Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
354/19.5T8PTG-B.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
VENDA DE PRÉDIO HIPOTECADO
PAGAMENTO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – É de julgar improcedente incidente de oposição à penhora, no qual é peticionado o levantamento da penhora de imóvel com fundamento na respetiva desproporção ou inadequação ao pagamento da quantia exequenda, se o executado não logrou demonstrar ser de prever que o produto a obter com a venda do imóvel penhorado venha a esgotar-se com o pagamento do crédito graduado em primeiro lugar e das despesas previsíveis da execução, conforme alegara;
II - O previsível produto a obter com a venda do imóvel penhorado configura, no âmbito do presente incidente da oposição à penhora, face à alegação do executado, um facto constitutivo do direito pelo mesmo invocado, pelo que lhe cabe o ónus da respetiva prova.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 354/19.5T8PTG-B.E1
Juízo Local Cível de Portalegre
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move (…), o executado (…), notificado da penhora do bem imóvel que identifica, deduziu incidente de oposição à penhora, com fundamento na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º do Código de Processo Civil, invocando a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação da penhora.
Alega, para o efeito, que o imóvel penhorado constitui a sua casa de morada da família e foi adquirido com recurso a crédito bancário, encontrando-se onerado com hipoteca a favor da credora Caixa Geral de Depósitos, S.A.; acrescenta ser de prever que a venda judicial venha a ser efetuada abaixo do valor de mercado do bem e que não permita, após pagamento do crédito hipotecário e das despesas e encargos da execução, obter qualquer quantia remanescente destinada ao pagamento do crédito exequendo, motivo pelo qual defende que a penhora se mostra desproporcional e desadequada aos fins da execução, como tudo melhor consta do articulado apresentado, no qual requer se determine o levantamento da penhora.
Admitida liminarmente a oposição à penhora, a exequente contestou, pugnando pela respetiva improcedência.
Por despacho de 21-03-2023, do qual foram as partes notificadas, consignou-se, além do mais, o seguinte: mercê da aplicação dos artigos 293.º a 295.º, ex vi artigo 785.º, n.º 2, todos do NCPC, tendo as partes junto apenas prova documental, cumpre, de imediato, proferir sentença. Mais se ordenou, no aludido despacho, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado de decisão a proferir na reclamação de créditos que corre termos no apenso C.
Por despacho de 11-09-2023, foi declarada cessada a suspensão da instância, ordenada a junção aos autos de certidão de peças processuais e determinada a subsequente notificação das partes para, em 10 dias, querendo, se pronunciarem.
Notificadas, as partes não se pronunciaram.
Foi proferida decisão, datada de 17-10-2023, na qual se fixou o valor à causa, se proferiu despacho saneador, se discriminou os factos considerados provados e não provados e se conheceu do mérito da causa, julgando-se procedente a oposição à penhora, nos termos seguintes:
Pelo exposto, de facto e de direito, decide-se julgar integralmente procedente, por provada, a presente oposição à penhora e, consequentemente, determina-se o levantamento da penhora do imóvel efectuada nos autos principais, e o seu cancelamento no registo predial.
*
Custas pela exequente (artigo 527.º, n.º 1, do NCPC e 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais).

Inconformada, a exequente interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
«1. Neste caso, sendo o valor da execução superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1ª instância e certamente não permitindo a penhora de outros bens, no prazo de doze meses, a satisfação integral da quantia exequenda, já que tais bens não existem ou, pelo menos, depois de esgotados os meios de pesquisa, não se conhecem, nem tão pouco o permitindo a venda dos bens já penhorados nos autos, verifica-se o preenchimento dos requisitos da previsão do artigo 751.º, n.ºs 3 e 4, alínea b), do CPC, estando assim autorizada e legitimada nos termos da lei a penhora do imóvel que constitua habitação própria e permanente do Apelado.
