXXXIV) Prova que advém da conjugação das declarações dos próprios embargantes / apelados, conjugadas com o se encontra provado em 1 a 3 e com as regras de experiência comum.

LXXXV) Sendo que os testemunhos de (…) e (…) não abalaram, de todo, esta prova.

LXXXVI) Para demonstração deste desiderato, atente-se, primeiramente, nas referidas declarações e testemunhos, que ora se transcreveram supra em 111 – Diligencia _309-19.0T8ELV-c_2023-09-13_10-28-28.mp3 – Depoimento de parte e declarações de parte de … (19.46-19.54 e 19.54-19.55; 19.55-19.57 e 19.57-19.58; 20.01-20.31 e 20.32; 21.14-21.35 e 21.35-21.56; 25.46-26.07 e 26.07-26.09; 26.12-26.43 e 26.43-27.50; 27.50-27.51 e 27.51; 27.52- 28.10 e 28.06) – Diligencia_309-19.0T8ELV-C_2023-09-13_09-50-20.mp3 – Depoimento de parte e declarações de parte de … (6.52-7.20 e 7.20-7.35; 7.35-7.48 e 7.48-7.49; 7.49-7.52 e 7.52-8.15) – Diligencia _309-19.0T8ELV-C_2023-09-13_09-50-20.mp3 – depoimento da testemunha … (6.31-6.43 e 6.43-7.12; 9.41-9.49 e 9.49-10.1; 10.11-10.13 e 10.50-10.52; 10.52-11.19 e 11.49-12.02; 12.02-12.06 e 12.06-12.24; 12.24-12.28; 12.29-12.36 e 12.36-12.37; 12.38 e 12.39) – Diligencia_309-19.0T8ELV-C_2023-09-13_12-23-57.mp3 – depoimento da testemunha … (1.09-1.29 e 1.29-1.39; 1.54-2.06 e 2.06-2.07; 2.08-2.16 e 2.16-2.24; 2.25-2.29 e 2.29-2.43; 2.56-3.03 e 3.04-3.15; 4.36-4.39 e 4.39-4.49; 4.49-4.53 e 4.53- 5.01; 5.01-5.05 e 5.05-5.07; 5.07-5.14 e 5.15-.5.19; 5.19-5.19 e 5.19-5.26; 5.26-5.31 e 5.32-5.43; 6.31.6.43 e 6.43-7.12; 7.1-7.19 e 7.19-7.32; 7.32-7.40 e 7.40-7.50).

LXXXVII) Concatenando tais declarações, com o que se encontra provado em 1 a 3 dos factos assentes, com as regras de experiência comum e com a lógica das coisas, daqui resulta o seguinte: Encontra-se provado em 1 e 2 que em cumprimento da decisão proferida, sem audiência prévia dos requeridos (aqui embargantes/apelados), no procedimento cautelar, foi restituída a posse do prédio à embargada/apelante em 18/07/2019, por meio da substituição do cadeado existente no portão, por um outro entregue pela requerente (aqui embargada / apelante).

LXXXVIII) Está igualmente provado que em 3, que após cumprido o contraditório no aludido procedimento cautelar, os requeridos (aqui embargantes/apelados), em 21/08/2019, transigiram com a requerente (aqui embargada/apelante), obrigando-se aqueles, por esse efeito, a restituírem a esta, o prédio aqui em causa nos autos, até 20.09.2019 e que a entrega desse prédio seria feita, mediante a remoção pelos requeridos (aqui embargantes /apelados) de todos os cadeados que lá se encontravam e que pertenciam ao requerido (aqui embargantes/apelado).

LXXXIX) Ou seja, no dia 21/08/2019, os cadeados que se encontravam no portão pertenciam ao embargante/apelado, porque se assim não fosse, não se teriam os embargantes / apelados obrigado a retirá-los.

XC) Ambos os embargantes/apelados, referiram ao tribunal, que após o embargante / apelado ter cortado o cadeado que se encontrava no portão e que havia sido substituído pelo tribunal, aquando da restituição provisória da posse do prédio, o que sucedeu em 18/07/2019 (vide 2 dos factos assentes), terá sido a embargada/apelante quem lá colocou o cadeado e o aloquete.

XCI) Como concretizou a embargante/apelada, o marido (embargante) procedeu ao corte do referido cadeado 3 ou 4 dias após o tribunal ter substituído o aludido cadeado, ou seja no dia 21 ou 22 de Julho de 2019 e, que depois disso, foi a embargada /apelante quem lá colocou outro cadeado com aloquete, o qual aí permaneceu até há três meses atrás, por reporte à data em que a mesma prestou declarações de parte, o que sucedeu em 13/09/2023.

XCII) Como esclareceu o embargante/apelado, após esta substituição, o mesmo procedeu ao corte de tal cadeado, o que foi feito, segundo as declarações da sua mulher, ora embargante / apelada, 3 ou 4 dias depois.

XCIII) Segundo as declarações dos embargantes/apelados, após o embargante / apelado ter cortado o cadeado que o tribunal havia colocado no portão do prédio da embargada /apelante, os mesmos não meteram no referido portão, mais nenhum outro, mas o embargante / apelado referiu que quando esteve no tribunal para fazer a transação, havia um cadeado no portão pintado de vermelho, o que corresponde ao que consta da fotografia junta aos embargos.

