Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1142/21.4T8BJA.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: TRANSACÇÃO JUDICIAL
ERRO-VÍCIO
NÚNCIO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1- O erro-vício sobre os motivos consiste numa falsa representação sobre a existência, subsistência, ou verificação de uma circunstancia actual, que surgiu como determinante para tomar a decisão de contratar, ou de contratar com determinado conteúdo e sem a qual tal decisão não teria sido tomada, ou não o teria sido nos exactos termos em que o foi.
2- O erro sobre a base do negócio consubstancia um erro relativo a outros motivos sobre os quais não tenha havido acordo das partes.
3- A base do negócio é constituída por circunstâncias que influenciem um, ou mais do que um, dos elementos que, no contexto do contrato, se revelem essenciais para ambas as partes ou para uma delas.
4- A existência de erro sobre a base do negócio não é suficiente para dela extrair efeitos, uma vez que por remissão do artigo 252.º, n.º 2, do Código Civil, a sua relevância depende adicionalmente da verificação dos requisitos cumulativos exigidos pelo artigo 437.º do mesmo Código, a saber, um requisito positivo, traduzido na grave afetação dos princípios da boa fé e outro negativo, traduzido em não estar a exigência da obrigação coberta pelos riscos próprios do contrato, não se exigindo a alteração anormal das circunstâncias dado que o equivalente desse pressuposto está preenchido com a existência de erro sobre a base do negócio.
5- No caso vertente não resultaram demonstrados factos que permitam concluir no sentido da Apelante ter transacionado em erro sobre a obrigatoriedade de prestar uma caução relativa ao pagamento de pensões devidas ao Apelado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1142/21.4T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Juiz 2
Apelante: Convento Nossa Senhora das (…), Lda.
Apelados: (…)
Crédito (…) – Companhia de Seguros de (…), SA
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

*
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
Convento Nossa Senhora das (…), Lda., pessoa coletiva, com sede na Estrada da (…), Caixa Portal (…), (…), instaurou contra (…), com domicílio na Rua (…), Lote 24, (…) e (…) – Companhia de Seguros de (…), S.A., pessoa coletiva, com sede na Rua de (…), n.º 372 – 3º, Dto., Edifício (…),1070-040 Lisboa, a presente acção declarativa constitutiva, com processo comum, “para anulação de transação judicial”, pedindo que se decrete a anulação da transação celebrada no processo que, sob o n.º 1738/19.4T8BJA, correu termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Beja (Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Beja) e homologada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja.
Citado o Co-Réu (…), o mesmo contestou a acção por impugnação e pugnou pela total improcedência do pedido.
Citada a Co-Ré (…) Seguros contestou igualmente a mesma por meio de impugnação a acção e sustentou, do mesmo passo, a total improcedência da acção.
Realizou-se audiência prévia no âmbito da qual foi elaborado despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Agendou-se posteriormente a audiência final, que se realizou após o que foi proferida sentença que contem o seguinte dispositivo:
“III- DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga a acção improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolve os réus (…) e (…) – Companhia de Seguros de (…), S.A., dos pedidos contra si deduzidos.
Custas pela autora – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique”.
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Inconformada com a sentença a Autora apresentou requerimento de recurso de Apelação para este Tribunal Superior, contendo um segmento de conclusões recursivas notoriamente extenso.
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O Co-Réu (…) respondeu ao recurso rematando a sua resposta do seguinte modo:
“Pelo que, mesmo que se defendesse que existiu um erro e que a este se aplicava o n.º 1 do artigo 252.º do Código Civil, não deveria ser decretada a anulação da transação.
Devendo, assim:
- Alterar-se o teor do ponto 7 dos factos provados, de modo a se eliminar a expressão “… e sujeito à atualização”;
- Dar-se como provada parte da matéria constante do ponto A. dos factos não provados, designadamente que “A mandatária da autora lhe disse que teria 10 dias para pagar 10.000 euros, das despesas de fisioterapia e hospitalares e mais uma verba de 137 euros para a seguradora” e como não provada a restante;
- Manter-se como não provada a matéria constantes dos pontos B, C, D a F, I e J dos factos não provados; e, em consequência,
- Manter-se integralmente a sentença recorrida, por esta não ter violado qualquer norma legal e ser consentânea com a prova produzida”.
A Co-Ré (…) Seguros, SA, não apresentou resposta ao recurso.
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Foi proferido despacho no Tribunal a quo que admitiu o recurso como apelação a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e ordenou a subida dos mesmos a este Tribunal Superior, para apreciação.
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Já neste Tribunal Superior, houve lugar à prolação pelo relator de despacho convidando ao aperfeiçoamento do segmento recursivo das conclusões atenta a diagnosticada extensão do mesmo.
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A Autora acedeu ao convite e apresentou novo segmento de conclusões mais reduzidas com o seguinte conteúdo:
CONCLUSÕES:
1. A decisão recorrida contém incorreções na apreciação das matérias de facto e de direito sub iudice, o que não se pode aceitar.
2. Analisadas as declarações prestadas pelo legal representante da Autora (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 09:54:34 horas e as 10:24:56 horas, em concreto, entre os minutos 4.30 e 6.36, as declarações prestadas pela testemunha … (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 10:26:26 horas e as 10:46:43horas, em concreto, entre os minutos 8:00 e 10:33, facilmente se conclui que o facto considerado provado sob o artigo 7º está manifestamente incompleto, uma vez que do mesmo é omitido que o telefonema (o primeiro de três) foi realizado pelas 11.00 horas da manhã e que o telefonema se destinou, para além do facto dado como provado em 7º da decisão em crise, a transmitir que a Autora estava obrigada a proceder ao pagamento, no prazo de 10 dias, de 10.000 euros, despesas de fisioterapia e hospitalares e mais uma verba de 137 euros.
3. Esta omissão, em face da prova produzida e que o Tribunal assume como credível, é particularmente determinante se se atender a que o Tribunal a quo deu como não provado – declarando que nem foi objeto de prova – o Ponto A da matéria de facto não provada, o que é entendimento incorreto e incompreensível.
4. Este mesmo artigo 7º está manifestamente incorreto ao incluir a expressão “sujeito à atualização”, uma vez que, como decorre das declarações acima identificadas, nada foi referido sobre uma qualquer atualização.
5. Verificando-se manifesto erro na avaliação da matéria de facto provada, o artigo 7º da dessa matéria deve ser alterado, bem como eliminado o Ponto A da matéria de facto considerada não provada, nos termos propostos: “Nesse mesmo telefonema, a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento de um valor mensal equivalente a cerca de € 600,00 por mês, vezes 14 meses, bem como ao pagamento, no prazo máximo de 10 dias, de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 referente a taxas e algo relacionado com pagamento de incapacidade, que a advogada não especificou, e o valor de 137,00 euros e qualquer coisa, referente à participação da seguradora (…)”, ou, pelo menos, com a supressão da expressão “sujeito à atualização constante do artigo 7º da matéria de facto considerada provada, passando o Ponto A da matéria de facto considerada como não provada passar para o elenco dos factos provados, com a redação proposta: “Nesse mesmo telefonema, a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento, no prazo máximo de 10 dias, de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 referente a taxas e algo relacionado com pagamento de incapacidade, que a advogada não especificou, e o valor de 137,00 euros e qualquer coisa, referente à participação da seguradora (…)”.
6. Para sustentar a decisão de não terem ficado provados os Factos B e C constantes da decisão recorrida, o Tribunal a quo utilizou as regras da experiência comum, o que não se pode aceitar já que foi feita cabal prova da concessão de meros desses três minutos através das declarações de parte prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 09:54:34 horas e as 10:24:56 horas, em concreto, entre os minutos 4.30 e 6.36 e 7:15 e 7:30, e declarações prestadas pela testemunha (…) na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 10:26:26 horas e as 10:46:43horas, em concreto, entre os minutos 8:00 e 10:33 – as quais foram tidas como totalmente credíveis, mas nesta parte ignoradas de forma incompreensível.
7. As declarações acima indicadas estão ainda em total sintonia com as declarações prestadas pela testemunha … (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 11:05:36 horas e as 11:26:19 horas, em concreto, entre os minutos 3:30 e 5:22, sendo certo que, se a advogada tinha ligado ao representante da Autora e se, em momento seguinte, liga para esta testemunha, dando a conversa por terminada rapidamente porque já estava a ter o retorno da chamada, certamente decorre que o período de tempo foi concedido à Autora para se pronunciar sobre estes novos termos da transação foi mínimo, por isso mesmo, questionado sobre a dinâmica deste acontecimento.
