Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
93/23.2T9OLH.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: EXECUÇÃO DE COIMAS E CUSTAS
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL
IRRECORRIBILIDADE
Data do Acordão: 02/12/2024
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Sumário: Não é recorrível o despacho judicial que declara a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima instaurada pelo Ministério Público - tendo-se considerado caber essa competência à Autoridade Tributária -, decretando a absolvição do executado da instância.
Decisão Texto Integral:

DECISÃO SUMÁRIA

Nos termos dos Artsº 417 nº 6 al. b) e 420 nsº1 al. b) e 2, ambos do CPP, profere-se a seguinte decisão sumária

1. RELATÓRIO

No processo nº 93/23.2T9OLH, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Olhão, Juiz 1, foi instaurada, pelo Ministério Público, execução por coima e custas, no montante de € 97,50 (noventa e sete euros e cinquenta cêntimos), contra (A).

Em 10/05/23, foi proferido o seguinte despacho (transcrição):

Iniciaram-se os presentes autos executivos com requerimento executivo apresentado pelo Ministério Publico, para cobrança de coima, devida ao Município de Olhão.

Estabelece o actual art.º 35º do Regulamento das custas processuais (após - Lei n.º 27/2019, de 28/03) o seguinte:

1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.

2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.

3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu.

4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil.

Com a actual redacção da sobredita norma, o Ministério Publico no âmbito da jurisdição criminal junto dos Juizos Locais criminais tem competência unicamente para instaurar execução por multa devida nos processos e indemnizações arbitradas aos ofendidos/vitimas dos processos criminais.

Todos os demais valores são cobrados pela A.T. após emissão da competente certidão de divida no processo.

É aliás este o entendimento vertido no parecer n.º 27/2020, de 04-10 do Ministério Publico.

Fazendo, como se entende, todo o sentido que se o Ministério Publico junto do tribunal não tem competência para cobrar as custas devidas no próprio processo, não poderá executar custas ou coimas devidas em qualquer outro processo de natureza administrativa, junto de qualquer outra entidade.

Em face do exposto, e tendo em conta o objecto da presente execução, constatamos que este Tribunal é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar e a presente acção executiva, a qual entendemos ser da Autoridade Tributária.

A incompetência absoluta em razão da matéria verificada constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, e importa a absolvição do Executado da instância, nos termos do disposto nos artigos 65º, 97º, 98º, 99º e 577º, al. a) do Código de Processo Civil.

Notifique.

Existindo alguma penhora nos autos proceda ao seu imediato cancelamento.

Existindo valores pagos proceda à notificação do executado com informação dos respectivos valores.


*

Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P., com as seguintes conclusões (transcrição):

1) O Ministério Público promoveu a execução da coima e custas da entidade administrativa, por não terem sido voluntariamente liquidados os valores em dívida por parte do executado.

2) Para o efeito, o Ministério Público submeteu requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.

3) Pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a presente acção executiva, considerando que tal competência recai sobre a AT.

4) O legislador não alterou o disposto nos artigos 61.º, 88.º e 89.º, do RCP, mantendo-se a competência para a execução da coima administrativa não paga junto dos Tribunais.

5) Perante a actual redação do artigo 35.º, do RCP, apenas se considera admissível que a AT tenha competência para a execução das custas da entidade administrativa. No que respeita à coima, o legislador não atribuiu essa competência à AT.

6) Ao julgar que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a acção executiva que deu origem aos presentes autos, com o devido respeito por opinião contrária, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 61.º, 88.º, e 89.º, do RGCO, 35.º, do RCP, e 64.º, do CPC, por força do disposto no artigo 4.º, do CPP.

7) Numa interpretação conforme com o disposto nos artigos antecedentes e demais disposições legais aplicáveis, consideramos que o tribunal recorrido nunca se poderia declarar materialmente incompetente para proceder à execução da coima, por se verificar que o Juízo de Competência Genérica de Olhão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, é territorialmente e materialmente para apreciar a presente acção executiva, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.

8) Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que prossiga a presente execução relativamente à coima aplicada pela entidade administrativa e, eventualmente, relativamente às custas aplicadas pela entidade administrativa, caso se entenda que o Tribunal recorrido é igualmente competente para a sua execução.


