Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4735/22.9T8STB-A.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: HIPOTECA
EXTINÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - a hipoteca extingue-se por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, verificados que estejam os requisitos cumulativos previstos o artigo 730.º, alínea b), do Código Civil, ou seja, decorridos vinte anos sobre o registo de aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação;
- o prazo de prescrição do crédito hipotecário, a favor do adquirente do bem ou de direito no bem hipotecado por partilha decorrente de inventário, corre a partir da partilha e corre separadamente para cada um dos herdeiros.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Embargantes: AA e BB
Recorrida / Embargada: Banco 1..., SA

Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa instaurada pela Banco 1..., SA, vieram os Executados AA e BB deduzir embargos de executado, pugnando pela extinção da execução por prescrição da hipoteca voluntária que incide sobre 2/6 da fração autónoma devidamente identificada nos autos, determinando-se o respetivo cancelamento. Mais peticionaram que se declare que os juros e demais acessórios não gozam da garantia hipotecária em causa, devendo ser reduzido nessa medida o valor da quantia exequenda ao montante do capital e às despesas e comissões indicadas na nota de débito.
Para tanto, invocaram a qualidade de herdeiros do mutuário, o que a Exequente conhece, uma vez que foi citada, em 09/01/1992, na qualidade de credora, no processo de inventário por falecimento de mutuário. A propositura da ação a 15/07/2022 contra os herdeiros do mutuário, que herdaram 2/6 do imóvel descrito no requerimento executivo, não impediu a prescrição do crédito e a extinção da hipoteca por prescrição, nos termos do disposto no artigo 730.º, alínea b), do Código Civil.
Mais invocaram que a hipoteca nunca abrange mais do que os juros relativos a três anos (artigo 693.º, n.º 2, do CC), pelo que não lhes podem ser exigidos, como terceiros garantes, os juros que estão para além dos três anos, contados a partir da data do vencimento da dívida, a 08/02/1983.
Em sede de contestação, a Embargada sustentou que os embargos devem ser julgados improcedentes, invocando que:
- instaurou execução contra os mutuários em 23/08/1989, o que interrompeu o prazo de prescrição do crédito;
- no decurso dessa execução faleceu CC, prosseguindo o processo apenas contra DD, e não contra os herdeiros do falecido por existir um processo de inventário em 1992;
- reclamou o crédito no processo de inventário;
- a partilha da herança teve lugar em 2017;
- em 2011, no âmbito da referida execução, foi penhorado o direito da mutuária sobre o bem;
- a executada mutuária foi declarada insolvente em 2014, o que implicou no encerramento do processo executivo, tendo sido apreendida para a massa insolvente a parte do bem propriedade da mutuária, bem como a parte que recebeu da herança;
- com a entrada da execução interrompeu-se o prazo de prescrição da dívida;
- com a declaração de insolvência da mutuária, esse prazo suspendeu-se e só poderá retomar com o término do processo de insolvência (artigos 323.º, n.º 1, do CC, e 100.º, n.º 1, do CIRE);
- mesmo que o prazo de prescrição da obrigação fosse de 5 anos, esse prazo ainda não decorreu face à interrupção e posterior suspensão do mesmo, sendo que os embargantes tinham conhecimento da hipoteca e da dívida existente por via do processo de inventário, pelo que também quanto a eles e para efeitos de prescrição da hipoteca esse prazo estaria interrompido;
- apesar de já terem passado 5 anos sobre o vencimento da obrigação, não decorreram 20 anos sobre o registo de aquisição dos embargantes, sendo que os prazos referidos no artigo 730.º, alínea b), do CC são cumulativos;
- apesar do montante da dívida ser superior, apenas foi reclamado o valor máximo garantido pela hipoteca, correspondente a capital acrescido de 3 anos de juros, como resulta do requerimento executivo.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando procedente a exceção da prescrição, decretando-se a procedência dos embargos e a extinção da execução.

Inconformada, a Embargada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida.
As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A - O presente recurso vem interposto de douta sentença, fls., que julga “procedente a exceção da prescrição, julgo os presentes embargos procedentes e, consequentemente, determino a extinção da execução”, sendo que a Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo tribunal a quo uma vez que a mesma fez uma incorreta aplicação do direito, tendo decidido erradamente a causa.
B - Por apenso à execução instaurada em junho de 2022, onde a aqui Recorrente executa os Recorridos/Embargantes na qualidade de herdeiros do primitivo devedor, CC, os mesmos apresentaram oposição por meio de Embargos de Executados.