2. Não pode proceder o argumento invocado na oposição à penhora e na sentença recorrida para fundar o levantamento dessa penhora, de alegada violação do princípio da proporcionalidade e adequação da penhora por inutilidade face ao crédito de € 122.807,79 graduado em primeiro lugar, cujo pagamento preferencial consumiria todo o produto da venda, já que o Tribunal a quo, no cálculo subjacente, tomou como valor de venda o valor provisório do bem, indicado no auto de penhora, o qual é manifestamente desadequado para o efeito.
3. O valor de venda do imóvel penhorado será aquele fixado nos termos do artigo 812.º, n.ºs 3 e 5, do CPC, e não aquele indicado pelo A.E. aquando da penhora, sendo certo que tal fixação ainda não ocorreu, nem podia ocorrer, nos autos principais e a Apelante logo afirmou na sua contestação que iria requerer a avaliação do imóvel para fixação do seu valor base em função do valor de mercado, no que tem todo o interesse, enquanto exequente.
4. A inadequação do valor provisório indicado no auto de penhora para o efeito pretendido pelo Tribunal a quo é ainda reforçada pela possibilidade de alteração do valor de mercado já depois de determinado, em reclamação para o juiz, e pela própria incerteza na apresentação de propostas, sendo impossível prever quantas irão ser apresentadas e por que valor, tudo com reflexo no valor final pelo qual o imóvel será vendido e que determinará se resta ou não produto para pagar à execução.
5. Não é verdade, pois, que, à luz do disposto no art. 816.º, n.º 2, “o valor a anunciar para a venda do imóvel penhorado nos autos seria de € 110.500,00”, tendo o Tribunal a quo, ao fazê-lo, incorrido num juízo puramente especulatório insuscetível de refletir, desde logo, o valor de venda, quanto mais o valor pelo qual o imóvel será efetivamente vendido, não podendo manter-se a sentença com tal fundamento.
6. O ónus da prova na oposição à penhora recai sobre o opoente, relativamente a factos por ele invocados como impeditivos da penhora, sendo ele quem se defende da mesma, quem pretende ver reconhecida, neste caso, a sua inadmissibilidade por desproporcional e quem beneficia da prova dos referidos factos.
7. Tendo o Apelado invocado, na sua oposição à penhora, que a mesma deve ser levantada porque a venda do imóvel penhorado nenhuma satisfação do crédito exequendo proporcionará, afigurando-se inútil, cabia-lhe a prova dos factos concretizadores dessa inutilidade, o que o Apelado não fez, limitando-se a tirar a respetiva conclusão.
8. A Apelante, ao invés disso, cumpriu a sua parte e demonstrou a admissibilidade da penhora neste caso, mesmo tratando-se de imóvel habitação do Apelado, sendo inadmissível onerá-la também com o esforço probatório de demonstrar que a consequente venda pagará toda ou parte da quantia exequenda: não se pode onerar a exequente com o ónus da prova do fundamento de oposição à penhora.
9. Além disso, este aspeto não é um requisito de admissibilidade da penhora neste caso, não sendo imposto pelo artigo 751.º ou qualquer outro do CPC.
10. Portanto, a suposta desproporcionalidade ou inadequação da penhora não se verifica, não servindo este argumento para fundar o levantamento da referida penhora, nem para contrariar a conclusão de que o valor provisório indicado no respetivo auto não pode fundamentar o juízo sobre utilidade da venda para a execução.
11. Havendo ainda a possibilidade de fixar, nos autos de execução, o valor de base segundo o valor de mercado, a mera conclusão de que, num dado cenário, como aquele desenhado pela sentença recorrida, nada sobraria da venda para pagar ao exequente, não é fundamento suficiente para levantar a penhora do bem imóvel, como reconhece a nossa jurisprudência.
12. Em todo o caso, data do negócio de aquisição do imóvel pelo Apelado (2017), o preço de aquisição do imóvel (€ 135.000,00), a galopante valorização imobiliária entretanto ocorrida, o atual contexto de pressão no mercado, com escassez de habitação, a forte subida da inflação e o valor do crédito graduado em primeiro lugar (€ 122.807,79) constituem fatores verosímeis que permitem antecipar, pelo menos, algum pagamento da quantia exequenda, o que basta para arredar a segurança necessária que a jurisprudência exige para a conclusão de que a venda não terá utilidade para a execução.