*

A Mªm Juiz a quo sustentou o despacho recorrido nos seguintes termos (transcrição):

Nos termos do disposto no artº 641º, nº1 do CPC ex vi do art.º 414º, nº4º do C.P.P., procede-se a despacho de apreciação da nulidade invocada, nos seguintes termos:

O tribunal proferiu despacho determinando a incompetência absoluta em razão da matéria para o tribunal prosseguir a execução de coimas aplicadas por entidades administrativas.

O despacho proferido já se encontra nas alegações apresentadas pelo Digno Magistrado do Ministério Publico.

Fundamentou o despacho com base na actual redacção do Art.º 35º do Regulamento das Custas processuais e ainda no parecer do MP aí invocado.

Em sede de apreciação da nulidade invocada, e sustentando o despacho colocado em crise, cumpre referir o seguinte:

Parecer do Ministério Publico sobre a proposta de Lei nº 149/XIII/4ª GOV enviado em 24.10.2018.

O parecer supra referido sustenta a sua inteira concordância com ser retirada a competência aos tribunais judicias para proceder a cobrança de custas e coimas, manifestando unicamente a sua discordância relativamente a essa competência no que concerne à pena de multa.

Aliás e no que concerne ao disposto no art.º 89º do RGCO também o referido parecer contem menção da alteração que deveria ser feita à referida norma.

É certo que o diploma não contempla essa mesma alteração, no entanto uma interpretação sistemática do diploma (conjugada com a lei geral tributária e o código do procedimento e processo tributário) não pode deixar de considerar que a execução por coimas não cabe aos tribunais, mas antes à autoridade tributária

No âmbito aliás deste parecer, e com o intuito de de facto delimitar as competências do Ministério Publico no âmbito das execuções de origem penal ou contra ordenacional, foi referido que o art.º 148º do C.P.P.T deveria conter uma alínea c) no seu numero 2º, contendo as coimas emitidas por entidades administrativas .

A referida alínea c) limitou-se a custas, multas não penais e sanções pecuniárias em processo judicial.

Porém a norma constante do nº1º, alínea b) da referida norma contempla as coimas aplicadas em decisões e sentenças, onde incluímos obviamente as coimas de entidades administrativas ou as coimas aplicadas em por sentença após recurso de impugnação judicial de decisão administrativa.

É aliás tal facto também referido no 1. Parecer do Ministério Publico n.º 27/2020, de 04-10 que refere o seguinte:

“Cobrança das custas fixada na fase administrativa do processo contraordenacional”

1.ª Na sua versão original, o Regime Geral das Contraordenações remetia a execução das custas para o disposto nos artigos 171.º e seguintes do Código das Custas Judiciais, assim atribuindo ao Ministério Público competência para promover a sua execução junto dos tribunais judiciais (artigo 202.º, n.º 2, daquele Código);

2.ª Esta solução, apesar das inúmeras alterações legislativas que enfrentou, manteve-se quase inalterada até a entrada em vigor da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, relativa a aplicação do processo de execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial;

3.ª Com efeito, considerando a natureza tributária das custas e seguindo o exemplo da jurisdição administrativa e fiscal, o legislador inverteu aquele paradigma, remetendo para a execução fiscal a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial;

4.ª Para esse efeito, a Lei n.º 27/2019, de 28 de março, alterou o Código de Procedimento e de Processo Tributário que passou a dispor que «Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: [...] Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial [artigo 148.º, n.º 2, alª c)];

5.ª Bem como o artigo 35.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, que sob a epígrafe «execução», passou a dispor que: «Compete a administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial»;

6.ª Embora nem a Lei n.º 27/2019, de 28 de março, nem as normas que ela alterou, o digam expressamente, deve entender-se que este regime é aplicável as custas fixadas na fase administrativa do processo de mera ordenação social, competindo a Administração Tributária proceder a sua cobrança coerciva;

7.ª Desde logo, porque, continuando o artigo 92.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, a remeter para os preceitos reguladores das custas em processo criminal, será aqui aplicável o disposto no artigo 35.º do Regulamento das Custas;

8.ª Depois, porque, atenta a sua natureza, tais custas estão incluídas no âmbito do artigo 148.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual o processo de execução fiscal abrange, para além do mais, a cobrança coerciva de taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;