8. Conforme as declarações da testemunha (…) e legal representante da Autora acima indicadas, a advogada alertou ainda para o facto de, não sendo aceite o acordo proposto, a situação da Autora poder piorar, em concreto, seguindo o processo para julgamento o seu desfecho poder ser pior, pelo que também por isso se conclui que mal andou o Tribunal a quo ao dar o Ponto B da matéria de facto como não provado, devendo, tal facto ser alterado para o elenco dos factos provados, como proposto: A mandatária disse ao legal representante da autora que tinha três minutos para aceitar os termos da transação, podendo a situação da Autora piorar seguindo o processo para julgamento”.
9. As afirmações da advogada e escasso tempo dado, equivalem a uma forma de pressão, o que decorre das regras da experiência comum, mas que foram efetivamente sentidas, como atestou a testemunha … (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 10:26:26 horas e as 10:46:43horas, em concreto, entre os minutos 11:00 a 12.20), pelo que sempre deverá o Facto C da matéria da matéria de facto considerada como não provada transitar para o elenco da matéria de facto considerada como provada.
10. Não se compreende ainda em que medida podem ter sido considerados como não provados os Facto D E e F da matéria de facto inserida nos factos dados como não provados, como decorre das declarações prestadas pelo legal representante da Autora na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 09:54:34 horas e as 10:24:56 horas, em concreto, entre os minutos 7:15 e 25.30, bem como das declarações prestadas pela testemunha (…) apontam no mesmo sentido (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 10:26:26 horas e as 10:46:43horas, em concreto, entre os minutos 13:21 e 15:10 e entre os 16:00 e os 18:27 e das declarações prestadas pela testemunha … (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 11:05:36 horas e as 11:26:19 horas, em concreto, entre os minutos 13:20 e 14:00.
11. Desta prova produzida resultou que a Autora não aceitaria um acordo que implicasse a confissão dos factos que resultaram transcritos do acordo homologado, que a Autora não aceitaria que a indemnização correspondesse a “prestações vitalícias”, que a Autora não aceitaria um valor de transação de valor superior a € 40.000,00, a menos que lhe fossem cabalmente justificadas as razões para um agravamento de tal valor, que a Autora ficou a aguardar a notificação da decisão homologatória para poder recorrer ou contestar do mesmo e dos termos após cabal análise, que a Autora não aceitaria a prestação de uma caução, que a advogada não transmitiu no telefonema mantido o valor da caução e, sobretudo, que a Autora, depois do primeiro telefonema, ficou convicta que o acordo estava firmado e que os restantes telefonemas apenas serviram para informar que tinha sido alcançado o acordo com matérias que não lhe tinham sido transmitidas anteriormente e que, por isso, não tinham tido a sua autorização.
12. É inelutável que a Autora não soube, no decurso da diligência e até à homologação do acordo, as obrigações que estava a assumir.
13. Em face da prova efetivamente produzida em sede de audiência de julgamento, sempre deverão os Factos D (entendendo a Autora que este nem corresponde a um verdadeiro facto, mas a um juízo conclusivo) E e F da matéria da matéria de facto considerada como não provada transitar para o elenco da matéria de facto considerada como provada.
14. O simples facto de a Autora estar convencida que a transação já tinha sido efetivada antes desta comunicação de necessidade de prestação de caução, leva a concluir que à Autora não foi permitida oposição formal a esta caução, nem que lhe foi comunicado o conteúdo e razão de ciência de tal caução, para além de ser evidente que a advogada não estava mandatada para assumir, em nome da Autora, a prestação de tal caução quando assumiu esta como parte da transação homologada, pelo que o Ponto E é, em suma, irrelevante e deve ser suprimido.
15. A errada avaliação da prova quanto ao Facto Provado F resulta claramente das declarações prestadas pelo legal representante da Autora (declarações prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 09.02.2023, entre as 09:54:34 horas e as 10:24:56 horas, em concreto, entre os minutos 7:15 e 25.30:
16. Ainda que se considerasse que a parte final do Ponto E da matéria de facto não ficou efetivamente provada, atenta a prova produzida, nada obstaria à sua alteração, da forma a que do mesmo passasse a ter a redação proposta: “No momento em que emitiu a sua declaração de aceitação a autora desconhecia que tinha de pagar uma caução, uma vez que tal informação só lhe foi prestada em momento em que a Autora estava convicta que o acordo estava já alcançado”.
17. Na decisão em crise referente à matéria de facto considerada provada, devia ainda ter sido incluído o artigo determinante para a justa composição do litígio, nos termos que se passam a propor: “A Autora não foi informada que a diligência podia ser suspensa e retomada em data posterior”, o que foi demonstrado cabalmente, mas olvidado.
18. Os Réus não podiam desconhecer que a formalização do acordo lhes atribuiria (pelo menos ao 1ª Réu) um valor que é objetivamente injusto, desproporcional e equivalente a um verdadeiro enriquecimento sem causa, o que não pode ser desatendido nesta sede, sob pena de objetiva violação do direito ao Acesso e à Justiça, razão pela qual, quanto ao Facto I. considerado como não provado na decisão recorrida o mesmo deve transitar para o elenco dos artigos da matéria de facto dada como provada.
19. Relativamente ao Facto J considerado como não provado na decisão recorrida, a prova foi no sentido de que a Autora não fez uso dos poderes forenses que lhe foram conferidos naquele processo, determinando a Autora a fazer, por si, e em função dos elementos que lhe eram transmitidos e compreendidos, a gestão jurídica dos seus próprios interesses, o que foi bem visto pelo Tribunal que presidiu a tal diligência que teria de compreender que a mandatária agia como mera núncia à margem dos poderes especiais existentes.
20. A própria advogada assim o considerou ao declarar à Autora que esta podia sempre impugnar esta decisão, depois de receber a homologação judicial prevista no artigo 291.º do C.P.C., o que determina que o Facto J da matéria da matéria de facto considerada como não provada deve transitar para o elenco da matéria de facto considerada como provada.
21. Contrariamente ao que é indicado na sentença em crise, a Autora não peticionou a realização de qualquer diligência no âmbito do processo n.º 1738/19.4T8BJA, que correu termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Beja (Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Beja), pelo que o entendimento do Tribunal a quo, nesta parte, não pode colher qualquer bondade.
22. Nada impede o Tribunal a quo de avaliar se (i) não tendo a advogada da Autora poderes forenses especiais para transigir nos termos em que o fez, ou não os tendo usado nos termos acima expostos, (ii) a transação é nula por falta de cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 291.º do C.P.C., pelo que o entendimento vertido pelo Tribunal a quo é violador do disposto no n.º 2 do artigo 291.º do C.P.C., pois esta norma prevê expressamente que qualquer causa de nulidade de uma sentença transitada em julgado, dá origem à possibilidade de intentar uma ação (uma nova ação) destinada à declaração daquela nulidade, direito esse que foi exercido pela Autora.
23. Em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, dúvidas não podem restar que o mandato exercido foi, no mínimo, irregular, e, nessa medida, por omissão do Tribunal na aplicação desta norma legal, a transação é nula, tendo o Tribunal a quo errado na análise desta concreta questão de direito, o que se invoca nesta sede para todos os efeitos legais.
24. Uma transação judicial está sujeita ao regime geral da nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos em geral (cfr. artigos 285.º a 294.º do Código Civil) e a algumas normas especiais como, por exemplo, as normas relativas ao erro (cfr. artigos 247.º e ss. do Código Civil) ou até mesmo à coação moral (cfr. artigos 255.º e 256.º do Código Civil).
25. Existe erro quando ocorre, no momento da formação da vontade de contratar, um desvio fundamental entre a vontade real e o que vem efetivamente a ser contratado e a Autora não teria transacionado se tivesse compreendido os pressupostos essenciais do acordo e as suas efetivas consequências.
