Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7547/19.3T8STB-B.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Não viola o princípio do contraditório a decisão que, sem prévia audição do executado, indefere liminarmente a oposição à penhora com fundamento na manifesta improcedência do incidente;
II – O incidente de oposição à penhora consiste num meio de reação contra ato de penhora considerado ilegal, por violador de limites previstos na lei;
III – A procedência da oposição à penhora conduz ao levantamento / redução da penhora impugnada, do que decorre a necessária improcedência da peticionada extinção da ação executiva que constitui o processo principal, pretensão que não integra o âmbito do incidente.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7547/19.3T8STB-B.E1
Juízo de Execução ...
Tribunal Judicial da Comarca ...


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que o Condomínio do Prédio sito na Avenida ..., ..., em ..., move contra AA, em que é apresentada, como título executivo, uma sentença condenatória, o executado, notificado da penhora da pensão de reforma que lhe é paga pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, deduziu incidente de oposição à penhora, formulando o pedido que se transcreve:
«a) Ser o presente auto de penhora declarado extinto por falta da base de título executivo válido ex novo para os valores inexplicáveis, indeterminados e perpétuos pretendidos pela Exequente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º e artigo 703.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC.
b) - Caso assim se não entenda, deve ainda ser nulo o presente auto de penhora face à incerteza, iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda nova, indeterminada e não titulada, nos termos que fala expressis verbis o n.º 3, in fine, do artigo 10.º do CC, diz o artigo 295.º deste que aos actos jurídicos em geral são aplicáveis disposições anteriores como as do artigo 280.º, por objecto legalmente impossível e contrário à lei e ofensivo dos bons costumes;
c) - Deve haver lugar ao imediato levantamento das penhoras levadas a efeito sobre as pensões de reforma auferidas pelo Oponente e que garantem o seu sustento e da família, pagas pela CPAS e pela CGA, por serem estas ilegais, abusivas e atentatórias dos princípios da adequação, proporcionalidade e razoabilidade da penhora, para além de valor da execução no montante de 10.900,00 euros, ser uma repetição do anterior valor da causa – artigos 738.º e 784.º do CPC.
d) - Outrossim, deve o Exequente ser condenado como litigante de má-fé (artigo 542.º, n.º 2, CPC), assim como o respectivo mandatário, este nos termos previstos no artigo 545.º do C.P.C., em multa e em indemnização, de acordo com o grau de culpa de cada um, a fixar segundo o prudente arbítrio deste Tribunal».
Por despacho de 16-06-2023, foi indeferida liminarmente a oposição à penhora, nos termos seguintes:
(…)
No caso, o executado vem opor-se à penhora alegando factos que constituem uma oposição à execução que já deduziu e foi apreciada e transitada em julgado.
Nos autos principais a Sr.ª Agente de execução veio esclarecer como se pode verificar, estão garantidos os limites da penhora previstos no artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil e procedeu à liquidação da execução.
A oposição à penhora é indeferida liminarmente quando tenha sido deduzida fora do prazo, o fundamento não se ajuste ao disposto no artigo 784.º, n.º 1, ou for manifestamente improcedente (cfr. artigo 785.º, n.º 2 e 732.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Como se viu, tal incidente tem por finalidade, possibilitar ao executado reagir contra uma penhora ilegal, nomeadamente, se forem penhorados bens pertencentes ao próprio executado que não deviam ter sido atingidos pela diligência, quer por inadmissibilidade ou excesso da penhora, quer por esta ter incidido sobre bens que, nos termos do direito substantivo, não respondiam pela dívida exequenda.
Trata-se, efectivamente, de situações de impenhorabilidade objectiva.
No caso em apreço, não se invoca qualquer das situações supra enunciadas, pois, apenas se questiona a divergência de valores reclamados, pelo Sr. Agente de Execução na liquidação da obrigação exequenda e factos que configuram oposição à execução.