XCIV) Pois bem, se quando os embargantes /apelados transigiram com a embargada /apelante, havia um cadeado no portão, o qual segundo o embargante/apelado estava pintado de vermelho, se esse mesmo cadeado se manteve no portão segundo o que disse a embargante /apelada até 3 meses antes de ter prestado declarações no julgamento (13.09.2023) ou seja, até junho de 2023, e se os embargantes reconheceram na transação, que o cadeado que se encontrava no portão pertencia ao embargante/apelado e, tendo-se os mesmos obrigado, a retirarem o mesmo até 20.09.2019, por efeito dessa mesma transação, dúvidas não restam, que esse cadeado pertencia ao embargante /apelado e foi lá deixado fechado, pelo menos até 13 de junho de 2023.

XCV) Ora, provado que está que os embargantes/apelados mantiveram o cadeado no portão que mantiveram fechado até pelo menos 13 Junho de 2023, não cumpriram os mesmos o que haviam acordado no tribunal, porquanto não entregaram o prédio em questão, mediante remoção do aludido cadeado.

XCVI) Pelo que, tendo em conta o ora alegado, deverá dar-se como provado este ponto de facto.

XCVII) Relativamente ao factos vertidos em 3 – pelas razões cima aduzidas em 112 a 120, as quais por uma questão e economia processual, aqui se reproduzem, está provado que esta situação se manteve até pelo menos 13 Junho de 2023.

XCVIII) E Assim sendo, deverão dar-se como provados estes factos, com o seguinte teor: Tal situação permaneceu até pelo menos 13 de Junho de 2023.

XCIX) Pelo exposto, cumpriu a embargada o ónus probatório do incumprimento pelos embargantes/apelados, da transação homologada por sentença que sustenta a execução, devendo, assim, os embargos ser julgados improcedentes e, nessa decorrência, determinar-se o prosseguimento da execução.

A final requer que o recurso seja julgado procedente e proferida decisão de prosseguimento da execução.

Contra-alegaram os apelados, assim concluindo:

1- A exequente /embargada por via do título executivo que serviu de base à presente execução, ficcionou uma realidade – falta de entrega do prédio rústico – que de facto não correu, pretendendo desta forma manifestamente ilegítima, obter uma compensação pecuniária a que não tem qualquer direito.

2- Chama-se a atenção do Tribunal ad quem sobre a consideração do Tribunal a quo sobre a força probatória dos documentos, em que considerou que “Os factos 1 a 4 resultam plenamente provados por estarem vertidos em documento com força probatória plena.

3- Pelo que, face ao valor probatório dos documentos em apreço, sempre seria insuscetível de ser dado como provado os pontos 1, 2, 3 e 4 da matéria de facto dada como não provada face à previsão e estatuição das disposições legais estabelecidas para efeitos de ónus da prova nos preceitos legais acima mencionados.

4- Razão pela qual, devem manter-se inalteradas as respostas dadas à matéria de facto não provada constante dos pontos 1, 2, 3 e 4 tal como considerou o Tribunal a quo.

5- Por fim reitera-se, mais uma vez que a Recorrente não impugnou a matéria de facto constante dos factos provados nos pontos 1 a 9 da sentença recorrida, pelo que, resultando provada e transitada em julgado esta matéria de facto, sendo insuscetível de modificação.

6- A sentença recorrida não merece qualquer reparo, salientando-se que a recorrente não logrou fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado no requerimento executivo, ónus que sobre a mesma impendia nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

7- Outrossim, resultou provado que (…), filha da embargada referiu que a mãe e a sua família esteve, em consequência da atuação dos embargantes totalmente impedida de entrar no prédio em causa, foi absolutamente desmentida pelos militares da GNR supra referidos, em especial (…), que referiu ser o prédio de fácil acesso pela vedação, que não teve oposição nenhuma em lá entrar e que no seu interior falou com a proprietária do mesmo.

8- As solicitações de desocupação do prédio rústico em causa por parte da exequente aos executados e que deram origem aos processos n.º 91/18.8GBELV e 124/18.8GBELV, são todas anteriores à transação celebrada no processo n.º 309/19.0T8ELV-A (procedimento cautelar), neste sentido veja-se factos provados em 18, 19 e 20 do Doc. n.º 3 junto com o requerimento executivo – Todos os processos de natureza criminal foram objeto de arquivamento.

9- Da sentença no processo n.º 309/19.0T8ELV (Doc. n.º 3 junto com o requerimento executivo) sob o ponto IV – O Direito, este mesmo Tribunal entendeu que “Mais resultou provado que, após efetuada a partilha, os RR. recusaram-se a entregar à A. o prédio em questão, apesar de tal ter sido solicitado por diversas vezes, resultando que o prédio até à decisão no procedimento cautelar apenso esteve na posse dos RR.” e “Pedindo igualmente a condenação dos RR no pagamento de danos patrimoniais futuros, não resulta da matéria de facto provada quaisquer elementos de onde se retire a sua existência muito menos que se fundamente que se relegue para execução de sentença o seu apuramento”.

10- O próprio Tribunal, cuja sentença foi proferida e transitada no processo n.º 309/19.0T8ELV em 09.05.2022, em momento posterior à transação celebrado nos autos em apenso de procedimento cautelar (21.08.2019), considerou de forma inequívoca, que o prédio em questão apenas esteve na posse dos RRs até à decisão proferida no procedimento cautelar.