9.ª Em terceiro lugar, porque, em vez de atribuir ao juízo ou tribunal que as tenha proferido competência para executar as decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável, o legislador passou a atribuir-lhe, apenas, competência para a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável(artigo 131.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário);

10.ª Em quarto lugar, porque o legislador restringiu os poderes do Ministério Público, maxime o poder de promover a execução por custas, conferindo-lhe, agora, apenas, competência para promover a execução das penas e das medidas de segurança e, bem assim, a execução por indemnização e mais quantias devidas ao Estado ou a pessoas que lhe incumba representar judicialmente (artigo 469.º do Código de Processo Penal);

11.ª Finalmente, porque o legislador eliminou a referência a execução por custas, que constava do artigo 491.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, passando a mesma a ser da competência exclusiva da Administração Tributária;

12.ª Com estas alterações, para além de ter atribuído a Administração Tributária competência para proceder a cobrança coerciva das custas, o legislador eliminou as normas que antes atribuíam ao Ministério Público competência para promover a sua execução e aos tribunais judiciais competência para a tramitar;

13.ª Desta forma, o artigo 148.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, passou a incluir a cobrança da taxa de justiça e dos encargos legais, que, por força de disposições legais especiais, antes lhe estava subtraída; e

14.ª Se as entidades administrativas remeterem ao Ministério Público expediente destinado a cobrança de custas fixadas em processo de contraordenação, tal expediente deverá, por mera economia de meios, ser reencaminhado diretamente a Autoridade Tributária, com conhecimento ao remetente.”

O parecer supra citado, descreve a restrição da competência do ministério publico, circunscrevendo-a unicamente a multas penais e indemnizações arbitradas em processo penal.

Não podemos deixar também de trazer à colação o seguinte:

O Código de procedimento e processo tributário, nu seu art. 148º, nº1º, alínea b), estatui “O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.

A questão da competência dos tribunais ou da administração tributária para proceder à cobrança de coimas aplicadas por entidades administrativas, tem pois que ser solucionada através de um processo de interpretação, uma vez que, as alterações sugeridas pelo Ministério Publico no parecer de 24.10.2018, relativamente à norma constante do art.º 89º do RGC não sofreram acolhimento na lei.

Nesta interpretação jurídica teremos necessariamente que considerar elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente, socorrendo-nos de elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica.

Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias:

a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada];

b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema;

c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).

Aplicando estes elementos à analise da Lei Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, a qual se encontra sumariada da seguinte forma: “Aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial, procedendo à sétima alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, trigésima terceira alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, sétima alteração ao Código de Processo Civil, décima terceira alteração ao Regulamento das Custas Processuais, trigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal, quarta alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro”, conjugando com o parecer do Ministério Publico sobre a proposta de Lei nº 149/XIII/4ª GOV enviado em 24.10.2018, com as referências já mencionadas, bem como o art.º 148º, nº1º alínea b) e nº2º alínea c) do Código do Procedimento e Processo Tributário, entendemos que o legislador quis concentrar na administração tributária toda a cobrança de valores pecuniários, com excepção da quantia relativa à pena de multa ou indemnização arbitrada em processo penal (competência que se mantêm no Ministério Publico), uma vez que estas assumem relevância penal, seja para determinação do cumprimento de condição da suspensão, seja para extinção da pena de multa ou sua conversão em prisão subsidiária.

Face ao exposto mantemos o despacho recorrido, considerando os tribunais judiciais absolutamente incompetente, em razão da matéria, para executarem coimas aplicadas por entidades administrativas.


*

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que lavrou parecer no sentido da rejeição do recurso por estar em causa um despacho irrecorrível.

Cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não têm aplicação. Ainda que a questão suscitada no recurso seja a de saber se a competência para promover a execução por coima aplicada pela autoridade administrativa em processo contraordenacional, cabe ao Ministério Público ou, ao invés, à Administração Tributária, coloca-se, todavia, uma questão prévia, que é a de saber se a decisão judicial em crise, que declarou a incompetência do tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima, é, ou não, recorrível.

Trata-se de matéria que tem dividido a jurisprudência desta Relação, existindo decisões num e noutro sentido. Como já defendi em acórdão do passado dia 09/01, no Proc. 516/23.0T9OLH.E1, em que figurei como adjunto, entendo que a decisão judicial sob recurso, consubstanciando uma declaração de incompetência em razão da matéria, incompetência absoluta, portanto, do Tribunal de Olhão, para apreciar a execução por coima, instaurada pelo Ministério Público, considerando-se caber tal competência à Administração Tributária, corporiza um despacho irrecorrível.

Estamos na presença de execução por coima, aplicada pela autoridade administrativa, no âmbito de um processo de contraordenação, sendo por isso aquela regulada nos termos dos Artsº 89 e segs do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro - Regime Geral das Contraordenações e Coimas (RGCO), cujo nº2 estabelece que se aplica com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa, o que, na prática, significa a remissão para os Artsº 491 e 510 deste diploma legal. Por sua vez, o artigo 510º do CPP estatui que, “Em tudo o que não esteja especialmente previsto neste Código, a execução de bens rege-se pelo disposto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais”. No que toca aos recursos no âmbito do processo executivo por contraordenação, rege o Artº 73 nº1 do RGCO, que estabelece o seguinte:

“Decisões judiciais que admitem recurso

1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:

a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 249,40€;

b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;

c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a 249,40€ ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;

d) A impugnação judicial for rejeitada;

e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.

2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.”

É assim evidente que contrariamente à regra geral vigente para o processo penal - (“ex vi” Artº 399 do CPP) - onde é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, no âmbito do RGCO o regime regra é o inverso: a regra é a irrecorribilidade das decisões, sendo excepcionais as normas habilitadoras de recurso das decisões, norma que o Tribunal Constitucional já, por diversas vezes, assegurou não ser ferida de inconstitucionalidade, precisamente por não haver equiparação do direito contraordenacional ao direito penal e processual penal, no concernente ao direito fundamental ao recurso, desde logo por o nº 10 do Artº 32 da Constituição da República Portuguesa apenas exigir, em sede contraordenacional, que sejam garantidos os direitos de audiência e de defesa.

Ou seja, inexiste em sede contraordenacional - ao contrário do processo penal - um direito fundamental ao recurso de toda e qualquer decisão jurisdicional, que é aqui, severamente restringida, para garantia de outros valores constitucionais.

Ora, o citado Artº 73 do RGCO elenca as decisões da 1ª instância que são passíveis de recurso e ali não se prevê a possibilidade de recorrer dos despachos jurisdicionais que, nesta fase do processo, (onde já não está em causa a condenação ou a absolvição do arguido) declarem a incompetência absoluta do Tribunal.

Entendo, assim, não ser recorrível o despacho judicial que declara a incompetência do tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima, instaurada pelo Ministério Público – tendo-se considerado caber essa competência à Autoridade Tributária –, decretando a absolvição do executado da instância.

Como se escreveu no aresto acima citado, relatado pela Exmª Desembargadora Maria Fátima Bernardes: “Em face do decidido na 1.ª instância, o Ministério Público poderá, se assim o entender, requerer a remessa do processo executivo à Administração Tributária e se tal acontecer, esta entidade poderá adotar uma de duas posições: aceitar a competência ou declarar também a sua incompetência. Adotando a AT a primeira posição, a situação ficaria ultrapassada. Pelo contrário se a AT recusasse a competência, configurar-se-ia um conflito de jurisdição (cf. artigo 109º, n.º 1, do CPC), também designado, por alguma doutrina, de conflito de função, recaindo a competência para dele conhecer, ao presidente do STJ, com a faculdade de delegação nos vice-presidentes (cf. artigo 110º, n.º 1, do CPC e 62º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário), sendo aplicável o regime processual previsto nos artigos 111º a 11º do CPP”.

Pelo exposto, não sendo recorrível a decisão judicial em apreço, não consentindo a mesma impugnação recursiva, deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser rejeitado, nos termos combinados dos Artsº 417 nº6 al. b) e 420 nº1 al. b), ambos do CPP, ex vi Artº 74 nº4 do RGCO, sendo que, nos termos do nº3 do Artº 414 do CPP, a decisão que admite o recurso e lhe determina o efeito e o regime de subida, não vincula o tribunal superior.

3. DECISÃO

Nestes termos, decido rejeitar o recurso por se tratar de despacho irrecorrível.

Sem custas.


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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que esta decisão foi integralmente revista e elaborada pelo signatário.

Évora, 12 de fevereiro de 2024

Renato Barroso