Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
119/20.1PBELV.E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
ELEMENTO SUBJETIVO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - O tipo subjetivo de ilícito “conceitualiza-se na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade da realização do tipo objetivo de ilícito, o mesmo será dizer, o dolo do tipo decompõe-se no conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento punitivo) de realização do facto. (…) do que no elemento intelectual do dolo verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias de facto que preenche um tipo de ilícito objectivo”- [vide Figueiredo Dias, apud Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-05-2019, relatado por Vasques Osório, disponível em www.dgsi.pt].
- A acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa.

- Constando na acusação particular, quanto ao elemento subjetivo, tão só que os arguidos sabiam que a sua conduta é penalmente proibida por lei, atuando de forma voluntária e deliberada, impõe-se concluir que não foram alegados, na acusação particular, como devia, a determinação livre e consciente dos arguidos, enquanto elemento subjetivo do dolo do tipo de culpa.

- Por conseguinte, da factualidade provada não se extrai que os arguidos, não obstante agirem de forma voluntária e deliberada, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal, agiram de forma livre e com a consciência de que a sua atuação era suscetível de ofender a honra e consideração do assistente.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de …, mediante acusação do Ministério Público, foram julgados em processo comum, perante o tribunal Singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, os Arguidos a seguir identificados:

AA, filho de BB e de CC, casado, nascido em … 1960, natural de …, casado, membro das forças armadas (atualmente reformado), residente na Rua … (…), n.º …, em …; e

DD, filha de EE e FF, casada, nascida em … 1965, natural de …, educadora de infância, residente na Rua …, n.º…, …; e

GG, filho de HH e de II, casado, nascido em …1957, membro das forças armadas (atualmente reformado), natural de …, residente na Rua …, …, ….

A final, foi decidido julgar a acusação parcialmente e, em consequência:

a) Absolver o arguido GG da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de injúria, p. e. p. pelo artigo 181.º n.º 1 e 183.º n.º 1 a), ambos do Código Penal.

b) Absolver a arguida DD da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de injúria, p. e. p. pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal.

c) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de injúria, p. e. p. pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal.

d) Condenar o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de ofensas à integridade física, p. e. p. pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 dias de multa.

e) Condenar o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de dano, p. e. p. pelo artigo 212.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 75 dias de multa.

f) Operar o cúmulo jurídico das penas fixadas em d. e e., nos termos do artigo 77.º do Código Penal e, em consequência, condenar o arguido AA na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros);

g) Absolver os demandados cíveis AA, DD e GG do pagamento dos montantes peticionados a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros vincendos até integral pagamento.

Inconformado, o Assistente GG, interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões:

“1. Considera errada a absolvição dos arguidos dos pedidos cíveis deduzidos face às malfeitorias por ele praticadas contra o seu corpo, património (só os óculos partidos lhe custara € 1.200,00 (mil e duzentos euros) e não patrimoniais como sejam a sua honra e consideração.

II) Considera estar perfeccionado nos pedidos por si feitos o elemento subjectivo considerado não ter sido por si destacado.

III) Na verdade fez constar, perante os actos praticados, daqueles terem agido bem sabendo tal conduta era penalmente proibida por lei, indicando estar p. p (prevista e punida) pelo art.º 181º Nº 1 do Código Penal.

IV) Ao usar tal locação subjaz o entendimento deles terem agido com consciência de proibição como sinónimo da consciência da ilicitude (uso de palavras com o mesmo significado).

V) Não existir, pois, da sua parte omissão quanto ao dolo de culpa ou conhecimento da respectiva ilicitude.

VI) Os arguidos sabiam que as expressões e actuações ofendiam física e psicologicamente, o corpo e a personalidade, a outra psicologicamente ocasionando dores e ferimentos a par de vergonha, vexame e humilhação.

VII) É este também o percurso apreciativo seguido na Relação de Coimbra no Pº Nº 267/16.2T9PMS.C1 de 15/05/2019.

VIII) Com o preenchimento do elemento subjectivo e aceite como foi o elemento objectivo existe responsabilidade criminal e dela gerar-se responsabilidade civil.

IX) Deve relevar para a fixação do valor da indemnização, como de resto bem pediu, pelo acréscimo do somatório das despesas neles insertas, no total de € 3.346,09 (três mil trezentos e quarenta e seus euros e nove cêntimos).

X) O princípio da descoberta da verdade material sobrepõe-se ao princípio do pedido.

XI) Fica bem claro o nexo de causalidade entre as agressões e os insultos com a produção dos prejuízos verificados.

XII) Para o efeito ser alterada a decisão aqui tomada substituindo-a por outra reconhecendo a responsabilidade civil dos arguidos por via da qual deverão ser condenados a pagar-lhe € 3.346,09 (três mil trezentos e quarenta e seis euros e nove cêntimos) e respectivos juros, isto a titulo de indemnização nunca susceptível de qualquer redução.

Nos termos do disposto no art.º 412º do C.P. Penal alínea a):

a) Considera violado o art.º 143º Nº 1 do C. Penal pelo arguido AA.

b) Considera violados os art.º 212º Nº 1 e 214º Nº 1 do C. Penal.

c) Considera violado o art.º 181º Nº 1 do C. Penal.

d) O art.º 71º do Código do Processo Civil.

Art.º 412º alínea b)

O Tribunal recorrido interpretou a sua decisão, com absolvição dos arguidos, pedido cível deduzido no sentido de não ter sido suficientemente alegado o elemento subjectivo (falta de consciência da ilicitude da sua actuação) quando este se basta com ter referido “bem sabendo a sua conduta ser penalmente proibida por lei, designadamente a do art.º 181º Nº 1 do C. Penal e inexistindo razão para se considerar as acusações feitas manifestamente infundadas por não ser o caso previsto no art.º 311º Nº 2 alínea a) do CPP.

Termos em que na procedência do recurso, por estarem provados os crimes praticados com os elementos objectivos e subjectivos, deve ser revogada a sentença proferida absolvendo os arguidos e substituída por outra contendo a respectiva condenação e tributação.

Com o que se fará JUSTIÇA”

O Digno Magistrado do Ministério Público e os arguidos AA e DD, responderam ao recurso interposto pelo Assistente GG, concluindo pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve Vista dos autos, emitindo parecer no sentido da não procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417º do CPP, na sequência do que o Assistente/Recorrente reiterou a argumentação já aduzida na sua motivação, no sentido da procedência do recurso por ele interposto.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA

São os seguintes os factos que na sentença recorrida indica como estando provados:

“(Da acusação pública)

Entre a família do arguido AA e o ofendido GG existem litígios relacionados com o direito de utilização de terrenos adjacentes à casa arrendada pelos sogros do arguido a familiares de GG, sita no …, em ….

2. No dia 05-03-2020, cerca das 12h30m, após ter tido conhecimento que GG havia retirado um plástico e uma corda que cobria a lenha dos seus sogros e que se encontrava junto à casa destes, o arguido dirigiu-se, na companhia da sua esposa DD, a uma propriedade sita no …, em …, onde se encontrava GG.

3. Aí chegado, o arguido aproximou-se do ofendido e desferiu-lhe uma cabeçada na testa.

4. Seguidamente, encontrando-se o ofendido a tentar fugir do local, foi alcançado pelo arguido, o qual lhe desferiu um murro na face, atingindo também os óculos com armação da marca “…”, com lentes da marca “…”, que aquele usava na ocasião, provocando ainda a sua queda ao solo.

5. Como consequência direta e necessária da atuação do arguido, GG sofreu, para além de dores físicas nas zonas atingidas, escoriações dispersas na face, zona frontal esquerda, dorso do nariz e zona malar direita; fratura alinhada do tabique nasal; escoriação no joelho esquerdo, na face externa, com 1,5cm de diâmetro.

6. Tais lesões determinaram-lhe 30 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional, não resultando consequências permanentes.

7. Ainda por força da conduta do arguido, os óculos de GG partiram-se, causando-lhe um prejuízo patrimonial no valor de € 1.200,00.

8. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e saúde de GG.

9. O arguido sabia que ao desferir um murro na face de GG e que, usando este óculos, atuava de modo adequado a causar estragos nos mesmos, apesar de saber que não lhe pertenciam e que estava a agir contra a vontade e em prejuízo do seu proprietário, conformando-se com o resultado.

10. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

11. Como consequência das condutas descritas em 3. e 4. o assistente recebeu tratamento hospitalar, na Unidade de Saúde Local do …, em …, que lhe importou um custo de € 61,00.

(Da acusação particular deduzida pelo assistente GG)

12. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2. o arguido AA, em voz alta, dirigiu a seguinte expressão ao assistente “és um oficial de merda”.

13. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2. a arguida DD, em voz alta, dirigiu a seguinte expressão ao assistente “és um ladrão”.

14. Os arguidos AA e DD sabiam que tal conduta é penalmente proibida por lei, atuando de forma voluntária e deliberada.

(Do pedido de indemnização cível deduzido por GG)

15. Como consequência das condutas dos demandados AA e DD, descritas em 12 e 13, o demandante sentiu-se envergonhado, vexado, humilhado.

(Das condições pessoais e económicas do arguido AA)

16. O arguido tem o 11.º ano de escolaridade, está reformado e aufere uma pensão de cerca de € 1.700,00.

17. O arguido vive com a sua mulher e com uma filha, de 23 anos, estudante universitária.

18. A mulher do arguido é educadora de infância e aufere um vencimento mensal de cerca de € 1.550,00.

19. O arguido e o seu agregado familiar vivem em casa própria.

20. O arguido não custeia despesas extraordinárias.

(Das condições pessoais e económicas da arguida DD)

21. A arguida tem o bacharelato, é educadora de infância e aufere um vencimento mensal de cerca de € 1.550,00.

22. A arguida vive com o seu marido e com uma filha, de 23 anos, estudante universitária.

23. O marido da arguida está reformado e aufere uma pensão de cerca de € 1.700,00.

24. A arguida e o seu agregado familiar vivem em casa própria.

25. A arguida não custeia despesas extraordinárias.

(Das condições pessoais e económicas do arguido GG)

26. O arguido tem uma licenciatura, está reformado e aufere uma pensão de cerca de € 2.820,00.

27. O arguido vive com a sua mulher.

28. A mulher do arguido é educadora de infância e aufere um vencimento mensal de cerca de € 2.300,00.

29. O arguido e o seu agregado familiar vivem em casa própria.

30. O arguido não custeia despesas extraordinárias.

(Dos antecedentes criminais dos arguidos)

31. Os arguidos não têm antecedentes criminais.”

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS

“Em audiência de julgamento não resultou provado que os factos tenham ocorrido noutro circunstancialismo ou com outras motivações que não os supra descritos.

(Da acusação particular deduzida pelo assistente GG)

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2. o arguido AA dirigiu ao assistente GG, em voz alta e em tom ameaçador, as expressões “vai-te embora malandro, ganhas € 5.000,00 (cinco mil euros) por mês, não tens que andar aqui”.

b) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2. a arguida DD dirigiu ao assistente GG, em voz alta e em tom ameaçador, a expressão “está aqui o gatuno”.

c) Por referência aos factos 12. e 13., a arguida DD e o arguido AA utilizaram um tom ameaçador.

(Da acusação particular deduzida pelo assistente AA)

d) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2. o arguido GG dirigiu- se ao assistente (e à sua mulher), em tom de voz alta, e proferiu expressões como “vão para o caralho”, “cobarde” “não valem nada, gentinha de escumalha”.

e) Ao mesmo tempo que o arguido GG se aproximou e se dirigiu diretamente aos assistentes, AA e DD, proferindo as expressões referidas em d), em voz alta e exaltado, tropeçou e caiu ao solo, batendo com a face no chão, levantando-se de imediato, e com o seu telemóvel efetuou uma chamada dizendo: “doutor fiz tal e qual como combinamos ontem”.

f) Com tais expressões, quis o arguido GG ofender a honra, consideração e bom-nome do assistente com efetivamente ofendeu.

g) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente com o propósito de injuriar o assistente.

h) O arguido conhecia estar-lhe vedada tal conduta e que a mesma era proibida por lei penal.

(Da acusação particular deduzida pela assistente DD)

i) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2. o arguido GG dirigiu- se à assistente (e ao seu marido), em tom de voz alta, e proferiu expressões como “vão para o caralho, (…), (…), não valem nada, gentinha de escumalha”.

j) Com tais expressões, quis o arguido GG ofender a honra e consideração da assistente com efetivamente ofendeu.

k) Bem sabia o arguido que a sua conduta era punida por lei penal.

l) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente com o propósito conseguido de ofender a dignidade da assistente, atingindo-a na sua honra e consideração, conhecendo ser proibida por lei tal conduta.

m) O arguido conhecia estar-lhe vedada tal conduta.

(Do pedido de indemnização cível deduzido por AA)

n) Com a conduta do arguido GG, melhor descrita em d) o assistente foi vexado, humilhado, ofendido na sua honra e bom nome.

o) O assistente é pessoa de enorme apuro ético e de profunda sensibilidade.

p) O assistente sempre foi pessoa respeitada no meio, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.

(Do pedido de indemnização cível deduzido por DD)

q) Como consequência da conduta do arguido GG, melhor descrita em i), a assistente ficou muito desgostosa, triste, nervosa, vexada, humilhada, perturbada e angustiada, o que se refletiu na sua vida pessoal e no seu ambiente familiar.

r) No dia dos factos e nos dias seguintes, a assistente não tinha paciência e disposição para estar com os seus familiares que consigo convivem diariamente.

s) A conduta do arguido provocou vergonha na assistente, porque ocorrida na rua, nomeadamente no …, local de passagem ao público, tendo as pessoas que ali circulavam se apercebido do sucedido.

t) Como consequência da atuação do arguido, a assistente no dia dos factos e nos dias seguintes, teve dificuldade em adormecer, pois não conseguia esquecer o que lhe acontecera.

u) A assistente é pessoa de bem, que se pauta nas suas relações pessoais e profissionais por um enorme rigor moral.

v) Nos dias seguintes à data dos factos, e como consequência da atuação do arguido, a assistente perdeu a vontade de estar em sítios públicos, inclusivamente de conviver com a família e com as amigas, receando cruzar-se com o arguido e que tais factos se pudessem repetir.

w) A assistente lembra-se todos os dias dos factos praticados pelo arguido o que lhe provoca nervosismo e ansiedade, sentindo também muita vergonha e tristeza pelo que lhe acontecera.) Como consequência da conduta do arguido a assistente sentiu-se nervosa e ansiosa durante largo período de tempo, persistindo tal nervosismo até à presente data.

(Do pedido de indemnização cível deduzido por GG)

y) Como consequência das condutas dos demandados AA e DD, descritas em 12. e 13., o demandante sentiu-se deprimido, consternado e traumatizado psicologicamente.

*

Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, dos alegados, que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado meros factos conclusivos ou irrelevantes, meras repetições dos factos relevantes e matéria de direito.”

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO

PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”

O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados:

“A convicção do Tribunal em relação à factualidade sob apreciação resultou da ponderação e confronto das declarações dos arguidos com a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, tudo conjugado com a prova documental junta aos autos e valorado à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, atentas as concretas circunstâncias do caso, com ressalva da prova pericial, cujo juízo científico se presume subtraído à livre convicção do julgador.

Concretizando.

Para prova do facto descrito em 1. atentou o Tribunal nas declarações dos arguidos, que, neste concreto aspeto, revelaram-se consentâneas, não restando quaisquer dúvidas da existência de litígios entre eles e a respetiva motivação.

Para prova do facto descrito em 2. valoraram-se as declarações dos arguidos que o confirmaram.

No que concerne à factualidade vertida de 3. a 7 e 11. o Tribunal considerou as declarações do próprio assistente respaldadas, na sua essencialidade, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas JJ, KK e LL, cujos depoimentos nos mereceram credibilidade atenta a forma objetiva, circunstanciada e isenta com que depuseram, não revelando em momento algum qualquer comprometimento e/ou animosidade com qualquer das partes aqui envolvidas.

Por contraposição com a versão apresentada pelo assistente GG surge a versão exposta pelo arguido AA que apenas encontrou guarida nas declarações prestadas pela arguida DD, cuja posição tentou isentar de responsabilidade, denotando estarem ainda, volvidos três anos sobre os factos, eivados de ressentimentos.

Assim, negando a prática da generalidade dos factos vertidos na acusação pública, o arguido AA apresentou uma versão cuja veracidade não logrou convencer o Tribunal, porquanto, além de não encontrar conforto probatório adicional, não se coaduna com as regras da experiência comum.

Na verdade, se atentarmos, por um lado, na forma afoita como o arguido e a sua mulher se dirigiram ao assistente, como a própria o refere, “eu saí da carrinha e sinceramente não sei o que disse, os meus sentimentos estavam ao rubro” - (o que justificou pelos alegados comportamentos provocatórios que o assistente vinha adotando perante os seus pais) e, por outro, no clima vivenciado pelos pais/sogros dos arguidos e por eles descrito, percebe-se claramente o estado de enfurecimento em que os mesmos se encontravam, tanto mais que depois de receberem o telefonema por parte da mãe da arguida foram de imediato o seu encontro (da mãe da arguido), interrompendo o seu percurso assim que viram o assistente, com uma única finalidade de ajustar contas com ele.

Assim, considerando todo circunstancialismo que moveu os arguidos a irem ao encontro do assistente coadunado com o seu relato, circunstanciado, objetivo e vivenciado, dúvidas não subsistem que o arguido AA agrediu o ofendido GG. Dúvidas também não soçobram quanto aos concretos atos perpetrados pelo arguido, isto porque, compulsadas as fotografias juntas aos autos a fls. 41 e 42 e atentas as concretas lesões na testa e no nariz percebe-se que o assistente foi alvo de uma cabeçada e de um murro.

Quanto às concretas lesões sofridas pelo assistente e ao tempo que necessitou para se recuperar extrai-se do teor do relatório pericial de exame médico-legal de fls. 24 a 27 concatenado com os registos clínicos de fls. 28 e 29 e os fotogramas de fls. 41 e 42.

Quanto aos danos sofridos pelo assistente nos seus óculos, atentou-se nas suas próprias declarações que conjugadas com as regras da experiência comum permitem concluir que na sequência do murro sofrido na face os óculos partiram, sendo que a prova do montante do prejuízo sofrido assentou na fatura constante dos autos a fls. 277.

Relativamente ao facto 11. valorou-se o teor dos documentos de fls. 271.

No que concerne aos elementos subjetivos melhor descritos em 8., 9. e 10., cumpre dizer que, em face da sua natureza subjetiva, o referido elemento não constitui uma realidade ostensível, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infração, e por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência [cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 01/04/1993, BMJ, nº426, pág. 154. Considere-se no mesmo sentido o Ac. do T.R.P. de 23-02-1983 (in BMJ, nº 324, pág. 620), apud Ac. TRE de 26-06-2018, proc. n.º 950/15.0T9BJA.E1, relator João Amaro: “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infração. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”].

Ora, recorrendo às regras da experiência, e conforme já descrito, face à dinâmica em que os factos ocorreram, bem como, o próprio desenrolar dos eventos, decorre a subjetividade presente ao nível da consciência do arguido. Isto é, a subjetividade presente no arguido extrai-se dos seus próprios comportamentos, designadamente, que o mesmo ao desferir uma cabeçada e um murro ao ofendido, sabia e tinha plena consciência de que com isso ele sentir-se-ia afetado na sua integridade e bem-estar físicos, o que veio a acontecer, não se abstendo, portanto, de o fazer tendo perfeito conhecimento que esse facto constituía crime. Ademais, não podia o arguido ignorar que ao desferir um murro na face do ofendido, que usava óculos, causaria estragos nos mesmos, apesar de saber que não lhe pertenciam e que estava a agir contra a vontade e em prejuízo do seu proprietário, conformando-se com o resultado.

Para prova dos factos 12., 13. e 14. o Tribunal atendeu às declarações do assistente GG concatenadas com o depoimento da testemunha LL, agente da PSP, que de forma isenta e objetiva, mostrando por isso credibilidade, referiu que o arguido AA, dirigindo-se a GG, disse “és um oficial de merda” e que a arguida DD, também dirigindo-se a GG, proferiu expressões como “ladrão, és um ladrão”. No mais resulta das regras da experiência comum que os arguidos AA e DD sabiam que tal conduta é penalmente proibida por lei e que atuaram de forma voluntária e deliberada.

No que se reporta aos factos atinentes ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente GG (facto 15.), a convicção do Tribunal extraiu-se igualmente da análise dos factos objetivos, sendo certo que o homem médio, como se presume ser o caso do assistente, não deixaria de se sentir envergonhado, vexado e humilhado com as palavras proferidas, para mais em frente de diversas pessoas, como aquele reforçou em audiência.

No que concerne às condições pessoais e económicas dos arguidos, ínsitas supra nos pontos 16. a 30. dos factos provados, sobrevieram das declarações dos próprios, em audiência de julgamento, as quais se reputaram plausíveis e, nessa medida, atendíveis.

Quanto à ausência de antecedentes criminais (facto provado 31.) o Tribunal valorou os certificados de registo criminal que constam dos autos, (fls. 352v., 353v. e 354v.).

*

A factualidade julgada não provada e descrita em a), b) e c) foi assim consignada atenta a prova produzida, que se revelou manifestamente insuficiente para concluir de modo diverso. Na verdade, apenas o assistente GG se reporta a tais factos, sendo que neste particular, ao contrário do que sucede quanto aos factos provados, não encontram reforço probatório adicional. Na verdade, nenhuma das testemunhas ouvidas fez qualquer referência aos mesmos, aliás a testemunha LL, como supra se explicou, referiu apenas ter ouvido “oficial de merda” e “ladrão”.

O mesmo se diga relativamente aos factos vertidos de d) a m). Com efeito, a eles apenas se reportam os assistentes AA e DD, inexistindo qualquer prova adicional que confira robustez às declarações prestadas pelos assistentes. Na verdade, as declarações prestadas pelo assistente AA não se revelaram credíveis, transparecendo um certo ensaio, designadamente na repetição ipsis verbis dos factos constantes na acusação particular por si deduzida. Repare-se que, questionado sobre as motivações do arguido GG para, segundo a sua versão, após ter caído e batido com a face no chão, ter realizado um telefonema onde, alegadamente terá dito “doutor fiz tal e qual como combinamos ontem”, refere o assistente que o arguido “tinha tudo planeado”. Questionado sobre o alegado plano, referiu que o mesmo está relacionado com o furto do plástico e da corda. Ora, este discurso, completamente incoerente e desconforme com a dinâmica factual vivida nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2., afasta-se das mais elementares regras da experiência comum que apontam como altamente improvável que o arguido/assistente GG, tendo sido surpreendido pelos arguidos/ assistentes AA e DD, que não sabia nem podia saber que os mesmos fossem ali comparecer, fosse comunicar com alguém, à frente deles, dando-lhes conta de um plano previamente delineado, plano esse que na perspetiva do assistente AA teria a ver com o furto do plástico.

Ora, uma vez não provados os factos objetivos, nos termos supra expostos, resultaram necessariamente não provados os factos subjetivos, por indissociáveis e dependentes dos primeiros.

No que concerne aos factos relativos aos pedidos de indemnização cível deduzidos pelos demandantes cíveis AA e DD, foram os mesmos julgados não provados [factos n) a x)]. Na verdade, a factualidade atinente ao pedido de indemnização civil, resultou prejudicada pela falta de prova da factualidade subjacente e que servia de suporte aos danos alegados.

No que concerne ao facto y) foi o mesmo julgado não provado atenta a total ausência de prova que permitisse concluir em sentido positivo.

*

Importa apenas referir que as demais testemunhas ouvidas, não revelaram conhecimento direto dos factos, razão pela qual o Tribunal não sustentou qualquer factualidade provada ou não provada nos seus depoimentos.”

O OBJECTO DO RECURSO DO ASSISTENTE

Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

A única questão suscitada pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:

1) Deveriam os arguidos AA e DD terem sido também condenados pela prática do crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal e consequentemente condenados no pedido de indemnização civil oportunamente deduzido pelo Assistente/Recorrente.

O MÉRITO DO RECURSO DO ASSISTENTE

O Recorrente restringiu o recurso, conforme lhe é possibilitado pelo art.º 403º nº 1 e 2 do CPP, à decisão recorrida no segmento em que a mesma absolveu os arguidos AA e DD da prática do crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e absolveu os demandados cíveis AA e DD do pagamento dos montantes peticionados, já que, relativamente à condenação do arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de ofensas à integridade física, p .e. p. pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal e de um crime de dano, p. e. p. pelo artigo 212.º n.º 1 do Código Penal, o Recorrente conforma-se com a decisão em apreço.

Concretizando o recorrente suscita a seguinte questão:

Deveriam os arguidos AA e DD terem sido condenados pela prática do crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, nº1 do Código Penal, porquanto a factualidade julgada provada preenche não só os elementos objectivos, mas também os elementos subjectivos do sobredito tipo legal.

Dispõe o art.º 181º, nº 1 do Cód. Penal que “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.”.

É sabido, pois assim o ensinam de modo pacífico a doutrina e a jurisprudência, que o crime de difamação, tendo como objecto o mesmo bem jurídico do crime de injúria – a honra e consideração –, distingue-se desta em virtude de a imputação de factos ou utilização de expressões ser feita por intermediação de um terceiro, com quem o agente comunica por qualquer forma verbal ou escrita, imputando ao ofendido ausente factos ou formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, ao passo que, na injúria, a imputação ou juízo ofensivos da honra são dirigidos directamente ao titular desse bem jurídico (arts. 180.º, n.º 1, e 181.º, n.º 1, do CP).

De acordo ainda com tal ensinamento não é necessário que as expressões empregues atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender pois o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.

O que tudo significa que está afastada a exigência do dolo específico que se traduziria no chamado animus injuriandi como esclarece nomeadamente o Prof. Faria Costa (1).

Com sede no sobredito art.º 181º, n.º 1, o crime de injúria só se torna perfeito através de uma conduta dolosa do agente e cuja acção típica se traduz na acção voluntária quanto à imputação de factos ou à direção de palavras, com consciência pelo agente de que as palavras dirigidas ou os factos imputados são ofensivos da honra ou consideração do visado.

A questão colocada pelo Recorrente prende-se com o preenchimento, atenta a matéria de facto provada, dos elementos integrantes do tipo subjectivo do crime de injúria.

Ora, «É sabido que a estrutura do dolo comporta um elemento intelectual e um elemento volitivo. O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável. O elemento volitivo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo a saber: o dolo directo – a intenção de realizar o facto – o dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta – e o dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta.

Do que antecede decorre que a afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do facto. Ao nível do processo, esta exigência satisfaz-se com a prova e, consequentemente, com a menção no elenco dos factos provados, do conhecimento do agente da ilicitude da sua conduta, seja pela fórmula habitual, e algo conclusiva de, «bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», seja por qualquer outra forma que descreva com objectividade este facto da vida interior do agente. O que não pode acontecer é ter-se por praticado o crime sem a prova da consciência da ilicitude.» (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2014, proferido no Proc. nº2572/10.2TALRA.C1 no site htpp//www.dgsi.pt).»

Sustenta o Recorrente que a factualidade julgada provada preenche não só os elementos objectivos, mas também os elementos subjectivos do crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181º, n.º 1, do Cód. Penal.

Ora, a decisão recorrida rebateu tal argumentação, nos termos seguintes: «Expressões como “oficial de merda” e “ladrão” tratam-se de expressões de cariz vexatório, que qualquer cidadão reconhece como desvaliosas e censuráveis e que, por isso, afetaram o visado, como, aliás, afetaria qualquer outra pessoa colocada no seu lugar.

Conclui-se, dessarte, pela verificação dos elementos objetivos do tipo de ilícito imputado aos arguidos AA e DD.

O mesmo já não sucede com o elemento subjetivo. Com efeito, resultou apenas provado que os arguidos AA e DD sabiam que tal conduta é penalmente proibida por lei, atuando de forma voluntária e deliberada.

Ora, relativamente aos elementos do tipo subjetivo, o tipo legal de crime - injúria é punível apenas a título de dolo, tal como resulta do disposto no artigo 13.º do Código Penal.

De acordo com o disposto no artigo 14.º do Código Penal, do qual se extraem os vários tipos de dolo, retira-se que o tipo subjetivo de ilícito “conceitualiza-se na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade da realização do tipo objetivo de ilícito, o mesmo será dizer, o dolo do tipo decompõe-se no conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento punitivo) de realização do facto. (…) do que no elemento intelectual do dolo verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias de facto que preenche um tipo de ilícito objectivo”- [vide Figueiredo Dias, apud Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-05-2019, relatado por Vasques Osório, disponível em www.dgsi.pt].

Por outro lado e reproduzindo aqui a fundamentação constante da jurisprudência fixada “a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa (…), englobando, [além do mais], a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso (…)” – [cfr. AUJ n.º 1/2015, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 18, de 27 de janeiro de 2015].

Ora, e citando o Acórdão do STJ, de 28-03-2019, proc. n.º 373/15.0JACBR.C1.S1, relator Nuno Gomes da Silva “num crime doloso da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – o arguido pôde determinar a sua ação), deliberada (…) e conscientemente (…), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”. - [apud acórdão do TRC de 01-06-2011, proc. n.º 150/10.5T3OVR.C1, relatora Maria Pilar Oliveira].

Revertendo ao caso em apreço, calcorreados os factos alegados na acusação particular, quanto ao elemento subjetivo consta tão só o seguinte “Os arguidos AA e DD sabiam que tal conduta é penalmente proibida por lei, atuando de forma voluntária e deliberada”.

Ora, impõe-se concluir que não foram alegados, na acusação particular, como devia, a determinação livre e consciente dos arguidos, enquanto elemento subjetivo do dolo do tipo de culpa.

Por conseguinte, da factualidade provada não se extrai que os arguidos, não obstante agirem de forma voluntária e deliberada, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal, agiram de forma livre e com a consciência de que a sua atuação era suscetível de ofender a honra e consideração do assistente.

Destarte, reportando-nos de novo à jurisprudência uniforme, impõe-se concluir que“[a] falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do Código de Processo Penal”. - [Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 18, de 27 de janeiro de 2015].

Entende o Recorrente que o segmento do ponto provado nº14, “Os arguidos AA e DD sabiam que tal conduta é penalmente proibida por lei, atuando de forma voluntária e deliberada”, se refere e, por isso abrange, o entendimento deles terem agido com consciência de proibição como sinónimo da consciência da ilicitude.

Com ressalva, do devido respeito, não é este o nosso entendimento.

Conforme supra já se deixou referido, e em síntese, o dolo traduz-se no conhecimento e vontade da prática do facto pelo agente com consciência da sua censurabilidade.

Percorrida a acusação particular verificamos que a mesma apenas descreve os elementos intelectual e volitivo do dolo, sendo totalmente omissa quanto ao dolo da culpa ou conhecimento da respectiva ilicitude (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).

Efectivamente, como certeiramente notou a sentença recorrida “impõe-se concluir que não foram alegados, na acusação particular, como devia, a determinação livre e consciente dos arguidos, enquanto elemento subjetivo do dolo do tipo de culpa”.

Ora, afigura-se-nos ser incontornável que, na situação concreta, importa ter em conta o que se determinou no acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2015, de 20 de Novembro, no qual podemos ler relativamente ao dolo, que a sua alegação deverá ser feita através de uma «fórmula em que se imputa ao agente o ter atuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).».

Sendo que, nesta perspectiva, não pode, pois, deixar de se assinalar, sem mais considerações, por despiciendas, que a matéria de facto provada é insuficiente para permitir a conclusão de que os arguidos praticaram um crime de injúria, na medida em que dela não consta como provada a determinação livre e consciente dos arguidos, enquanto elemento subjetivo do dolo do tipo de culpa e portanto, todos os elementos do respectivo tipo subjectivo.

Deste modo, porque da acusação não constava o dolo do tipo de culpa relativamente ao acusado crime de injúria, e porque, de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão n.º 1/2015, de 27 de Janeiro, esta deficiência da acusação não pode ser suprida pelo mecanismo previsto no art.º 358º do C.P.P., não restava ao Tribunal recorrido outra solução, dado o não preenchimento de todos os elementos do tipo subjectivo do crime em causa, que não fosse o da sua absolvição, face à atipicidade da conduta provada.

Por último cumpre dizer que, no caso sub judice sendo o pedido de indemnização civil apresentado pelo Assistente GG, exclusivamente sedimentado no teor factual no qual assentava a imputação do crime de injúria, a absolvição dos arguidos DD e AA relativamente ao mencionado ilícito, conduziu necessariamente à improcedência do referido pedido de indeminização civil.

Eis por que o presente recurso irá improceder in totum.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Assistente GG, assim confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.

Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 4 (quatro) UCs.

Évora, 20 /02/ 2024

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1 “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, 1ª ed., pag. 612. Cfr ainda Prof Augusto Silva Dias, in “Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e Injúrias”, AAFDL, 1989, pags 35-36