11- Em suma, a exequente pretende de forma manifestamente ilegítima e maldosa, através da presente execução, por via da utilização indevida e forçada de título executivo, atento o episódio isolado e involuntário de algumas ovelhas que tresmalharam da propriedade dos executados para a propriedade da exequente fazer crer ao Tribunal que a desocupação não se concretizou no prazo acordado e que os executados se mantiveram ilegitimamente na posse do identificado prédio rústico até ao dia 09.05.2022, factualidade que não corresponde à verdade.

12- Face ao que, pelos motivos supra expostos, tendo em conta que em momento anterior a 20.09.2019, os executados já tinham procedido à entrega à exequente do prédio rústico de que é proprietária, não assiste à exequente / recorrente o direito a receber o valor ora reclamado de € 15.042,11, tal como assim foi entendimento do Tribunal a quo.

Pugnando a final pela manutenção da decisão recorrida.


II

Do objeto do recurso:

Considerando a delimitação que decorre das conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2 CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), importa apreciar, numa sequência de prejudicialidade jurídica:

i. Do erro de direito:

Por ser exequível o título executivo (transação homologada em providencia cautelar) e, por estar demonstrado o incumprimento (na sentença dos autos principais).

ii. Do erro do julgamento de facto:

Porquanto dos elementos probatórios corretamente julgados flui o incumprimento pelos executados da obrigação de entrega do prédio.


III

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade, a que oficiosamente se adita o facto em 10) por consulta dos autos:

1 - Nos autos procedimento cautelar de restituição provisória da posse, a que estes autos de execução estão apensos, entre os ali requerentes e requeridos e aqui exequentes (embargados) e executados (embargantes), foi proferida a seguinte decisão, numa fase em que ainda não tinha ocorrido audiência prévia dos requeridos:

“Determino que os Requeridos restituam à Requerente a posse do prédio rústico sito ou denominado “Courela da (…)”, composto por cultura arvense, com a área de 0,775 hectares, confrontando do norte com e do sul com estrada pública, do nascente com courela número nove e a poente com (…), situado na união das freguesias de Terrugem e Vila Boim, concelho de Elvas, inscrito na referida freguesia sob o artigo (…), secção G e descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o n.º (…) da freguesia de Terrugem, se necessário, com a remoção do identificado portão ou da sua fechadura ou cadeado”.

2 – Em cumprimento de tal decisão, em 18/07/2019 procedeu-se à restituição do referido prédio da seguinte forma: “substituição do cadeado existente no portão, por um outro entregue pela Requerente”.

3– Nos mesmos autos, após cumprido o contraditório, foi entre os ali requerentes e requeridos e aqui exequentes (embargados) e executados (embargantes), foi efetuada em 21/08/2019, transação, homologado por sentença, nos seguintes termos:

“1. Os Requeridos obrigam-se a restituir à Requerente, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a partir de hoje, ou seja, com termo final no dia 20-09-2019, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o número (…) da freguesia de Terrugem, denominado “(…)”, deixando o referido prédio livre de animais, gerador, contentores e colmeias que lá se encontram.

2. Durante o prazo de 30 (trinta) dias, os Requeridos podem aceder livremente ao referido prédio tendo em vista a remoção dos referidos bens móveis e animais que lá se encontram e que lhes pertencem.

3. A entrega do imóvel será feita até ao já referido dia 20-09-2019, mediante remoção pelos Requeridos de todos os cadeados que lá se encontrem e que pertencem ao Requerido.

4. Em caso de incumprimento do prazo fixado no ponto 1) para a entrega do imóvel, os Requeridos obrigam-se a pagar uma sanção pecuniária compulsória à Requerente, no valor diário de 15,00 euros, por cada dia de atraso na entrega do prédio.

5. A Requerente obriga-se a não destruir a vedação, as árvores e edificações (furo, colmeal e casa de arrumos em alvenaria) que se encontrem no prédio.

6. O presente acordo vigora até que a ação principal se mostre decidida por decisão transitada em julgado”.

4 – No Proc. n.º 309/19.0T8ELV (ação principal) foi proferida sentença em 25/03/2022, transitada em julgado com o seguinte teor:

“1 - Julga-se parcialmente procedente por parcialmente provada a presente ação, e, em consequência condenam-se os RR. a procederem à desocupação e restituição do referido prédio identificado no ponto 1 dos factos provados à A., livre de quaisquer pessoas, animais, objetos, ferramentas e alfaias, colocando-o no mesmo estado em que se encontrava, devendo os mesmos, designadamente, eliminarem o furo de captação de água aberto, retirarem a vedação colocada e torno do referido prédio e colocarem a que arrancaram, demolirem e retirarem os contentores e o colmeal construídos e as colmeias existentes.

2 - Mais se condena os RR. as absterem-se de praticar todo e qualquer tipo de atos sobre o prédio, designadamente os que, por qualquer forma impeçam ou dificultem o gozo, fruição e acesso ao prédio pela Autora.

3 – Julga-se parcialmente procedente o pedido subsidiário, condenando-se os RR. a pagar à A. a quantia de € de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) pela ocupação do prédio entre 15/12/2016 e a data do acordo celebrado nos autos de procedimento cautelar apenso, acrescidos de juros calculados à taxa legal, desde a data de citação, até efetivo e integral pagamento.

4 – Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido relativo aos danos não patrimoniais, condenando-se os RR. no pagamento à A. da quantia de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), acrescidos de juros calculados à taxa legal, desde a data de citação, até efetivo e integral pagamento.