C - Alegaram, em suma, que estaria já extinta a hipoteca por prescrição nos termos do artigo 730.º do CPC bem como alegam a prescrição do crédito da aqui Recorrente.
D - Deu o Douto Tribunal a quo razão aos Recorridos.
E - A Recorrente celebrou com CC e DD um contrato de mútuo com hipoteca em 17 de dezembro de 1982 por um prazo de 30 anos.
F - Como garantia do referido contrato foi constituída hipoteca sobre o bem imóvel, fração autónoma designada pela ..., do imóvel sito na Quinta ..., ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...90.
G - Com o incumprimento definitivo dos mutuários a Recorrente venceu a totalidade da dívida e 08 de fevereiro de 1983, tendo em 23 de agosto de 89 instaurado ação executiva contra os mutuários executando a hipoteca.
H - Na referida execução não existiu qualquer oposição por parte dos mutuários, sendo que a mesma prosseguiu os seus normais termos, pelo que não pode agora ser invocado qualquer meio de defesa que devesse ter sido apresentado na altura.
I - Na pendência da referida ação o mutuário CC faleceu, em ../../1990, tendo a execução sido suspensa quanto ao mesmo.
J - Em 1992 foi instaurada ação de inventário para partilha da herança do referido mutuário, tendo a aqui Recorrente participado em tal processo, que resultou na divisão dos bens do mutuário falecido.
K - Entretanto a execução instaurada findou após a declaração de insolvência da mutuária DD, insolvência iniciada em 14 de julho de 2014 e que ainda corre os seus termos.
Posto isto,
L - A aqui Recorrente instaura a ação executiva dos autos principais peticionando o pagamento da dívida referente ao contrato de mútuo celebrado com os primitivos devedores CC e DD.
M - Executa os aqui Recorridos na qualidade de herdeiros de CC, sendo que, conforme dita a lei civil, os mesmos apenas podem responder com “os bens que ele tenha recebido do autor da herança”, vide artigo 744.º, n.º 1, do CPC.
N - Assim, o bem que os Recorridos receberam de herança é parte do imóvel hipotecado e agora penhorado nos autos principais.
O - Bem do qual apenas passaram a ser proprietários com o registo em 2017.
P - Ora, a Recorrente reclama dívida proveniente de contrato de mútuo vencido, dívida essa cuja prescrição foi interrompida em 23 de agosto de 1989 com a instauração de ação executiva,
Q - E prazo que se mantêm suspenso por força da insolvência da mutuária sobreviva.
R - Interrupção e suspensão de prazo de prescrição que está legalmente imposta nos termos dos artigos 323.º, n.º 1, do C.C. e 100.º, n.º 1, do CIRE.
S - Ora, se a aqui Recorrente vem executar uma dívida cujo prazo de prescrição se encontra interrompido e suspenso, não pode o Douto Tribunal afastar a lei e declarar tal prescrição.
T - Note-se que a dívida não é responsabilidade dos Recorridos enquanto sujeitos individuais e na qualidade de mutuários, a sua responsabilidade advém de serem herdeiros do primitivo mutuário.
U - Não podem os Recorridos socorrer-se da prescrição da dívida por terem já dividido os bens recebidos por herança, pois a divisão da herança nada influencia no prazo de prescrição da dívida existente.
V - A dívida é uma só, e os mutuários são solidariamente responsáveis, tanto o é que a mutuária sobreviva continua a ser responsável pela totalidade, o que se reclamou em sede de reclamação de créditos na insolvência.
W - Ora, é forçoso concluir que os aqui Recorridos, por estarem na presente ação na qualidade de herdeiros do mutuário primitivo, são solidariamente responsáveis pela dívida com a mutuária sobreviva, sendo que estes apenas podem responder pela dívida na medida dos bens recebidos pela herança.
X - Aliás, a mutuária sobreviva é também ela herdeira do primitivo devedor falecido, estando a sua quota parte da herança também reclamada como tal no processo de insolvência.
Y - Não pode o Douto Tribunal atribuir um prazo de prescrição quanto aos aqui Recorridos diferente do que é atribuído aos mutuários.
Z - A dívida é só uma, e o seu prazo de prescrição não pode ser desligado da mesma.
AA - Estando a dívida devidamente executada e reclamada, o seu prazo de prescrição, que está intimamente ligado à dívida, está suspenso.
BB - Sendo que os mutuários são devedores solidários da dívida, o prazo de prescrição como qualquer outra característica da dívida é, sempre, aplicada a ambos de igual forma.