13. Também a essencialidade desta penhora e consequente venda para execução dos autos constitui aqui um fator incontornável: face à manifesta insuficiência dos bens já penhorados para pagamento da dívida, à inexistência de outros bens penhoráveis, ao esgotamento dos meios de pesquisa e à falta de indicação de bens pelo Apelado depois de quatro anos de execução, a ser levantada a penhora, a insatisfação do crédito exequendo, mais do que uma probabilidade, é uma verdadeira certeza, inexistindo dúvidas de que, nesse caso, isentando-se de penhora o único bem conhecido ao Apelado dela suscetível, a execução estará absolutamente votada ao fracasso.
14. Ou será o crédito exequendo satisfeito, mesmo em parte, pela penhora e venda desta fração, ou, pura e simplesmente, não o será de todo, resultado esse inaceitável e que repugna aos mais básicos princípios de um Estado de Direito, em que os direitos não devem ficar sem tutela efetiva e os devedores não devem ficar liberados das suas dívidas por meios que não os previstos na lei, como irá suceder com o Apelado, quando o seu património contém um bem suscetível de penhora e de considerável valor face às quantias em causa na execução.
15. Preenchidos que estão todos os requisitos para a ela proceder, nos quais não se insere a demonstração da suficiência do produto da venda para pagar à execução, mesmo tratando-se de imóvel habitação própria e permanente do Apelado com valor superior ao crédito exequendo, a penhora em causa nos autos está legitimada e autorizada por lei, não sendo desproporcional ou desadequada porque, mesmo existindo um crédito hipotecário graduado em primeiro lugar, não é possível concluir, com a segurança que se impõe, que nada restará do produto da venda para satisfazer, mesmo parcialmente, o crédito exequendo – prova essa que, em todo o caso, sempre caberia ao Apelado.
16. E a segurança exigida na referida conclusão deve assentar num juízo sólido, de elevada probabilidade de nenhum pagamento vir a ocorrer à execução e não de mera admissibilidade no leque de hipóteses possíveis, o que evidentemente não é cumprido neste caso.
17. Salvo o devido respeito, decidiu mal o Tribunal a quo recorrida ao ordenar o levantamento da penhora com base na hipotética ausência de produto remanescente da venda da fração penhorada para pagar todo ou parte do crédito exequendo, fazendo-o com base no valor provisório do imóvel indicado no auto de penhora, desadequado para o efeito, mas também por inverter injustificadamente o ónus da prova em favor do Apelado e desfavor da Apelante, dessa forma violando o disposto nos artigos 751.º, n.ºs 3, 4 e 8, 735.º, n.º 3, 812.º, n.ºs 3 e 5, do Código de Processo Civil, e nos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2, 344.º, do Código Civil.
18. Deveria ter julgado improcedente a oposição do Apelado e mantido a penhora, pelo que, não o tendo feito, importa agora que Vossas Excelências procedam à revogação da sentença recorrida e, em seu lugar, decidam nesse sentido, com a manutenção da penhora a fração melhor identificada nos autos, para consequente venda executiva.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se é de determinar o levantamento da penhora do bem imóvel.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Em 11/05/2017, a CGD, SA ajustou com o executado (…), por escritura pública, e respectivo documento complementar, um acordo que denominaram de “contrato de mútuo com hipoteca”, mediante o qual a CGD, SA concedeu ao executado um empréstimo no valor de € 130.000,00, destinado à compra pelo primeiro da sua habitação própria, e permanente, a ser pago em prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
2. Para garantia do cumprimento da obrigação de restituição da quantia emprestada no referido acordo, (…) constituiu e registou, a 11/05/2017, a favor da Exequente, uma “hipoteca voluntária” sobre a fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao segundo andar direito, bloco A, destinado a habitação, com um lugar de estacionamento no logradouro com o n.º 1, integrada no prédio urbano, sujeito ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua da (…), n.º 56, e Rua (…), n.º 40, freguesia de São Lourenço, concelho de Portalegre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob a ficha n.º (…), da freguesia de São Lourenço.