5 – Julgar improcedente o demais peticionado, absolvendo os RR. do mesmo.

6 – Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido, sem prejuízo do direito dos AA. reconvintes em proceder ao levantamento das benfeitorias, absolvendo a R. reconvinda do mesmo.

7 – Julgar não verificada a exceção de abuso de direito por parte da A.

8 – Julgar não verificada a existência de litigância de má-fé dos RR.”

5 – Em 15/01/2021, bem como em pelo menos uma outra ocasião, alguns animais da propriedade dos executados tresmalharam para o prédio em causa.

Substituído oficiosamente por: “5- Pelo menos em 10-12-2019 e 31-12-2021, alguns animais da propriedade dos executados tresmalharam para o prédio em causa”.

6 - Os executados/ embargantes procederam à sua remoção logo que para isso foram alertados ou se aperceberam.

7 – Após a restituição referida em 2 e antes da transação referida em 3, os embargantes procederam à retirada, através do uso da força, do cadeado colocado.

8 – Nos autos de execução foi requerida a penhora dos subsídios atribuídos ao executado pelo IFAP.

9 – E foram penhorados:

- direitos RPB/Compromissos MAA, no valor de € 638,90.

- Os prédio, m.d. no auto de penhora elaborado pelo Sr. A.E. em 08.01.2023, aos quais não foi atribuído valor por o mesmo ser desconhecido.

- Quinhão hereditário do executado na herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de (…) e (…), NIF (…), respetivamente, incidente sobre o prédio urbano composto de rés do chão com três divisões e um quintal, constituído em propriedade total sem divisões suscetíveis de utilização independente, sito no Largo (…), n.º 18, Lugar de (…), da união de freguesias de Terrugem e Vila Boim, concelho de Elvas, inscrito na referida freguesia sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o artigo n.º (…), com o valor patrimonial de € 11.016,98, ao qual não foi atribuído valor por desconhecido.

10 – Consta do requerimento executivo de 13-07-2022 o seguinte:

«Por transação alcançada entre exequente e executados em 21.08.2019, proferida no âmbito do processo n.º 309/19.0T8ELV-A (procedimento cautelar), que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Elvas – Juiz 1, homologada por sentença transitada em julgado em 10.09.2019, foram os aqui executados (…) e (…) condenados, para além do mais, a

1. A restituírem à requerente, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a partir de hoje, ou seja, com termo final no dia 20.09.2019 o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o número (…) da freguesia de Terrugem, denominado “(…)”, deixando o referido prédio livre de animais, gerador, contentores e colmeias que lá se encontram.

2. A entrega do imóvel será feita até ao já referido dia 20.09.2019, mediante remoção pelos requeridos de todos os cadeados que lá se encontrem e que pertencem ao Requerido.

3. Em caso de incumprimento do prazo fixado no ponto 1) para entrega do imóvel, os requeridos obrigam-se a pagar uma sanção pecuniária compulsória à requerente, no valor diário de 15,00 euros, por cada dia de atraso na entrega do prédio.

4. O presente acordo vigorara até que a ação principal se mostre decidida por decisão transitada em julgado – Vide doc. n.º 1 e sentença constante dos autos.

Não obstante o referido acordo, os executados sem autorização e à revelia da exequente, à semelhança do que vinham fazendo anteriormente, a partir de 20.09.2019, continuaram a ocupar o sobredito prédio, nele mantendo diversas ovelhas e, aí se deslocando os mesmos, diariamente, ao tal prédio para alimentarem os referidos animais. Situação que se manteve até finais de Fevereiro de 2022.

Para além disso, mantiveram os executados, o portão de acesso ao prédio fechado com um cadeado com aloquete, o que fizeram, igualmente, sem autorização e à revelia da exequente, situação que ainda se mantém na presente data e, que impede a executado (leia-se “exequente”) de aceder ao seu aludido prédio, de o usar e dele fruir – Vide doc. n.º 2.

Pelo exposto, não restituíram os executados à exequente, o sobredito prédio, o que justifica o recurso à presente execução, por incumprimento da referida transação homologada por sentença transitada em julgado.

Nos autos principais, foi proferida sentença condenatória dos executados, transitada em julgado em 09.05.2022 – Vide doc. n.º 3.

Ora, de acordo com a sentença em que a presente execução se alicerça, a referida transação vigorou até esta data.

Face ao citado incumprimento dos executados, de acordo com a sentença aqui dada à execução, são os mesmos responsáveis pelo pagamento de 15,00 euros por dia, desde 20.09.2019 até ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos principais, ou seja, desde 20.09.2019 até 09.05.2022.

Pelo que devem os executados à exequente, o montante de 14.430,00 euros (catorze mil e quatrocentos e trinta euros) – (962 dias x 15,00 euros).

A este montante acresce:

a) juros de mora vencidos , à taxa legal em vigor de 4,00%, contados do trânsito em julgado da sentença em que a presente execução assenta, no montante de € 612,11 (seiscentos e doze euros e onze cêntimos) euros, cujo demonstração dos respetivos cálculos, se fará na liquidação da obrigação.

b) Juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, a calcular desde a presente data até efetivo e integral pagamento; e

c) juros compulsórios, à taxa anual em vigor, contados desde o trânsito em julgado da sentença dada à execução – 10.09.2019 – até integral pagamento da dívida, cuja liquidação deverá ser operada pela Senhora Agente de Execução, na conta final de custas (artigo 829.º-A, n.º 4, do CC).