CC - A prescrição é um instituto que tem como fundamento a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o prazo que a lei lhe faculta, findo o qual já não se justifica a proteção legal desse direito.
DD - Ora, a aqui Recorrente reclamou o seu direito de crédito no processo de insolvência, tendo uma expectativa de conseguir liquidar o seu crédito por essa via.
EE - Confrontada com a frustração da recuperação total, a Recorrente instaurou a ação executiva dos autos principais.
FF - Em momento algum a Recorrente deixou de exercer o seu direito.
GG - Aliás, há mais de 30 anos que a aqui Recorrente exerce o seu direito de crédito contra os mutuários.
HH - O único direito que se pode concluir que a aqui Recorrente não exerceu, foi o direito de executar a hipoteca contra os Recorridos, que exerceu também agora com a execução.
II - E fê-lo no prazo certo que tinha para tal e isto porque,
JJ - O registo de aquisição do imóvel pelos Recorridos ocorreu em outubro de 2017, conforme se verifica pela certidão do imóvel.
KK- Passaram, menos de 5 anos desde o registo de aquisição até à proposição da presente ação executiva.
LL - E os prazos referidos no artigo 730.º, alínea b), do CC, são prazos cumulativos.
MM - Assim, a alegada prescrição da hipoteca também não se verifica.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar a invocada falta de fundamento para afirmar a prescrição do crédito e, bem assim, da hipoteca.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. A ação executiva baseia-se em escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrada em 17.12.1982, nos termos da qual a exequente emprestou a CC e DD, para aquisição da ... do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...14 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...00, a quantia de Esc. 1.790.000$00 (€ 8.928,48), quantia essa de que os referidos CC e DD se confessaram devedores, obrigando-se ao seu reembolso em prestações mensais de capital e juros, no prazo de 30 anos – provado por documento.
2. Na referida escritura, para garantia do pagamento do capital, juros até à taxa de 26% ao ano e despesas extrajudiciais fixadas, para efeitos de registo, em Esc. 71.600$00 (€ 357,14), CC e DD constituíram a favor da exequente uma hipoteca sobre a fração autónoma descrita no ponto anterior – provado por documento.
3. A hipoteca está inscrita no registo predial a favor da exequente através da Ap. ...4, de 1982/11/15, sendo o montante máximo assegurado de Esc. 3.257.800,00 (€ 16.249,84) – provado por documento.
4. Encontra-se inscrita no registo predial, relativamente à fração referida em 1, através da Ap. ...22, de 2017/06/29, a aquisição da quota de 1/2 a favor de DD, por partilha da herança de CC – provado por documento.
5. Encontra-se inscrita no registo predial, relativamente à fração referida em 1, através da Ap. ...09, de 2017/10/26, a aquisição da quota de 1/2 a favor de DD, AA e BB, por partilha da herança de CC – provado por documento.
6. Tendo CC e DD deixado de pagar as prestações devidas para reembolso do empréstimo, a exequente instaurou execução contra aqueles em 23.08.1989 (correu termos sob o n.º ...22 no Serviço de Finanças ..., nos termos do n.º 5 do artigo 9.º do DL n.º 287/93, de 20/8, conjugado com o disposto no artigo 61.º do DL n.º 48953, de 05.04.1969), peticionando o pagamento de Esc. 6.859.092$00 (€ 34.213,01), sendo Esc. 1.790.000$00 (€ 8.928,48) a título de capital, Esc. 5.067.792$00 (€ 25.278,04) a título de juros contados desde a data do vencimento da totalidade da dívida – que ocorreu em 08.02.1983 – e Esc. 1.300$00 (€ 6,48) a título de despesas – admitido por acordo e provado por documento.
7. CC faleceu em ../../1990, tendo deixado como herdeiros, além do cônjuge sobrevivo DD (com a qual era casado sob o regime da comunhão de adquiridos), os seus filhos AA e BB (ora embargantes) – provado por documento.
8. Em 09.01.1992, no âmbito do processo de inventário n.º ...0 por falecimento do mutuário CC, que correu termos na ... do ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., a exequente foi citada na qualidade de credora – provado por documento.
9. Na partilha efetuada no referido processo de inventário coube a cada um dos herdeiros 1/3 da meação e dos bens próprios do inventariado, sendo que a DD foi ainda adjudicada a sua meação nos bens comuns – provado por documento.
10. No mesmo processo, aprovado o passivo e acordado que o mesmo ficava à inteira responsabilidade de DD, foi proferida sentença de homologação do mapa de partilha em 08.07.1994, sentença essa que foi notificada aos interessados e à exequente e que transitou em julgado em 28.09.1994 – provado por documento.