3. Tal imóvel é a casa de habitação própria e permanente do executado (…).
4. O Executado tem vindo pontualmente a proceder ao pagamento das prestações a que está vinculado junto da CGD, SA, encontrando-se, à data de 06/12/2022, por pagar a quantia de € 122.807,79.
5. Encontra-se penhorado nos autos principais o referido imóvel, desde 11/11/2022, tendo sido indicado no auto de penhora o valor de € 130.000,00.
6. Por sentença, transitada em julgado, foi reconhecido e verificado o crédito reclamado pela CGD, SA, no valor de € 122.807,79, no âmbito do apenso C de reclamação de créditos, sendo graduado em primeiro lugar.
7. A exequente (…) reclama, desde 8/05/2019, nos autos principais o pagamento da quantia de € 40.258,50.
8. Para além do referido imóvel, foram, ainda, penhorados, a 24/09/2019, diversos bens móveis, que compõem um estabelecimento comercial, tendo sido indicado no auto de penhora o valor global de € 27.271,90, os quais até ao momento não lograram ser vendidos, pese embora as várias diligências de venda encetadas nos autos principais, sendo que a melhor proposta oferecida foi de € 6.110,00 para aquisição de parte desses bens móveis, a qual não foi aceitada pela exequente.
9. A 16-09-2020 procedeu-se à abertura de propostas em carta fechada, tendo sido aceitada a proposta apresentada pela proponente “A Caixa Económica Montepio Geral”, pelo preço oferecido de € 11.632,25, pela meação do executado no Prédio urbano sito no monte (…), freguesia do Reguengo, Concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo (…), descrita na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…), dispensando-se a proponente do depósito do preço, nos termos do artigo 815.º do NCPC, em virtude da sua qualidade de credora com garantia real nos presentes autos, já graduada em 1.º lugar, por sentença, transitada em julgado no âmbito do A de reclamação de créditos, e ainda pelo facto do valor da proposta ser inferior ao montante do seu crédito reconhecido, no valor global de € 22.091,09.
10. Foi ainda penhorado nos autos principais o motociclo, marca (…), modelo (…), com a matrícula (…), com o valor de € 3.000,00, fixado em despacho judicial, transitado em julgado, cuja adjudicação, por esse valor, já foi requerida pela exequente.
11. Não são conhecidos outros bens ou direitos penhoráveis ao executado.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A. O imóvel penhorado tem um valor de mercado superior ao montante indicado no auto de penhora.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posta em causa na apelação a decisão que julgou procedente o incidente de oposição à penhora deduzido pelo apelado e, em consequência, determinou o levantamento da penhora do imóvel identificado no ponto 2 de 2.1.1, bem como o cancelamento do respetivo registo.
Entendeu a 1.ª instância, em síntese, ser de prever que a venda do bem imóvel penhorado não permita à exequente satisfazer, ainda que parcialmente, o respetivo crédito, vindo a reverter na totalidade para pagamento do crédito hipotecário graduado com preferência sobre a quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução. Considerou-se que, não tendo a exequente feito prova de que o valor de mercado do imóvel é superior ao montante de € 130.000,00 indicado no auto de penhora, deve o mérito do incidente ser decidido com fundamento neste valor; por esse motivo, teve-se em conta, como valor a anunciar para a venda, o montante de € 110.500,00 e, tendo-se verificado que o mesmo é inferior ao valor de € 122.807,79 correspondente ao crédito hipotecário e tendo-se calculado em € 4.025,85 o valor previsível das despesas da execução, concluiu-se que a venda do bem imóvel penhorado não tem utilidade económica para a exequente, importando para o executado a perda do imóvel que constitui a sua habitação própria e permanente, sendo que o mesmo tem vindo a cumprir pontualmente as prestações devidas pelo crédito hipotecário, motivos pelos quais se considerou que a manutenção da penhora ofende os princípios da proporcionalidade e da adequação, em consequência do que se determinou o levantamento da penhora do imóvel.