Pelo exposto, a dívida exequenda ascende, nesta data, a € 15.042,11 (quinze mil e quarenta e dois euros e onze cêntimos)”.

O tribunal a quo julgou não provada a seguinte factualidade:

1- Os embargantes, sem autorização e contra a vontade dos exequentes, a partir de 20/09/2019 continuaram a ocupar o prédio a que se alude no ponto 1 dos factos provados, mantendo diversas ovelhas e aí se deslocando diariamente para alimentarem os referidos animais.

2 –E mantiveram, nas mesmas circunstâncias, após essa data o portão de acesso ao prédio fechado com um cadeado com aloquete.

3 – Tal situação permaneceu até à prolação da sentença nos autos de processo comum.

4 – E procederam ao corte de uma parte da rede existente entre o prédio em causa e o prédio dos embargantes, entre si confinantes, para que as suas ovelhas acedessem ao primeiro e aí pastoreassem.

Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação

Sustenta a apelante a exequibilidade do título, posta em causa na sentença recorrida.

O título executivo é constituído pela sentença de homologação de transação lavrada em 21-08-2019 nos autos de procedimento cautelar, a qual vigorou até 09-05-2022, data em que transitou em julgado a sentença proferida nos autos principais, por força do estabelecido no ponto 6 da transação: “6. O presente acordo vigora até que a ação principal se mostre decidida por decisão transitada em julgado”.

Pretendendo a exequente que, tendo ocorrido incumprimento dessa transação desde a data prevista como limite para a entrega do prédio (20-09-2019) e o trânsito em julgado da sentença principal (09-05-2022), por não ter ocorrido a entrega do imóvel nos termos fixados na transação e, prevendo esta uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega, vem reclamar na execução o valor que corresponde ao somatório dos dias do incumprimento.

Os embargantes contestaram o incumprimento e colocaram em causa a idoneidade do título para a finalidade pretendida.

Pronunciando-se sobre idoneidade do título lê-se na sentença sob recurso:

“Da matéria de facto flui o cumprimento pelos executados da obrigação de entrega do prédio, mostrando-se cumprida a obrigação de entrega do prédio em causa, nos termos da transação elaborada.

Pedindo na execução os exequentes o pagamento da sanção compulsória pela não entrega do imóvel, só pelo referido seriam procedentes os embargos.

Todavia, salvo melhor opinião, o pedido formulado na execução, relativo ao pagamento de uma sanção compulsória, não é exequível.

Como se escreve no Ac. do Trib. da Relação do Porto, datado de 28/10/2021, proferido no proc. n.º 1596/19.9T8AGD-CP1, “a ocorrência da situação de incumprimento do acordo de transação não se encontra abrangida pelo âmbito da exequibilidade do título apresentado, tornando-o insuficiente para a execução”, disponível em www.dgsi.pt. Escreve-se ainda: “A certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda da obrigação são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que sem eles não é admissível a satisfação coativa da pretensão, como decorre, expressamente, do disposto no artigo 802.º do anterior Código de Processo Civil, quando tendo como epígrafe “requisitos da obrigação exequenda”, se refere à “obrigação certa, exigível e líquida”.

Esta problemática da exigibilidade da obrigação prende-se com a questão da natureza das obrigações e sanções estipuladas nas transações que vêm a ser executadas, onde se estabelecem sanções relativas a prazos que não podem ser de imediato cumpridos e que ficam sujeitos a condições que não estejam desde logo verificadas e alheias ao devedor. Só uma obrigação, que tendo sido judicialmente reconhecida, esteja em condições de ser logo cumprida pelo devedor é que pode determinar a incidência automática das sanções previstas. Ou seja, face ao simples acordo da transação, não está assente ou demonstrada a obrigação de a executada pagar ao exequente os montantes dessas cláusulas penais, com a consequência de, por se tratar de factos constitutivos dos direitos que reclama, caber ao exequente o ónus de alegar e provar os factos integradores dos invocados e pertinentes “incumprimentos” pela executada (artigo 342.º, n.º 1, do CC) – não cabendo, pois, a esta o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos de que cumpriu as obrigações contratuais em causa”.

Da sentença homologatória em causa, não resulta por si a obrigação de os executados pagarem a quantia dada à execução (sanção compulsória), necessitando de outra prova, cujo ónus está a cargo dos exequentes, nos termos assinalados no acórdão.

Por conseguinte, somos a concluir também pela inexequibilidade do título, nos termos da alínea b) do artigo 729.º do C.P.C.”.

Aludindo primeiramente ao mérito, através da afirmação de que, da matéria de facto flui o cumprimento pelos executados da obrigação de entrega do prédio, a sentença termina por concluir ser o título inexequível quanto à sanção pecuniária compulsória, por não estarem assentes ou demonstrados os factos integradores da obrigação dos executados / embargantes pagarem à exequente/embargada o montante reclamado.

No que divergimos, como passaremos a explicar.

O título executivo é constituído por uma sentença homologatória de transação, no qual se prevê uma prestação de facto a praticar pelo executados, de natureza infungível, ou seja, a prestar pelos próprios obrigados, em determinado prazo. Em caso de incumprimento da entrega do imóvel dentro desse prazo os Requeridos, ora embargantes, obrigaram-se, no âmbito da mesma transação a pagar uma sanção pecuniária compulsória à Requerente, no valor diário de € 15,00 euros, por cada dia de atraso na entrega do prédio.

