Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2597/23.8T8FAR.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: CONTRAORDENAÇÕES
IMPUTAÇÃO AUTÓNOMA ÀS PESSOAS COLETIVAS
APLICABILIDADE DA ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Em obediência ao disposto no artigo 75.º, n.º 1 do RGCO, ao Tribunal da Relação, funcionando como instância de recurso da decisão da primeira instância sobre a impugnação judicial de decisão administrativa, não cabe conhecer da matéria de facto, conhecendo apenas da matéria de direito, pelo que, por absoluta impossibilidade legal, não poderão ser valorados os argumentos apresentados pela recorrente que deixam implícita a pretensão de que se proceda à reapreciação da prova produzida.
II - No artigo 7º do RGCO consagra-se um modelo de imputação direta, autónoma e funcional da infração à pessoa coletiva, pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a contraordenação para que a mesma seja imputável àquela. E, assim sendo, as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações, não têm que ser indicadas na decisão condenatória proferida na fase administrativa do processo – entendimento que mereceu já a chancela do Tribunal Constitucional no que diz respeito à sua conformidade com a CRP – nem, consequentemente, na decisão judicial que a confirma.

III - Constituindo a admoestação a menos grave das sanções previstas no nosso ordenamento jurídico, quer penal, quer contraordenacional, parece-nos evidente que a possibilidade da sua aplicação, nos termos previstos no artigo 51º do RGCO, estará reservada às contraordenações leves. Na verdade, a gravidade da contraordenação dependerá do bem jurídico tutelado, do benefício do agente ou do prejuízo causado, pressupondo-se, porém, que todos esses fatores foram sopesados na classificação que o legislador entendeu fazer dos ilícitos contraordenacionais, distinguindo-os entre contraordenações leves, graves e muito graves.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de recurso de contraordenação que correm termos no Juízo Local Criminal de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 2597/23.8T8FAR.E1, foi a arguida AA, contribuinte n.º …, com sede na … n.º …, …, condenada da seguinte forma:

a) Pela prática de uma contraordenação muito grave prevista no n.º 2 do artigo 31.º da Lei nº 34/13 de 16/05 e al. p) do n.º 1 e al. c) n.º 4 ambos do art. 59.º da Lei nº 34/13 de 16/05 do REASP na coima especialmente atenuada de 7 500,00 €;

b) Pela prática de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 21.º n.º 1 e al. l) do n.º 1 e al. c) n.º 4 do art. 59.º, todos do REASP, a título de negligência consciente, na coima especialmente atenuada de 7 500,00 €, ao abrigo do disposto no art. 59.º n.º 9 do REASP, e art. 18.º n.º 3 do R.G.C.O (processo n.º 687/2023);

c) Pela prática de uma contraordenação leve prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 37.º e al. d) do n.º 3 do art. 59.º, todos do R.E.A.S.P, na coima especialmente atenuada de 750,00 €, ao abrigo do disposto no art. 59.º n.º 9 do REASP, e art. 18.º n.º 3 do R.G.C.O (processo n.º 687/2023);

d) Em cúmulo jurídico, na coima única em 11 000,00 € (onze mil euros).

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Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“i. Por força da sentença ora recorrida, vem a Recorrente condenada na prática das seguintes contra-ordenações:

Contra-ordenação muito grave, prevista no n.º 2 do artigo 31.º da Lei nº 34/13, de 16 de Maio - Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada e al. p) do n.º 1 e al. c) n.º 4 ambos do artigo 59.º do mesmo diploma, consubstanciada na conservação das imagens de videovigilância por um período superior a 30 dias: doravante abreviadamente designada por “1.ª Contra-Ordenação”;

Contra-ordenação muito grave, prevista no artigo 21.º n.º 1 e al. l) do n.º 1 e al. c) n.º 4 do artigo 59.º, todos da Lei nº 34/13, de 16 de Maio, a título de negligência consciente, consubstanciada na falta de menção da especificidade da função num contrato de trabalho de pessoal de vigilância, doravante abreviadamente designada por: “2.ª Contra-Ordenação”;

Contra-ordenação leve, prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 37.º e al. d) do n.º 3 do artigo 59.º, todos da Lei nº 34/13, de 16 de Maio, consubstanciada na falta de actualização dos ficheiros individuais de dois vigilantes, doravante abreviadamente designada por: “3.ª Contra-Ordenação”;

ii. Em cúmulo jurídico, foi fixada coima única em €11.000,00 (onze mil euros).

iii. Atendendo aos elementos probatórios e de facto constantes dos autos, bem como ao correcto enquadramento jurídico dos mesmos, impunha-se a absolvição da Recorrente.

iv. A se considerar que a Recorrente praticou o ilícito que lhe é imputado, o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se refere, apenas poder-lhe-ia ser aplicada, quando muito, uma sanção de mera admoestação ou, num último grau de subsidiariedade, o valor mínimo da coima.

v. No que concerne à 1.ª Contra-Ordenação, dispõe o art.º 31.º, n.º 2 da Lei nº 34/13, de 16 de Maio: As gravações de imagem obtidas pelos sistemas videovigilância são conservadas, em registo codificado, pelo prazo de 30 dias contados desde a respetiva captação, findo o qual são destruídas, no prazo máximo de 48 horas.

vi. A Recorrente contratou a empresa BB (“BB”), nos termos do qual esta empresa presta serviços de manutenção preventiva aos sistemas de segurança da rede de gasolineiras AA – cfr. Contrato de Manutenção à Rede de Gasolineiras AA (Doc. 1 dos autos).

vii. A câmara em questão foi objecto de intervenção anterior porque apresentava uma avaria – cfr. Ficha de Assistência, cfr. Doc. 2 junto aos autos, tendo ocorrido uma falha na sua configuração, tendo ficado parametrizada para a gravação durante o dito período máximo de 30 dias, conforme declaração da BB, que assume a responsabilidade pela inconformidade (Doc. 3 junto aos autos).

viii. Tratou-se de um erro do sistema e não de erro humano, conforme resulta do Doc. 3: “(…)

foi feito o upgrade de firmware, upgrade este que deveria ter mantido as configurações anteriores e que por razões que desconhecemos, mas que estamos a avaliar com o fornecedor/fabricante, o DVR assumiu as parametrizações de fábrica das gravações e como tal os parâmetros de default.(…)”.

ix. A conservação das imagens por período superior a 30 dias não é imputável à Recorrente, não tendo sido violado qualquer dever geral de cuidado.

x. A Recorrente assegurou/certificou, periodicamente e de forma regular, que o equipamento cumpria o período de conservação das imagens estipulado por lei, conforme demonstram os controlos realizados entre os anos 2017 e 2021(Docs. 4 a 10) junto aos autos, procedendo ao controlo regular do período de gravação das imagens.

xi. É dito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida e citamos: “(…) entende o tribunal que atenta a natureza sensível dos dados armazenados, e a imposição legal que sobre a arguida impendia, era-lhe exigível que incumbisse pelo menos um trabalhador para se certificar que tais sistemas de videovigilância estariam a efectuar apenas gravações de imagens no prazo máximo de 30 dias, e que tais registos eram eliminados 48 horas depois (…)”.

xii. O Tribunal a quo não podia ter decidido nos moldes em que o fez, uma vez que a Lei nº 34/13, de 16 de Maio em discussão nestes autos não exige um limite mínimo de controlo das imagens dos aparelhos de videovigilância.

xiii. Houve um erro notório na apreciação da prova documental produzida em sede de julgamento.

xiv. Com efeito, foram juntam aos autos: 1) Contrato de prestação de serviços com a empresa BB – Doc. n.º 1 junto aos autos; 2) Ficha de assistência técnica a câmara em questão havia sido objecto de intervenção (que deu origem ao presente processo) – Doc. n.º 2 junto aos autos; 3) Declaração da empresa BB demonstrativo do erro que lhe era imputável na câmara em questão havia sido objecto de intervenção (que deu origem ao presente processo) Doc. n.º 3 junto aos autos; 4) Pagamentos da AA à BB relativamente á manutenção feita às câmaras de videovigilância

xv. Os documentos supracitados demonstram, sem margem para dúvidas, que a Recorrente agiu diligentemente, contratando uma empresa idónea para proceder à manutenção dos sistemas de videovigilância, sendo o erro na gravação verificado imputável aos sistemas da empresa BB e não à Recorrente.

xvi. O Tribunal a quo deu por provados factos que, atendendo à prova documental e testemunhal produzidas, conjugadas com as regras comum de experiência impunham decisão diversa, isto é, que a Recorrente cumpriu a legalidade vigente, não tendo praticado a 1.ª contra-ordenação a que acabou por ser condenada.

xvii. O Tribunal a quo também não pode exigir à Recorrente que incumbisse pelo menos um trabalhador para se certificar que tais sistemas de videovigilância estariam a efectuar apenas gravações de imagens no prazo máximo de 30 dias, e que tais registos eram eliminados 48 horas depois, uma vez que inexiste obrigação legal nesse sentido.

xviii. Desta feita, houve erro notório na apreciação da prova relativamente à 1.ª contra-ordenação, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, cujo regime se invoca, com as devidas consequências legais.

xix. No que concerne à 2.º contra-ordenação imputada à Arguida, a mesma resulta da falta de menção da especificidade da função no contrato de trabalho da vigilante CC, nos termos previstos nos artigos 21.º, n.º 1 e 59.º, n.º 1, al. i) e n.º 4, al. c) da Lei nº 34/13, de 16 de Maio, a qual desempenha funções na loja AA de ….

xx. Na sequência da entrada em vigor da Lei nº 34/13, de 16 de Maio, a Recorrente emitiu ordens para que os contratos de trabalho dos vigilantes que passassem a exercer tais funções, mas que tivessem celebrado contratos de trabalho anteriores sem essa função fossem alterados em conformidade com o novo regime legal,

xxi. Foi redigido um aditamento para ser integrado nos contratos de trabalho, que foi enviado aos responsáveis dos Recursos Humanos de cada uma das lojas da Recorrente e aplicado a vários trabalhadores, entre os quais os indicados no Doc. 12 junto aos autos.

xxii. Nos considerandos dos aludidos aditamentos a Recorrente expressamente disse “(…) As modificações contratuais ocorridas durante a execução do contrato de trabalho recomendam a respectiva formalização, para consolidação da relação laboral e ainda por exigências da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, que entretanto entrou em vigor (…)”.

xxiii. É dito na sentença recorrida: “(…) 13 A arguida não agiu com o zelo devido a que estava obrigada e de que era capaz, expectável e necessário por parte de uma empresa titular de licença de autoproteção, no sentido de fazer constar do contrato de trabalho de CC as funções de vigilante que aquela desempenhava. (…) 14. Não agiu ainda a arguida com o zelo devido a que estava obrigada e de que era capaz, expectável e necessário por parte de uma empresa titular de licença de autoproteção, no que concerne aos factos indicados nos pontos 11.1) e 11.3) (…)”.

xxiv. Nesta 2.ª contra-ordenação verificou-se, de igual modo, um erro notório na apreciação da prova documental produzida em sede de julgamento, uma vez que a 1.ª instância fez tábua rasa da prova documental em causa (aditamentos aos contratos de trabalho – Doc 12 dos autos), não a tendo valorado em nenhum ponto da sentença recorrida.

xxv. Era exigível ao Tribunal a quo tivesse aferido se, conforme alegado, houve violação, por partes dos trabalhadores da loja da AA de … (agentes da Recorrente), das ordens e instruções expressas emanadas dos seus relativamente à não elaboração do aditamento do contrato de trabalho da Trabalhadora CC).

xxvi. Tanto assim é que foi celebrado na loia AA de Cascais, onde a Trabalhadora CC desempenha funções, um aditamento ao contrato de trabalho do trabalhador DD, datado de 01.02.2019, tendo, neste caso concreto, sido cumpridas as ordens emanadas pelos órgãos da AA.

xxvii. Também se se verificou insuficiência para a decisão de facto provada, uma vez que a prova valorada não era suficiente para considerar que a Recorrente praticou a 2.º contra-ordenação que lhe foi imputada.

xxviii. No que concerne à 3.ª contra-ordenação, foi Recorrente condenada pela prática de infracção traduzida na falta de actualização dos ficheiros individuais dos vigilantes EE e FF, por alegada violação do artigo 37.º, n.º 1, al. h) da Lei nº 34/13, de 16 de Maio e existência de certificados de registo criminal caducados.

xxix. A Lei nº 34/13, de 16 de Maio, em parte alguma, refere que os ficheiros actualizados devem estar na sede das entidades titulares de alvará ou licença, tendo a Recorrente os ficheiros actualizados nas lojas em que cada vigilante exercia as suas funções.

xxx. Os certificados de registo criminal de EE e FF, os mesmos encontram actualizados, na data da acção inspectiva ocorrida no dia 20.12.2022, contrariamente ao que considerou o Tribunal recorrido.

xxxi. O certificado do registo criminal do vigilante EE foi emitido em 06.05.2022 (cfr. Doc. 14 junto aos autos), pelo que estava actualizado na data da acção inspectiva.