Discordando deste entendimento, a apelante sustenta que o valor provisório do imóvel indicado no auto de penhora não permite calcular o valor a anunciar para a venda, o qual é de calcular a partir do valor base do bem, a determinar nos termos previstos no artigo 812.º, n.ºs 3 e 5, do Código de Processo Civil; mais defende que não lhe cabe demonstrar o valor de mercado do imóvel, nem que o mesmo permite, face ao valor do crédito graduado em primeiro lugar, pagar a quantia exequenda ou parte dela, antes competindo ao executado o ónus da prova dos elementos em que baseia a oposição que deduz à penhora; conclui que, não podendo o valor indicativo constante do auto de penhora servir para calcular o valor a anunciar para a venda do imóvel e não tendo sido determinado o respetivo valor de mercado, nem cabendo à apelante fazê-lo no âmbito do presente incidente, não é possível afastar, com segurança, a hipótese de o valor a obter com a venda do bem vir a permitir pagar a quantia exequenda ou parte dela, o que entende bastar para que a penhora tenha utilidade para a execução e não deva ser levantada.
Vejamos se lhe assiste razão.
O incidente de oposição à penhora, regulado nos artigos 784.º e 785.º do CPC, configura um dos meios previstos na lei de reação pelo executado ou seu cônjuge (cfr. artigo 787.º, n.º 1, do CPC) contra penhora considerada ilegal.
Sob a epígrafe Fundamentos da oposição, o artigo 784.º, no seu n.º 1, elenca as situações que podem constituir fundamento de oposição à penhora, a saber: a) inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
O executado deduziu oposição à penhora com fundamento na previsão da alínea a) do n.º 1 do citado preceito, invocando a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, o que a 1.ª instância considerou verificado, em consequência do que julgou procedente o incidente deduzido e ordenou o levantamento da penhora do bem imóvel, matéria que vem questionada na apelação, cumprindo reapreciar se é de determinar o levantamento dessa penhora.
É sabido que o património do devedor constitui a garantia geral das obrigações, estatuindo o artigo 601.º do Código Civil que, pelo cumprimento da obrigação, respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios, princípio geral que se encontra reafirmado no artigo 735.º, n.º 1, do CPC, ao dispor que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida[1].
A apreciação da questão suscitada na apelação importa se atenda, ainda, ao estatuído nos artigos 10.º, n.º 4, 735.º, n.º 3, e 751.º, n.º 1, do CPC, com a redação seguinte:
- artigo 10.º, n.º 4: Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida;
- artigo 735.º, n.º 3: A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor;
- artigo 751.º, n.º 1: A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
Estando em causa uma execução para pagamento de quantia certa, a finalidade do processo consiste na obtenção de meios que permitam o cumprimento coercivo da obrigação pecuniária exequenda, objetivo que preside à realização da sequência de atos que integram o processo executivo.
Ao estabelecer a limitação da penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, o artigo 735.º, n.º 3, consagra o princípio da proporcionalidade da penhora, por referência ao necessário ao pagamento de tais quantias; a existência de créditos reclamados e graduados com preferência sobre a quantia exequenda, ou a previsão de tal reclamação e graduação, constitui um elemento a considerar, na aferição da amplitude da penhora, dado visar a execução a realização coativa da obrigação exequenda, conforme dispõe o artigo 10.º, n.º 4; consagra o n.º 1 do artigo 751.º, por seu turno, ainda que em termos genéricos, o princípio da adequação da penhora ao montante do crédito do exequente.