Por entrega do prédio entendeu-se, nos termos da transação “deixar o referido prédio livre de animais, gerador, contentores e colmeias que lá se encontram; bem como, a remoção pelos requeridos de todos os cadeados que lá se encontrem e que pertencem ao requerido”.

O que deveria ocorrer até 20-09-2019.

No requerimento executivo a exequente invoca os termos da transação e o incumprimento pelos executados da prestação de entrega, porquanto, entre 20-09-2019 e até finais de Fevereiro de 2022 “os executados sem autorização e à revelia da exequente, à semelhança do que vinham fazendo anteriormente, continuaram a ocupar o sobredito prédio, nele mantendo diversas ovelhas e, aí se deslocando os mesmos, diariamente, para alimentarem os referidos animais. Mantendo o portão de acesso ao prédio fechado com um cadeado com aloquete.”

Assim, a exequente pretende acionar a sanção pecuniária compulsória, calculando o período de incumprimento como tendo o seu início em 21-09-2019 e o seu termo em 09-05-2022, data em que foi proferida a sentença no processo principal e da qual se fez depender a validade da transação.

Importa atender ao seguinte normativo:

Dispõe o artigo 829.º-A do Código Civil alusivo à «Sanção pecuniária compulsória» que:

«1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. (…)

É sabido que, uma sentença homologatória de transação constitui título executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC:

«1 - À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias;»

Na categoria das sentenças condenatórias cabem as sentenças homologatórias de transação judicial (artigo 290.º, n.º 4, do CPC), desde que da homologação da transação resulte condenação suscetível de ser executada.

Sendo pelo título que determina qual o fim e quais os limites da ação executiva, cfr. artigo 10.º, n.º 5, do CPC:

«Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.»

Ou seja, para que se possa instaurar uma execução é indispensável que haja título executivo, como se proclama no artigo 703.º, através do qual se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, sendo certo que os limites dessa obrigação comandam os limites da execução.

Importa ainda considerar o disposto no artigo 716.º do Código de Processo Civil que, a propósito da liquidação da quantia exequenda, prescreve:

«1 - Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.

2 - Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.

3 - Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação.

4 - Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.os 3 e 4 do artigo 360.º.

5 - O disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais.

(…).» (sublinhado nosso)

A sanção pecuniária compulsória define-se, nas palavras de João Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4.ª Edição, Almedina, Abril de 2002, pág. 355, como “condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a sua obrigação”, constituindo um “meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobre a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, suscetível de acarretar-lhe elevados prejuízos”.

A sanção pecuniária compulsória tem, assim, por finalidade, servir de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor no cumprimento das obrigações fixadas, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça com o correspondente benefício para os credores em particular.

Como expressa o Ac. STJ de 08-11-2018, Proc. n.º 1772/14.0TBVCT-S.G1.S2 (Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt:

“A sanção pecuniária compulsória tem por objetivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, antes o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência.”

Considerando esse escopo, considerando ainda o casuísmo e a equidade com que é fixada, a sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento da prestação de facto infungível prescrita no n.º 1 do artigo 829.º-A do CC, deve estar sujeita ao impulso processual do exequente, nomeadamente no que respeita à liquidação pelo período de incumprimento, permitindo-se ao executado o pleno exercício do contraditório.

Assim, ao pretender executar a sanção pecuniária compulsória atribuindo-lhe um valor, por correspondência à taxa diária prevista na transação para o incumprimento e, indicando um período de incumprimento, a exequente deu satisfação ao disposto no artigo 716.º do CPC, assegurando a exequibilidade do título.

Os executados deduziram embargos, contestando ter ocorrido incumprimento da prestação de facto infungível, o que em sede de mérito importará decidir e, em respeito pelas regras que estabelecem o ónus da prova (artigo 342.º do C. Civ.), ou seja, contestada a obrigação, onerada fica a exequente com o ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Para que a exequente tenha direito à sanção pecuniária compulsória, fixada na transação e, destinada em partes iguais ao credor e ao Estado (artigo 829.º-A, n.º 3, do CC) terá de provar em sede de embargos os factos constitutivos da situação de incumprimento (artigo 342.º, n.º 1, do CC).

Defendeu a apelante/exequente nas suas alegações ter demonstrado o incumprimento dos executados através da sentença proferida nos autos principais que o reconhece e por efeito do seu caso julgado material.

Assim, alega a apelante embargada nas suas conclusões de recurso que “a embargada está munida duma sentença que reconhece que os executados não haviam cumprido a referida transação, porquanto quando a embargada/apelante intentou a ação executiva – 07-07-2022 –, já a sentença proferida na ação do processo principal havia transitado em julgado, o que sucedeu em 09-05-2022. E, nessa sentença é reconhecido que os embargantes/apelados (ali réus) se encontravam na posse e a ocupar o prédio em questão e que ainda não o haviam restituído à embargada /apelada ( ali autora) – Vide 4 dos factos assentes e certidão da sentença, com nota da data de trânsito em julgado, junta ao requerimento executivo, como documento n.º 3.”

Da consulta de tais autos resulta que a sentença em questão não se debruça sobre o incumprimento da transação, o que, em tese, seria admissível em razão dum articulado superveniente e por factos supervenientes, que tivesse ocorrido mas não ocorreu.