26. A Autora não compreendeu (i) a taxa a cujo pagamento estaria sujeita, (ii) a necessidade de prestação de uma caução pelo elevadíssimo valor de € 400.000,00, (iii) a sujeição de pagamento de valores vitalícios, por convicta de que tais valores seriam devidos até à data da reforma da vítima, (iv) a possibilidade de adiamento da diligência para ponderação e esclarecimento cabal de todas as questões suscitadas e (v) a confissão dos factos constantes no acordo com consequências nunca antes percecionadas, como seja a de registo cadastral.
27. A Autora convencida que sempre lhe seria dada a posterior possibilidade de rejeição da transação realizada em tal diligência.
28. Este erro não podia ser desconhecido pelos Réus, porquanto os mesmos, em objetiva boa- fé e à luz das regras da experiência comum, não poderiam desconhecer (no mínimo), que um trabalhador temporário e eventual com uma incapacidade de 15% jamais (por lei!) teria direito a receber o valor que, a final, lhe foi concedido neste mesmo acordo (mais de € 300.000,00), o que é objetivamente injusto, desproporcional e equivalente a um verdadeiro enriquecimento sem causa, o que foi totalmente omitido pelo Tribunal a quo.
29. Desta forma, mal andou o Tribunal a quo na apreciação da matéria de direito, erro esse decorrente, como se viu, da crassa errada avaliação da matéria de facto trazida e provada nos autos, pelo que a sentença em crise deve ser revogada e determinada a sua substituição nos termos supra, com a justa condenação dos Réus no peticionado em sede de petição inicial.”
Nenhum dos Réus respondeu ao aperfeiçoamento do segmento das conclusões recursivas apresentado.
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O recurso é o próprio e foi admitido adequadamente quanto ao modo de subida e efeito.
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Correram os legais Vistos.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2- Reapreciação de mérito, centrando a análise no seguinte:
I- Valor desproporcional e injusto atribuído ao Apelado (…);
II- Nulidade/anulabilidade do contrato de transação celebrado e homologado por sentença na acção que correu sob o n.º 1738/19.4T8BJA fundada:
a) Na falta de poderes especiais para transigir, nos termos em que o fez, da ilustre advogada da Autora e na falta de cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 291.º do Código de Processo Civil;
b) Em erro da Apelante sobre as circunstâncias que constituíram a base da transação realizada em 01/03/2021, previsto no n.º 2 do artigo 252.º do Código Civil (doravante apenas CC).
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Decorre da sentença recorrida a seguinte matéria de facto:
“a- Factos provados
Da discussão da causa e com relevo para a boa decisão da mesma resultaram provados os seguintes factos:
1. No âmbito do processo n.º 1738/19.4T8BJA, que correu termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Beja (Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Beja) as partes formalizaram uma transação, no que ora releva, com os seguintes termos:
A Entidade Patronal, através do seu legal representante declarou o seguinte, em relação às pretensões do sinistrado:
1 Reconhece o acidente sofrido pelo sinistrado como acidente de trabalho.
2 Aceita o nexo de causalidade entre tal acidente de trabalho e as lesões sofridas pelo sinistrado.
3 Aceita que o sinistrado auferia, à data do acidente: salário base – € 1.000,00 x 14m; subsídio de alimentação – € 4,77 x 242, na totalidade anual de € 15.154,34.
4 Admite que a responsabilidade pelo acidente de trabalho não se encontrava transferida para a seguradora.
5 Concorda com as IT que foram fixadas ao sinistrado.
6 Concorda com a IPP de 15,98% com IPATH para a função de trabalhador agrícola com roçadora, que foi atribuída ao sinistrado. Reconhece-se devedora ao sinistrado de:
A pensão anual, vitalícia e actualizável, nos termos do artigo 48.º, n.º 3, alínea b), da LAT, com início no dia seguinte ao da alta definitiva, no valor de € 8.061,50;
O subsídio de elevada incapacidade, nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 3, da LAT, no valor de € 4.302,17;
O valor de € 3.529,77 (€ 7.079,77 - € 3.550,00), a título de diferencial de indemnizações devidas por incapacidade temporária; O valor de € 525,00, referente a despesas de deslocação para tratamentos e consultas médicas; e
O valor de € 15,00, por cada deslocação, referente a despesas de transportes para vinda ao Tribunal e ao GML (actualmente € 15,00 x 2).
Aceita pagar à seguradora as despesas supra reclamadas.
2. A Autora não esteve presente nessa diligência, estando representada por mandatária à qual tinham sido previamente conferidos poderes de representação forense por procuração outorgada em 19.02.2021, e nos quais se incluíam, não só poderes forenses gerais, mas também os especiais para "confessar, desistir e transigir, e ainda os especiais para o representar e intervir nas diligências de Tentativa de Conciliação e/ou de Audiência de Partes (…)";
3. A referida transação foi objeto de homologação judicial, no dia 10.03.2021, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja, e foi notificada à mandatária da Autora no dia 15.03.2021;
4. Na véspera da diligência, a Autora e a sua mandatária tinham reunido telefonicamente com o objetivo de estabelecerem os limites admissíveis para a realização de uma transação com os aqui Réus, tendo a Autora determinado os respetivos termos e condições que aceitaria transigir;
5. A Autora ficou convencida de que teria de pagar um valor nunca superior a cerca de € 40.000,00;
6. Durante a realização da diligência destinada à tentativa de conciliação das partes a Mandatária telefonou ao legal representante da Autora e disse-lhe que o valor a pagar ao aqui 1º Réu, no hipotético cenário de uma condenação, afinal era superior ao que havia referido anteriormente; 7. Nesse mesmo telefonema, a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento de um valor mensal equivalente a cerca de € 600,00 por mês, vezes 14 meses e sujeito à atualização;
8. A autora autorizou a transação judicial nos termos comunicados pela mandatária;
9. Tendo assumido, embora não tenha questionado e não lhe tenha sido explicado, que estas prestações teriam como limite máximo temporal possível a idade da reforma;
10. A mandatária da autora telefonou-lhe novamente informando o legal representante que a Autora tinha de prestar uma caução num valor ainda não apurado mas que se situaria entre € 300.000,00 e € 400.000,00;
11. Nesse telefonema a mandatária informou o legal representante da autora que as prestações eram vitalícias e que a transação implicava a confissão dos factos.
b- Factos não provados
Da discussão da causa não resultou provado que:
A. A mandatária da autora disse-lhe que teria de proceder ao pagamento imediato de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 embora sem saber o valor exato – referente a uma taxa para o crédito agrícola de cerca de € 137,00, taxa essa cuja razão de ser a Autora não compreendeu, nem lhe foi cabalmente explicada;
B. A mandatária disse ao legal representante da autora que tinha três minutos para aceitar os termos da transação;
C. A Autora foi pressionada a aceitar a transação;
D. A autora não estava ciente das obrigações que estava a assumir;
E. No momento em que que emitiu a sua declaração de aceitação a autora desconhecia que tinha que pagar uma caução, já que aquando do telefonema indicado em 10 a transação já tinha sido realizada;
F. Se a Autora tivesse sabido destas condições (prestação de uma caução de € 400.000,00 e prestações vitalícias), não teria a mesma aceite a transação nos termos homologados;
G. A Autora é uma sociedade que não tem bens próprios, recebendo dois subsídios anuais concedidos pelo IFAP: Pedido Único (PU) e RURIS, relativo a parcelas da propriedade cedidas à empresa pela proprietária para exploração;
H. A Autora tem um passivo aproximado a € 42.000,00 e um total de capital próprio e passivo equivalente a aproximadamente € 46.000,00;
I. Os Réus não podiam ignorar a essencialidade destes elementos para a realização da transação;
J. O Tribunal e o então Réu sabiam que a mandatária agia como mera núncia à margem dos poderes especiais existentes.”
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Prevê o artigo 662.º, n.º 1, do CPC o seguinte:
1 – A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª ed., 2018, pág. 287), que: “O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Diz-nos ainda sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, págs. 463-464), o seguinte:
“A redação do preceito [662.º, n.º 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.
[…]
A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduzem no seguinte:
4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” .
A este propósito diz-nos José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:
“O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração […]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis”.
Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita unicamente ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do n.º 4 do supra referido artigo 607.º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Neste domínio referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol. I”, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:
“O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”
Já o artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prevê que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
[…]”.