Com efeito, a oposição à penhora apresentada não pretende reagir contra um qualquer vício que afecta esse acto de penhora, antes configura a discordância do devedor quanto à liquidação da execução dependente de simples cálculo aritmético e à tramitação da acção executiva e ao título executivo, o que constitui matéria de oposição à execução que já foi apreciada no apenso de embargos de executado e não no âmbito da oposição à penhora.
A oposição apresentada não consubstancia, de per si, a oposição à penhora efectivamente plasmada no artigo 784.º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, pelos motivos explanados, a oposição à penhora, nos moldes em que foi formulada, jamais poderia obter êxito, pelo que, nos termos constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 732.º do Código de Processo Civil, ex vi do n.º 2 do artigo 785.º do Código de Processo Civil, decide-se, nos termos e pelos fundamentos expostos, indeferir liminarmente o requerimento de oposição à penhora.
Em face de tudo o exposto, conclui-se que a oposição à penhora é manifestamente improcedente e, como tal, deve ser liminarmente indeferida – artigo 732.º, n.º 1, alínea c), ex vi do artigo 785.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
As custas ficarão a cargo da oponente (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Valor: o da execução (artigos 297.º, n.º 1, 304.º, n.º 1 e 306.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.

Inconformado, o executado interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e, conforme peticiona, substituída «por outra que paralise a execução e obviamente a penhora, determinando a cessação da cobrança de descontos e a integral repetição do indevido, até por intolerável enriquecimento sem causa (artigos 473.º e 476.º do CC ), a condenação de recorrido e seu mandatário em multa e indemnização ao recorrente em valor similar ao da causa e a título de litigância de má-fé (artigos 8.º e 542.º do CPC ) e o cálculo das custas só em função desse valor da causa e com o abatimento de todas as taxas já adiantadas pelo recorrente».
O apelante termina as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Decidiu o Tribunal a quo pela prolação de Despacho de Indeferimento liminar de Incidente de Oposição à Penhora prolatado em 16.06.2023 e notificado via citius em 19.06.2023, entendendo que o incidente se mostrava manifestamente improcedente porquanto se consubstanciaria em fundamentos próprios de oposição à execução por Embargos de Executado, não tendo sido cumprido o vertido no artigo 784.º do CPC no que tange à alegação de fundamentos para a Requerida oposição à Penhora;
2. Ademais e contra os interesses e direitos legítimos do Recorrente, que se viu totalmente impedida de exercer em Tribunal a defesa dos seus Direitos e legítimos interesses não só não permitindo aferir do mérito da causa, como acarretando maiores encargos e ónus para a já fragilizada posição processual do Recorrente, sem oportunidade para argumentar, defender o seu património nem tão pouco fazer valer a seu favor os meios de prova que produziu (documental) e que se prestou a produzir em momento processual ulterior (prova testemunhal, declarações de parte do ora Recorrente e depoimento de parte do legal representante do Recorrido).
A) Destarte, mostram-se violadas pela Decisão recorrida as seguintes normas jurídicas (artigo 639.º, n.º 2, alínea a), do CPC):
1) - Artigo 3.º do CPC, porquanto apenas por via de Recurso ao Tribunal Superior pode a Recorrente exercer o contraditório inicial quanto à questão suscitada pela decisão recorrida;
2) - Artigo 4.º do CPC, porquanto o Recorrente veio a ser enquadrado processualmente em manifesta desvantagem, alvo de uma decisão surpresa que o deixa em situação desigual se comparado com a contraparte, a Recorrida, ficando condicionado a apenas poder fazer valer a defesa dos seus direitos e interesses legítimos por via do presente Recurso para este Venerando Tribunal Superior.
3) - Mostra-se ainda claramente violado o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, mostrando-se excessivamente onerado e oneroso para a pessoa do Recorrente o seu Direito de Acesso ao Direito e aos tribunais para prover à sanação de uma questão jurídica de elevadíssimo valor económico, que acarreta encargos elevados para a esfera jurídica do mesmo, o que se revela ainda especialmente fragilizador, uma vez que está em causa o seu meio de sustento pessoal e a sua subsistência, em melhor rigor.
