Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
631/17.0T8TMR.2.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACTUALIZAÇÃO DE PENSÃO
REVISÃO DE PENSÃO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
- Não há lugar à atualização da pensão revista quando esta continue a ser obrigatoriamente remível.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Em 23-07-2021, a sinistrada, AA, veio, nos termos do disposto no artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com fundamento no agravamento das lesões/sequelas de que é portadora.
O incidente de revisão seguiu a tramitação que resulta dos autos e para a qual remetemos.
Em 17-10-2023 foi proferida decisão final com o seguinte dispositivo:
«Nesta conformidade e em face de tudo o exposto, decido:
1.- Julgar totalmente procedente a revisão da incapacidade da sinistrada AA, sendo a mesma atualmente portadora de uma incapacidade permanente parcial com 26,961% de desvalorização, condenando, em consequência, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA., a pagar àquela a pensão anual e obrigatoriamente remível de € 589,87, devida desde 23/07/2021, data da entrada do pedido de revisão nos autos.
2.- Custas a cargo de Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA. que se fixam em 3 UCs.
Registe (artigos 152.º, n.º 2 e 153.º, n.º 4, ambos do CPC).
Notifique.
Fixo ao incidente o valor de € 6.942,18
Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição e, após, vão os autos ao Ministério Público a fim de verificar o cálculo e ordenar as diligencias necessárias à sua entrega, preferencialmente por transferência bancária (artigo 148.º, n.ºs 3 e 4 ex vi artigo 149.º e artigo 150.º, todos do CPT, artigo 76.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 e Portaria n.º 11/2000, de 13/01).».
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Inconformada, veio a sinistrada interpor recurso para esta Relação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«A) O Tribunal de Primeira Instância concluiu com acerto que a sinistrado sofreu, efetivamente, um agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu em 14/08/2016, tendo passado de uma IPP de 17,48% para uma IPP de 26,961%, desde a data do pedido de revisão, em 23/07/2021.
B) Todavia, a recorrente não se conforma com o apuramento do valor da “nova” pensão fixada à Sinistrada, em virtude do agravamento, porquanto o mesmo não teve em consideração a atualização dessa “nova” pensão.
C) Para se apurar o valor da “nova” pensão a pagar à sinistrada por conta do agravamento da sua IPP, há-que necessariamente à atualização da “nova” pensão, em conformidade com o disposto no artigo 77.º alínea d) parte final da Lei 98/2009, de 04 de Setembro (LAT).
D) Neste sentido, vide os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, no processo 1480/12.7TTPRT.1P.1. e o recentíssimo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 28/06/2023, no processo 54/16.8T8CSC.1.L1.
E) No caso em apreço, a “nova” pensão devida ao sinistrado por força da nova incapacidade que lhe foi fixada neste incidente de revisão, é de € 589,87, que corresponde à substração do valor da pensão fixada na sentença inicialmente proferida e que teve por base a IPP de 17,48% (€ 1.087,55), ao valor da pensão resultante do coeficiente de IPP agora fixado à Sinistrada, que foi de 26,961% (€ 1.667,42).
F) Tendo em consideração os coeficientes fixados pelas Portarias anuais que fixam as taxas de atualização dos acidentes de trabalho, à pensão de € 589,87 fixada em 2017 corresponde a pensão de € 614,34, a fixar por referência ao ano de 2021.
G) Esta “nova” pensão devida à sinistrada desde a data do pedido de revisão, em 23/07/2021, no valor de € 614,34 é obrigatoriamente remível, por força do disposto no artigo 75.º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro.
H) A decisão recorrida violou, entre outras, a norma constante do artigo 77.º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro.
I) Em função do que antecede, deverá ser revogado o segmento da decisão que condenou a Entidade Seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 598,87, devida desde 23/07/2021, sendo este substituído por decisão que condene a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S. A. a pagar à sinistrada a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível de € 614,37 (seiscentos e catorze euros e trinta e sete cêntimos), devida desde 23/07/2021, data da entrada do pedido de revisão nos autos, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1.ª Instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Após a subida do processo à Relação, foi observado o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, importa analisar e decidir se a pensão revista deveria ter sido atualizada.

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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, e a que resulte dos demais elementos que constam dos autos e que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice.
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IV. Enquadramento jurídico
Dos elementos dos autos, retira-se que o incidente de revisão deduzido pela sinistrada foi julgado procedente e, em consequência, o coeficiente de incapacidade que lhe havia sido anteriormente atribuído foi alterado/agravado para 26,961% , com efeitos a partir da propositura do incidente.
Infere-se, ainda, do processo, que a pensão anual inicialmente atribuída foi obrigatoriamente remida.
E que a pensão resultante da alteração do grau de incapacidade mostra-se, igualmente, obrigatoriamente remível, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante, designada por LAT).
Assim foi decidido pela 1.ª Instância.
Acrescenta-se, para o que ora interessa, que para calcular o valor da pensão devida pela alteração da incapacidade, a 1.ª Instância não procedeu a qualquer atualização da pensão.
E é sobre este aspeto que incide o inconformismo manifestado no recurso.
No entender da sinistrada/apelante deveria ter havido lugar à atualização da pensão desde a alta, em conformidade com o disposto no artigo 77.º, alínea d) da parte final da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Ora, a questão em debate já foi apreciada, algumas vezes, por esta Secção Social.
Nos acórdãos de 27-02-2020 (Proc. n.º 446/14.7T8TMR.1.E1) e de 25-01-2023 (Proc. n.º 169/12.1TTVFX.1.E1) entendeu-se, por unanimidade, que quando num incidente de revisão de incapacidade a pensão revista em função do agravamento continue a ser obrigatoriamente remível não há lugar à atualização de tal pensão.
Num acórdão mais recente, de 14-09-2023, (Proc, 342/13.5TTTMR.E1.E1) o mesmo entendimento foi mantido pela maioria do coletivo.
Escreveu-se neste último aresto:
«Dispõe o art. 75.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09,[2] que:
1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.
3 - Em caso de acidente de trabalho sofrido por trabalhador estrangeiro, do qual resulte incapacidade permanente ou morte, a pensão anual vitalícia pode ser remida em capital, por acordo entre a entidade responsável e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar definitivamente Portugal.
4 - Exclui-se da aplicação do disposto nos números anteriores o beneficiário legal de pensão anual vitalícia que sofra de deficiência ou doença crónica que lhe reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 75 %.
5 - No caso de o sinistrado sofrer vários acidentes, a pensão a remir é a global.
Dispõe igualmente o art. 82.º do mesmo Diploma Legal que:
1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.
2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as atualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.
3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.
4 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios dos seguros de acidentes de trabalho dos respetivos trabalhadores, o gestor da empresa deve comunicar tal impossibilidade ao Fundo referido nos números anteriores 60 dias antes do vencimento do contrato, por forma a que o Fundo, querendo, possa substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 3.
Dispõe também o ponto 7 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que:
7. Nesta fase, dadas as atuais dificuldades e tendo em conta que as desvalorizações inferiores a 30% de um modo geral não representam flagrante redução efetiva na capacidade de ganho da vítima e que a contemplarem-se todas as situações isso seria uma dispersão financeira em flagrante prejuízo dos casos mais graves, optou-se apenas pela atualização dos casos iguais ou superiores a 30%.
Por fim, dispõe o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11,[3] que:
Não estão abrangidas pelo disposto no artigo anterior[4] as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30%.
Ora, em face das disposições citadas, é evidente que sempre que a pensão seja remível não há lugar à sua atualização.
Conforme resulta desde 1975 do citado Decreto-Lei e que se mantém na Lei n.º 98/2009, de 04-09, apenas as pensões que não são remíveis, e, por isso, pagas anualmente, são atualizáveis.
Atente-se ainda à circunstância de que se tivesse sido fixado, de início, ao sinistrado a incapacidade permanente parcial que resultou do incidente de revisão de incapacidade – atento o grau de incapacidade e o valor do somatório da pensão inicial e da pensão resultante do agravamento – a pensão respetiva não seria atualizável por ser obrigatoriamente remível, pelo que, de igual modo, não será a mesma atualizável em incidente de revisão de incapacidade.[5]
A decisão recorrida invoca, para fundamentar a sua posição, o acórdão do TRG, proferido em 10-07-2019, no âmbito do processo n.º 333/14.9TTGMR.2.G1,[6] porém, nesse acórdão a pensão que veio a ser atualizada não era remível,[7] pelo que o referido acórdão não aborda a questão dos presentes autos.
Refere-se ainda na decisão recorrida que o disposto no art. 77.º, al. d), da LAT impõe que se atualize as pensões obrigatoriamente remíveis em situações de revisão da incapacidade.
Dispõe o art. 77.º, al. d), da LAT, que:
A remição não prejudica:
[…]
d) A atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão.
Na realidade, este artigo terá sempre de ser contextualizado com as demais normas em vigor, inclusive da LAT, pelo que, não sendo as pensões obrigatoriamente remíveis sujeitas a atualização, em face do disposto no art. 82.º, n.º 2, da referida LAT,[8] a pensão remanescente resultante de revisão de pensão que se encontra sujeita a atualização, mencionada no referido art. 77.º, al. d), da LAT, terá de ser necessariamente uma pensão não remível. Interpretar-se de outro modo, para além de ir contra o disposto no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que se mantém em vigor, também levaria a uma situação de discriminação entre aqueles cujas pensão seriam pagas pelo Fundo de Acidentes de Trabalho que, nos termos do citado n.º 2 do art. 82.º, não seriam atualizáveis e aqueles cujas pensões seriam pagas pelas respetivas entidades responsáveis pelos acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aos quais se aplicaria o disposto na al. d) do art. 77.º da LAT, sem esta devida contextualização.
Na decisão recorrida argumenta-se igualmente que o art. 2.º do DL n.º 668/75, de 24-11, é inconstitucional, por violação do disposto no art. 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que, quando entrou em vigor aquele artigo, nem sequer ainda existia a nossa atual Lei Fundamental.
Ora, para além de o invocado problema de inconstitucionalidade também ter de ser levantado em face do disposto no n.º 2 do art. 82.º da LAT, que já entrou em vigor com a atual Constituição da República, sob pena de se determinar a aplicação de regimes diferentes consoante as entidades que vierem a pagar as respetivas pensões aos sinistrados, o que manifestamente, aí sim, violaria o princípio da igualdade, também ele de consagração constitucional, sempre se dirá que não se vislumbra na presente situação qualquer violação do princípio da justa reparação do sinistrado, previsto no mencionado art. 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa.
Na realidade, mesmo quando a pensão remível é calculada de uma só vez, sem agravamentos, se o processo, até chegar ao seu trânsito, demorar vários anos, o cálculo final da pensão é sempre efetuado de acordo com o valor da pensão a atribuir à data da alta e não daquele que resultaria da sua atualização à data da prolação da decisão final ou à data do trânsito dessa decisão final, pelo que se nos afigura que o raciocínio em situação de agravamento, mantendo-se os pressupostos da remição, deverá ser idêntico. A eventual desvalorização monetária é compensada pela circunstância de o sinistrado receber um montante significativamente superior àquele que receberia se a pensão fosse paga anualmente, visto receber o montante que lhe é devido todo junto e de uma única vez, podendo, assim, colocar tal montante a render e receber os respetivos juros, o que, auferindo anualmente tal pensão, se lhe mostra vedado.
Por fim, ainda se dirá que se encontrando perfeitamente delimitado os requisitos para que uma pensão seja obrigatoriamente remível (com limites de grau de incapacidade e de valor da pensão), implicando tal situação que a pensão será paga apenas de uma vez, e não de forma anual e vitalícia, sendo que a partir do momento em que o grau de incapacidade e/ou de valor da pensão se altera acima desses critérios estabelecidos o remanescente dessa pensão deixa de ser obrigatoriamente remível, afigura-se-nos inexistir qualquer situação de discriminação entre os diferentes beneficiários relativamente à diferença do regime de atualização entre as pensões remíveis e não remíveis.
Pelo exposto, apenas nos resta dar provimento ao recurso interposto, determinando em consequência a revogação da decisão recorrida na parte em que fixou o montante da pensão anual e obrigatoriamente remível em €129,43, a qual será substituída pelo valor da pensão anual e obrigatoriamente remível em €122,67.».
Não vislumbramos qualquer razão para alterar o entendimento predominante nesta Secção Social, que, aliás, foi recentemente reiterado no acórdão de 18-12-2023 (Proc. 1897/15.5T8TMR.E1).
Salientamos que a solução que defendemos também foi sustentada no Acórdão da Relação de Coimbra de 12-04-2023 (Proc. n.º 377/12.5TTGRD.2.C1).[2]
Assim, reiterando os fundamentos expostos no acórdão proferido por esta Secção Social supracitado, mantemos que não há lugar à atualização da pensão revista, em função do agravamento das lesões, quando esta continue a ser obrigatoriamente remível.
Em consequência, há que confirmar a decisão recorrida que não procedeu a qualquer atualização da pensão.
Concluindo o recurso interposto não pode proceder.

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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 7 de março de 2024
Paula do Paço (Relatora)
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] Consigna-se que todos os acórdãos mencionados estão publicados em www.dgsi.pt.