A este propósito sustenta o Conselheiro Abrantes Geraldes (obra acima citada, a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação “esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, alínea a), do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Relativamente a esta matéria e entre os muitos arestos do Supremo Tribunal de Justiça, que sobre tal se pronunciaram, chamamos à colação, a título exemplificativo, o acórdão proferido pelo referido Tribunal em 28/04/2016 (Proc.º 1006/12), acessível para consulta in www.dgsi.pt. de onde nos permitimos transcrever o seguinte trecho constante do respectivo sumário:
“1. Deve considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no artigo 640.º se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou.”
Aqui chegados e regressando aos contornos concretos do caso que temos em mãos verificamos que a Apelante se insurge contra a redacção conferida na sentença recorrida ao facto vertido sob o ponto 7 do segmento dos factos considerados como provados, entendendo que outros elementos factuais deveriam ter ficado expressos no mesmo, mais infirmando a solução encontrada pelo Tribunal recorrido relativamente aos factos contidos nas alíneas A a F, I e J do segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida, ou seja censurando o julgamento de facto efectuado pelo Tribunal a quo no tocante a praticamente toda a matéria julgada como não provada.
Na resposta ao recurso o Apelado (…) pronunciou-se no sentido da parcial procedência da dita impugnação, apenas no tocante ao facto contido no ponto 7 dos factos provados e na alínea A do segmento dos factos não provados.
Da análise conjugada da motivação e conclusões recursivas aperfeiçoadas podemos assumir ter a Apelante cumprido razoavelmente os ónus de obrigatória especificação previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC.
Porém, desde já se impõe considerar que relativamente a alguns dos pontos de facto infirmados constantes do segmento destinado à matéria de facto considerada como não provada inexiste fundamento para a reapreciação pretendida em virtude da redacção conferida aos mesmos não traduzir factos concretos e naturalísticos, mas apenas juízos conclusivos e/ou opinativos sobre factos de tal natureza, pelo que os mesmos nem deveriam ter sido conduzidos ao segmento dos factos tidos como não provados, mas pura e simplesmente desconsiderados enquanto matéria de facto concreta com relevo para a causa.
Estão nessa situação os juízos conclusivos carreados para as alíneas C, D, F), I, e J, cuja redacção passamos a relembrar:
“C. A Autora foi pressionada a aceitar a transação;”
“D. A autora não estava ciente das obrigações que estava a assumir;”
“F. Se a Autora tivesse sabido destas condições (prestação de uma caução de € 400.000,00 e prestações vitalícias), não teria a mesma aceite a transação nos termos homologados;”
“I. Os Réus não podiam ignorar a essencialidade destes elementos para a realização da transação;”
“J. O Tribunal e o então Réu sabiam que a mandatária agia como mera núncia à margem dos poderes especiais existentes.”
Note-se, que no tocante ao ponto D a própria impugnante reconhece que a sua redacção poderá não conter um facto concreto.
Na verdade, a considerar-se procedente a solução defendida pela Apelante, que passa por considerar o conteúdo de tais pontos de facto como demonstrado ou provado, manter-se-ia imutável o vicio já acima apontado dado que passaríamos a ter como assentes não factos concretos, mas antes conclusões sobre factos.
Com efeito, o ter sido “pressionada” a aceitar uma transação não elucida o que conduz a essa pressão sendo que sem a concretização factual não podemos aferir se no caso houve ou não pressão.
O estar “ciente das obrigações que estava a assumir”, nada nos diz de concreto sobre as ditas obrigações, pois não as descreve, nem remete para outro(s) ponto(s) de facto onde tal concretização pudesse constar.
Do mesmo passo apresenta-se inquestionavelmente opinativo e conclusivo referir que se a Autora tivesse sabido da caução e prestações vitalícias não teria aceite transigir conforme o fez, uma vez que este raciocínio teria que ser edificado sobre circunstâncias factuais concretas que conduzissem a essa conclusão tal como a prova de conversações anteriores à diligência onde a transação foi formalizada entre a Apelante e a sua ilustre mandatária que deixassem claro e inequívoco que aquela nunca aceitaria aquelas, ou semelhantes, condições.
Por seu turno, o “ignorar a essencialidade destes elementos para a realização da transação”, também peca por não concretizar os ditos elementos a fim de se poder aferir da eventual essencialidade, ou não, para concretizar a transação, sendo certo que também aqui nenhuma remissão é feita para qualquer outro ponto de facto de onde pudesse, ou possa, resultar a descrição factual em falta.
Por fim, também parece seguro que se mostra eminentemente opinativo e especulativo, sem estar acompanhado de qualquer descriminação factual concreta, que o Tribunal e o então Réu soubessem que a mandatária agia à margem e como mera núncia dos poderes especiais existentes.
Na verdade, desde logo se impunha esclarecer a razão de tal ciência. Haveria algo no processo (e sendo esse o caso o quê), que permitiria ao tribunal poder tirar tal conclusão sobre a actuação da dita mandatária?
E quanto ao Réu que factos naturalísticos existiam para se poder concluir por tal conhecimento por parte do mesmo?
Não sabemos, pois não foi concretizado factualmente.
Sempre se acrescentará relativamente a este último facto vertido sob a alínea J que ainda que se entendesse não consubstanciar o mesmo uma fórmula eminentemente especulativa e conclusiva sempre a sua impugnação teria que ser rejeitada, pois não resulta nem da motivação, nem das conclusões recursivas, a indicação de meios probatórios concretos para infirmar a solução encontrada pelo Tribunal a quo para o mesmo, resultando, ao invés, do teor da procuração de que a ilustre mandatária do ora Apelante se fez acompanhar para a tentativa de conciliação no processo laboral razões subsistentes para o Tribunal recorrido não equacionar que aquela se apresentava agindo como mera “núncia” da Apelante, “à margem dos poderes especiais conferidos”.
Enfim, em face do que temos vindo a expor entende-se considerar como não escritos os pontos de facto identificados sob as alíneas C, D, F, I e J contidos no segmento dos factos considerados como não provados, na sentença recorrida.
Continuando a analisar a impugnação dirigida no recurso da Apelante contra a matéria de facto percebemos que esta última se insurge sobre o facto contido no ponto 7 dos factos considerados como provados e concomitantemente quanto ao facto elencado na alínea A da matéria de facto considerada como não provada.
Relembremos o respectivo conteúdo:
“7. Nesse mesmo telefonema, a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento de um valor mensal equivalente a cerca de € 600,00 por mês, vezes 14 meses e sujeito à atualização
A. A mandatária da autora disse-lhe que teria de proceder ao pagamento imediato de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 embora sem saber o valor exato – referente a uma taxa para o crédito agrícola de cerca de € 137,00, taxa essa cuja razão de ser a Autora não compreendeu, nem lhe foi cabalmente explicada;”
A Apelante sustenta que o Tribunal a quo deveria ter conferido uma redacção diferente ao ponto 7 dos factos considerados como provados na sentença recorrida retirando do mesmo a expressão “sujeito a atualização” acrescentando ao mesmo os elementos factuais resultantes do facto considerado como não provado vertido sob a alínea A, que assim deixaria de subsistir como facto não provado, pugnando pela seguinte solução concreta:
“Nesse mesmo telefonema, a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento de um valor mensal equivalente a cerca de € 600,00 por mês, vezes 14 meses, bem como ao pagamento, no prazo máximo de 10 dias, de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 referente a taxas e algo relacionado com pagamento de incapacidade, que a advogada não especificou, e o valor de 137,00 euros e qualquer coisa, referente à participação da seguradora (…)”.
Invocou como meios probatórios concretos que, na sua perspectiva, impunham a solução defendida as declarações de parte prestadas pelo legal representante da Apelante, bem como o depoimento da testemunha (…), tendo indicado em ambos os casos as passagens da gravação em que fundou a sua posição e mesmo transcrito na motivação, respectivamente, os excertos das declarações e depoimento, que considerou como relevantes.
Na resposta ao recurso o Apelado (…) referiu concordar com a supressão da expressão “sujeito a atualização” e bem assim em admitir que se considere como provado no tocante ao facto vertido sob a alínea A dos factos não provados que a mandatária da Autora lhe terá dito que que esta teria de proceder ao pagamento imediato de uma quantia de € 10.000,00 referente a compensação por despesas de fisioterapia e hospitalares a que acresceriam € 137,00 para a seguradora.
Invocou como meio probatório concreto para sustentar o que alegou um trecho das declarações do legal representante da Apelante, que transcreveu no corpo da resposta apresentada ao recurso.