11. Na execução referida em 6, onde nunca chegou a ser concretizada a citação de DD, a exequente, depois de ter dado conhecimento do falecimento de CC, requereu a realização da penhora da fração identificada em 1, reiterando requerimentos apresentados em 29.07.2011 e em 04.09.2012 – provado por documento.
12. Por sentença proferida em 14.07.2014, foi declarada a insolvência de DD no processo que corre atualmente termos no ... - Juiz ... sob o n.º 2997/14.... – provado por documento.
13. A exequente, em requerimento de 11.08.2014, informou a execução a que se alude em 6 que iria promover a reclamação do crédito exequendo junto do Sr. administrador de insolvência nomeado no processo referido no ponto anterior – provado por documento.
14. Por ofício de 04.08.2014, o Serviço de Finanças ... remeteu certidão de dívida aos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial ..., de modo a que fosse apresentada reclamação de créditos no processo de insolvência de DD – provado por documento.
15. O processo de insolvência referido em 12 informou, em 16.02.2023, que os autos se encontravam a aguardar o fim da liquidação, não tendo sido ainda proferido despacho de encerramento – provado por documento.
16. No requerimento executivo a exequente alega além do mais o seguinte:
«(…)
Factos:
No âmbito da sua atividade creditícia, a exequente celebrou com CC e DD um contrato de mútuo com hipoteca, conforme documento 1 que ora se junta.
No âmbito do referido contrato a exequente concedeu um empréstimo no montante total de 1.790.000$00 (€ 8.928,48) que deveria ser liquidado em 30 anos.
Convencionou-se no citado contrato que o capital mutuado venceria juros à taxa anual de 26,00%, alterável em função dos limites legais, em vigor na data de alteração, acrescendo em caso de mora, a sobretaxa legal.
Para garantia do referido contrato foi constituída hipoteca sobre:
- Fração autónoma designada pela ..., do imóvel sito na Quinta ..., ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...90.
A hipoteca foi registada na supra referida descrição sob a Ap. ...4, de 15.11.1982, com valor de Esc. 3.257.800$00 (€ 16.249,84).
Tendo os mutuários deixado de efetuar os pagamentos emergentes do contrato supra, a ora exequente instaurou, em 23.08.1989, execução contra aqueles, peticionando o pagamento de Esc. 6.859.092$00 (€ 34.213,01), correspondendo Esc. 1.790.000$00 (€ 8.928,48) ao capital, e o restante a juros e despesas.
Nos termos do n.º 5 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20.08, conjugado com o disposto no artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 48953, de 05.04.1969, tal execução decorreu, sob o processo n.º ...22, no Serviço de Finanças ....
A 09.01.1992 a aqui exequente foi citada, na qualidade de credora, no âmbito de processo de inventário n.º ...0, por falecimento do mutuário CC, que correu termos na 1.ª Secção do ... do Tribunal Judicial da Comarca ....
Ainda, no Tribunal Judicial ..., ... Juízo Cível de ..., no dia 14-07-2014 foi proferida sentença de declaração de insolvência da mutuária DD, processo número 2997/14.....
Com o falecimento do mutuário e insolvência da mutuária, a aqui exequente viu a sua execução ser extinta, não tendo recebido qualquer valor do referido processo.
Também no âmbito do processo de inventário bem como da insolvência da mutuária não existiram pagamentos à aqui exequente, pelo que permanece, à data de 23 de maio de 2022 um valor em dívida que ascende a € 158.690,06, conforme nota de débito que se junta como doc. 2.
Sucede que, a exequente possui hipoteca sobre o imóvel supre referido, sendo que os aqui executados AA e a BB são proprietários de 2/6 do imóvel, conforme se verifica pela certidão predial que se junta como doc. 3.
Assim, nos termos do artigo 54.º, n.º 2, do CPC a execução é apresentada contra os atuais proprietários de parte do imóvel hipotecado.
Pelo exposto, deve a presente execução prosseguir contra os executados, na qualidade de proprietários de parte do imóvel hipotecado, cujo máximo assegurado ascende a € 16.249,84, pelo que se limita a presente execução ao referido valor.
(…)
Liquidação da obrigação
Valor Líquido: € 16.249,84 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: € 0,00
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: € 0,00
Total: € 16.249,84
Valor máximo garantido por hipoteca – € 16.249,84
(…)» – provado por documento.