A petição deu entrada em 16-06-2019 (precede temporalmente a transação homologada na providência cautelar em 21-08-2019) e nela se estruturou a causa de pedir. A realidade factual em que assenta a sentença coincide com a realidade estabilizada por referência a esse período temporal, o qual não foi alterado pela contestação.

Assim, em respeito ao princípio da estabilidade da instância (cfr. artigo 260.º do CPC), a sentença da ação declarativa cobre a realidade (causa de pedir) que lhe foi dada a conhecer pelos articulados e, essa realidade não integra qualquer incumprimento da transação efetuada a posteriori nos autos de providência cautelar.

Não sendo, por isso, legítimo pretender que a sentença prova o incumprimento de entrega apto a fazer acionar a sanção pecuniária compulsória, ou que decidir o contrário ofende o caso julgado material que a mesma comporta.

Aqui chegados, importa concluir que, apenas com base no probatório produzido nestes embargos se poderá apurar se ocorreu o incumprimento de entrega do imóvel que permite o acionamento daquela sanção.

O que implica o conhecimento da impugnação da matéria de facto. A impugnante observou os ónus a seu cargo, nos termos do artigo 640.º do CPC, nada impedindo tal conhecimento.

Insurge-se a apelante com a resposta de “não provados” dados aos factos 1 e 3. Sendo eles do seguinte teor:

1- Os embargantes, sem autorização e contra a vontade dos exequentes, a partir de 20/09/2019 continuaram a ocupar o prédio a que se alude no ponto 1 dos factos provados, mantendo diversas ovelhas e aí se deslocando diariamente para alimentarem os referidos animais.

2 –E mantiveram, nas mesmas circunstâncias, após essa data o portão de acesso ao prédio fechado com um cadeado com aloquete.

3 – Tal situação permaneceu até à prolação da sentença nos autos de processo comum.

O tribunal a quo fundamentou a resposta negativa de tais factos com a seguinte fundamentação:

“A matéria de facto não provada resulta da ausência de prova quanto à mesma.

Com efeito, com exceção das ocasiões que resultam do ponto 5 dos factos provados, relativamente ao qual os embargantes reagiram da forma descrita em 6, nenhuma forma de atuação destes sobre os prédios em causa resultou provada.

(…), filha da embargada referiu que a mãe e a sua família estiveram, em consequência da atuação dos embargantes totalmente impedidas de entrar no prédio em causa.

Foi absolutamente desmentida pelos militares da GNR supra referidos, em especial (…), que referiu ser o prédio de fácil acesso pela vedação, que não teve oposição nenhuma em lá entrar e que no seu interior falou com a proprietária do mesmo.

Acrescentaram ainda que o acesso era feito por uma cancela ou porteira, feita do mesmo material da vedação, sem cadeado. Assim resulta que inexistia qualquer cadeado impeditivo da entrada da requerida no prédio e consequentemente não provado o referido em 2 dos factos não provados.

Estes depoimentos, prestados por pessoas desinteressadas relativamente ao conflito em causa, e dotadas de especiais características de objetividade e imparcialidade, são de muito maior credibilidade do que o da filha da embargada. Por outro lado, não se afigura que outra prova se encontra nos autos, designadamente documental que a contradissesse.”

Constam dos autos os seguintes “relatórios de ocorrência” lavrados pela GNR:

O primeiro datado de 11-12-2019 e assinado pela testemunha (…), militar da GNR na reserva, dando conta de que no dia anterior foi solicitado por (…), aqui apelante e exequente, a comparência da GNR no terreno desta por aí se encontrarem uns animais de raça ovina, sem autorização da proprietária. Chegados ao local a brigada da GNR, composta pelo próprio, (…) e (…) pode aferir que aí se encontravam seis animais de raça ovina, tendo sido possível a identificação do proprietário através do brinco que possuíam na orelha. Sendo ele, (…), aqui executado.

Tais factos foram confirmados pela testemunha (…) quando ouvida em audiência, tendo a mesma declarado ainda, ter acedido àpropriedade que fica junto a um caminho público e tem fácil acesso, tem simplesmente uma vedação em…arame. Acedi através da vedação. Não tive oposição nenhuma. Tive que falar com a proprietária do referido terreno onde estavam os animais. A proprietária estava no interior do terreno, eu já tinha o portão aberto. A propriedade está vedada com arame e a proprietária estava no interior à nossa espera. Eu entrei pelo porteira (cancela) de arame e madeira, entrada principal da propriedade. Não havia cadeado a impedir”.

O segundo “relatório de ocorrência”, reportado à data de 31-12-2021, informa terem sido chamados pela Sra. … (filha da apelante) devido à existência de “animais de raça ovina a pastar em propriedade alheia”, e que tendo a GNR comparecido no local, na presença daquela, a mesma referiu que andavam ovelhas a pastar na propriedade de sua mãe, tendo entretanto chegado o Sr. … (embargado) que as recolheu para outro terreno e posteriormente para um abrigo. Tendo este dito que o local onde as mesmas pastavam era sua propriedade (courela n.º …) e não da mãe da Sra. (…).

(…), militar da GNR em situação de reserva confirmou tal relatório, da sua responsabilidade, tendo ainda referido a forma como acedeu a este terreno, “acho que entrámos no terreno, para tirar as fotografias, da estrada era impossível lá chegar, falei com os intervenientes, tanto com a Sra. (…) como o proprietário das ovelhas, já não me recordo se tirou as ovelhas do local.