Vejamos de que forma motivou o Tribunal a quo na sentença recorrida a solução a que chegou para os dois pontos de facto, provado e não provado, ora em reanálise:
“A convicção do Tribunal quanto aos factos provados baseou-se nos depoimentos das testemunhas inquiridas, nos documentos juntos aos autos e na conjugação daqueles e destes com as regras da experiência comum e da lógica.
[…]
Assim, os factos provados resultaram desde logo da cópia do auto de tentativa de conciliação, da procuração e do despacho homologatório.
Das declarações do legal representante da autora resultou a conversação tida com a mandatária na véspera da realização da tentativa de conciliação e a ocorrência dos telefonemas no decurso da diligência e respectivo conteúdo.
Estas declarações resultaram corroboradas pelos depoimentos das testemunhas (…) e (…), respectivamente filha e genro do legal representante da autora. Embora não tenham deposto de forma completamente desinteressada, o facto é que as testemunhas corroboraram o que o legal representante da autora havia referido, tendo o Tribunal ficado convencido da veracidade das suas afirmações.
Quanto aos factos não provados o Tribunal assim o considerou na medida em que a prova produzida na audiência de julgamento não demonstrou a sua verificação.
Os factos A, G e H nem foram objecto de qualquer prova.”
Vejamos, então.
Conforme é sabido, pois decorre da nossa lei civil e processual civil (cfr. artigo 352.º do Código Civil e 466.º do CPC), as declarações de parte só relevam como confissão relativamente ao reconhecimento de factos que sejam desfavoráveis ao declarante e favoreçam a parte contrária.
Em tudo o mais, que não possa valer como confissão, as ditas declarações de parte ficam sujeitas à livre apreciação do Tribunal de acordo com o disposto expressamente no n.º 3 do artigo 466.º do CPC.
Porém, importa reter que tem sido entendimento maioritário, a nível doutrinário e jurisprudencial, que a prova a realizar por meio de declarações de parte (naquilo que escape à confissão), deve ser acompanhada de outros(s), meio(s) probatório(s) que ajude(m) a confirmar o declarado pela Parte, o que se percebe perfeitamente pois a posição do declarante de parte no processo não é a de testemunha, mas sim de alguém interessado num determinado desfecho do processo.
Escrutinada a prova indicada pela Apelante e pelo Apelado relativamente aos pontos de facto em apreço resulta desde logo ter sido o próprio Apelante que na petição inicial referiu a “sujeição à actualização” (artigos 25.º e 32.º desse articulado).
Porém, os factos contidos nesses dois artigos da petição inicial foram impugnados por ambos os Réus nas respectivas contestações apresentadas, conforme resulta do artigo 3.º da contestação do Co-Réu (…) e do artigo 3.º da contestação da Co-Ré Seguradora (…).
Por outro lado, percebemos das declarações de parte prestadas pelo legal representante da Apelante, (…), secundadas pelas da testemunha, sua filha, (…), não resultar qualquer menção a tal sujeição a atualização. E se é certo que esta última apenas terá reportado, relativamente ao telefonema efectuado pela ilustre advogada Dra. (…) ao legal representante da Apelante realizado no dia da diligência de tentativa de conciliação, o que lhe terá sido transmitido também telefonicamente pelo pai logo de seguida a tal telefonema, já quanto à testemunha (…), genro do legal representante da Apelante, o mesmo asseverou ter conversado directamente pelo telefone com a ilustre advogada acima identificada, que também o terá contactado paralelamente ao contacto realizado no dia da diligência com o legal representante da Apelante, não resultando, igualmente, da audição que realizámos ao depoimento de (…), prestado em audiência final, qualquer menção à questão da sujeição a actualização da pensão.
Assim, sem embargo de ter ficado expresso na transação efectuada no processo n.º 1738/19.4T8BJA ter sido reconhecida a favor do sinistrado, ora Apelado (…), a “pensão anual vitalícia e actualizável (cfr. ponto 1-6 dos factos provados na sentença recorrida), a verdade é que do cotejo das identificadas declarações e depoimentos, sem esquecer que tal até é perfeitamente aceite pelo Apelado (…), afigura-se proceder a impugnação no tocante a tal supressão da sujeição a atualização do teor do facto contido no ponto 7 dos factos considerados como provados na sentença recorrida.
Já no tocante à inserção nesse ponto de facto 7 das circunstâncias factuais tidas como não provadas na alínea A resulta da audição das passagens das declarações de parte do legal representante da Apelante cotejadas com as do depoimento da testemunha (…) apenas existir consonância relativamente a uma verba de € 137,00 devida à Seguradora.
No tocante a uma outra verba de aproximadamente € 10.000,00, ou desse valor concreto, não se alcança com segurança do cotejo das declarações de parte e depoimento prestado a que respeitaria concretamente e o que abarcaria.
Note-se que auditado na íntegra, por meio da audição realizada ao mesmo, o depoimento prestado pela testemunha (…), conclui-se que o mesmo nada mencionou relativamente a tal montante de € 10.000,00.
Pelo que relativamente à alínea A dos factos considerados como não provados procede apenas parcialmente a impugnação no tocante à quantia de € 137,00.
Do exposto resulta que a redacção definitiva do ponto 7 dos factos considerados como provados passará a ser a seguinte:
“7. Nesse mesmo telefonema a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento de um valor mensal equivalente a cerca de € 600,00 por mês, vezes 14 meses e que teria de proceder ao pagamento da quantia de € 137,00 devida à seguradora.”
Já quanto ao ponto A dos factos considerados como não provados a redacção definitiva do mesmo passa a ser a seguinte:
“A. A Mandatária da Autora disse-lhe que o valor mensal referido no ponto 7 dos factos provados estaria sujeito a atualização e que teria de proceder ao pagamento imediato de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 embora sem saber o valor exato.”
Prosseguindo na análise da impugnação apresentada verificamos que a mesma incidiu sobre a alínea B dos factos considerados como não provados, que possui a seguinte redacção:
“B. A mandatária disse ao legal representante da Autora que tinha três minutos para aceitar os termos da transação.”
A Apelante entende que tal facto deveria ter sido julgado como provado com a seguinte redacção: “A mandatária disse ao legal representante da autora que tinha três minutos para aceitar os termos da transação, podendo a situação da Autora piorar seguindo o processo para julgamento”.
Indicou como meios probatórios excertos das declarações prestadas pelo legal representante da Apelante e das testemunhas (…) e (…).
Vejamos o que referiu o Tribunal a quo em sede de motivação sobre este facto que julgou como indemonstrado:
“Os factos B e C resultam infirmados pelas regras da normalidade e da experiência comum. Ainda que o legal representante da autora tenha afirmado que a mandatária lhe transmitiu dispor de três minutos para aceitar os termos da transação, razão pela qual se sentiu pressionado, o certo é que não é credível que um profissional do foro tenha agido de semelhante forma, ainda mais sabendo que o que havia sido previamente combinado com o mandante divergia substancialmente da transação que veio a ser obtida.”
Auditadas e cotejadas devidamente entre si as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas mencionadas pode concluir-se que a testemunha (…) não referiu qualquer lapso temporal e concretamente o alegado de três minutos.
O depoimento da testemunha (…) alicerçou-se no que lhe terá sido comunicado pelo pai. E das declarações deste último nem sequer se retira que a sua ilustre mandatária lhe tenha dito que tinha três minutos para aceitar os termos da transação, mas antes que aquela teria que regressar à sala onde decorria a diligência dentro de três minutos.
Do exposto resulta improceder a impugnação no tocante ao ponto de facto vertido em B dos factos considerados como não provados.
A Apelante impugnou ainda a solução encontrada pelo Tribunal a quo que considerou como não provado que:
“E. No momento em que emitiu a sua declaração de aceitação a autora desconhecia que tinha que pagar uma caução, já que aquando do telefonema indicado em 10 a transação já tinha sido realizada”.
“F. Se a Autora tivesse sabido destas condições (prestação de uma caução de € 400.000,00 e prestações vitalícias), não teria a mesma aceite a transação nos termos homologados”.
Sustentou a Apelante que os dois factos em causa deveriam ter sido considerados como provados e indicou como meios probatórios, de novo, as declarações de parte prestadas por (…), legal representante da Apelante e depoimentos de (…) e (…), indicando as passagens e transcrevendo os trechos de tais declarações e depoimentos em que assentou a sua convicção.