xxxii. O Tribunal a quo alicerçou a sua convicção de que o certificado de registo criminal em causa não estava actualizado em loja em nenhum meio de prova, uma vez que nenhuma testemunha o referiu, não resultando também de nenhum documento, tal facto.

xxxiii. O actual certificado de registo criminal da vigilante FF foi emitido em 26.12.2022, após a acção inspectiva de 20.12.2022).

xxxiv. Contudo, o anterior certificado de registo criminal foi emitido, a 21.10.2021 (cfr. fls. 7 dos autos), no ano civil anterior, pelo que, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, al. h) da Lei nº 34/13, de 16 de Maio, sempre poderia ser emitido novo certificado de registo criminal, até 31.12.2022, considerando-se actualizado aqueloutro.

xxxv. A Lei nº 34/13, de 16 de Maio utilizada a expressão “actualizado anualmente” o que significa a actualização do CRC em cada ano civil, independentemente do mês em que haja sido emitido o anterior.

xxxvi. Se assim não fosse, o legislador teria necessariamente feito menção ao concreto mês em que (ou até ao qual) os certificados de registo criminal deveriam ser actualizados ou à circunstância de não deverem passar mais de 365 dias entre actualizações, o que faz noutros preceitos do mesmo diploma,

xxxvii. Compulse-se, a título exemplificativo, o artigo 68.º, nºs 4 e 5 da Lei nº 34/13, de 16 de Maio: 4) Os alvarás, as licenças e as autorizações que em 2013 perfaçam cinco ou mais anos de vigência devem ser renovados nesse ano até ao dia e mês da data da sua emissão. 5) Os alvarás, as licenças e as autorizações não contemplados no número anterior devem ser renovados quando completem cinco anos de vigência até ao dia e mês da data da sua emissão.

xxxviii. Verificou-se, uma vez mais um erro notório na apreciação da prova documental produzida, uma vez que o Tribunal a quo não valorou correctamente a prova documental, em concreto, os certificados de registo criminal dos trabalhadores FF e EE que estavam actualizados, ocorrendo erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão de facto provada, nos termos do disposto nas alíneas c) e a) do artigo 410.º do Código de Processo Penal, cujo regime se invoca, com as devidas consequências legais.

xxxix. Entendeu o Tribunal a quo que não tem lugar a aplicação do artigo 7.º, n.º 2 do RGCO.

xl. Como ensina MANUEL DE ANDRADE, in Teoria Geral da Relação Jurídica, I, Coimbra 1970, pp. 143 e ss., que pela clareza aqui se cita: “(…) A vontade do órgão é referida ou imputada por lei à pessoa colectiva, constituindo, para o Direito, a própria vontade desta pessoa (…)”.

xli. Mas, verdadeiros órgãos, serão as pessoas físicas que têm a seu cargo decidir e actuar pelas pessoas colectivas.

xlii. Como refere ainda MANUEL DE ANDRADE, in Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., “(…) há que distinguir os simples agentes ou auxiliares, que só executam por incumbência ou ainda sob a direcção dos órgãos deliberativos e principalmente dos representativos, determinadas operações materiais que interessam à pessoa colectiva. São simples agentes ou auxiliares os operários, os empregados (que podem ser técnicos de alta qualificação) e outros profissionais a cujos serviços a pessoa colectiva ocasionalmente recorra, como mandatários, os advogados constituídos para quaisquer litígios em que a sociedade seja pleiteada, etc (…)”, sublinhado nosso..

xliii. A Recorrente é uma grande empresa, com uma grande rede de estabelecimentos comerciais espalhados de norte a sul do país e, sendo uma organização complexa, transmitiu ordens expressas aos seus trabalhadores para darem cumprimento às determinações da Lei nº 34/13, de 16 de Maio.

xliv. Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.09.2018, relativo ao processo n.º 722/18.0T8BRG.G1, que aqui se cita: "(…) a restrição da responsabilidade das pessoas colectivas ou equiparadas pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções implica desde logo que a responsabilidade dos entes colectivos não existirá quando a contra-ordenação tenha sido praticada por pessoas físicas que tão só mereçam a qualificação de agentes ou auxiliares (…), sublinhado nosso.

xlv. No presente processo, relativamente à 2.ª contra-ordenação, o facto típico a ter sido praticado, o que se refere por mera hipótese hipotética, teria sido sempre levado a cabo pelo Responsável da AA de … que não redigiu aquele aditamento ao contrato de trabalho da Trabalhadora CC, contrariamente aos demais responsáveis de recursos humanos que redigiram os referidos aditamentos (ver Doc. n.º 12 junto aos autos).

xlvi. Tanto que o Responsável de Recursos Humanos da loja AA de …, num caso igual ao da Trabalhadora CC, redigiu o aditamento ao contrato de trabalho para a funções de vigilante, relativamente ao Trabalhador DD, cujo aditamento de 01.02.2019 (ver Doc. n.º 12 junto aos autos).

xlvii. No caso do Trabalhador DD foram cumpridas pelo Responsável de Recursos Humanos da AA de …, as ordens expressas de redacção do aditamento ao contrato de trabalho deste vigilantes, contrariamente à situação da Trabalhadora CC, em que tais ordens foram incumpridas.

xlviii. O mesmo se verifica na 3.ª contra-ordenação, em virtude de o facto típico a ter sido praticado, o que não se admite, mas por mero raciocínio hipotético se refere, teria sido sempre levado a cabo pelos trabalhadores EE e FF que não os actualizaram, em violação das regras expressas dadas pelos seus superiores hierárquicos.

xlix. Os trabalhadores em causa, que não cumpriram as ordens e instruções expressas que lhe foram prestadas, não têm a qualidade de órgão da Recorrente, sendo seus meros agentes ou auxiliares, não manifestando uma vontade imputável a esta pessoa colectiva.

l. Caso se entenda que a Arguida praticou o ilícito que lhe é imputado, o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se refere, sempre se dirá, num nível de subsidiariedade, que lhe deverá ser aplicada uma mera admoestação, nos termos previstos no artigo 51.º do RGCO.

li. Perante os factos que constam dos autos, mal andou o Tribunal ao propugnar tal entendimento, na medida em que atendendo aos factos dados como provados haveria, quando muito, apenas lugar à aplicação de uma sanção de mera admoestação.

lii. O artigo 51.º do RGCO não restringe a aplicação da admoestação às contra-ordenações leves.

liii. Conforme referido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.10.2018, relativo ao processo n.º 0800/14.4BEVIS 0560/18 (disponível em www.dgsi.pt), que pela clareza aqui se transcreve: “(…) “reduzida gravidade" é ainda uma gradação do que é grave. Se a intenção do legislador fosse a de que apenas as contra-ordenações leves pudessem ser sancionadas com admoestação, e já não as graves, por certo o teria dito de modo inequívoco no n.º 1 do art.º. 51.° do RGCO; não o fez, usando terminologia diversa, qual seja a da ‘reduzida gravidade (…)”.

liv. A aplicação da pena de admoestação justifica-se sempre que a sua aplicação não ponha em causa os limiares mínimos de expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob forma de tutela do ordenamento jurídico, cfr. ensina Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 1993, p. 389.

lv. Inexiste justificação para a coima aplicada, tanto mais que a admoestação é suficiente para tutelar o ordenamento jurídico e a norma em causa, cumprindo plenamente o fim que se visa abarcar com a presente contra-ordenação e com a coima que lhe foi aplicada.

lvi. No vertente processo, a eficácia de uma mera admoestação mostra-se merecedora de confiança, representando uma censura suficiente do facto ilícito imputado à Recorrente e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da concreta norma jurídica, mostrando-se suficiente para que a Recorrente não viole as disposições legais vigentes relativas à Lei nº 34/13, de 16 de Maio.

lvii. Não cabem nas finalidades das sanções contra-ordenacionais as ideias de retributivas, circunstância essa que se verifica no presente caso com a aplicação de uma coima à Recorrente, sendo que os fins de prevenção geral e de prevenção especial são realizados, plenamente, com a aplicação à Arguida de uma mera sanção de admoestação.

lviii. A aplicação à Recorrente de uma coima seria violar o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes: 1) necessidade; 2) adequação e 3) proporcionalidade em sentido estrito.

lix. No presente processo, verificou-se que a Arguida cumpria a legalidade vigente relativamente a todas as câmaras de videovigilância da gasolineira de …, que deu origem à 1.ª contra-ordenação, verificando apenas vicissitudes numa das câmaras instaladas, nunca tendo a Recorrente praticado a contra-ordenação em causa.

lx. A vicissitude verificada na sequência da acção inspectiva foi imediatamente resolvida.

lxi. No que concerne à 2.ª contra-ordenação, a Recorrente conhecia a legislação e fez vários aditamentos aos contratos de trabalho de vigilantes, não tendo sido elaboradora o aditamento da Trabalhadora CC, apenas e tão só porque o Responsável de Recursos Humanos da loja AA de … incumpriu as regras expressas que lhe foram dadas.

lxii. A Arguida também nunca foi condenada relativamente a esta contra-ordenação.

lxiii. Na sequência da vicissitude verificada, e após a acção inspectiva de 20.12.2022 foi elaborado, no dia 27.12.2022, o aditamento em causa.

lxiv. No que se refere à 3.ª contra-ordenação, a Arguida nunca foi condenada na prática da contra-ordenação em causa, estando, reitere-se, os certificados de registo criminal dos trabalhadores EE e FF válidos, no dia da acção inspectiva.

lxv. Em suma, deveria ser aplicado à Recorrente, quando muito, uma sanção de mera admoestação, nos termos previsto no artigo 51.º do RGCO.

lxvi. Num último grau de subsidiariedade, deve ser aplicada à Arguida uma coima pelo valor mínimo, nos termos previstos no artigo 18.º do RGCO.

lxvii. No presente processo foi aplicada à Recorrente, em cumulo jurídico, uma coima única de €11.000,00, sendo que de acordo com os critérios previstos no artigo 19.º do RGCO, a moldura da coima a aplicar à Recorrente tinha um limite máximo de €15.750,00 e um limite mínimo de €7.500,00.

lxviii. O Tribunal a quo considerou proporcional a coima de €11.000,00 aplicada pela entidade fiscalizadora.

lxix. A ser aplicada uma coima à Arguida, o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se refere, a mesmas apenas se poderia cifrar no mínimo, isto é, €7.500,00, uma vez que: 1) o Tribunal a quo determinou que a Arguida agiu com negligência e não com dolo, sendo a sua culpa diminuta; 2) Arguida não retirou qualquer benefício económico das contra- ordenações em discussão nestes autos; 3) A Arguida nunca praticou as contra-ordenações em discussão nestes autos.

lxx. A coima de €11.000,00 aplicada à Recorrente é claramente desproporcional, sendo €3.500,00 superior ao limite mínimo, pelo que a mesma, a ser aplicada, deverá, invariavelmente, ser fixada pelo seu valor mínimo, atendendo à aplicação, in casu, dos critérios que decorrem do artigo 19.º do RGCO, ou seja, €7.500,00.”

Termina pedindo se revogue a sentença recorrida e se absolva a recorrente da prática de todas as contraordenações, ou, subsidiariamente, que se lhe aplique apenas a sanção de admoestação ou, ainda subsidiariamente, que se lhe apliquem coimas fixadas nos seus limites mínimos.

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O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1-Da conjugação dos artigos 66º e 75º, nº1, do RGCO extrai-se a norma geral impeditiva do recurso da matéria de facto.

2-Ainda assim cumpre salientar que da motivação da decisão de facto da sentença fica-se a saber porque é que a arguida foi condenada. A prova testemunhal e documental foram devidamente valoradas, como se pode constatar da leitura da sentença.

3- Do exame crítico das provas ficou-se claramente a saber porque é que se deram como provados os factos que levaram à condenação da arguida (sendo desnecessárias quaisquer outras considerações face à fundamentação constante da sentença).

4-A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (dentro desses pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova).

5- A regra de que a convicção do julgador se deve fundar na livre apreciação da prova implica a possibilidade de dar como demonstrado certo facto certificado por uma única testemunha.

6- A prova produzida em audiência de julgamento é manifestamente suficiente para dar como provados os factos constantes da sentença, não se verificando qualquer erro notório na apreciação da prova.

7- É de referir que apenas existe erro notório na apreciação da prova quando para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artigo 127 do C.P.P.

8 - De salientar também que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.

9-A imediação e a oralidade é que transmitem com precisão o modo e convicção como as pessoas depuseram, nomeadamente a coerência e sequência lógica com que o fizeram, o tom de voz utilizado, o tempo e a forma de resposta, os gestos e as hesitações, a postura e as reações.

10-Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal tenha valorado contra a arguida qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dúbio pro reo.

11-Para responsabilizar a pessoa coletiva é suficiente que a conduta seja praticada ou determinada em seu nome por órgão juridicamente vinculante da vontade coletiva, sendo irrelevante a circunstância de não se ter identificado o nome do titular do órgão ou representante a quem seja atribuída pessoalmente a conduta da pessoa coletiva.