Entrei na courela, abri uma porteira, cancela, estava a filha da proprietária dum terreno e estive com o proprietário dos animais, não tenho noção que tenham falado de câmaras de filmar…”

Na verdade esta foi a única prova a que se pôde conferir credibilidade.

O depoimento da testemunha (…), filha da embargada, ora apelante, pecou por ausência de precisão, por indefinição e muita subjetividade, tendo o seu depoimento sido, por vezes contrariado pelos militares da GNR que, tendo estado no local, e não tendo interesse na causa, depuseram de forma diferente.

Nomeadamente quando referiu que em 10-12-2019, com a mãe, a GNR teve de saltar, porque havia um cadeado e, em 31-12-2021, no episódio consigo, também tiveram de passar a barreira, de levantar as pedras para passar a rede, havendo um cadeado, “praticamente desde sempre, julgo que sim”.

Corroboramos, pois, o julgamento probatório de resposta negativa feito pela 1ª instância. A factualidade exposta nos pontos 1), 2) e 3) dos factos não provados não se sustenta em qualquer prova objetiva e credível que permita dar tais factos como assentes.

Importa ainda, por iniciativa oficiosa, um esclarecimento quanto ao ponto 5 da factualidade provada que contém a seguinte resposta:

“5 – Em 15/01/2021, bem como em pelo menos uma outra ocasião, alguns animais da propriedade dos executados tresmalharam para o prédio em causa”.

Para mais consentâneo com a prova documental que o sustenta, no caso os relatórios de ocorrência acima referidos e com os factos datados, importa se corrija os momentos temporais nele indicados.

Assim, o ponto 5 da factualidade assente passará a ter a seguinte redação:

“Pelo menos em 10-12-2019 e 31-12-2021, alguns animais da propriedade dos executados tresmalharam para o prédio em causa”.

Coexistindo com a redação do facto 6 dos factos provados: 6 - Os executados/ embargantes procederam à sua remoção logo que para isso foram alertados ou se aperceberam”, por tal resultar testemunhado pelos militares da GNR numa das vezes e, resultar das declarações dos próprios embargantes, sendo a remoção um ato da normalidade da vida face às circunstâncias.

Mantendo a resposta de não provado relativamente ao facto: [1- Os embargantes, sem autorização e contra a vontade dos exequentes, a partir de 20/09/2019 continuaram a ocupar o prédio a que se alude no ponto 1 dos factos provados, mantendo diversas ovelhas e aí se deslocando diariamente para alimentarem os referidos animais] – por se mostrar contraditório com os pontos 5) e 6) anteriormente fixados.

Pretende ainda a apelante que o ponto 2 dos factos não provados [2 –E mantiveram, nas mesmas circunstâncias, após essa data o portão de acesso ao prédio fechado com um cadeado com aloquete], deveria ter resposta positiva.

Sustenta essa pretensão na interpretação que faz dos depoimentos dos embargantes / apelados, conjugadamente com o que diz serem as regras da “experiência comum e da lógica das coisas”, e a “inocuidade” dos depoimentos de … e … (militares da GNR) presentes no local.

Sucede que ouvidos tais depoimentos deles transparece falta de clareza e assertividade quanto a quem pertenciam os cadeados nos diversos momentos temporais, em particular na fase posterior à transação. Os embargantes/apelados nesta particular questão confundem-se, dizem e desdizem-se, o que impede de reconhecer a validade das suas declarações num só sentido.

Por outro lado, como bem assinalou o Mmº Juiz a quo no despacho motivador, a versão de (…), filha da embargada, ao referir que a mãe e a sua família estiveram, em consequência da atuação dos embargantes totalmente impedidas de entrar no prédio em causa, por via da presença de cadeados, foi desmentida pelos militares da GNR, em especial (…), que referiu ser o prédio de fácil acesso pela vedação, que não teve oposição nenhuma em lá entrar e que o acesso era feito por uma cancela ou porteira, feita do mesmo material da vedação, sem cadeado. Estes depoimentos, prestados por pessoas desinteressadas relativamente ao conflito em causa, não são inócuos como pretende a apelante e oferecem maior objetividade e isenção do que o da filha da embargada, parte interessada.

Desse modo, concluímos como a 1ª instância, não logrou a apelante provar a presença de qualquer cadeado impeditivo da sua entrada no prédio, no período temporal abrangido pela transação, o que justifica se mantenha a resposta negativa ao ponto 2) em discussão.

Mais se mantendo, por extensão de raciocínio a resposta negativa ao ponto 3 que visava situar temporalmente o anterior, uma vez provado.

Termos em que, sem prejuízo da correção oficiosamente efetuada ao ponto 5) dos factos provados, improcede na totalidade a impugnação da matéria de facto.

Do direito:

Da improcedência do item antecedente, impõe-se concluir não ter a embargada / apelante logrado demonstrar o incumprimento pelos embargantes/apelados da entrega do prédio nos termos delineados na transação homologada por sentença, a qual sustenta o título executivo.

Os factos 5) e 6) aludindo a dois episódios fortuitos de fuga das ovelhas para o espaço contíguo, logo acautelado pelos embargantes, não têm a consistência necessária para concluir por um incumprimento efetivo e voluntário da entrega transacionada.

Desse modo, a apelação será julgada improcedente, mantendo-se o decidido na 1ª instância, ainda que com parcial divergência quanto à fundamentação alusiva à exequibilidade do título.

Síntese conclusiva: (…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Évora, 07 de março de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Francisco Matos (2º Adjunto)