Vejamos de que modo sustentou o Tribunal recorrido na motivação expressa na sentença recorrida a decisão proferida quanto a tais factos:
“Os factos D a F resultam da circunstância de o legal representante da autora e as testemunhas (…) e (…) não poderem atestar que determinadas informações quanto às condições da transação foram transmitidas àquele já depois da sua celebração. Com efeito, referiram todos ter ficado convencidos disso através de uma expressão utilizada pela mandatária, mas na verdade trata-se apenas de uma convicção das testemunhas.”
Impõe-se neste momento recordar que estamos perante meios de prova não vinculada, ou seja, sujeitos à livre apreciação do julgador, segundo a sua prudente convicção pautada pelo bom senso e apelando a regras de experiência comum.
Auditadas, mais uma vez, as declarações de parte e os depoimentos das duas testemunhas identificadas, meios de prova esses que coincidem com aqueles que serviram ao Tribunal a quo para chegar à solução que verteu na sentença recorrida, não vislumbramos razões para discordar da solução a que chegou quanto a este facto o Tribunal a quo, o qual, além do mais, teve a seu favor a imediação e oralidade aquando da produção das declarações e depoimentos referidos acima.
Importa ainda neste segmento do acórdão referir que a Apelante pugnou pelo aditamento ao elenco dos factos considerados como provados dos seguintes factos:
- “A Autora não foi informada que a diligência podia ser suspensa e retomada em data posterior;”
- “A Autora não aceitaria um acordo que implicasse a confissão dos factos que resultaram transcritos do acordo homologado;”
- “A Autora não aceitaria que a indemnização correspondesse a “prestações vitalícias”;”
- “A Autora não aceitaria um valor de transação de valor superior a € 40.000,00, a menos que lhe fossem cabalmente justificadas as razões para um agravamento de tal valor;”
- “A Autora ficou a aguardar o “papel” – decisão – para poder recorrer ou contestar do mesmo e dos termos após cabal análise;”
- “A Autora não aceitaria a prestação de uma caução, até por lhe ser impossível presta-la em face da idade do seu represente legal;”
- “Na certeza que esta última informação lhe foi transmitida em modo temporal destituído de qualquer pressão de tempo, estando a advogada ‘mais solta…’;”
- “A advogada não transmitiu no telefonema mantido o valor da caução;”
- “A Autora, depois do primeiro telefonema, ficou convicta que o acordo estava firmado e que os restantes telefonemas apenas serviram para informar que tinha sido alcançado o acordo com matérias que não lhe tinham sido transmitidas anteriormente e que, por isso, não tinham tido a sua autorização.”
À excepção do facto referido em primeiro lugar, os restantes resultam, na tese da Apelante, da eventual consideração como conclusivo do facto vertido sob a alínea D do segmento dos factos considerados como provados.
Não tem, porém, razão a Apelante no que pretende desde logo porque a larga maioria destes factos que agora propõe integrarem o segmento dos factos provados também se assumem como eminentemente opinativos, especulativos e conclusivos, depois porque não resulta da leitura dos articulados que qualquer um dos ditos factos ora propostos tenha sido alegado por alguma das Partes, sendo que, por outra banda, também não foram indicados quaisquer meios de prova concretos que possam convencer quanto à sua demonstração.
Na verdade, mesmo em relação ao primeiro facto indicado o que foi alegado na petição inicial reporta-se a adiamento de diligência e não suspensão da mesma (cfr. artigos 44.º a 46.º da dita petição).
Em suma, na procedência parcial da impugnação dirigida pela Apelante contra a decisão relativa à matéria de facto impõe-se definir tal matéria de facto da forma que passamos a discriminar, corrigindo a numeração em conformidade com o que foi alterado e suprimido.
“a- Factos provados
Da discussão da causa e com relevo para a boa decisão da mesma resultaram provados os seguintes factos:
1. No âmbito do processo n.º 1738/19.4T8BJA, que correu termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Beja (Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Beja) as partes formalizaram uma transação, no que ora releva, com os seguintes termos:
A Entidade Patronal, através do seu legal representante declarou o seguinte, em relação às pretensões do sinistrado:
1 Reconhece o acidente sofrido pelo sinistrado como acidente de trabalho.
2 Aceita o nexo de causalidade entre tal acidente de trabalho e as lesões sofridas pelo sinistrado.
3 Aceita que o sinistrado auferia, à data do acidente: salário base – € 1.000,00 x 14m; subsídio de alimentação – € 4,77 x 242, na totalidade anual de € 15.154,34.
4 Admite que a responsabilidade pelo acidente de trabalho não se encontrava transferida para a seguradora.
5 Concorda com as IT que foram fixadas ao sinistrado.
6 Concorda com a IPP de 15,98% com IPATH para a função de trabalhador agrícola com roçadora, que foi atribuída ao sinistrado. Reconhece-se devedora ao sinistrado de:
A pensão anual, vitalícia e actualizável, nos termos do artigo 48.º, n.º 3, alínea b), da LAT, com início no dia seguinte ao da alta definitiva, no valor de € 8.061,50;
O subsídio de elevada incapacidade, nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 3, da LAT, no valor de € 4.302,17;
O valor de € 3.529,77 (€ 7.079,77 - € 3.550,00), a título de diferencial de indemnizações devidas por incapacidade temporária; O valor de € 525,00, referente a despesas de deslocação para tratamentos e consultas médicas; e
O valor de € 15,00, por cada deslocação, referente a despesas de transportes para vinda ao Tribunal e ao GML (actualmente € 15,00 x 2).
Aceita pagar à seguradora as despesas supra reclamadas.
2. A Autora não esteve presente nessa diligência, estando representada por mandatária à qual tinham sido previamente conferidos poderes de representação forense por procuração outorgada em 19.02.2021, e nos quais se incluíam, não só poderes forenses gerais, mas também os especiais para "confessar, desistir e transigir, e ainda os especiais para o representar e intervir nas diligências de Tentativa de Conciliação e/ou de Audiência de Partes (…)";
3. A referida transação foi objeto de homologação judicial, no dia 10.03.2021, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja, e foi notificada à mandatária da Autora no dia 15.03.2021;
4. Na véspera da diligência, a Autora e a sua mandatária tinham reunido telefonicamente com o objetivo de estabelecerem os limites admissíveis para a realização de uma transação com os aqui Réus, tendo a Autora determinado os respetivos termos e condições que aceitaria transigir;
5. A Autora ficou convencida de que teria de pagar um valor nunca superior a cerca de € 40.000,00;
6. Durante a realização da diligência destinada à tentativa de conciliação das partes a Mandatária telefonou ao legal representante da Autora e disse-lhe que o valor a pagar ao aqui 1º Réu, no hipotético cenário de uma condenação, afinal era superior ao que havia referido anteriormente; 7. Nesse mesmo telefonema a Mandatária transmitiu ainda que era obrigatório proceder ao pagamento de um valor mensal equivalente a cerca de € 600,00 por mês, vezes 14 meses e que teria de proceder ao pagamento da quantia de € 137,00 devida à seguradora.”
8. A autora autorizou a transação judicial nos termos comunicados pela mandatária;
9. Tendo assumido, embora não tenha questionado e não lhe tenha sido explicado, que estas prestações teriam como limite máximo temporal possível a idade da reforma;
10. A mandatária da autora telefonou-lhe novamente informando o legal representante que a Autora tinha de prestar uma caução num valor ainda não apurado mas que se situaria entre € 300.000,00 e € 400.000,00;
11. Nesse telefonema a mandatária informou o legal representante da autora que as prestações eram vitalícias e que a transação implicava a confissão dos factos.
b- Factos não provados
Da discussão da causa não resultou provado que:
A. A Mandatária da Autora lhe disse que o valor mensal referido no ponto 7 dos factos provados estaria sujeito a atualização e que teria de proceder ao pagamento imediato de uma quantia de aproximadamente € 10.000,00 embora sem saber o valor exato.
B. A mandatária disse ao legal representante da autora que tinha três minutos para aceitar os termos da transação;
C. No momento em que que emitiu a sua declaração de aceitação a autora desconhecia que tinha que pagar uma caução, já que aquando do telefonema indicado em 10 a transação já tinha sido realizada;
D. A Autora é uma sociedade que não tem bens próprios, recebendo dois subsídios anuais concedidos pelo IFAP: Pedido Único (PU) e RURIS, relativo a parcelas da propriedade cedidas à empresa pela proprietária para exploração;
E. A Autora tem um passivo aproximado a € 42.000,00 e um total de capital próprio e passivo equivalente a aproximadamente € 46.000,00.