B) - Mostra-se ainda violado o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que consagra o direito a um processo equitativo, sendo que a inobservância de tal princípio poderá ocasionar mesmo nulidade processual pois que a irregularidade cometida pode influir no exame e decisão da causa – artigo 195.º, n.º 1, do CPC –, pelo que, mostrando-se posta em crise decisão judicial sindicada por via do presente Recurso, desde já se argui, para todos os efeitos legais tidos por convenientes, e no melhor interesse do Recorrente, a nulidade da decisão sindicada que reveste a natureza de despacho de indeferimento liminar de requerimento inicial de Oposição à Penhora.
3. Assim, como os autos comprovam exuberante e inequivocamente e com o apoio dos documentos juntos, é indiferente a catalogação ou classificação da intervenção do recorrente, porque aquilo de que se trata radicalmente é da inexistência de qualquer sentença a executar.
4. Na verdade e a todas as luzes, a prestação de facto do fornecimento de informações que condenou o recorrente já foi acatada por este escrupulosa e irrestritamente, antes mesmo do próprio trânsito do aresto e até por excesso, porque se dispôs a contribuir com o que adicionalmente ainda devesse ser dilucidado.
5. Daqui se extrai que a boa-fé do recorrente não conheceu contraponto no adversário, que por essa razão deve ser condenado como litigante de má-fé (artigos 8.º e 542.º e seguintes do CPC).
6. Essa condenação em multa e indemnização ao recorrente equivalente ao valor da causa abrange o próprio mandatário do recorrido, não só porque este se mostra o líder visível das acções ilícitas do seu mandante, como também porque assim ilegitimamente vem chamando a si uma avultada quota litis de 20% que infringe o artigo 106.º do Estatuto da AO.
7. O que de igual modo se segue do que comprovadamente é argumentado pelo recorrente, é que a decisão ora em recurso padece de erro de julgamento, por isso que não atinge o eixo nuclear ou traço axial essencial da causa, de que aliás faz caso omisso, o que a invalida (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por se ter deixado de pronunciar sobre questões que lhe cabia apreciar).
8. A execução é tão anacrónica, que ela própria sim é que deve ser erradicada liminarmente.
9. Aliás e ainda que por absurdo assim se não entendesse, haveria que fixar uma meta ao montante inventado supostamente a executar
10. Ora, o recorrido não o faz e ainda declara expressamente que a extorsão ao recorrente vai continuar indefinidamente! (sic).
11. Essa cobrança de dinheiro ao recorrente, à margem da lei e indizível e de maneira a deixar este a pão e água, consubstancia um enriquecimento sem causa (artigos 473.º e seguintes do CC), não só respeitantemente ao pretérito, como ainda impudicamente projectado para a eternidade!
12. Em rigor, nem haverá aqui o abuso de direito do artigo 334.º do CC, por isso que nem sequer existe direito algum do recorrido.
13. Crê-se insofismável este ângulo de análise do recorrente e sob o qual ainda é possível sin embargo descortinar alguns segmentos válidos na decisão a quo, não deixando de ser pertinente a reprodução da invocação da falta de título executivo no requerimento do artigo 724.º (v. ainda o artigo 729.º ibidem), a par naturalmente da própria inadmissibilidade da penhora (alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º do mesmo compêndio de normas).
14. Mutatis mutandis, idem acerca da falta de exigibilidade e de liquidez (n.º 5 do artigo 10.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º) e quanto ao recorrido com ignominiosa transgressão dos princípios da adequação e da proporcionalidade ou razoabilidade (maxime n.º 3 do artigo 735.º, ainda do CPC).
15. E seja permitido reeditar que, atendendo à unidade do espírito do sistema do final do n.º 3 do artigo 10.º e conjugado com o artigo 295.º, ambos do CC, aos actos jurídicos em geral são aplicáveis disposições anteriores como as do artigo 280.º desse Código, pelo que in casu é nulo por objecto legalmente impossível, contrário à lei e ofensivo dos bons costumes o acervo de comportamentos facciosos e tirânicos cometidos pelo recorrido e protagonizadas indisfarçavelmente pelo seu mandatário.
16. -Segundo o artigo 762.º ainda do CC, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
17. Entretanto e lendo o artigo 738.º do CPC, também custa acreditar que a CPAS da AO tenha penhorado uns exíguos 138 euros da modesta pensão de aposentação do recorrente de 425,85 euros.
18. É outra ilegalidade que deve cessar e com a devolução ao recorrente destas verbas de que ilicitamente foi despojado, a par das relativas à CGA.
19. Depois e do auto retroactivo de penhora de 4Jan2023 consta no campo 8 sob a epígrafe limite da penhora os seguintes dados: quantia exequenda de 10.900 euros, despesas prováveis de 70.788,17 euros e um total de 81.688,17 euros, o que representa um insuportável desequilíbrio a apontar à cabeça para montantes arbitrariamente inapropriados, o que justifica a sua rejeição».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) da violação do princípio do contraditório;
ii) da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia;
iii) da reapreciação da decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Os elementos com relevo para a apreciação das questões suscitadas constam do relatório supra.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Violação do princípio do contraditório
O apelante invoca a violação do princípio do contraditório e a prolação de decisão-surpresa, sustentando que a 1.ª instância indeferiu liminarmente a oposição à penhora com fundamento em manifesta improcedência no incidente, sem que o executado tenha sido ouvido sobre a questão, relativamente à qual não teve oportunidade de se pronunciar em momento anterior à prolação da decisão recorrida.
Invocando o recorrente a omissão do dever de audição das partes previamente à prolação da decisão, cumpre atender ao artigo 3.º, n.º 3, do CPC, preceito que dispõe o seguinte: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Consagra este preceito o princípio do contraditório, proibindo a chamada decisão-surpresa, isto é, nas palavras de José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 31), “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”. Esclarecem os autores (ob. cit., pág. 32) que “antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)”, acrescentando que “a omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 195.º”.
O incidente de oposição à penhora encontra-se regulado nos artigos 784.º e 785.º do Código de Processo Civil, configurando um dos meios previstos na lei de reação pelo executado ou seu cônjuge (cfr. artigo 787.º, n.º 1, do citado Código) contra penhora considerada ilegal.
Sob a epígrafe Fundamentos da oposição, o artigo 784.º, no seu n.º 1, elenca as situações que podem constituir fundamento de oposição à penhora, a saber: a) inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Regulando o processamento do incidente, dispõe o artigo 785.º, n.º 2, do CPC, que o incidente segue os termos dos artigos 293.º a 295.º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 732.º, preceito do qual decorre que há lugar a despacho liminar, devendo a oposição à penhora ser liminarmente indeferida quando: a) tiver sido deduzida forma do prazo; b) o fundamento não se ajustar ao disposto no artigo 784.º, n.º 1; c) seja manifestamente improcedente.
O indeferimento liminar do incidente, designadamente por manifesta improcedência, encontra-se expressamente previsto no artigo 732.º, n.º 1, alínea c), aplicável por força artigo 785.º, n.º 2, do CPC, pelo que não pressupõe qualquer comunicação prévia às partes, concretamente ao requerente do incidente, anunciando a decisão a proferir.
Não viola o princípio do contraditório a decisão que indefere liminarmente a oposição à penhora, com fundamento na manifesta improcedência do incidente, sem prévia audição do executado.
Como tal, cumpre concluir que o despacho recorrido não constitui decisão-surpresa, improcedendo a argumentação neste sentido deduzida pelo apelante.

2.2.2. Nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia
O apelante põe em causa o despacho de 16-06-2023, no qual se indeferiu liminarmente o requerimento em que suscitara o incidente de oposição à penhora e se condenou o oponente nas custas respetivas.
Na apelação interposta, o recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe o vício de omissão de pronúncia, sustentando que não foram apreciados os fundamentos de oposição à penhora invocados no requerimento apresentado.
A nulidade em causa encontra-se prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC – aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo Código –, e ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo Código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Está em causa, no caso presente, um despacho liminar proferido ao abrigo do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea c), aplicável por força do estatuído no artigo 785.º, n.º 2, ambos do CPC, preceitos dos quais decorre que o incidente de oposição à penhora deve ser liminarmente indeferido, entre outras situações, se for manifestamente improcedente.
Analisando a decisão recorrida, verifica-se que se apreciou o requerimento de oposição à penhora e se considerou, em síntese, que não foi invocado pelo executado qualquer vício que afetasse a penhora e que os fundamentos apresentados não preenchem os requisitos de que depende a procedência da oposição deduzida, o que se entendeu conduzir à manifesta improcedência do incidente.
Verifica-se, assim, que os fundamentos de oposição à penhora invocados no requerimento apresentado foram apreciados no despacho recorrido, pelo que não ocorre a omissão de pronúncia invocada pelo apelante como causa de nulidade de tal decisão.
Nesta conformidade, improcede a arguição de nulidade da decisão recorrida.

2.2.3. Reapreciação da decisão recorrida
Vem posto em causa na apelação o despacho que indeferiu liminarmente o incidente de oposição à penhora deduzido pelo apelante, por se ter considerado verificada a sua manifesta improcedência.
Entendeu a 1.ª instância, em síntese, que o executado baseia a oposição à penhora em factos que constituem fundamento de oposição à execução, incidente que já deduziu e que foi julgado improcedente, por decisão transitada em julgado; mais se entendeu que não foi invocado pelo executado qualquer vício que afetasse a penhora, pelo que a matéria alegada não preenche os requisitos de que depende a procedência da oposição deduzida, sendo que os fundamentos apresentados configuram, conforme consta do despacho recorrido, a discordância do devedor quanto à liquidação da execução dependente de simples cálculo aritmético e à tramitação da ação executiva e ao título executivo, o que constitui matéria de oposição à execução que já foi apreciada no apenso de embargos de executado.
A reapreciação da decisão proferida – dentro da competência decisória deste tribunal, delimitada pelas conclusões das alegações do apelante – importa a prévia determinação do efeito pretendido com a apelação.
Dispõe o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, esclarecendo o n.º 2 do preceito as indicações que deverão constar das conclusões, nos casos em que o recurso versa sobre matéria de direito.
Explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 767-768) que “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”, acrescentando que deve ser incluído, na parte final, o resultado procurado.
No que respeita ao resultado visado com o recurso, verifica-se que o apelante peticiona se revogue a decisão recorrida e se proceda à respetiva substituição, nos termos que especifica no segmento que se transcreve:
«(…) por outra que paralise a execução e obviamente a penhora, determinando a cessação da cobrança de descontos e a integral repetição do indevido, até por intolerável enriquecimento sem causa (artigos 473.º e 476.º do CC ), a condenação de recorrido e seu mandatário em multa e indemnização ao recorrente em valor similar ao da causa e a título de litigância de má-fé (artigos 8.º e 542.º do CPC ) e o cálculo das custas só em função desse valor da causa e com o abatimento de todas as taxas já adiantadas pelo recorrente».
Extrai-se do segmento transcrito que o apelante pretende, em primeira linha, se paralise a execução, isto é, se impeça o prosseguimento da ação executiva que constitui o processo principal, resultado do qual faz depender a procedência das demais pretensões que formula, a saber: i) a peticionada paralisação da penhora, com a consequente cessação dos descontos, bem como a integral restituição das quantias descontadas, sustentando que a quantia exequenda se mostra indevida e que os montantes penhorados configuram intolerável enriquecimento sem causa; ii) a condenação do exequente e do respetivo mandatário em multa e indemnização, de montante similar ao valor da ação executiva, a título de litigância de má-fé.
Analisando as alegações de recurso, verifica-se que a peticionada paralisação da execução, e respetivas consequências (levantamento da penhora, devolução das quantias descontadas e condenação do exequente e do respetivo mandatário por litigância de má fé), se baseia na invocação do cumprimento, pelo apelante, das obrigações impostas pela sentença apresentada como título executivo.
Esta questão foi suscitada pelo executado no incidente de oposição à execução que correu termos no apenso A, julgado improcedente por decisão da 1.ª instância, confirmada por acórdão desta Relação (relatado pela ora relatora, em coletivo com intervenção do Sr. Desembargador ora 2.º Adjunto) proferido em 24-03-2022 e transitado em julgado.
Consta do aludido acórdão, além do mais, o seguinte:
Na ação executiva que constitui o processo principal é apresentada, como título executivo, sentença proferida no processo n.º 621/17.... do Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ..., em que era autor o ora exequente e réu o executado/embargante, o qual foi condenado:
A - A prestar, no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, a seguinte informação quanto aos mandatos que lhe foram confiados: a) indicar se intentou alguma ação contra o construtor do imóvel e se sim qual e em que data; b) indicar o estado, número de processo e juízo de tal ação; c) indicar o valor das despesas em que incorreu com tal processo;
B - Ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 50, caso não cumpra com a prestação de todas as informações solicitadas no prazo de quinze dias a contar do trânsito em julgado da sentença.
Com relevo para a determinação da pretensão executiva, consta do acórdão desta Relação proferido no processo principal a 08-10-2020 (transitado em julgado) o seguinte:
A pretensão executiva alicerçada na sentença condenatória, diz, apenas, respeito à parte desta que condenou o ora executado a título de sanção pecuniária compulsória, numa quantia fixa, de € 50,00 por cada dia de atraso na prestação das informações que foram solicitadas pela ora exequente, não havendo, assim que proceder a qualquer incidente de liquidação prévia à execução, uma vez que a mesma depende de simples cálculo aritmético e como tal pode ser efetuada, como o foi, no próprio requerimento executivo, tendo por base o trânsito em julgado da sentença condenatória e o facto alegado de não obstante o trânsito da mesma e o prazo nela concedido para o efeito, ainda não lhe terem sido prestadas as informações que a sentença impôs que fossem prestadas.
(…)
Com o trânsito em julgado e o decurso do prazo da prestação, a quantia imposta pela condenação passou a ser para além de certa, exigível, caso as obrigações que cabiam ao ora executado, não fossem atempadamente cumpridas, como no dizer do exequente no requerimento executivo não foram.
Entendeu a 1.ª instância, na decisão recorrida, que a defesa apresentada pelo embargante configura alegação do cumprimento da obrigação de prestação daquelas informações, mas não se enquadra na previsão da mencionada alínea g) do artigo 729.º, em virtude de não terem sido invocados factos posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
(…)
Discordando deste entendimento, o apelante sustenta que a prova indicada deve ser considerada bastante para se julgar procedente a oposição à execução, com fundamento na previsão da alínea g) do artigo 729.º.
Vejamos se lhe assiste razão.
Estando em causa execução baseada em sentença, prevê o artigo 729.º do CPC, entre as diversas situações que podem constituir fundamento de oposição à execução, a invocação, nos termos da alínea g), de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; sendo que a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio.
Este fundamento reporta-se à invocação de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração.
Como tal, a questão essencial centra-se, em primeira linha, na própria invocação do facto extintivo ou modificativo da obrigação, impondo-se que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, só num segundo momento cabendo apreciar se os meios de prova apresentados respeitam a exigência expressa de certa espécie de prova para a existência do facto, isto é, a exigência de prova documental, salvo se se tratar da prescrição do direito ou da obrigação.
Sobre o que deve entender-se por facto posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, esclarece Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo, Coimbra, Almedina, 2016, pág. 203) que “aquilo que releva é que o facto tenha ocorrido posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração, isto é, que seja supervenientemente objetivo, e não que a invocação seja posterior ao encerramento da discussão, ainda que o facto se tenha verificado num momento anterior a esse marco temporal”. Acrescenta o autor (loc. cit.) que “se o facto modificativo ou extintivo da obrigação tiver ocorrido antes do encerramento da discussão no processo de declaração, mas se o executado apenas tiver tido conhecimento do mesmo após esse momento, este deverá lançar mão do recurso extraordinário de revisão e não da oposição à execução”.
Dispõe o artigo 611.º, n.º 1, do CPC, que, sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Esclarece Miguel Teixeira de Sousa (Preclusão e caso julgado, (02.2016) págs. 6-7, in: https://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016) o seguinte: “Para as partes, o estabelecido no artigo 611.º, n.º 1, significa que elas têm o ónus de alegar os factos supervenientes ou a verificação superveniente de factos alegados que ocorram até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. A consequência da omissão dos factos ou da superveniência até ao encerramento da discussão em 1.ª instância é, naturalmente, a preclusão da sua alegação posterior. (…) Importa esclarecer que o encerramento da discussão em 1.ª instância não é o único momento preclusivo, mas o último momento preclusivo (…)”. Afirma o autor (ob. cit., pág. 4) o seguinte: “A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (…), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo”.
Decorre do regime exposto que nem sempre assistirá ao executado a faculdade de invocar em embargos factos extintivos ou modificativos da obrigação, com vista a obter a extinção da execução, não sendo tal invocação admissível, designadamente, quando se trate de factos anteriores ao encerramento da discussão em 1.ª instância, caso em que poderiam ter sido invocados no âmbito da ação declarativa e não o foram, o que preclude a respetiva invocação na oposição à execução baseada em sentença proferida nessa ação, por respeito pelo caso julgado.
No caso presente, a pretensão executiva respeita à parte da sentença que condenou o executado, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento da quantia de € 50,00 por cada dia de atraso na prestação das informações a que aludem as alíneas a), b) e c) do ponto A do segmento decisório supra transcrito.
Ora, não consta da matéria provada qualquer facto relativo ao cumprimento da obrigação de prestação de tais informações, sendo que igualmente se não vislumbra que tenha sido alegado qualquer elemento relativo a tal cumprimento em momento temporal posterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância, o que afasta o preenchimento dos pressupostos previstos na invocada alínea g) do artigo 729.º, pelo que se mostra prejudicada a apreciação da questão da exigência de prova documental.
Nesta conformidade, verifica-se que a argumentação apresentada pelo apelante não poderá triunfar, o que prejudica a utilidade da apreciação das demais questões de direito suscitadas.
Improcede, assim, a apelação.
O presente incidente configura oposição à penhora, meio de reação contra ato de penhora considerado ilegal, por violador de limites previstos na lei.
Dispõe o artigo 785.º, n.º 6, do CPC, que a procedência da oposição à penhora determina que o agente de execução proceda ao levantamento desta e ao cancelamento de eventuais registos.
Afirma Rui Pinto (A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL – 2020, 2.ª reimpressão, pág. 677) que o «pedido na oposição à penhora é a revogação da penhora de um bem do executado», acrescentando que, deste modo, «é uma ação constitutiva extintiva de um ato processual».
Assim sendo, tratando-se de um meio de reação à penhora, cuja procedência conduz ao levantamento/redução da penhora impugnada, daqui decorre a necessária improcedência da peticionada extinção da ação executiva que constitui o processo principal, por excluída do objeto do incidente, o que conduz à improcedência das demais pretensões deduzidas na apelação, por formuladas na dependência da procedência daquele pedido, nos termos supra expostos.
Improcede, assim, na totalidade, a apelação, cumprindo confirmar a decisão recorrida.

Em conclusão: (…)


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, 07-03-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Cristina Dá Mesquita (1.ª Adjunta)
Vítor Sequinho dos Santos (2.º Adjunto)