17. A execução deu entrada em juízo em 15.07.2022 – provado por documento.
18. A citação dos executados ocorreu em 22.08.2022 e em 07.09.2022 – provado por documento.

B – A questão do Recurso
Cumpre apreciar a invocada falta de fundamento para afirmar a prescrição do crédito e, bem assim, da hipoteca.
Estão sujeitos a prescrição os direitos que não sejam indisponíveis ou aqueles que a lei não declare isentos de prescrição (artigo 298.º, n.º 1, do CC), em regra, os direitos de crédito. Uma vez completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, não podendo, no entanto, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita (artigo 304.º, n.ºs 1 e 2, do CC), que assume as características de uma obrigação natural.
Nos termos do disposto no artigo 310.º, alínea e), do CC, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
O Ac. do STJ n.º 6/2022 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Questão diversa é a da extinção da hipoteca por prescrição, prevendo o artigo 730.º, alínea b), do CC que a hipoteca extingue-se por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo de aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação. A relevância do registo decorre, desde logo, da circunstância de a hipoteca dever ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes – artigo 687.º do CC.
Os requisitos de tal prescrição (que, na verdade, consiste antes em caducidade[1]) são cumulativos, o que vale por dizer que “o decurso de qualquer deles, de per si, é irrelevante.”[2]
Dado que o registo, a favor dos Embargantes juntamente com a Devedora mutuária, de aquisição do direito a ½ no prédio hipotecado teve lugar a 26/10/2017, é manifesto que, à data da propositura da execução, em ../../2022, não tinha decorrido o prazo de vinte anos versado na alínea b) do citado artigo 730.º do CC.
O que, por si só, inviabiliza a afirmação da extinção da hipoteca com o referido fundamento.
No entanto, em 1.ª Instância, o que resultou afirmado foi ter ocorrido a prescrição do crédito exequendo reclamado aos Embargantes, com a consequente extinção da instância executiva.
O que, efetivamente, se verifica.
Conforme decorre do requerimento executivo, invocando-se serem os Executados titulares de 2/6 do prédio onerado com a hipoteca, foram estes acionados a coberto do regime inserto no artigo 54.º/2, do CPC, nos termos do qual a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este, se o exequente quiser fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.
Tal regime legal (que tem aplicação quer nos casos em que a garantia real foi prestada por terceiro quer nos casos em que foi constituída sobre bem que era do devedor e que foi, entretanto, transferido para terceiro, seja por alienação seja por transmissão sucessória do imóvel onerado com a garantia[3]), “é consequência da regra, que não comporta exceções, segundo a qual apenas podem ser penhorados bens que pertençam ao executado (artigo 735.º/2). Pressupõe, obviamente, a existência de título executivo contra o proprietário do bem.”[4]
Cada um dos Executados é comproprietário, na proporção de 1/6, do direito de propriedade que incide sobre a fração autónoma hipotecada em favor do Exequente. A execução pode correr termos contra os dois contitulares do prédio indiviso (a outra contitular é a Devedora Mutuária, que foi declarada Insolvente), apenas podendo ser penhorada a quota-parte, abstrata e ideal, de cada um dos Executados,[5] nos termos previstos no artigo 743.º do CPC.
O direito a 1/6 de cada um dos Executados na fração autónoma hipotecada resulta da sentença homologatória da partilha proferida no processo de inventário a 08/07/1994, sentença essa que foi notificada à Exequente no âmbito do processo de inventário e que transitou em julgado em 28/09/1994.
Como é sabido, e bem foi salientado na sentença proferida em 1.ª Instância, «Nos termos do artigo 2098.º, n.º 1, do CC, depois de efetuada a partilha cada herdeiro passa a responder pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Ou seja, «após a conclusão das operações que integram materialmente a partilha, a responsabilidade passa a respeitar, individualmente, a cada um dos herdeiros “diretamente como titulares das respetivas universalidades jurídicas constituídas pelos conjuntos de bens que integram a quota hereditária que lhes coube na partilha.”[6]
Paralelamente e por efeito direto da partilha, modifica-se igualmente a incidência objetiva da responsabilidade pelos encargos da herança, já que esta passa a recair sobre as forças dos bens que, especificadamente, foram recebidos pelo herdeiro» (acórdão do STJ de 19.06.2019, proc. n.º 2100/11.2T2AGD-A.P2.S2, in www.dgsi.pt).
(…)
Como se salienta no acórdão da RC de 12.09.2006, proc. n.º 365-B/1998.C1, in www.dgsi.pt, “[a]pós a partilha deixa de fazer sentido aludir a bens da herança, pois cada um desses bens entrou na esfera jurídica patrimonial do herdeiro a quem coube, perdendo qualquer ligação à herança que, enquanto património autónomo, deixou de ter existência jurídica.
Relativamente aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa o devedor é apenas um, ou seja, é aquele património autónomo (…). Mas, após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros. Só que a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
(…)
As obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade (artigos 513.º e 2098.º). Por isso, não é ao credor permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, nem assiste ao herdeiro que porventura pague mais do que aquela proporção direito de regresso contra os demais herdeiros (artigo 524.º).”»
Na verdade, enquanto a herança permanece indivisa, antes da partilha, existe uma universalidade composta por património autónomo, de afetação especial. Os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património[7], sendo que os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos – cfr. artigo 2091.º do CC. O credor da herança que pretenda exigir judicialmente o seu crédito apenas poderá fazê-lo contra todos os herdeiros.
Após a partilha da herança, não existe qualquer solidariedade entre os herdeiros para com os credores, passando cada um deles a responder – individual e diretamente, como titular da respetiva universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens que integram a quota hereditária que lhe coube na partilha – pelo pagamento da dívida, mas apenas na proporção da quota que lhe coube na herança, tendo por limite o valor do quinhão recebido (artigos 2098.º e 2071.º do Código Civil). O património pessoal do herdeiro não será afetado, pois não poderá ser penhorado para satisfação desse crédito (artigo 744.º do CPC).[8]
Assim:
“Enquanto a herança se manteve no estado de indivisão, porque nenhum dos herdeiros tinha ainda direitos sobre bens certos e determinados, todos os bens hereditários respondiam coletivamente; a partir da divisão da herança, passa a responder cada herdeiro, individualmente, pela satisfação de cada dívida da herança (ou de cada encargo dela), mas apenas em proporção da quota que lhe coube na partilha (dentro, por conseguinte, das forças dos bens que especificadamente recebeu da herança, nos termos resultantes do disposto no artigo 2071.º).”[9]
Nestes termos, não colhe a argumentação do Recorrente no sentido de que a obrigação dos herdeiros do mutuário (os Executados e a Devedora Mutuária, que foi declarada Insolvente) é solidária, aproveitando do regime da suspensão do prazo de prescrição previsto no artigo 100.º do CIRE.
É certo que o registo da aquisição de 1/6 por cada um dos Executados só se efetivou a 26/10/2017. Porém, “o registo predial não tem efeito constitutivo, apenas publicitando a situação jurídica do facto registado, através do que permite a terceiros atuar em conformidade com a confiança que o conteúdo do registo transmite.”[10] Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CRPr. Ora, terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si – artigo 5.º, n.º 4, do CRPr.
A exequente, que foi chamada ao processo de inventário na qualidade de credora hipotecária, não se apresenta como terceira, para efeitos de registo.
Por conseguinte, não pode valer-se da data da inscrição no registo predial da aquisição, pelos Executados, dos respetivos direitos na fração autónoma hipotecada, aquisição essa decorrente da sentença homologatória da partilha, que lhe foi notificada.
Dado que os Executados são comproprietários da fração autónoma hipotecada desde a referida partilha, é manifesto que, desde então, estava o credor, ora Exequente, apto a exercer o direito de crédito contra os Executados no âmbito de processo executivo para o efeito instaurado – cfr. artigo 306.º/1, do CC.
Uma vez que tal processo executivo foi iniciado tendo já decorrido o prazo de prescrição de cinco anos, assiste aos Embargantes o direito a recusarem o pagamento do crédito – cfr. artigo 304.º/1, do Código Civil.
Confirma-se, assim, a decisão proferida em 1.ª Instância.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

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Évora, 7 de março de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Eduarda Branquinho
Maria Domingas Simões
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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4.ª edição, pág. 751.
Ac. TRE de 12/06/2019 (Tomé de Carvalho), subscrito pela ora Relatora e aqui 2.ª Adjunta.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. citados.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 54.
[4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 1.º Vol., 3.ª edição, pág. 113.
[5] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, pág. 119.
[6] R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, pág. 118; no mesmo sentido se entendeu no Ac. STJ de 08/09/2015, no processo n.º 3525/11.9TBVNG.P1.S1.
[7] R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II Vol., págs. 113 e 114.
[8] R. Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 118.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, 1998, págs. 160 e 161.
[10] Ac. STJ de 30/06/2004 (Araújo de Barros).