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2- Reapreciação de mérito
I -Valor desproporcional e injusto atribuído ao Apelado (…):
A questão em apreço vem aflorada pela Apelante no seu recurso e consta do ponto 28 das conclusões recursivas aperfeiçoadas, que passamos a transcrever:
“28. Este erro não podia ser desconhecido pelos Réus, porquanto os mesmos, em objetiva boa-fé e à luz das regras da experiência comum, não poderiam desconhecer (no mínimo), que um trabalhador temporário e eventual com uma incapacidade de 15% jamais (por lei!) teria direito a receber o valor que, a final, lhe foi concedido neste mesmo acordo (mais de € 300.000,00), o que é objetivamente injusto, desproporcional e equivalente a um verdadeiro enriquecimento sem causa, o que foi totalmente omitido pelo Tribunal a quo.”
Ora bem, relendo atentamente o que foi carreado para os autos em apreço percebemos que em nenhum articulado, ou em qualquer outra peça processual, carreado/a aos autos anteriormente à apresentação do recurso do Apelante consta ter sido suscitada a questão do “verdadeiro enriquecimento sem causa”, referenciado no ponto 28 acima transcrito.
E por isso não tinha o Tribunal a quo que se pronunciar sobre tal questão, pelo que nada tendo dito na sentença a propósito não se pode considerar ter omitido pronúncia sobre tal.
Como também não assiste a este Tribunal ad quem fazê-lo, uma vez que os recursos servem para reapreciar questões anteriormente debatidas e decididas no Tribunal a quo, conforme se alcança entre outras disposições do n.º 1 do artigo 627.º e do n.º 2 do artigo 635.º, ambos do CPC e não para apreciar questões ex novo, excepto em casos muito limitados, que não abrangem a questão do ora alegado enriquecimento sem causa, designadamente no que tange a questões que impliquem o conhecimento oficioso por parte do Tribunal.
Do exposto, resulta improceder esta primeira questão incluída na reapreciação do mérito do recurso.
II- Nulidade/anulabilidade do contrato de transação celebrado e homologado por sentença na acção que correu sob o n.º 1738/19.4T8BJA fundada:
a) Na falta de poderes especiais para transigir, nos termos em que o fez, da ilustre advogada da Autora e na falta de cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 291.º do CPC:
Sustenta a Apelante nas suas conclusões recursivas aperfeiçoadas a este propósito que:
“22. Nada impede o Tribunal a quo de avaliar se (i) não tendo a advogada da Autora poderes forenses especiais para transigir nos termos em que o fez, ou não os tendo usado nos termos acima expostos, (ii) a transação é nula por falta de cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 291.º do C.P.C., pelo que o entendimento vertido pelo Tribunal a quo é violador do disposto no n.º 2 do artigo 291.º do C.P.C., pois esta norma prevê expressamente que qualquer causa de nulidade de uma sentença transitada em julgado, dá origem à possibilidade de intentar uma ação (uma nova ação) destinada à declaração daquela nulidade, direito esse que foi exercido pela Autora.
23. Em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, dúvidas não podem restar que o mandato exercido foi, no mínimo, irregular, e, nessa medida, por omissão do Tribunal na aplicação desta norma legal, a transação é nula, tendo o Tribunal a quo errado na análise desta concreta questão de direito, o que se invoca nesta sede para todos os efeitos legais.”
Relembremos o que se encontra estatuído na norma jurídica chamada à colação pela Apelante.
1. A confissão, a desistência e a transação podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do Código Civil.
2. O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.
3. Quando a nulidade provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito.”
Na sentença recorrida escreveu-se a propósito desta questão o seguinte:
“Independentemente da questão de saber se assiste razão à autora quando alega que a notificação prevista no n.º 3 do artigo 291.º deveria ter tido lugar, o certo é que a mesma, a ter que ocorrer, terá necessariamente que ser realizada no próprio processo laboral. Com efeito não pode o juiz de outro processo determinar ali a realização de qualquer diligência.
Assim, nesta parte, o pedido da autora não pode ser atendido.”
Escrutinando a petição inicial apresentada pela Apelante verificamos que a mesma fez constar desse articulado o seguinte:
“Não tendo sido feito uso dos poderes forenses especiais, e como decorre do disposto no artigo 291º do CPC sempre deveria a sentença homologatória ser notificada pessoalmente à Autora, com a expressa cominação de, nada sendo dito, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida, o que se peticiona para todos os efeitos legais”.
Dúvidas não podem subsistir de que a Apelante formulou um pedido concreto ao Tribunal a quo, no sentido do cumprimento do disposto na norma do n.º 3 do artigo 291.º do CPC, que acima transcrevemos.
E fê-lo na sequência de tudo o que alegou anteriormente entre os artigos 50.º e 56.º do mencionado articulado, não tendo colocado sequer a questão que posteriormente veio a suscitar no recurso de tentar conter a eventual falta de notificação pessoal na previsão do n.º 2 do mesmo artigo 291.º.
Com efeito, o pedido formulado a final na petição inicial pela Apelante traduziu-se na anulação da transação celebrada no processo que, sob o n.º 1738/19.4T8BJA, correu termos na Procuradoria do Juízo de Trabalho de Beja (Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Beja) e homologada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja e assentou nos normativos constantes do artigo 72.º da dita petição inicial a que foi conferida a seguinte redacção:
“Desta forma, nos termos do disposto no artigo 291.º do C.P.C. e nos artigos 252.º, n.º 2 e 437.º, ambos do Código Civil, pugna-se pela anulação da transação judicial já homologada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja, nos termos dos factos e do Direito supra expostos.”
Percebe-se, sem margem para rebuços, que a declaração de anulabilidade pretendida se funda na eventual existência de um erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio e não sobre a possível verificação das circunstâncias previstas no n.º 3 do artigo 291.º do CPC, que, aliás, prevê como consequência possível a nulidade e não a anulação, que foi a consequência expressamente pedida na petição inicial.
Do exposto resulta, por um lado, que o pedido formulado no artigo 56.º da petição inicial tinha que ser formulado no processo laboral que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja, conforme bem se referiu na sentença recorrida e por outro lado que a questão levantada no recurso pela Apelante da eventual violação por parte do Tribunal a quo do disposto no n.º 2 do artigo 291.º, por não ter considerado na previsão deste último a invocada nulidade proveniente de irregularidade do mandato, constitui outra questão nova, valendo aqui e agora a argumentação expendida supra aquando da apreciação da questão anterior já nesta sede da reapreciação de mérito.
Diga-se, ainda, que mesmo que não se verificassem os obstáculos para a procedência da questão que ainda nos prende, acabados de expor, atendendo ao que resultou provado sob os pontos 2 e 8 do segmento relativo aos factos considerados como provados na sentença recorrida sempre seria de afastar a necessidade de aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 291.º do CPC, uma vez que a ilustre mandatária da Apelante se apresentou no acto de tentativa de conciliação, em representação desta última, munida de uma procuração datada de 19/02/2021 com poderes forenses gerais e especiais para confessar, desistir e transigir e especiais para a representar e intervir em diligências de tentativa de conciliação e/ou de audiência de partes, “junto do Tribunal de Trabalho de Beja – Procuradoria do Juízo de Trabalho de Beja, no Proc.º de Acidente de Trabalho que corre termos com o n.º 1738/19.4T8BJA que lhe foi movido pelo sinistrado (…)”, validamente outorgada pela Apelante.
Do exposto, resulta igualmente a improcedência desta segunda questão integrante da reapreciação do mérito deste recurso.
b) Do erro da Apelante sobre as circunstâncias que constituíram a base da transação realizada em 01/03/2021.
A Apelante, já o sabemos, fundou o seu pedido de anulação da transação outorgada em 01/03/2021 e homologada judicialmente em 10/03/2021 no erro previsto no n.º 2 do artigo 252.º do CC.
Tal resulta comprovado através do já transcrito artigo 72.º da petição inicial.