12-O preceito do n.º 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito pela jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas, adotando assim a tese da responsabilidade autónoma da pessoa coletiva, o que se traduz, na prática, na possibilidade de imputação da responsabilidade contraordenacional à pessoa coletiva desde que seja cometida uma infração tipificada como ilícita e que seja imputável a alguém que atue por conta ou em nome da pessoa jurídica.

13- Pressupondo a reduzida gravidade do ilícito e do grau de culpa do agente, a admoestação não pode ser aplicada a contraordenações graves e muito graves.

14-Assim, face aos factos que foram provados não restam dúvidas de que a arguida cometeu os ilícitos pelos quais foi condenada, não se verificando qualquer nulidade.

15 – Deve assim, manter-se a condenação, fazendo-se assim.”

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Tendo tido vista do processo, a Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal apôs o seu visto.

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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

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II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

*

O regime dos recursos de decisões proferidas em 1.ª instância em processo de contraordenação encontra-se estabelecido nos artigos 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações (RGC). Importa convocar nesta sede o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2019, in DR 124/2019, série 1 de 2019-07-02, no qual se estatuiu que “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”. Da análise do regime legal acima referido e, bem assim, do estatuído no citado acórdão de fixação de jurisprudência decorrem, relativamente aos processos de contraordenação, duas conclusões: - A impugnação da decisão da autoridade administrativa não assume a natureza de um verdadeiro recurso, sendo antes a causa retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal; - O Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista ampliada – podendo alterar a decisão do Tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo Tribunal, sempre sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410.º CPP, por força do disposto nos artigos 41.º, nº 1.º e 74.º, nº 4.º do RGC – e como última instância, conhecendo apenas da matéria de direito.

*

Delimitado o âmbito dos recursos de contraordenação e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir:

A) Determinar se a sentença recorrida se encontra inquinada pelos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência da matéria de facto para a decisão, previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas c) e a) do CPP, aplicável ex vi dos artigos 41.º, nº 1.º e 74.º, nº 4.º do RGCO.

B) Determinar se a sentença enferma de erro em matéria de direito, em virtude de:

a) Não se encontrarem identificadas as pessoas singulares que praticaram os factos que responsabilizam a recorrente;

b) Os factos provados não se subsumirem à prática das contraordenações pelas quais a recorrente foi condenada;

c) As sanções aplicadas pela prática das contraordenações se mostrarem desadequadas por desproporcionais.

***

II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, mantendo a decisão administrativa impugnada, condenou a recorrente pela prática das contraordenações que lhe vinham imputadas. Com base na documentação constante dos autos e na prova produzida em audiência, a sentença recorrida que deu como provados e não provados os seguintes factos:

“Com interesse para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:

DO PROCESSO CONTRAORDENACIONAL N.º 354/…

1. No dia 12.06.2020, pelas 14h50, foi efectuada acção de fiscalização ao posto de abastecimento de combustível da AA, sito na Avenida …, …, com o intuito de verificar as medidas de segurança obrigatórias previstas pelo regime legal da segurança privada para este tipo de estabelecimentos.

2. No local encontrava-se a funcionária GG que relativamente ao sistema de videovigilância informou que as imagens eram operadas e controladas nas instalações da Central de segurança do supermercado AA, Fórum …, local onde foi posteriormente contactado HH, vigilante de serviço na referida Central.

3. Verificado o período da conservação das imagens de videovigilância, constatou-se que as mesmas estavam a ser conservadas por um período superior a 30 dias, uma vez que foram mostradas imagens, pelo vigilante HH, do dia 02.01.2020, perfazendo assim, até ao dia da fiscalização, cerca de 160 dias de conservação das imagens.

4. A arguida não agiu com o zelo devido a que estava obrigada e de que era capaz, não diligenciando pelo cumprimento dos normativos legais a que se encontra sujeita, enquanto entidade exploradora de posto de combustível.

5. A arguida não se certificou e não assegurou, através de verificações periódicas e regulares, que o sistema de videovigilância instalado no posto de combustível fiscalizado, se encontrava a gravar/conservar imagens pelo período superior a 30 dias.

6. A arguida era conhecedora da obrigação de conservar as imagens gravadas somente pelo prazo de 30 dias findo o qual as imagens devem ser destruídas no prazo máximo de 48 horas, e abstendo-se de o fazer, não agiu com o zelo objectivamente devido e de que era capaz, para cumprimento das suas obrigações legais.

7. A empresa BB presta serviços de manutenção preventiva aos sistemas de segurança da rede de gasolineiras AA.

8. Após a acção de fiscalização identificada em 1), um técnico da BB de nome II deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível da AA, sito na Avenida …, …, para corrigir a configuração da captação de imagens .

DO PROCESSO CONTRAORDENACIONAL N.º 687/…

9. No dia 20.12.2022, pelas 10h00, foi efectuada acção de fiscalização no âmbito da segurança privada à sede da arguida, sita na Estrada …, …, …

10. A acção de fiscalização foi acompanhada pelo responsável de segurança das instalações, Sr. JJ, que facultou toda a documentação solicitada.

11. Foram consultados vários ficheiros individuais dos vigilantes e director de segurança da empresa, tendo se constatado que:

11.1. o Certificado de Registo Criminal mais recente, atenta a data da fiscalização, de EE constante do arquivo da arguida, tinha como data de emissão 2020/12/14, e validade de 2021/03/31;

11.2. o Certificado de Registo Criminal mais recente, atenta a data da fiscalização, de KK constante do arquivo da arguida, tinha como menção relativa ao fim a que se destina “função pública”, fazendo-se constar no campo especificação da função a menção “vigilante AA”;

11.3. o Certificado de Registo Criminal mais recente, atenta a data da fiscalização, de FF constante do arquivo da arguida, tinha como data de emissão 2021/10/21, e validade de 2022/01/19.

12. Foram ainda consultados os contratos de trabalho do pessoal de vigilância, tendo sido constatado que no contrato de trabalho de CC, VIG … datado de 01.08.1994, consta apenas que a mesma exerce as funções de “Operador de supermercado de segunda”.

13. A arguida não agiu com o zelo devido a que estava obrigada e de que era capaz, expectável e necessário por parte de uma empresa titular de licença de autoproteção, no sentido de fazer constar do contrato de trabalho de CC as funções de vigilante que aquela desempenhava.

14. Não agiu ainda a arguida com o zelo devido a que estava obrigada e de que era capaz, expectável e necessário por parte de uma empresa titular de licença de autoproteção, no que concerne aos factos indicados nos pontos 11.1) e 11.3).

Acresce ainda que,

15. Após a acção de fiscalização identificada em 9), a arguida aquando junção ao processo contraordenacional de requerimento de direito de audição e defesa, em 09.02.2023, procedeu à junção dos seguintes documentos :

15.1. - Certificado de Registo Criminal de EE com data de emissão 2022/05/06, e validade de 2022/08/04;

15.2. - Certificado de Registo Criminal de FF data de emissão 2022/12/26, e validade de 2023/03/26.

15.3. - Certificado de Registo Criminal de KK onde consta como fim a que se destina a menção “exercício da actividade de segurança privada”;

15.4. – documento intitulado “Aditamento ao contrato de trabalho para alteração de categoria profissional”, datado de 27.12.2022, celebrado entre a arguida e CC onde conta além do mais que “(…) A … e o trabalhador pretendem alterar o contrato de trabalho no sentido de modificar a categoria profissional do trabalhador, que passará a ser de Vigilante Especializado (…)”.

16. A arguida não retirou qualquer benefício económico das suas condutas supra descritas.

Dos antecedentes contraordenacionais da arguida:

17. A Secretaria Geral - Ministério da Administração Interna proferiu decisão administrativa onde aplicou coima única no valor de € 60.000,00 pela prática de diversas contraordenações no âmbito dos processos de contraordenação n.ºs …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, decisão essa que foi objecto de impugnação judicial a que deu origem o processo n.º 467/21.3… que correu os seus termos no Juízo Local Criminal de … – Juízo …, Tribunal Judicial da Comarca de …, e no qual foi proferida decisão datada de 02.04.2023, e transitada em julgado em 20.04.2023, através da qual se manteve as condenações apenas proferidas no âmbito dos processos contraordenacionais n.ºs … e …, e se condenou a arguida:

17.1 - no âmbito do processo contraordenacional n.º … pela prática de uma contraordenação, prevista e punida pelo art. 37.º, n.º 1, al. i) e 59.º, n.º 2, ai. i) e n.º 4, al. b) da Lei n.º 34/13 de 16 de maio na redacção anterior à dada pela Lei n.º 46/2019 de 08.07, reduzindo a coima aplicada por força da atenuação especial, fixando-se a mesma em 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), ao abrigo do disposto no art. 59.º, n.º 9 da Lei n.º 34/2013 de 16.05. e 18.º, n.º 3 do RGCO, e

17.2. - no âmbito do processo contraordenacional n.º … pela prática de uma contraordenação, prevista e punida pelo art. 37.º , n.º 1, al. i) e 59.º, n.º 2, al. i) e n.º 4, al. b) da Lei n.º 34/13 de 16 de maio na redacção anterior à dada pela Lei n.º 46/2019 de 08.07, reduzindo a coima aplicada por força da atenuação especial, fixando-se a mesma em € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), ao abrigo do disposto no art. 59.º, n.º 9 da Lei n.º 34/2013 de 16.05. e art. 18.º, n.º 3 do RGCO;

e, em cúmulo jurídico, se decidiu fixar a coima única em € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), e condenar a arguida no pagamento das custas.

Dos antecedentes criminais da arguida:

18. A arguida não sofreu qualquer condenação no âmbito de procedimento criminal.

Da situação económica da arguida:

19. A arguida/recorrente declarou à Autoridade Tributária e Aduaneira que, no exercício fiscal de 2020, angariou um lucro tributável ascendente a 45.773.190,64 euros.

20. A arguida/recorrente declarou à Autoridade Tributária e Aduaneira que, no exercício fiscal de 2021, angariou um lucro tributável ascendente a 46.397.114,56 euros.

21. A arguida/recorrente declarou à Autoridade Tributária e Aduaneira que, no exercício fiscal de 2022, angariou um lucro tributável ascendente a 44.976.903,41 euros.

B. FACTOS NÃO PROVADOS

Discutida a causa, ficou por provar que:

DO PROCESSO CONTRAORDENACIONAL N.º 354/…

a. A arguida tivesse sempre efectuado controlo do período de conservação das imagens.

b. A arguida não tivesse acesso ao sistema informático de videovigilância.

c. A arguida tivesse investido no ano de 2020 o valor de 10.673,13 euros na manutenção do sistema de videovigilância em todos os postos de combustível.

DO PROCESSO CONTRAORDENACIONAL N.º 687/…

d. O documento descrito no ponto 15.1) dos factos provados estivesse, aquando acção de fiscalização melhor descrita no ponto 9) dos factos provados, na loja onde o trabalhador EE exercia as suas funções.

e. A arguida ao deter o Certificado de registo criminal com o conteúdo descrito em 11.2) tivesse agido com falta de zelo devido a que estava obrigada e de que era capaz, expectável e necessário por parte de uma empresa titular de licença de autoproteção.”.

*

II.III - Apreciação do mérito do recurso.

Vejamos então cada uma das questões acima enunciadas.

A) Dos invocados vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”, sendo certo que, conforme acima explicitámos, nos recursos de contraordenação o Tribunal da Relação funciona como última instância, conhecendo apenas da matéria de direito, mas também como tribunal de revista ampliada, podendo alterar a decisão do Tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo Tribunal, sempre sem prejuízo do conhecimento de qualquer dos vícios referidos no artigo 410.º,nº 2 do CPP.

Como é sabido, na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo – esta com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, não admissível nos presentes autos – os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida e a sua verificação pelo tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida e atém-se à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. Assim, de acordo com o disposto no artigo 410.º, nº 2, alíneas c) e a) do CPP, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito e desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o recurso pode ter como fundamento o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Ora, na situação vertente, alega a recorrente que a sentença se encontra inquinada:

- Pelo vício de erro notório na apreciação da prova, porquanto, segundo a recorrente, o tribunal analisou e valorou erradamente a prova documental e testemunhal produzida nos autos.

- Pelo vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, por ter considerado que “(…) a prova valorada não era suficiente para considerar que a Recorrente praticou a 2.º contraordenação que lhe foi imputada (…)”

Porém, analisando a sentença recorrida, nela não descortinamos os aludidos vícios.

Analisemos mais de perto as identificadas situações. O vício consubstanciado no erro notório na apreciação da prova assenta numa deficiência no apuramento da matéria de facto e, tal como acima referimos, a sua verificação pelo tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida e atém-se à conexão lógica do texto da decisão recorrida. Trata-se de um vício da decisão em si mesma e a sua verificação demanda a presença dos seguintes requisitos: a notoriedade do erro e que este resulte do próprio da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. Notório, significa ostensivo, patente, percetível e identificável pela generalidade das pessoas e ocorre quando: a) as provas revelem claramente um sentido contrário ao que se firmou na decisão recorrida; b) o sentido firmado na decisão recorrida for logicamente impossível; c) se tiver incluído ou excluído da matéria de facto provada algum facto essencial; d) ou quando determinado facto provado se mostre incompatível com outro também provado. A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a caracterizar de forma convergente o vício em análise, no sentido que vimos de expor. (1)

Defende ainda a recorrente que a sentença padece do vício previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, ou seja, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre nas situações em que a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir que a matéria de facto provada na sentença não suporta a decisão de direito, quer quanto à culpabilidade quer quanto à determinação da pena. Ou seja, dito de outro modo, tal vício verifica-se quando a conclusão a que se chega não é suportada pelas respetivas premissas, isto é, quando a matéria de facto apurada não é a suficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. E tal sucede não só quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou, ou não um crime, ou, in casu, uma contraordenação, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena. (2)

Ora, na situação vertente, não detetamos nem a invocada insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nem qualquer erro notório na apreciação da prova. Importa a este propósito atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados e não provados:

“(...)C. MOTIVAÇÃO DE FACTO

Resultaram fundamentais para a formação da convicção do Tribunal, no que diz respeito aos factos provados, a conjugação, sob a égide do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, de toda a prova documental e depoimentos melhor constantes nos processos contraordenacionais, sendo que, quanto ao aqui impugnado, com especial relevo para a seguinte prova:

a) Depoimento testemunhal:

i. LL;

ii. MM;

iii. NN;

iv. OO;

v. PP;

b) Documental:

i. Auto de notícia fls. 10 (datado de 12.06.2020);

ii. Auto de declarações de II, fls. 43 dos autos;

iii. Auto de notícia, fls. 2 apenso;

iv. Certificado de registo criminal de EE, fls. 5 do apenso;

v. C.R.C. de KK, fls. 6 do apenso;

vi. C.R.C. de FF, fls. 7 do apenso;

vii. Contrato de trabalho sem termo, fls. 8 e 9 do apenso;

viii. Contrato de trabalho em regime contínuo, fls. 10 do apenso;

ix. Aditamento ao contrato de trabalho de CC, datado de 27.12.2022, fls. 56 a 57 do apenso.

x. C.R.C. de EE, datado de 2022/05/06, fls. 69 do apenso;

xi. C.R.C. de KK, datado de 2023/01/18, fls. 75 do apenso;

xii. C.R.C. de FF, datado de 2022/12/26, fls. 93 do apenso;

xiii. Documento onde consta como entidade emissora BB, e como assunto “apresentação de proposta”, fls. 97 a 103 dos autos;

xiv. Documentos intitulados “Ficha de assistência”, onde consta como entidade emissora BB, fls. 105, 109, 111, 113, 115, 117, 119, 121, 123;

xv. Documento intitulado “Declaração” onde consta como entidade emissora BB, fls. 107;

xvi. Documentos intitulados “aditamento a contrato de trabalho”, fls. 125 a 148;

xvii. Correio eletrónico datado de 07.12.2022, fls. 154;

xviii. Print. Fls. 156;

xix. Correio electrónico datado de 19.01.2023, fls. 157;

xx. Correio electrónico datado de 30.01.2023, fls. 162 a 174.

xxi. C.R.C. arguida, ref.ª citius …;

xxii. Registo contraordenacional arguida, ref.ª citius …;

xxiii. declarações de IRC da Recorrente relativas aos anos de 2021, 2022 e 2023, ref.ª citius ….

Concretizando:

A convicção do Tribunal para a fixação da matéria de facto provada assentou na análise crítica da prova produzida em sede de processo contraordenacional e julgamento, que consistiu na prova documental constante dos autos (essencialmente, Auto de notícia fls. 10 (datado de 12.06.2020); Auto de notícia, fls. 2 apenso; Certificado de registo criminal de EE, fls. 5 do apenso; C.R.C. de KK, fls. 6 do apenso; C.R.C. de FF, fls. 7 do apenso; Contrato de trabalho sem termo, fls. 8 e 9 do apenso; Contrato de trabalho em regime contínuo, fls. 10 do apenso; Aditamento ao contrato de trabalho de CC, datado de 27.12.2022, fls. 56 a 57 do apenso; C.R.C. de EE, datado de 2022/05/06, fls. 69 do apenso; C.R.C. de KK, datado de 2023/01/18, fls. 75 do apenso; C.R.C. de FF, datado de 2022/12/26, fls. 93 do apenso; Documento onde consta como entidade emissora BB, e como assunto “apresentação de proposta”, fls. 97 a 103 dos autos; Documentos intitulados “Ficha de assistência”, onde consta como entidade emissora BB, fls. 105, 109, 111, 113, 115, 117, 119, 121, 123; Documento intitulado “Declaração” onde consta como entidade emissora BB, fls. 107; Documentos intitulados “aditamento a contrato de trabalho”, fls. 125 a 148; Correio eletrónico datado de 07.12.2022, fls. 154; Print. Fls. 156; Correio electrónico datado de 19.01.2023, fls. 157 e Correio electrónico datado de 30.01.2023, fls. 162 a 174), conjugada com os depoimentos das testemunhas LL, MM, NN, OO e PP. De salientar que não foram aliás, tais factos na sua grande maioria sido colocados em crise pela Recorrente.

Quanto à fiscalização que decorreu em 12.06.2020 (proc. n.º 354/2022), quanto aos factos 1), 2), 3) e 6) dos factos provados resultaram os mesmos como provados atento a prova documental junta aos autos, a saber, auto de notícia fls. 10 (datado de 12.06.2020), conjugada com a demais prova resultante do processo contraordenacional, da qual se destaca o depoimento da testemunha LL, que no exercício das funções de agente da P.S.P. procedeu à referida fiscalização, tendo confirmado a sua autoria do auto de notícia, fls. 10 dos autos, confirmando o teor do mesmo. Tal depoimento, por ser objectivo e escorreito, mereceu total credibilidade ao tribunal. De salientar ainda o facto de a própria Recorrente ter sempre admitido tais factos, não os tendo colocado em crise, tendo ainda a testemunha NN, pessoa que exerce as funções de Director de Segurança Nacional na AA desde 2004 afirmado que de facto, tal irregularidade nas gravações teria ocorrido, tendo ainda afirmado que a empresa BB é que efectua a manutenção preventiva dos equipamentos de videovigilância, tendo, após ter sido detectada tal anomalia, sido a mesma corrigida pela mesma empresa, o que, conjugado com o depoimento da testemunha II, constante a fls. 43 dos autos, permitiu ainda dar ao tribunal como provados os factos melhor constantes dos pontos 7) e 8) dos factos provados.

No que concerne aos factos atinentes ao elemento subjectivo, melhor constantes dos pontos 4) e 5) dos factos provados, como factos internos que são, deduzem-se pelos factos externos imputados à arguida, conjugados com as regras de experiência comum, sustentados por todo o circunstancialismo fáctico constante da prova constante dos autos. De facto, e não obstante a arguida tenha afirmado que actuou com zelo e diligencia, tendo contratado a empresa BB para fazer a manutenção preventiva de tais equipamentos, a verdade é que das declarações de NN resultou claro que apenas incumbiram tal empresa de efectuar tal controlo e manutenção, duas a três vezes ao ano, não tendo este referido que teriam afecto qualquer trabalhador à função de fiscalização dos aparelhos de videovigilância e constatação que os mesmos estariam a funcionar correctamente, não obstante tais aparelhos estejam em local a que alguns trabalhadores da arguida têm acesso físico, e acesso ao conteúdo de tais gravações por serem detentores de palavras passes e usernames para o efeito, tal como o mesmo admitiu em sede do seu depoimento. De facto, entende o tribunal que atenta a natureza sensível dos dados armazenados, e a imposição legal que sobre a arguida impendia, era-lhe exigível que incumbisse pelo menos um trabalhador para se certificar que tais sistemas de videovigilância estariam a efectuar apenas gravações de imagens no prazo máximo de 30 dias, e que tais registos eram eliminados 48 horas depois. Com base no que ficou exposto, é claro que a arguida tinha o dever de não actuar nos moldes descritos em 1) a 3), não observando regras basilares ou elementares para quem exerce a conservação de imagens de videovigilância que exercia.

O tribunal deu ainda como não provados os factos constantes dos pontos a) a c) dos factos não provados, atento a que quanto aos pontos a) e b) foi produzida prova em sentido contrário, e quanto ao facto constante do ponto c) inexistiu prova que permitisse dar tal facto como provado. De facto, a testemunha NN afirmou que trabalhadores da arguida tinham acesso ao programa que fazia retenção das imagens de videovigilância, tendo acesso com passwords especificas. Por outro lado, afirmou ainda que nunca ninguém acedia a tais computadores, só quando necessário, pelo que nunca poderia a arguida afirmar que efectuou sempre o controlo do período de conservação, pois incumbir uma empresa para efectuar manutenção preventiva 2 a 3 vezes por ano não é suficiente para o efeito. Acresce ainda que do conteúdo do documento onde consta como entidade emissora BB, e como assunto “apresentação de proposta”, fls. 97 a 103 dos autos, não pode o tribunal extrair e dar como provado que a arguida contratou tais serviços por tal valor, pois tal documento apenas espelha uma mera proposta, não tendo sido produzida mais nenhuma prova que permitisse dar tal facto como provado.

No que aos factos atinentes ao processo contraordenacional n.º 687/… diz respeito, deu o tribunal como provados os factos constantes dos pontos 9) a 12) dos factos provados atento a prova documental junta ao processo contraordenacional, da qual se destaca auto de notícia, fls. 2 apenso, certificado de registo criminal de EE, fls. 5 do apenso, C.R.C. de KK, fls. 6 do apenso, C.R.C. de FF, fls. 7 do apenso, Contrato de trabalho sem termo, fls. 8 e 9 do apenso, e Contrato de trabalho em regime contínuo, fls. 10 do apenso, conjugados com o depoimento das testemunhas MM, NN, OO e PP.

De salientar que também quanto a estes factos a Recorrente não colocou os mesmos em questão, tendo confirmado os mesmos, tendo, contudo, invocado que os C.R.C. actualizado do trabalhador EE estaria na loja onde o mesmo desempenhava funções, e não na sede da arguida. Ora, atenta a prova produzida, não ficou o tribunal convencido desta última versão dos factos apresentada pela arguida atento ao que se expõe de seguida.

Por um lado, a testemunha MM, através de um depoimento escorreito e objectivo e logo merecedor de total credibilidade, afirmou que no exercício das funções de agente da P.S.P. efectuou a fiscalização sobre que versamos a nossa atenção, tendo confirmado a autoria do auto de notifica fls. 2 do apenso, e afirmado que os documentos que foram exibidos aquando da inspecção relativamente aos trabalhadores EE, KK e FF foram apenas os que constam agora dos autos a fls. 5 a 10 do apenso, não lhe tendo sido apresentado quaisquer outros documentos mais actualizados, não obstante os tenham solicitado aquando da fiscalização. Por outro lado, a testemunha OO, responsável da segurança central da arguida, e que desempenha tais funções desde 2020, não obstante tenha afirmado que acompanhou todo o processo de fiscalização vivenciado naquele dia, tendo disponibilizado todos os documentos que tinha em arquivo, sendo o próprio responsável pelo armazenamento de tais documentos, e por pedir de 11 em 11 meses os C.R.C. actualizados a todos os responsáveis das lojas AA, o que revela conhecimento de causa, quando confrontado com a pergunta de o porquê de aquando do recurso da fiscalização não ter pedido C.R.C. actualizados aos gerentes das lojas já que alegadamente os mesmos os tinham, e assim apresentado os mesmos às agentes da P.S.P. ainda no decurso da fiscalização, respondeu não saber o porquê de não ter feito isso. Ora, não tendo a acção de fiscalização demorado propriamente pouco tempo, como tal testemunha afirmou, não se mostra consentâneo com as regras da experiência e do normal acontecer que uma pessoa, quando decorre uma acção inspectiva, tendo este o conhecimento que os documentos pedidos se encontravam na posse de terceira pessoa a si subordinada por força da hierarquia existente, este não alertasse os agentes fiscalizadores para a existência de tais documentos, e diligenciasse imediatamente para obtenção de tais documentos que alegadamente estaria na posse dos responsáveis pelas lojas onde tais trabalhadores desempenhavam tais funções, o que aconteceria facilmente através da interpelação via telefone, e posterior e recepção de correio electrónico com tais documentos. Aliás, a testemunha PP, coordenador técnico de segurança da AA desde 02.01.2007, afirmou que aquando do decurso de acção de fiscalização recepcionou um telefonema da testemunha OO a informar que estava a decorrer acção inspectiva, tendo-lhe comunicado que qualquer documento que fosse necessário ele estaria ao dispor para ajudar. Atento o exposto, tal versão dos factos apresentada pela arguida é não credível, o que leva o tribunal a dar como não provados os factos constantes no pontos d) dos factos não provados.

Quanto à actuação da arguida, com ausência de zelo devido, e a que estava obrigada e era capaz, factos constantes dos pontos 13) e 14) dos factos provados, como factos internos que são, deduzem-se pelos factos externos imputados à arguida, conjugados com as regras de experiência comum, sustentados por todo o circunstancialismo fáctico constante da prova constante dos autos. De facto, as próprias testemunhas indicadas pela arguida, a saber NN, OO e PP, admitiram, sem hesitar, que tais factos ocorreram por falha no controlo da hierarquia. Aliás, a testemunha OO referiu ainda que após a acção de fiscalização, passou a ser não um mero arquivador de C.R.C. dos vigilantes na sede da arguida, mas sim um fiscalizador da actualidade e conformidade do conteúdo de tais C.R.C. com as normas em vigor, tendo-lhe desde então a arguida incumbido a tarefa de fiscalizar tal actualização dos C.R.C. e conformidade e arquivamento na sede da arguida. Ora, se o poderia ter feito antes, porque é que a arguida só incumbiu um trabalhador seu de realizar tais tarefas após a fiscalização? Pelo exposto, é claro que a arguida tinha o dever de não actuar nos moldes descritos, pois podia e devia ter actuado de modo diferente, não observando regras basilares ou elementares para sobre quem tem trabalhadores a exercer as funções de segurança privada ou vigilantes impendiam.

De salientar ainda que, do depoimento da testemunha NN, o qual mereceu nesta parte também credibilidade ao tribunal, atenta a maneira escorreita e objectiva como foi prestado, decorreu que a arguida tinha consciência que deveria ter em sua posse C.R.C. actualizados, isto é, que desde a sua data de emissão não tivessem decorridos 365 dias, tendo inclusive, fruto de tal consciência, implementado um sistema de alerta organizacional interno, que de 11 em 11 meses notifica os trabalhadores para procederem à entrega de C.R.C. que não exceda tal período de 365 dias, tendo afirmado que existiram falhas internas que deram origem a tais processos contraordenacionais.

Quanto à posse do C.R.C. nos moldes descritos em 11.2) dos factos provados, entende o tribunal que ao deter tal documento com tal conteúdo a arguida não agiu com falta de zelo ou diligência. De facto, o documento faz menção à função de vigilante, pelo que deu o tribunal como não provado o facto constante do ponto e) dos factos não provados.

Os factos constantes dos pontos 15), 15.1), 15.2), 15.3) e 15.4) dos factos provados advieram da prova documental junta aos autos, a saber aditamento ao contrato de trabalho de CC, datado de 27.12.2022, fls. 56 a 57 do apenso, C.R.C. de EE, datado de 2022/05/06, fls. 69 do apenso, C.R.C. de KK, datado de 2023/01/18, fls. 75 do apenso, e C.R.C. de FF, datado de 2022/12/26, fls. 93 do apenso.

O facto constante do ponto 16) dos factos provados foi dado como provado atenta a prova documental e testemunhal produzida no âmbito do processo contraordenacional, não vislumbrando o tribunal sequer qual o beneficio que poderia ter advindo para a arguida com a pratica de tais factos.

Quanto aos antecedentes contraordenacionais da arguida, melhor descritos nos pontos 17), 17.1) e 17.2) dos factos provados, resultam os mesmos do registo contraordenacional arguida, ref.ª citius …. Já a ausência de condenações averbadas ao registo criminal melhor vertida no facto dado como provado constante do ponto 18) dos factos provados, resulta o mesmo do C.R.C. arguida, ref.ª citius ….

Os factos constantes dos pontos 19) a 21) dos factos provados advieram dos documentos declarações de IRC da Recorrente relativas aos anos de 2021, 2022 e 2023, ref.ª citius ….(…)”

* Analisado o texto da decisão recorrida nos segmentos transcritos – factos provados e motivação da respetiva convicção probatória – constata-se que a sua fundamentação não se apresenta como insuficiente, nem manifestamente errada, pois que os meios de prova em que se baseou e a valoração criteriosa que fez dos mesmos, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º CPP, não só não indiciam o alegado erro notório, como, ao invés, permitem inferir exatamente o contrário, ou seja, que os meios de prova tidos em conta sustentam logicamente a decisão quanto à matéria de facto, revelando-se esta bastante para suportar a imputação à recorrente das contraordenações constantes da condenação.

Salvo o devido respeito, carece, aliás, absolutamente de sentido a arguição dos vícios invocados no recurso, não se compreendendo a alegação apresentada para os fundamentar. Na verdade, a decisão recorrida, de forma sustentada, deu como provados todos os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos contraordenacionais pelos quais a recorrente foi condenada. A discordância da recorrente quanto aos factos tidos por provados poderia eventualmente sustentar a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º do CPP, que, conforme acima explanámos, nos encontramos impedidos de conhecer, não suportando, de todo, a alegação da existência dos vícios previstos ao artigo 410º, nº 2, alíneas c) e a) do CPP. Ademais, a referência aos conteúdos de meios de prova, como documentos e depoimentos, para sustentar os invocados vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, revela-se totalmente despropositada e incongruente, quando é sabido que tais vícios deverão resultar exclusivamente da própria decisão sem recurso à análise da prova. Nesta conformidade, apreciando concretamente a argumentação da recorrente para sustentar a arguição dos vícios da sentença, como bem faz notar o Ministério Público na sua resposta ao recurso, impõe-se reiterar que, em obediência ao disposto no artigo 75.º, n.º 1 do RGCO, a este Tribunal, funcionando como instância de recurso da decisão da primeira instância sobre a impugnação judicial de decisão administrativa, não cabe conhecer da matéria de facto, conhecendo apenas da matéria de direito. Assim, os argumentos apresentados pela recorrente, que se traduzem numa clara impugnação da matéria de facto e que deixam implícita a pretensão de que se proceda à reapreciação da prova produzida, não poderão ser valorados por absoluta impossibilidade legal. Não se verificam, pois, os apontados vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se reporta o artigo 410.º, nº 2, alíneas c) e a) do CPP.

* B) Do erro em matéria de direito

a) Quanto à não identificação das pessoas cuja atuação configurou uma infração imputável à pessoa coletiva, aqui recorrente, para efeitos de responsabilização desta.

No que diz respeito à responsabilização da recorrente, enquanto pessoa coletiva, nenhum mérito reconhecemos à argumentação apresentada no recurso. Com efeito, ao contrário do que aí se propugna, tal responsabilização não exige a individualização na sentença da ou das pessoas singulares cujas atuações configuraram as infrações imputáveis à pessoa coletiva, acompanhando-se, ao invés, a tal propósito, a posição sustentada na decisão recorrida. Vejamos.

A responsabilidade das pessoas coletivas pela prática de contraordenações encontra suporte legal expresso no artigo 7º do RGCO, que dispõe:

“Artigo 7.º

(Da responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparada)

1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.

2 - As pessoas coletivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.”

Assentando na previsão legal desta norma, a imputação da prática de um ilícito contraordenacional a uma pessoa coletiva não pressupõe, a nosso ver, e ao contrário do que defende a recorrente, que se indague qual ou quais as pessoas singulares que, em concreto, levaram a cabo as condutas geradoras de responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva. Diferentemente do que sucede no direito penal (3), a referida imputação contraordenacional demandará apenas que se apurem condutas, por ação ou por omissão, que possam ser atribuídos à pessoa coletiva. E a atribuição de tais condutas à pessoa coletiva resulta da circunstância de se haver concluído que as mesmas são da sua responsabilidade e, portanto, que foram praticadas pelos seus órgãos – leia-se, por todos os seus colaboradores – no exercício das respetivas funções, no interesse da primeira e independentemente da individualização das pessoas concretas que integram tais órgãos e que desenvolveram as condutas em causa. Nada mais se exige no artigo 7º do RGCO acima transcrito. Tudo isto na medida em que a pessoa coletiva é legalmente tratada como um centro autónomo de imputação de ilícitos contraordenacionais.

De facto, quanto ao modelo de imputação consagrado na referida norma legal, perfilhamos o entendimento, que cremos ser maioritário, segundo o qual aí se prevê uma imputação direta, autónoma e funcional da infração à pessoa coletiva, pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável àquela. E, assim sendo, as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações, não têm que ser indicadas na decisão condenatória proferida na fase administrativa do processo – entendimento que mereceu já a chancela do Tribunal Constitucional no que diz respeito à sua conformidade com a CRP (4) – nem, consequentemente, na decisão judicial que a confirma.

Foi o que sucedeu na situação vertente, sendo certo que sempre poderia a recorrente ter feito prova dos fundamentos que teriam permitido excluir a sua responsabilidade, provando que cumprira todos os deveres a que estava obrigada e que, ainda assim, não lograra impedir a prática da infração por parte dos seus trabalhadores ou que os mesmos haviam atuado contra as suas ordens ou instruções, ou ainda que haviam atuado no seu próprio interesse, o que manifestamente não fez. (5)

Questão diferente tem que ver com a representação das pessoas coletivas nos processos que lhe são movidos. Aí sim, as mesmas são representadas por quem legal ou estatutariamente as deva representar, concretizando-se a notificação da arguida através da notificação do seu representante legal. Da mesma forma que a audição da pessoa coletiva como arguida de responsabilidade contraordenacional se considera sempre cumprida desde que ao seu representante legal seja dada a possibilidade de se pronunciar sobre a imputação concreta que lhe é feita, por qualquer forma segura de comunicação.

Improcede assim o recurso também quanto a este fundamento.

*

b) Quanto à subsunção dos factos provados às contraordenações pelas quais a recorrente foi condenada. Quanto ao mais argumentado pela recorrente no que tange à subsunção da matéria de facto às contraordenações pelas quais foi condenada, sempre diremos que não lhe assiste igualmente razão, pois que o acervo factual cristalizado no elenco dos factos provados preenche os elementos objetivos e subjetivos de tais ilícitos, conforme, aliás, claramente se expôs na sentença recorrida, nos termos que passamos a transcrever: “(…)ii. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO Nos presentes autos, a arguida AA., ora Recorrente, vem acusada pela prática das seguintes contraordenações: uma contra-ordenação muito grave prevista no n.º 2 do artigo 31.º da Lei nº 34/13 de 16/05 e al. p) do n.º 1 e al. c) n.º 4 ambos do art. 59.º da Lei nº 34/13 de 16/05 (de ora em diante R.E.A.S.P.) (proc. c.o. n.º 354/2022); uma contra-ordenação muito grave prevista no artigo 21.º n.º 1 e al. l) do n.º 1 e al. c) n.º 4 do art. 59.º, todos do REASP (proc. n.º 687/2023) ; e uma contra-ordenação leve prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 37.º e al. d) do n.º 3 do art. 59.º, todos do R.E.A.S.P (proc. n.º 687/2023). Contudo, e antes de se apreciar os ilícitos imputados à Recorrente, importará determinar se pode ser assacada à pessoa colectiva responsabilidade contraordenacional nos termos em que o foi. (…) B. QUANTO À CONTRAORDENAÇÃO RESPEITANTE AO PROCESSO C.O. N.º 354/… Dispõe o art. 31.º n.º 2 do R.E.A.S.P. que “As gravações de imagem obtidas pelos sistemas videovigilância são conservadas, em registo codificado, pelo prazo de 30 dias contados desde a respetiva captação, findo o qual são destruídas, no prazo máximo de 48 horas”. De acordo com o disposto no art. 59.º do citado diploma legal, constitui contraordenação muito grave “1 - De acordo com o disposto na presente lei, constituem contraordenações muito graves: ... i) O incumprimento dos deveres previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 31.º e no artigo 35.º; (...) 4 - Quando cometidas por pessoas coletivas, as contraordenações previstas nos números anteriores são punidas com as seguintes coimas: (...) c) De 15.000 (euro) a 44.500 (euro), no caso das contraordenações muito graves (…) 9 - Nos casos de cumplicidade e de tentativa, bem como nas demais situações em que houver lugar à atenuação especial da sanção, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.”. In casu, não obstante a Recorrente reconheça que, efectivamente, as imagens de videovigilância recolhidas foram armazenadas para lá dos 30 dias legalmente concedidos, a verdade é que a mesma refuta a sua responsabilidade, invocando que seria responsável por tal feito e erro informático a empresa que presta serviços de manutenção preventiva dos sistemas de videovigilância, concluindo que não agiu negligentemente. Consagra ainda o art. 100.º n.º 1 al.s a) e b) da Portaria nº 273/2013 que “1 - As farmácias e os postos de abastecimento de combustível devem adotar os seguintes sistemas de segurança obrigatórios: a) Sistema de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens; b) Sistemas de deteção de intrusão. 2 - Os sistemas de segurança referidos no n.º 1 devem ser obrigatoriamente instalados em novos estabelecimentos a partir da data prevista no n.º 7 do artigo 68.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, e, nos já existentes, a sua implementação deve ocorrer no prazo máximo de cinco anos. 3 - É aplicável aos locais de acesso ao público a obrigatoriedade de afixação da informação prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio. 4 - A obrigatoriedade do sistema de videovigilância não prejudica a aplicação do regime geral em matéria de proteção de dados previsto na Lei n.º 67/98, de 26 de outubro.”. Analisando o caso concreto e da prova realizada em audiência decorre que efectivamente a Recorrente, aquando da fiscalização e mesmo posteriormente, laborava enquanto posto de combustível, e havendo implementado sistema de videovigilância, o mesmo estava a realizar e a manter gravações além dos 30 dias

legalmente definidos, mais precisamente por aproximadamente 160 dias (factos constantes dos pontos 1) a 3) dos factos provados). Apurando-se que a recorrente e os seus responsáveis estavam cientes para a necessidade de implementação de tais sistemas em conformidade com a legislação vigente e aplicável, bem como para a necessária manutenção, o que apenas não fizeram por descuido, actuaram negligentemente, podendo e devendo ter diligenciado pela verificação e manutenção do sistema e pela sua eventual e oportuna reparação (factos constantes dos pontos 4) a 6) dos factos provados). Assim, impunha-se outra actuação, pelo que deveria a recorrente e através dos seus responsáveis ter equacionado a possibilidade de cometer uma infracção, ainda que sem se conformar com a mesma (art. 15.º al. a) do C. Penal, aplicável ex vi do art. 8.º n.ºs 1 e 3 e 32.º do RGCOC). Pelo exposto, considera o tribunal que a factualidade em causa é subsumível nos art.s 31.º n.º 2, sendo sancionada nos termos do art. 59.º n.ºs 1 al. i), n.º 4 al. c), e n.ºs 8 e 9 do R.E.A.S.P.. Exercendo Recorrente actividade profissional e comercial, mediante a exploração de posto de combustível, tendo conhecimento da legislação aplicável e tendo capacidade para actuar de outra forma, consideramos que inexiste qualquer situação de erro a apreciar como previsto pelo art. 8.º n. º 2 do RGCOC e art.s 16.º e 17.º do C. Penal. Desta forma, inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, verificando-se todas as condições de punibilidade. Consideramos assim estar perante uma conduta negligente, como lhe vem imputado pelos arts. 7.º, 8.º n.ºs 1 e 3 do R.G.C.O.C. e art. 15.º al. a) do Código do Penal, para onde remete o art. 32.º do R.G.C.O.C., sendo a negligência punível de acordo com os nºs 8 e 9 do art. 59.º do R.E.A.S.P.. Quanto à argumentação de que a Recorrente lançou mão do sentido de não ser responsável pela manutenção de tais sistemas de videovigilância por ter entregue tal incumbência a empresa externa, de nome BB, importa referir que a alegada contratação de uma entidade vocacionada para assegurar tais procedimentos relativos à videovigilância, mesmo a ter existido com os deveres contratuais alegados pela Recorrente, não releva para a decisão da causa em apreço. De facto, tal situação reportar-se-á a um eventual incumprimento contratual de um terceiro relativamente à Recorrente, a discutir em sede de eventual responsabilidade civil (que esta lhe poderá assacar por eventuais prejuízos causados, nomeadamente, correspondentes ao valor das coimas sofridas). Mas, tal não consubstancia causa de exclusão da responsabilidade contraordenacional desta. De facto, à semelhança do que sucedera aquando da sua instalação em que, seguramente, a arguida incumbira outrem para o efeito, também, aquando do funcionamento e/ou da manutenção desse sistema de videovigilância, é legítimo que a arguida tenha incumbido e/ou venha a incumbir outrem para o efeito. Contudo, não cabe no âmbito deste processo aferir quem concretamente e de que modo era feito, ou não era feito, tal controlo do período temporal de conservação das imagens obtidas/captadas nesse sistema de videovigilância. Por conseguinte, não relevando esta matéria para efeitos daquela responsabilidade contraordenacional da Recorrente, carece de fundamento a invocada omissão da sua menção na decisão (no mesmo sentido, ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.05.2023, relatora Paula Penha, proc. n.º 5386/22.3T8LRS.L1-9, disponível em www.dgsi.pt). Em face do exposto, deve a arguida ser condenada pela prática da contraordenação aqui em análise prevista no n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 34/13 de 16/05 e al. p) do n.º 1 e al. c) n.º 4 ambos do art. 59.º da Lei nº 34/13 de 16/05 do R.E.A.S.P..

C. QUANTO ÀS CONTRAORDENAÇÕES RESPEITANTES AO PROCESSO C.O. N.º 687/… À Recorrente foi ainda imputada a prática de duas contraordenações, uma prevista no artigo 21.º n.º 1 e outra na alínea h) do n.º 1 do artigo 37.º, ambos do R.E.A.S.P..

C.1. - DO NÃO CUMPRIMENTO DO ESTIPULADO NO ART. 21.º N.º 1 DO R.E.A.S.P. Dispõe o art. 21.º n.º 1 do R.E.A.S.P. que “Os contratos de trabalho do pessoal de vigilância, do coordenador de segurança e do diretor de segurança revestem a forma escrita, devendo expressamente mencionar a especificidade de cada função”. O não cumprimento de tal normativo consubstancia a prática de uma contraordenação muito grave, nos termos da al. i) do n.º 1 do art. 59.º do R.E.A.S.P., sendo punível com coima no montante variável de 15.000,00 a 44.5000,00 euros, quando cometida por pessoas colectivas, de acordo com a alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo 59.º do R.E.A.S.P.. In casu, a Recorrente reconhece, e aliás sempre reconheceu que relativamente à trabalhadora CC se verificou, aquando da acção de fiscalização, falta de menção no contrato de trabalho celebrado com a mesma, da especificidade da função de segurança privada ou vigilante (factos constantes dos pontos 9), 10) e 12) dos factos provados). Por outro lado, dúvidas também não existem de que a Recorrente actuou negligentemente. Apurando-se que a Recorrente e os seus responsáveis estavam cientes da necessidade de menção especifica das funções de segurança privada ou vigilante em conformidade com a legislação vigente e aplicável, o que apenas não fizeram por descuido, actuaram negligentemente, podendo e devendo ter diligenciado pela verificação da tal expressa menção no contrato de trabalho celebrado com tal trabalhadora (factos constantes do ponto 13) dos factos provados). Assim, impunha-se outra actuação, pelo que deveria a Recorrente e através dos seus responsáveis ter equacionado a possibilidade de cometer uma infracção, ainda que sem se conformar com a mesma (art. 15.º al. a) do C. Penal, aplicável ex vi do art. 8.º n.ºs 1 e 3 e 32.º do RGCOC). Em face do exposto, deve a arguida ser condenada pela prática da contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 21.º da Lei nº 34/13 de 16/05 e al. I) do n.º 1 e al. c) n.º 4 ambos do art. 59.º da Lei nº 34/13 de 16/05 do R.E.A.S.P..

A.2. - Do não cumprimento do estipulado no art. 37.º n.º 1 al. h) do R.E.A.S.P.

Estabelece o artigo 37.º, n.º 1, al h), que “1 - Constituem deveres especiais das entidades titulares de alvará ou de licença: (…) h) Organizar e manter atualizados ficheiros individuais do pessoal de segurança privada ao seu serviço, incluindo a cópia do cartão profissional e do certificado do registo criminal, atualizado anualmente, bem como a data de admissão ao serviço (…)”. Constatando-se a inexistência de ficheiros actualizados, tal omissão consubstanciasse na prática de uma contraordenação leve, nos termos da alínea d) do n.º 3 do art. 59.º, punível com coima no montante variável de 1.500,00 euros a 7.500,00 euros, quando cometida por pessoas colectivas, de acordo com a alínea a) do n.º 4 do mesmo art. 59.º do R.E.A.S.P. A entidade administrativa considerou que a Recorrente incorreu na prática de tal contraordenação, por não ter actualizados os ficheiros individuais dos vigilantes EE, FF e KK. A Recorrente impugnou tal decisão, pois, considera que os registos dos ficheiros individuais dos vigilantes EE e KK estavam actualizados. Por um lado, invocou que o C.R.C. de EE estava actualizado, pois teria sido emitido em 06.05.2022, e estava, aquando fiscalização na loja onde aquele desempenhava as suas funções, e não na sede da Recorrente, reconhecendo que na sede da empresa apenas estaria o C.R.C. de tal trabalhador emitido em 14.12.2020. Por outro lado, invocou relativamente à alegada desactualização do C.R.C. de KK, que não obstante o mesmo fizesse menção a “função pública” quanto à actividade por si exercida e fim a que se destinava a sua emissão, a verdade é que em tal documento também constava a menção a “vigilante” e “AA”, pelo que não C.R.C. não estava em desconformidade com os normativos em vigor. Cumpre decidir. * Quanto à questão da verificação da actualização dos C.R.C., o tribunal tem em mãos duas situações distintas, atentos os factos dados como provados: - a da trabalhadora FF, sobre a qual a Recorrente afirmou que entende que o mesmo se encontrava actualizado, atenta a data de emissão do mesmo ser de 21.10.2021, no ano civil anterior, pelo que, da interpretação que faz do preceituado na al. h) do n.º 1 do art. 37.º do R.E.A.S.P., sempre tal C.R.C. estaria actualizado até 31.12.2022. - a do trabalhador EE, relativamente ao qual a arguida aquando da fiscalização, apenas entregou às autoridades C.R.C. deste com data de 2020/12/14. Para se determinar se tais certificados estariam ou não desactualizados, deve o tribunal efectuar a interpretação do segmento textual constante no normativo, onde se refere que a entidade patronal tem de ter consigo “(…)certificado de registo criminal atualizado anualmente(…)”. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). Assim, o elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. “(…) Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis) (…)”.

No caso concreto, vamos começar pela interpretação literal, pois é o primeiro estádio da interpretação. Efectivamente o texto da lei forma o substrato de que se deve partir e em que deve repousar. O termo “anualmente” significa “de ano a ano” e “todos os anos uma vez“ (in Dicionário de Língua portuguesa disponível em https://dicionario.priberam.org/anualmente). Ora esta interpretação meramente literal pode ter dois sentidos, pois “de ano a ano”, significa de “365 dias a 365 dias”, e “todos os anos uma vez” significa que independentemente do decurso dos 365 o que releva é que em cada ano civil seja apresentado um C.R.C.. Importa, agora, olhar para o elemento racional ou teleológico, que constitui a ratio legis, ou seja, razão de ser, o fim ou objectivo prático que a lei se propõe atingir (cfr. Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de Manuel Andrade, págs. 140 e ss. e Angel Latorre, Introdução ao do Direito, págs. 104 e ss). A Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio veio estabelecer o regime do exercício da atividade de segurança privada e da organização de serviços de autoproteção, estabelecendo medidas de segurança a adotar por entidades, públicas ou privadas, com vista à proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes (art. 1.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio). Quanto à competência para determinadas pessoas exercerem tal actividade, estabeleceu o legislador critérios exigentes, melhor vertidos no art. 22.º n.º 1 da referida Lei, sendo de relevar a exigência vertida na al. d), segundo o qual “Não ter sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime doloso contra a vida, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada, contra o património, contra a vida em sociedade, designadamente o crime de falsificação, contra a segurança das telecomunicações, contra a ordem e tranquilidade públicas, contra a autoridade pública, designadamente os crimes de resistência e de desobediência à autoridade pública, por crime de detenção de arma proibida, ou por qualquer outro crime doloso punível como pena de prisão superior a 3 anos, sem prejuízo da reabilitação judicia”.

Para garantir que as entidades que exercem tais actividade não têm trabalhadores a seu cargo com condenações pelos crimes melhor vertidos na alínea d) do n.º 1 do art. 22.º do R.E.A.S.P., entendeu o legislador incumbir essas mesmas entidades de se fazerem munir de C.R.C. de cada trabalhador, actualizados anualmente, pois como tais certificados têm apenas a validade de três meses, entendeu o legislador designar expressamente que tais entidade garantissem que nas suas empresas não estariam a desempenhar funções de suma relevância para a protecção da colectividade que tivessem sido condenadas pelos crimes determinados na al. d) do n.º 1 do art. 22.º do R.E.A.S.P.. Ora, atento o fim da actividade de segurança privada, protecção de pessoas e bens, e os requisitos legais tão exigentes estabelecidos no art. 22.º n.º 1 do R.E.A.S.P. para o desempenho de tais funções, entende o tribunal não ter querido o legislador com o emprego da expressão “actualizado anualmente” querido que tais entidades pudessem deter trabalhadores por período superior a 365 dias sem garantir que os mesmos não teriam sofrido qualquer condenação criminal nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 22.º do R.E.A.S.P.. Assim, e harmonizando o elemento literal da norma, com o elemento teleológico, entende o tribunal que andou bem a entidade administrativa quanto considerou que a expressão ínsita na al. h) do n.º 1 do art. 37.º do R.E.A.S.P. “(…) actualizado anualmente (…)”,deverá ser entendida como uma actualização em cada ano civil, mas sempre sem que sobre a emissão do C.R.C. anterior decorram mais de 365 dias, pois caso contrário poderiam ocorrer situações em que decorreriam quase dois anos entre a entrega de dois certificados. De facto, a ratio legis da norma não se compadece com uma interpretação diferente desta. A criação de tal obrigatoriedade de emissão de C.R.C. sem que sobre a data de emissão tenham decorrido mais de 365 prende-se com o facto de estarmos perante uma lei que visa essencialmente que pessoas que sejam punidas pela prática de crimes não possam exercer as funções de vigilantes, profissão esta que foi criada pelo legislador com vista à criação de categoria profissional cujo fim principal é a proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes. Mostra-se, de todo, irrazoável, atentos os bens jurídicos que com a norma se visam proteger, que o legislador tivesse querido permitir que uma pessoa exercesse tal profissão sem estar a entidade patronal devidamente informada, por períodos superior a 365 dias, se sobre tal pessoa estaria em condições de poder exercer tal actividade por força de não ter sofrido qualquer condenação transitada em julgado pela prática de crimes de suma gravidade. Pelo exposto, e tendo-se dado como provado que, aquando da acção de fiscalização os C.R.C. dos trabalhadores FF e EE, exibidos às autoridades fiscalizadoras, teriam sido emitidos em 2021/10/21 e 2020/12/14 (pontos 9), 10), 11.1) e 11.3) dos factos provados), correspectivamente, só tendo, a posteriori, aquando do exercício do direito de defesa, sido entregues no âmbito do processo contraordenacional os certificados emitidos em 2022/05/06 e 2022/12/26 correspectivamente pontos 15), 15.1) e 15.2) dos factos provados), entende o tribunal que tais factos consubstanciam a prática da infração prevista no normativo al. h) do n.º 1 do art. 37.º do R.E.A.S.P, atento o lapso temporal, pois atenta a data de emissão dos mesmos, já teriam decorrido mais de 365 dias.

Por outro lado, dúvidas também não existem de que a Recorrente actuou negligentemente. Apurando-se que a Recorrente e os seus responsáveis estavam cientes da necessidade de manterem os C.R.C. dos seus trabalhadores actualizados anualmente, verifica-se que quanto a estes dois trabalhadores a Recorrente apenas não estava munida da respectiva documentação por descuido, actuando negligentemente, podendo e devendo ter diligenciado pela obtenção junto dos seus trabalhadores de tais documentos (factos constantes dos pontos 14) dos factos provados). Assim, impunha-se outra actuação, pelo que deveria a Recorrente através dos seus responsáveis ter equacionado a possibilidade de cometer uma infracção, ainda que sem se conformar com a mesma (art. 15.º al. a) do C. Penal, aplicável ex vi do art. 8.º n.ºs 1 e 3 e 32.º do R.G.C.O.C.). * Já relativamente ao facto do C.R.C. do trabalhador KK não conter expressa menção das funções que se destina a emissão do certificado ao exercício da segurança privada, ficando apenas a constar no C.R.C. as menções “função pública (…) vigilante (…) AA”, importa dar razão aos argumentos invocados pela Recorrente. De facto, o art. 22.º, n.ºs 1e 9 da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, estabelecia, antes da entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei n.º 46/2019 de 08/07, que “1 - Os administradores, gerentes e todos os funcionários com funções de direção, supervisão e chefia de sociedades que exerçam a atividade de segurança privada devem preencher, permanente e cumulativamente, os seguintes requisitos: (…) 9. O cumprimento do requisito mínimo referido na alínea d) do n.º 1 é aferido mediante a apresentação de certificado de registo criminal para fins especiais”. Na redação da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio que lhe foi dada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, aquele n.º 9 do art. 22.º deixou de existir, pelo que, desde a entrada em vigor desta lei inexiste obrigatoriedade de apresentação de certificado de registo criminal para fins especiais. Acresce ainda que, mesmo que assim não se entendesse, deu o tribunal como não provado que a Recorrente tenha agido com falta de zelo devido e a que estava obrigada, pois tal certificado faz menção a vigilante (facto constante do ponto e) dos factos não provados), entendendo o tribunal que tal é suficiente para se considerar o mesmo em conformidade com a redação anterior da lei, e anteriormente em vigor. Contudo, e porque entende o tribunal que quanto aos trabalhadores FF e EE os registos dos mesmos não estavam actualizados, mantem-se a condenação da Recorrente pela prática de uma contraordenação, prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 37.º do R.E.A.S.P. Neste sentido, ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-04-2007, proc. n.º 8641/2006-3, relator Ricardo Silva, que dispõe, entre o mais, que “(…) se a cada situação concreta corresponde uma única decisão infractora, dever-lhe-á corresponder uma única infracção, no caso, uma única contra-ordenação, independentemente do número de indivíduos naquela situação irregular, já que o bem jurídico tutelado – o poder/dever do Estado de licenciar os membros que exercem segurança privada – não se refere a bens de natureza pessoal (…)”.

Face à ampla exposição teórica e subsuntiva constante do excerto transcrito, cujo conteúdo, pelo seu acerto, nenhum reparo nos merece, nada mais se nos oferece acrescentar. Constatamos, aliás, que todas as questões de natureza jurídica colocadas pela recorrente encontram resposta antecipada e tratamento cabal e adequado na sentença recorrida, reiterando-se que sufragamos as posições aí assumidas quanto a todas as temáticas invocadas no recurso. Assim sucede relativamente: - À argumentação relativa à desresponsabilização da recorrente no que diz respeito à manutenção dos sistemas de videovigilância em virtude de, alegadamente, ter entregue tal incumbência a uma empresa externa. Conforme se refere na sentença, ainda que tal contratação de uma entidade vocacionada para assegurar os procedimentos relativos à videovigilância tivesse existido, a mesma não relevaria para a decisão, conquanto não excluiria a responsabilidade contraordenacional da recorrente. No limite, o desrespeito dos procedimentos legais por parte da empresa contratada poderia apenas ser gerador de responsabilidade civil entre as partes contratantes, nenhuma relevância assumindo, porém, no âmbito dos presentes autos. - Ao argumento relativo à periodicidade da atualização dos registos dos trabalhadores, sufragando-se em toda a linha o entendimento segundo o qual, harmonizando o elemento literal da norma com seu o elemento teleológico, a expressão constante da alínea h) do n.º 1 do artigo 37.º do R.E.A.S.P. “atualizado anualmente”, não poderá deixar de ser entendida como querendo significar uma atualização em cada ano civil, mas salvaguardando sempre a circunstância de não decorrerem mais de 365 dias sobre a emissão do certificado anterior.

- À falta de menção no contrato de trabalho da especificidade da função de segurança privada ou vigilante, pois que a recorrente não provou a exclusão a sua responsabilidade, designadamente por incumprimento das suas ordens expressas.

*c) Quanto à escolha e dosimetria das sanções aplicadas.

Solicita a recorrente que, pela prática das três contraordenações que lhe vêm imputadas, após a realização do cúmulo jurídico imposto pelo concurso de infrações, se lhe aplique apenas uma sanção de admoestação. Ora, sabendo-se que no referido concurso, para além de uma contraordenação leve, se incluem duas contraordenações muito graves, a análise de tal pretensão recursória demanda que se convoque a questão da aplicabilidade da sanção de admoestação às contraordenações muito graves.

Vejamos.

No direito contraordenacional, a admoestação encontra-se prevista no artigo 51º do RGCO que dispõe nos seguintes termos:

“Artigo 51.º

Admoestação

1 - Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contraordenação.”

*

Da análise do preceito transcrito, resulta que os pressupostos cumulativos estabelecidos para a aplicação de tal sanção são os seguintes:

- A contraordenação ter gravidade reduzida;

- A culpa do agente ser reduzida;

- A adequação e suficiência da sanção de admoestação para a realização das finalidades punitivas associadas ao ilícito contraordenacional em causa.

A questão que constitui o cerne da nossa análise restringe-se à dilucidação do que pretende significar-se com a previsão na norma transcrita do primeiro pressuposto enunciado, ou seja, com a previsão da reduzida gravidade da infração. Deverá a gravidade reduzida da infração aferir-se fazendo apelo à classificação legal das contraordenações, que as distingue entre leves, graves e muito graves, entendendo-se que apenas as contraordenações leves têm gravidade reduzida, pelo que apenas pela prática das mesmas poderá ser aplicada a sanção de admoestação? Ou, de outra sorte, a gravidade da contraordenação deverá aferir-se em concreto, atendendo à ilicitude mais ou menos intensa associada aos factos praticados pelo agente, independentemente de a contraordenação pelo mesmo praticada ser legalmente qualificada como leve, como grave ou como muito grave, conforme implicitamente propugna a recorrente?

A respeito da matéria em análise, perfilam-se na doutrina e na jurisprudência nacionais duas posições distintas, correspondendo cada uma delas à resposta positiva a cada uma das questões acima enunciadas, sendo certo, porém, que a primeira, ou seja, a que limita a possibilidade de aplicação da admoestação às contraordenações legalmente qualificadas como leves, corresponde à posição maioritariamente defendida.

Assim, argumentando em defesa da aplicação da admoestação a todas as contraordenações independentemente da sua qualificação legal como leves, graves ou muito graves, defende alguma jurisprudência que a ponderação relativa à sua aplicabilidade deve ser feita caso a caso, avaliando-se em cada situação quer o grau de ilicitude concreto, quer a culpa do arguido. Segundo esta posição, para que as contraordenações graves e muito graves se considerassem excluídas do âmbito de aplicação da sanção de admoestação, a letra da lei deveria ser mais específica, prevendo-o expressamente, sendo certo que o juízo de ilicitude que a classificação das contraordenações como leves, graves ou muito graves encerra é abstrato, reportando-se à importância dos bens jurídicos tutelados, pelo que, fazer depender a aplicabilidade da admoestação de tal juízo abstrato, deixaria por analisar as circunstâncias concretas do caso, preterindo a avaliação casuística do comportamento do agente e da gravidade dos factos. (6)

No sentido da restrição da aplicação da admoestação à contraordenações leves posiciona-se a esmagadora maioria da jurisprudência portuguesa, argumentando que, nos casos em que o legislador procede a uma classificação das contraordenações em função da sua gravidade, devem considerar-se como de reduzida gravidade as que são classificadas como leves, só a estas sendo aplicável a admoestação em substituição da coima. (7)

E cremos que argumentam tais arestos com razão. É esta, a nosso ver, a linha argumentativa que se nos afigura mais sustentada e a que melhor se coaduna com a sistematização do direito contraordenacional, que, como sabemos, optou por classificar as contraordenações abstratamente previstas, como leves, graves e muito graves, fazendo-o de acordo com a maior ou menor gravidade das mesmas, o que reflete, necessariamente, o grau de ilicitude das infrações. (8)

No que diz respeito à natureza dogmática da sanção de admoestação no domínio contraordenacional, prevalece, no seio do debate jurisprudencial, o entendimento de que a mesma assume natureza sancionatória. Porém, como refere Pinto de Albuquerque, “(…) trata-se de uma medida para os casos de pouca relevância do ilícito contraordenacional e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples (concordam Simas Santos e Lopes de Sousa, 2011, 394, anotação 2ª ao artigo 51º e Sérgio Passos, 2009, 370, anotação 2ª ao artigo 51º). Portanto, quer a gravidade do ilícito quer o grau de culpa devem ser reduzidos”. (9)

A “gravidade da infração” a que alude o artigo 51º do RGCO, afere-se pela respetiva ilicitude, sendo que nas contraordenações a graduação da ilicitude se encontra feita pelo legislador, em três graus distintos. Trata-se de uma classificação ope legis da gravidade dos ilícitos contraordenacionais, que os distingue entre contraordenações leves, graves e muito graves. Ora, constituindo a admoestação a menos grave das sanções previstas no nosso ordenamento jurídico, quer penal, quer contraordenacional, parece-nos evidente que a possibilidade da sua aplicação estará reservada às contraordenações leves.

Na verdade, a gravidade da contraordenação dependerá do bem jurídico tutelado, do benefício do agente ou do prejuízo causado, pressupondo-se, porém, que todos esses fatores foram sopesados na classificação que o legislador entendeu fazer dos ilícitos contraordenacionais. O artigo 51.° do RGCO prevê, assim, a aplicabilidade da sanção de admoestação aos ilícitos contraordenacionais, que consubstanciem “casos de pouca relevância do Direito contraordenacional e da culpa do agente, isto é, para contraordenações qualificadas como leves ou simples, designadamente naquelas em que há atuação negligente e naquelas em que circunstâncias externas tenham constituído um incentivo para a prática dos factos” (10)

Registamos, finalmente que, a nosso ver, não impressiona o argumento segundo o qual fazer depender a aplicabilidade da admoestação do juízo abstrato que a classificação legal das contraordenações encerra implicaria preterir a avaliação casuística do comportamento do agente e da gravidade dos factos, conquanto, como sabemos, tal avaliação das circunstâncias particulares de cada caso deverá sempre ser feita na determinação da medida concreta da sanção aplicável. O que não podemos é confundir os planos: o da previsão legal das sanções aplicáveis e o da determinação da sua medida concreta. O primeiro, naturalmente abstrato, compete ao legislador e o segundo, necessariamente concreto, compete ao julgador.

O legislador qualificou desde logo duas das infrações em causa no presente recurso como muito graves. Podem existir outras infrações muito graves, com uma maior ilicitude, é certo. Mas para essa diferença de situações, existe a possibilidade de graduação da coima, dentro da sua moldura abstrata.

Quer a consagração da possibilidade de aplicação da admoestação às contraordenações de reduzida gravidade, nos termos previstos no artigo 51º do RGCO, quer a classificação legal das contraordenações como leves, graves e muito graves, constituem opções de política legislativa, sistematicamente interligadas, que se situam a montante da avaliação casuística que o julgador deverá realizar para determinação da concreta sanção a aplicar, escolhendo de entre as que se encontram previstas para a contraordenação em causa e visando encontrar a sua medida adequada.

Tal como já preconizava Figueiredo Dias em relação ao direito criminal (11), a admoestação é a sanção mais leve que o nosso ordenamento jurídico criminal e contraordenacional comporta, encontrando o seu campo de aplicação apenas nas denominadas bagatelas penais ou contraordenacionais, nas quais a ilicitude e a culpa são reduzidas, subsistindo, pois, no caso dos ilícitos contraordenacionais, apenas como sanção de substituição de coimas aplicadas pela prática de contraordenações de muito pequena gravidade, ou seja, de contraordenações leves.

Volvendo ao caso dos autos, mostrando-se incontroverso que duas das contraordenações pelas quais a arguida recorrente foi condenada são legalmente qualificadas como muito graves, encontra-se inviabilizada a aplicação da sanção de admoestação, pelo que a decisão recorrida, ao não aplicar tal sanção à recorrente, respeitou a opção legislativa que tem em conta a gravidade das contraordenações, mostrando-se o recurso improcedente também quanto a esta pretensão.

*

No que diz respeito às medidas das coimas parcelares e da coima única, não merece igualmente a sentença qualquer reparo.

Recordemos o que a tal respeito se escreveu na sentença sob recurso:

“(…) Nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na sua actual redação, a medida da coima é calculada em função:

a) da gravidade da contraordenação:

i) Grau de violação ou perigo de violação dos bens jurídicos e interesses ofendidos;

ii) Número de bens jurídicos e interesses ofendidos e suas consequências;

iii) Eficácia dos meios utilizados.

b) da culpa do agente:

i) Grau de violação dos deveres impostos ao agente;

ii) Grau de intensidade da vontade de praticar a ação;

iii) Sentimentos manifestados no cometimento da contraordenação;

iv) Fins ou motivos determinantes;

v) Conduta anterior ou posterior;

vi) Personalidade do agente.

c) da situação económica do agente (que se prende com a influência da sanção sobre este):

i) Situação Económica;

ii) Condições pessoais.

d) do benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação. (cfr. neste ponto, acompanhamos de perto SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, in Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, págs. 184 e seguintes).

Tendo presente o modelo adotado, importa agora identificar e ponderar os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da sanção a aplicar no caso “sub iudice”, mormente os referidos no aludido n.º 1, do artigo 18.º, do R.G.C.O..

Assim, neste caso, e como factores de graduação da coima importa considerar:

Em desfavor da arguida:

- quanto à gravidade das infrações dir-se-á que estamos, por um lado, perante duas infrações muito graves, o que resulta da importância do bem jurídico protegido (in casu, as normas postergadas visam garantir o poder/dever do Estado de licenciar os membros que exercem segurança privada, e apenas permitir que pratique tal actividade pessoas que não cometam delitos criminais), e perante uma leve.

- quanto à culpa da arguida, deverá considerar-se o facto de a arguida ter agido com negligência consciente, pelo que a sua conduta é censurável, ainda que de forma leve ou mitigada.

- as necessidades de prevenção especial mostram-se medianas, na medida em que não obstante a arguida não registe quaisquer antecedentes criminais averbados no seu C.R.C., a verdade é que regista 2 (duas) condenações pela prática de duas contraordenações.

- relativamente às condições económicas desta, releva o facto de a arguida ter apurado lucro tributável ascendente a 45.773.190,64 € no período de tributação que vai de 01.01.2020 a 31.12.2020, e de 44.976.903,41€, no período de tributação que vai de 01.01.2022 a 31.12.2022.

A favor da arguida:

- por último, não se apurou qualquer benefício económico que a arguida tivesse retirado das infrações cometidas.

- a conduta da arguida posterior aos factos é de relevar, na medida em que relativamente à captação das imagens de videovigilância procedeu logo à reconfiguração do equipamento, relativamente ao contrato de trabalho, procedeu junção aos autos de contraordenação de aditamento ao mesmo, e relativamente aos C.R.C. actualizados, procedeu à junção aos autos dos mesmos, já actualizados.

Atento às molduras previstas para as pessoas colectivas para cada contraordenação, e as efectivas coimas em que Recorrente foi condenada, a saber: Violação do disposto no art. 31.º n.º 2 do R.E.A.S.P: coima de 15.000,00 (euros) a 44.500,00 (euros) coima parcelar aplicada pela entidade administrativa: 7.500,00 euros; Violação do disposto no art. 21.º n.º 1 do R.E.A.S.P. coima de 15.000,00 (euros) a 44.500,00 (euros) coima parcelar aplicada pela entidade administrativa: 7.500,00 euros Violação do disposto no art. 37.º n.º 1, al. h) do R.E.A.S.P.: coima de 1.500,00 euros a 7.500,00 euros; coima parcelar aplicada pela entidade administrativa: 750,00 euros.

e considerando os elementos constantes nos autos, afigura-se-nos que a decisão administrativa não merece qualquer reparo.

Quanto à aplicação da atenuação especial das três coimas, cumpre expor o que se segue.

O artigo 18.º, n.º 3. do RGCO preceitua que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.

Quanto à atenuação especial da pena, dispõe-se no artigo 72.º do Código Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1) – enumerando depois o n.º 2 diversas dessas circunstâncias.

Para Figueiredo Dias, a atenuação especial da pena tem subjacente a necessidade de uma «válvula de segurança» do sistema para responder a situações especiais em que «existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao “complexo” normal de casos», sendo que o «princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e, portanto, das exigências de prevenção (cfr. in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, 1993, pág. 302)

Atento o exposto, entende o tribunal que andou bem a entidade administrativa ao fazer operar tal instituto, atento ao anteriormente vertido quanto à determinação da coima, sopesando a conduta posterior aos factos adoptada pela arguida, e a culpa desta ser leve (18.º n.º 3 do RGCO).

Pelo exposto, entende o tribunal que a decisão proferida pela entidade administrativa quanto às coimas aplicadas deve ser mantida.

iv. CÚMULO JURÍDICO

Considerando que foram aplicadas à arguida três coimas perla prática de três contraordenações, afigura-se ao tribunal que deve ser efectuado o respectivo cúmulo em conformidade com o disposto no art. 19.º do R.G.C.O.

Prevê o citado preceito legal o seguinte: “(…) 1 - Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. 2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. 3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações”.

Assim, no caso concreto, a moldura da coima a aplicar à arguida passa a ter como limite máximo 15.750,00 (quinze mil setecentos e cinquenta euros) e como limite mínimo 7.500,00 euros.

Operando-se o respectivo cúmulo, e tendo em consideração os elementos já atrás aduzidos quanto à determinação da coima, os quais se reiteram aqui para todos os efeitos legais, acha-se ajustado e proporcional a aplicação à arguida da coima única de 11.000,00 euros (onze mil euros). (…)”

Conforme se afere pela leitura do excerto transcrito, a sentença recorrida aplicou os critérios constantes dos artigos 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro tendo atendido, designadamente, à gravidade das contraordenações, à medida da culpa e ao benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação (“in casu” tendo concluído que a arguida não retirou qualquer benefício da prática da contraordenação) e tendo terminado por concluir, fundamentadamente, que as coimas anteriormente aplicadas na decisão administrativa se revelavam adequadas e proporcionais, pelo que decidiu mantê-las.

Concluindo, consideramos que a ponderação realizada na sentença recorrida para determinação das dosimetrias das coimas parcelares e da pena única se revela respeitadora dos critérios legais, mostrando-se absolutamente adequadas e proporcionais as medidas das coimas fixadas, pelo que o recurso improcede também nesta parte.

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Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

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(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 5 de março de 2024

Maria Clara Figueiredo

Edgar Valente

Maria Margarida Bacelar

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1 Entre outros, citamos o acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 21/5/2019, relatado pelo Desembargador Proença da Costa no proc. 61/15.8EAEVR.E1, no qual podemos ler relativamente ao o erro notório na apreciação da prova, que o mesmo ocorre quando «… as provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento. Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou. Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis..»

2 Neste sentido decidiram, entre muitos outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020, proferido no proc. nº 5824/18.0T9LSB-3, o acórdão da Relação do Porto, de 09.01.2020, proferido no proc. nº 1204/19.8T8OAZ.P1 e o acórdão da Relação de Évora, de 07.05.2019, prolatado no proc. nº 112/14.3TAVNO.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3 Que consagra no artigo 11º, nº 2, alíneas a) e b) do CP um modelo misto de responsabilidade autónoma dos líderes e de hétero-responsabilidade da pessoa coletiva, uma vez que ali se estabelece que a responsabilidade das pessoas coletivas resulta de atos cometidos em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança (alínea a)) e ainda que tal responsabilidade resulta também de atos praticados por quem aja sob a autoridade de quem ocupa uma posição de liderança, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que incumbem à pessoa coletiva (al. b)).

4 Neste sentido se pronunciou expressamente o Acórdão do TC nº 566/2018, relatado pelo Conselheiro Pedro Machete, no âmbito do Processo nº processo n.º 336/18, disponível no site do Tribunal Constitucional, tendo decidido “Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e artigo 45º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, e dos artigos 50.º e 58º do citado Decreto-Lei n.º 433/82, igualmente aplicáveis por força do referido artigo 45.º, segundo a qual «em decisão condenatória proferida na fase administrativa de processo contraordenacional não carecem de ser indicadas as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações».

5 No mesmo sentido decidiu, entre outros, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.2023, relatado pela Desembargadora Madalena Caldeira e disponível em www.dgsi.pt. Também no sentido da imputação autónoma de responsabilidade à pessoa coletiva e da irrelevância da identificação ou não identificação dos nomes dos agentes das decisões condenatórias se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque no seu “Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 58.

6 Defendendo tal posição encontramos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.12.2017, relatado pelo Desembargador João Pedro Nunes Maldonado e os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo datados de 19.06.019 [relatora:] e de 10.10.2018, relatados, respetivamente, por Dulce Neto e Francisco Rothes, todos disponíveis em www.dgsi.pt e ainda o voto de vencido do Conselheiro Santos Cabral no A.U.J. do S.T.J. n.º 6/2018, publicado em Diário da República n.º 219/2018, Série I de 14 de novembro de 2018.

7 Defendendo a mesma posição, decidiram, entre outros, os seguintes acórdãos: acórdãos da Relação de Coimbra, de 28.01.2015 relatado pelo Desembargador Fernando Chaves e de 23.11.2016, relatado pelo Desembargador Luís Teixeira; acórdãos da Relação do Porto de 17.11.2014, relatado pela Desembargadora Elsa Paixão e de 08.01.2020, relatado pela Desembargadora Liliana de Páris Dias; acórdãos da Relação de Lisboa, de 09.01.2018 relatado pelo Desembargador João Carrola e de 23.01.2019, relatado pelo Desembargador Vasco Freitas; acórdãos da Relação de Évora, de 06.02.2018 relatado pelo Desembargador João Amaro e de 08.03.2018, relatado pelo Desembargador Gomes de Sousa e ainda o A.U.J. do S.T.J. n.º 6/2018, publicado em Diário da República n.º 219/2018, Série I de 14 de novembro de 2018, que – pese embora tenha o seu âmbito de aplicação restringido às contraordenações previstas no regime relativo à prevenção, proteção e controlo do ambiente atmosférico, regulado, até 01.07.2018, pelo Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04 – serve o propósito argumentativo da tese sufragada.

8 Posição que adotámos já, recentemente, nos acórdãos desta Relação datados de 10.01.2023, proferido no processo nº 570/22.2T8SLV.E1 e de 08.11.2022, proferido no processo nº 173/22.1T8SLV.E1, por nós relatados, encontrando-se este último disponível para consulta em www.dgsi.pt.

9 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, fls. 222/223.

10 Simas Santos e Lopes de Sousa, Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 5ª Edição, janeiro 2006, Vislis Editores, pág. 394.

11 Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-1993, pág. 385 e 602.