Explica Rui Pinto (A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL – 2020, 2.ª reimpressão, págs. 459-460) que o «ato de penhora não cumpre uma função sancionatória, mas uma função instrumental, qual seja a de salvaguardar a utilidade final do direito de execução do credor: o pagamento da dívida, através do produto da venda executiva». Afirma o autor (ob. cit., p. 538) que «o agente de execução deverá procurar penhorar os bens que apresentam maior probabilidade de realizarem uma quantia pecuniária em menor tempo, cumprindo um princípio da adequação do objeto da penhora à realização do direito à execução», acrescentando o seguinte: «O princípio está modelarmente enunciado na primeira parte do n.º 1 do artigo 751.º desta maneira: devem penhorar-se os “bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente”. Trata-se, afinal, uma expressão da proibição de atos processuais inúteis pelos poderes estatais no processo (cfr. artigo 130.º)». Considera o autor (ob. cit., pág. 540) ser «de concluir como ilícita a prática de penhoras desadequadas ao escopo da execução, por força do artigo 130.º».
Esclarecem António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, pág. 133) o seguinte: «O princípio da proporcionalidade implica a formulação de um juízo de prognose, segundo o qual o valor do crédito exequendo a ponderar reporta-se ao momento em que previsivelmente o mesmo virá a ser satisfeito (…). Releva ainda o valor de mercado de venda do bem a penhorar (…). Impende sobre o executado o ónus de provar os factos materiais reveladores de eventual excesso da penhora (…)». Acrescentam os autores (loc. cit.): «Ocorrendo reclamação de créditos (artigo 788.º, n.º 1), o juízo de prognose da proporcionalidade da penhora não pode deixar de ponderar também as regras relacionadas com a preferência atribuída aos credores privilegiados. Neste contexto, alguma jurisprudência vem entendendo que nos casos em que resulte dos autos, de forma clara e segura, que, consumada a venda dos bens penhorados e realizado o pagamento aos credores reclamantes, nada sobrará para satisfazer o crédito exequendo, deverá obstar-se à penhora desses bens, em virtude de a diligência se revelar desproporcionada (RL 27-6-17, 6331/08 e RL 6-4-17, 3449/09). Isto poderá ser especialmente pertinente quando esteja em causa a penhora de imóvel que constitua a habitação permanente do executado, mas esteja onerada com hipoteca a favor de terceiro (v.g. instituição de crédito que financiou a aquisição), sem que exista uma situação de incumprimento da dívida. Num caso assim, em que, apesar da dívida exequenda, o executado mantém em dia os pagamentos referentes ao crédito hipotecário, sendo de prever que o produto da venda executiva se esgotará na satisfação do próprio crédito hipotecário, essa venda, além de não apresentar qualquer utilidade para o exequente, é suscetível de conduzir a um desfecho desproporcionado, à luz de uma equilibrada composição dos interesses em presença, na medida em que se perspetive que o executado perderá o imóvel onde habitava, sem vantagem alguma para o exequente ou para o credor hipotecário. Neste cenário, não estará afastada a possibilidade de encontrar no ordenamento jurídico uma solução diferente da que resulta da aplicação automática das simples regras sobre a garantia patrimonial dos créditos através da penhora e venda de bens do executado».
Face ao objeto da apelação, vejamos, em primeiro lugar, se a factualidade tida por provada permite concluir, conforme considerou a 1.ª instância, ser de prever que o produto da venda judicial do bem imóvel penhorado venha a reverter, na totalidade, para o pagamento do crédito hipotecário, graduado com preferência sobre a quantia exequenda, e das despesas da execução, não permitindo satisfazer, ainda que parcialmente, o crédito exequendo. Caso os factos provados permitam, com segurança, formular tal juízo de prognose, aferir-se-á, então, à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação, se é de determinar o levantamento da penhora.
Visa a exequente, através da presente execução que intentou em 08-05-2019, obter a cobrança coerciva da quantia de € 40.258,50.
Encontra-se assente que o bem imóvel identificado no ponto 2 foi penhorado em 11-11-2022, tendo-lhe sido atribuído no auto de penhora o valor de € 130.000,00. Além deste imóvel, encontram-se penhorados os bens a que aludem os pontos 8 a 10, não sendo conhecidos outros bens ou direitos penhoráveis.
Mais se provou que tal imóvel constitui a casa de habitação própria e permanente do executado e foi pelo mesmo adquirido com recurso a crédito bancário no montante de € 130.000,00, concedido pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. em 11-05-2017 e garantido por hipoteca constituída sobre o aludido bem, tendo o executado vindo a cumprir o pagamento das prestações a que se obrigou junto da credora; por sentença proferida no apenso C, foi reconhecido e verificado o crédito hipotecário reclamado pela CGD no montante de € 122.807,79, o qual foi graduado em primeiro lugar.
Não consta da factualidade provada o valor real do bem imóvel penhorado ou o seu valor de mercado, matéria de facto que não foi alegada pelo executado, requerente do incidente de oposição à penhora.
A 1.ª instância calculou o valor a anunciar para venda em € 110.500,00, correspondente a 85% do valor de € 130.000,00 indicado no auto de penhora, o qual foi tido em conta para a realização de tal cálculo em virtude de não ter a exequente feito prova de que o valor de mercado do imóvel fosse superior.
Porém, dispondo o artigo 816.º, n.º 2, do CPC, que o valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens, verifica-se que o cálculo a efetuar pressupõe a prévia determinação do valor base do bem, dado que o critério legal de aferição do limite mínimo do preço a oferecer impõe o cálculo da aludida percentagem desse valor base.
Esclarece o n.º 3 do artigo 812.º do CPC que o valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) valor de mercado. Acrescenta o n.º 5 do preceito que, designadamente no caso da alínea b) do n.º 3, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda.
No caso presente, não consta dos autos que tenha sido fixado na execução o valor base do imóvel em apreciação, sendo certo que se desconhece o respetivo valor atual ou o valor de mercado, não constando da factualidade provada qualquer elemento que permita determinar o valor base do imóvel, nos termos previstos no n.º 3 do citado artigo 812.º.
Nesta conformidade, não pode considerar-se que a factualidade provada permita determinar o valor a anunciar para venda, o que impede se conclua, com segurança, que o valor provável a obter com a venda executiva se mostra inferior ao crédito graduado com preferência sobre a quantia exequenda, conforme alegado pelo executado como fundamento de oposição à penhora.
Cabia ao executado o ónus da prova da invocada desproporção ou inadequação da penhora do imóvel ao pagamento, total ou parcial, da quantia exequenda, mediante a demonstração de que o produto da venda do imóvel penhorado, previsivelmente, não reverterá para pagamento à exequente, esgotando-se no pagamento do crédito graduado em primeiro lugar e das despesas previsíveis da execução.
O previsível produto a obter com a venda do imóvel penhorado configura, no âmbito do presente incidente da oposição à penhora, um facto constitutivo do direito invocado pelo executado, pelo que lhe cabe o ónus da respetiva prova, conforme regra constante do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Verificando-se que a factualidade tida por provada não permite concluir que a penhora do imóvel se mostra desproporcionada ou inadequada ao pagamento total ou parcial da quantia exequenda, soçobra o fundamento invocado para o peticionado levantamento de tal penhora.
Não tendo o executado logrado demonstrar ser de prever que o produto da venda do imóvel penhorado venha a esgotar-se com o pagamento do crédito graduado em primeiro lugar e das despesas previsíveis da execução, conforme alegara, cumpre considerar não verificada a invocada desproporção ou inadequação da penhora ao pagamento da quantia exequenda, o que impõe se julgue improcedente o incidente de oposição à penhora.
Procede, assim, a apelação, cumprindo revogar a decisão recorrida e julgar improcedente o incidente de oposição à penhora.


Em conclusão: (…)


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a incidente de oposição à penhora.
Custas pelo apelado.
Notifique.
Évora, 20-02-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos (1.º Adjunto)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)


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[1] A lei processual devolve à lei substantiva a definição do âmbito dos bens sobre que pode recair a execução (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 169).