Na motivação recursiva alegou em abono da sua tese o seguinte:
[…]
O erro em que a Autora incorreu incidiu na sua totalidade sobre os elementos essenciais do negócio, o que sempre inquinaria a transação nos termos executados (já que, como resulta da transação realizada, todos os elementos assinalados compõem a globalidade do negócio reduzido a escrito na ata produzida pela Procuradoria do Tribunal do Trabalho).
Por outro lado, é notório que os Réus conheciam ou não deviam ignorar a essencialidade para a Autora do objeto sobre que incidiu esse seu erro.
Dispõe o artigo 252.º do Código Civil que:
1 – O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.
2 – Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.
Parece firme à Autora estar demonstrado que a mesma nunca teria celebrado o negócio se conhecesse todos os aspetos inerentes à transação e os seus próprios termos.
Por outro lado, este erro não podia ser desconhecido pelos Réus, porquanto os mesmos, em objetiva boa-fé e à luz das regras da experiência comum, não poderiam desconhecer (no mínimo), que um trabalhador temporário e eventual com uma incapacidade de 15% jamais (por lei!) teria direito a receber o valor que, a final, lhe foi concedido neste mesmo acordo (mais de € 300.000,00).
Segundo ensina Carlos Ferreira de Almeida (“Contratos V Invalidade”, Almedina, 2018- Reimpressão, pág. 126), “O erro nos motivos consiste numa falsa representação por qualquer dos contraentes dos fatores que contribuíram para tomar a decisão de contratar ou de contratar com aquele conteúdo”, podendo o mesmo respeitar a um facto, ou a uma situação e incidir sobre todo o contrato ou só sobre uma parte dele.
Sobre este tipo de erro, entre vários outros arestos, permitimo-nos salientar pelo seu interesse o acórdão proferido pelo STJ de 18/06/2015 no processo 3200/04.0TVLSB.L2.S1, acessível para consulta in www.dgsi.pt, de que destacamos o seguinte excerto:
“O erro sobre os motivos consiste numa representação inexata sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância presente ou atual que era determinante para a declaração negocial e sem a qual esta não teria sido emitida ou não o teria sido nos precisos moldes em que o foi.”
Continuando a acompanhar o pensamento de Carlos Ferreira de Almeida, agora já sobre o erro sobre a base do negócio previsto no n.º 2 do artigo 252.º do CC, deparamos com o seguinte:
“O erro sobre a base do negócio é, pois, erro relativo a outros motivos sobre os quais não tenha havido acordo das partes. Não se refere, em regra, à pessoa do declaratário ou ao objeto (mediato), porque este erro suporta a anulabilidade nos termos do artigo 251.º, com requisitos mais simples do que o erro sobre a base do negócio.
[…]
A base do negócio é composta por quaisquer circunstâncias que influenciem um, ou mais do que um, dos elementos que, na economia do contrato sejam essenciais para ambas as partes ou para uma delas […]
Tais circunstâncias […] respeitam à finalidade do negócio, mas são envolventes, exteriores ao negócio, embora pressupostas na sua compreensão e no seu equilíbrio. “O que é base do negócio não pode pertencer ao seu conteúdo.”
[…]
O primeiro requisito para que exista erro sobre a base do negócio é, por definição, a essencialidade do erro, isto é, que o negócio, sem tal erro, não se tivesse realizado ou se realizasse noutros termos, que as partes não celebrassem o contrato ou o celebrassem com diferente conteúdo. Outros requisitos são controversos.
[…]
A existência de erro sobre a base do negócio não é suficiente para dela extrair efeitos. Por remissão do artigo 252.º, n.º 2, […], a sua relevância depende adicionalmente da verificação dos requisitos cumulativos exigidos pelo artigo 437.º; um requisito positivo (grave afetação dos princípios da boa fé) e outro negativo (não estar a exigência da obrigação coberta pelos riscos próprios do contrato). Não se exige, claro, a alteração anormal das circunstâncias, porque o equivalente deste requisito se preenche com a existência de erro sobre a base do negócio.”
Aqui chegados, baixemos de novo ao caso concreto.
Ainda que com alguma reserva podemos admitir que no caso concreto um eventual erro sobre as circunstâncias que constituíram a base da transação que foi realizada em 01/03/2021 assenta no elemento da caução a prestar e respectivo valor da mesma.
Em todo o caso, afigura-se-nos que a exigência de tal obrigação não será passível de afectar gravemente os princípios da boa-fé desde logo porque a caução em apreço visou salvaguardar e garantir o efectivo pagamento das pensões, sendo estas últimas um elemento essencial do acordo celebrado.
Seja como for, a Apelante não logrou fazer prova de que tal elemento lhe foi comunicado pela sua ilustre mandatária apenas posteriormente à outorga e formalização da transação realizada junto dos Serviços da Procuradoria do Juízo do Trabalho de Beja em 01/03/2021.
Na verdade, cotejando o teor dos factos vertidos sob os pontos 6 a 11 do segmento respeitante aos factos considerados como provados apenas se pode concluir com segurança que contemporaneamente à realização da diligência de tentativa de conciliação realizada em 01/03/2021 a ilustre mandatária da Apelante telefonou ao legal representante da mesma por mais do que uma vez (concretamente duas vezes), bem como que no segundo telefonema informou o dito legal representante que a Apelante tinha de prestar uma caução num valor que oscilaria entre os € 300.000,00 e os € 400.000,00, que as prestações devidas seriam vitalícias e que a Apelante “autorizou a transação judicial nos termos comunicados pela mandatária”.
Importa, pois, acrescentar e sublinhar que mesmo admitindo que a autorização mencionada no ponto 8 se tenha reportado apenas às obrigações descritas no ponto de facto 7 a verdade é que daí não resulta que no momento da outorga e formalização da transação a Apelante não fosse já conhecedora da necessidade de inclusão da caução e de que as prestações seriam vitalícias e actualizáveis uma vez que, reitera-se, não é possível retirar com segurança do cotejo da factualidade assente entre os pontos 6 e 11 que o segundo telefonema realizado tenha sido efectuado apenas num momento posterior à outorga e formalização da transação, como procurou sustentar a Apelante no seu recurso.
Aqui chegados impõe-se, contudo, salientar mais alguns aspectos que permitem afastar a tese da existência e relevância do alegado erro sobre os motivos, na especificidade de erro sobre as circunstâncias constitutivas da base negocial.
O primeiro é que na transação realizada em 01/03/2021 a ilustre mandatária da Apelante, conforme já aceite supra, interveio em tal acto processual, em representação da Apelante, munida de uma procuração com poderes forenses gerais e especiais para transigir e confessar no processo laboral em causa, validamente outorgada por aquela.
Ora estando a ilustre mandatária em causa pessoalmente presente no acto, tendo a questão da obrigação da caução e outras como a da vitaliciedade e actualização das pensões sido trazida à colação no acto e não havendo elementos que permitam concluir que a dita ilustre mandatária ficou em erro sobre o que se discutiu afigura-se-nos que a eventual dissonância entre a Apelante e a sua ilustre mandatária sobre o que ficou estabelecido na transação e o que alegadamente, segundo a Apelante, deveria ter ficado, situa-se a jusante do regime do erro sobre as circunstâncias constitutivas da base negocial, ou seja, como se refere na sentença recorrida, no âmbito daquilo que a Apelante entende “ter sido um deficiente exercício do mandato forense”, não podendo nesse contexto a responsabilidade por tal situação “ser assacada a qualquer um dos réus na presente acção.”
Por fim, acrescente-se ainda que a transação formalizada em 01/03/21 apenas foi objecto de chancela judicial, por meio da sentença que a homologou, no dia 10/03/2021, o que sempre permitiria à Apelante, perante as dúvidas e o eventual erro que considerasse subsistir, intervir no processo laboral expondo o que tivesse por conveniente antes do proferimento da sentença homologatória da transação.
Por todo o exposto, entende-se improceder igualmente esta última questão do erro levantada no recurso, naufragando, como tal, na totalidade, a pretensão recursiva da Apelante, devendo manter-se a sentença recorrida.
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V- DECISÃO
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante Convento Nossa Senhora das (…), Lda, decidindo-se o seguinte:
1- Confirmar a sentença recorrida;
2- Fixar as custas a cargo da Apelante (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).
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Notifique.
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Évora, 20/02/2024
José António Moita (Relator)
Albertina Pedroso (1ª Adjunta)
Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunta)