Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
299/17.3GBASL-I. E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: LEI Nº38-A/2023
DE 2 DE AGOSTO
PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A aplicação das medidas de clemência previstas na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (amnistia de infrações e perdão de penas), depende verificação de pressupostos temporais: a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00 horas do dia 19/6/2023 (artigo 2.º); étários: a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º); e materiais: a lei não é aplicável aos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º.
Decorre do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023 que o legislador, ao utilizar a expressão entre 16 e 30 anos de idade, inseriu o limite dos 30 anos de idade, limite que só termina no dia em que se perfaz o 31º aniversário.

O artigo 7.º, no seu n.º 1, alínea b), i) exclui do perdão e da amnistia previstos na referida Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, no âmbito dos crimes contra o património, os condenados por roubo previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal.

Não obstante a situação em apreço não se mostrar incluída no art.º 7º, nº 1, al. b), subalínea i). é forçoso concluir que a mesma encontra acolhimento na alínea g) do nº 1 do art.º 7º, na medida em que a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1 do C.Penal é considerada uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o agente do crime não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime, por força da mencionada al. g) do nº 1 do preceito em análise.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No processo nº299/17.3GBASL-I. E1 do Tribunal Judicial da Comarca de …-Juízo Central Criminal de … - Juiz …, por não se conformar com o despacho de 05-12-2023 que não considerou susceptível de ser perdoada a pena de prisão em que o arguido foi condenado nos presentes autos– como co-autor de um crime de roubo, p. e p. artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal -, em virtude de estar abrangida pela excepção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, o arguido veio interpor recurso do mesmo, com os fundamentos constantes da respectiva motivação e as seguintes conclusões:

“1.A única questão a decidir é a de saber se deve ou não o Recorrente beneficiar do perdão de penas estabelecidas na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto;

2. Afigura-se-nos que será de acolher a pretensão do Recorrente;

3. O arguido AA, nascido a …/2/1989, foi condenado, nos presentes autos, por acórdão proferido a 12/07/2021, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 19/09/2019, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal.

4. O arguido só não beneficiaria desta medida de clemencia se, à data da prática dos factos tivesse 31anos (o que não é o caso). A idade biológica conta-se de ano a ano, sendo despiciente os meses que medeiam entre um ano biológico e outro, pelo que até o arguido completar os 31 anos (04.02.2020), beneficia do perdão previsto no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.

5. Pelo pressuposto etário o arguido beneficia do perdão previsto na Lei n.º 38- A/2023, de 2 de agosto, uma vez que tinha 30 anos à data da prática dos fatos.

6. Carece de qualquer fundamento legal, a interpretação que o douto no douto despacho recorrido o Tribunal “a quo” estabelece sobre a idade prevista para as Jornadas Mundiais da Juventude, pois estas previam que, a idade para participar era entre 16 e 30 anos. E o mesmo decorre da maturidade, invocada pelo douto despacho. Não nos parece que tal fundamento seja inequívoco, uma vez que carece de qualquer justificação a maturidade seja atingida com 30 anos e a imaturidade exista com 29 anos.

7.Os crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal não deverão ser excluídos do âmbito do perdão de penas estabelecido;

8.Ao excluir expressamente do perdão de penas, no ponto i) da alínea b) do n.º1 do artigo 7.º da referida Lei, os crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 2 do Código Penal, e não os de roubo simples, o legislador quis que os condenados por este último ilícito beneficiassem da medida de clemência;

9. Os crimes de roubo, por definição, integram, sempre, o conceito de criminalidade violenta, em virtude da moldura penal aplicável;

10. E as vítimas de criminalidade violenta são sempre, também por definição, vítimas especialmente vulneráveis.

11.Logo, afigura-se-nos que se o legislador pretendesse excluir os crimes de roubo simples do âmbito do perdão estabelecido, não faria a menção expressa, como excluído da Lei em apreço, do crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 2 do Código Penal.

12. Em suma, ainda que o legislador possa não ter exprimido o seu pensamento nos termos mais adequados, afigura-se-nos que pretende incluir os crimes de roubo simples no âmbito do perdão estabelecido, não obstante as vítimas do crime de roubo, simples ou agravado, serem sempre vítimas especialmente vulneráveis.

13. Deverá, assim, ser revogada a decisão recorrida, declarando-se o perdão de um ano à pena em que o recorrente foi condenado,

Nestes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram.

É, pois e em suma, quanto me parece,

Melhor dirão V. Excelências. E, assim se fará Justiça!”

O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pelo Arguido/Recorrente, pugnando pela parcial procedência do mesmo.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do provimento parcial do recurso.

O Arguido, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA

A decisão proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Central Criminal de … - Juiz …, que constitui o objecto do presente recurso, é do seguinte teor:

“Tomei conhecimento do requerido pelo arguido AA, bem como da posição expressa pelo Ministério Público.

Não obstante o Tribunal ter já deixado expressa a sua posição sobre o assunto, no despacho de 07.09.2023, cumpre explicitar de modo mais pormenorizado a mesma.

Cumpre decidir.

Decorre do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023 que: “Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00.00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos no artigos 3.º e 4.º.”

Resta, então, saber se estes 30 anos implicam alguém até completar os 31 anos, ou se se pretendia aplicar a lei em causa apenas a arguidos até completarem os 30 anos de idade. Não se considerando a questão pacífica, sempre se dirá que tem sido a interpretação deste Tribunal que a presente lei, porque a mesma foi criada por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude, que se pretendia perdoar essencialmente criminalidade perpetrada por jovens, até completarem os 30 anos. Após completar os 30 anos de idade, entende o Tribunal que a lei já não será aplicável aos arguidos, na medida em que a mesma se baseia na imaturidade proveniente da juventude, que será perdoável, pro intercepção da visita papal. Os indivíduos após completarem 30 anos de idade terão uma maior maturidade, permitindo-lhe assim melhor avaliar as consequências dos seus actos, o que será incompatível com a interpretação contrária da referida lei.

Não obstante esta interpretação, ou qualquer interpretação que seja realizada relativamente à idade dos arguidos à data dos factos, há ainda que ter em conta o crime pelo qual o requerente se encontra condenado. O arguido foi condenado pela prática em coautoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do C. P.

Decorre do artigo 7.º, n.º 1, alínea g), da referida Lei n.º 38-A/2023 que: “Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei: (…) Os condenados por crimes praticados contra (…) vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A, do Código de Processo Penal…”

O referido artigo 67.º-A, do C.P.P. define vítima especialmente vulnerável no seu n.º 1, alínea b) “… a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social…”. Acresce que preceitua o mesmo artigo no seu n.º 3 que: “As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.”

A definição de criminalidade violenta é fornecida pelo artigo 1.º, alínea j), do mesmo diploma legal, nomeadamente como sendo as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos.

Sem necessidade de mais considerandos, até porque tal decorre da redacção do artigo 210.º, n.º 1, do C.P., claro se torna que o crime de roubo é crime que se pratica através de violência contra a pessoa, ameaça, ou perigo eminente para a vida ou para a integridade física, e como tal se integra na definição de criminalidade violenta, até porque a pena aplicável ao mesmo é de prisão de 1 a 8 anos.

Pelo exposto, a situação dos autos encontra-se abrangida pela excepção do artigo 7.º, n.º 1, alínea g), da referida Lei n.º 38-A/2023, pelo que não é susceptível de ser perdoada por força do mesmo diploma legal, razão pela qual se indefere o requerido.

Notifique.”

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO

Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer (cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ nº 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ nº 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ nº 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal”, 5ª. ed., 2002, pp. 74 e 93; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).

«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões [da respectiva motivação] que o tribunal [ad quem] tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335) «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões» (SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal”, 5ª. ed., 2002, p. 93, nota 108).

As questões essenciais suscitadas pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:

1 - Se o crime de roubo, da previsão do art.º 210º, nº 1 do Código Penal, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto.

2 - Se atenta a idade do arguido/recorrente à data dos factos – 19/09/2019 – deveria o mesmo beneficiar da medida de clemência ínsita no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.

O MÉRITO DO RECURSO DO ARGUIDO

Por sentença transitada em julgado em 22-11-2022, foi o arguido AA, nascido a … de Fevereiro de 1980, julgado e condenado, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210º, nº1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O Recorrente veio aos autos requerer a aplicação do perdão concedido pela Lei n.º 38-A/20023, de 2 de Agosto.

Em 05-12-2023 o Mmº Juíz a quo proferiu o despacho ora sob censura, no qual não considerou susceptível de ser perdoada a pena de prisão em que o arguido foi condenado como co-autor de um crime de roubo, p. e p. artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal -, em virtude de estar abrangida pela excepção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 e ainda pelo facto do arguido/recorrente já ter completado os 30 anos de idade.

Inconformado com o assim decidido, o Arguido/Recorrente recorre para esta Relação, propugnando que lhe seja aplicado o perdão previsto na lei 38-A/2023 de 2 de Agosto.

Vejamos:

A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto «foi produzida em razão da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, prevendo a amnistia de um número concretizado de infrações; e também um perdão de penas, nos termos nela precisados.

Esquematicamente poderemos dizer que:

1. A amnistia de crimes que foi decretada pela referida Lei abrange apenas os que sejam puníveis com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias (artigo 4.º);

2. Já o perdão (de penas) é aplicável a:

a) Penas de prisão até 8 anos independentemente da natureza do crime (com exceção dos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º da Lei citada), independente do modo de execução da pena (artigo 3.º, § 5.º);

b) A penas de multa aplicadas até 120 dias;

c) A penas de prisão subsidiária ou de substituição de pena de prisão;

d) Às demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.

Acresce que a aplicação das medidas de clemência previstas na citada Lei (amnistia de infrações e perdão de penas), dependem da verificação de determinados pressupostos:

- Temporais: a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00 horas do dia 19/6/2023 (artigo 2.º);

- Etários: a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º);

- E materiais: a lei não é aplicável aos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º.

Releva também afirmar que as regras atinentes à aplicação da amnistia em sentido estrito, nem sempre são aplicáveis ao perdão de penas e vice-versa. E ainda que, conforme dispõe o § 1.º do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º - amnistia de infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa -, é (como regra) perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, com ressalva das exceções previstas no artigo 7.º».(acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no Proc. n.º 22/19.8GBTMR-A. E1, datado de 20/02/2024 e relatado pelo Desembargador J. F. Moreira das Neves)

Revertendo ao caso em apreço e tendo em conta o teor literal das normas e a exposição de motivos que acompanhou a respetiva elaboração do normativo em causa, não olvidando as variadas decisões, umas no sentido pretendido pelo Recorrente, outras no sentido da decisão recorrida, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, aderindo nós a toda a argumentação aduzida pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sem que praticamente mais se nos ofereça acrescentar, sendo inútil referir por outras palavras o que e bem ali se mencionou na aludida resposta, por isso mesmo, permita-se-nos que passemos, de imediato a transcrever a mesma:

«Quanto ao argumento invocado sobre a incidência do perdão previsto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, atenta a idade do arguido à data dos factos – 19/09/2019 -, cremos assistir razão ao invocado na motivação de recurso apresentado, posição que, aliás, já havíamos assumido nos autos, a propósito do requerimento pelo mesmo apresentado e constante de fls. 9215.

Com efeito, não tendo o mesmo na altura, completado 31 anos de idade, estaria abrangido pelo perdão previsto naquele diploma legal, por se dever entender que à data dos factos, tinha entre 16 e 30 anos de idade.(Neste sentido, Pedro Esteves de Brito, Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, Revista Julgar online, Agosto de 2023, pág. 5.)

Na génese do nosso entendimento está, desde logo, a letra da lei e, por outro lado, o espírito do legislador.

Com efeito, atendendo-se ao preceituado no art.º 9º do Código Civil “a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em contra a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada.”

Da letra da lei entende-se que o legislador, ao utilizar a expressão entre 16 e 30 anos de idade, inseriu o limite dos 30 anos de idade, limite que só termina no dia em que se perfaz o 31º aniversário.

Com efeito, ao não utilizar a redacção usada, por exemplo, para o Regime Penal Aplicável ao Jovens Delinquentes (DL. n.º 401/82, de 23 de Setembro) - onde também fixou limites de idade e expressamente esclareceu que o mesmo só seria aplicável aos jovens que tivessem completado 16 anos (data a partir do qual são imputáveis criminalmente) sem ter ainda atingido os 21 anos (cfr. artigo 1º n.º 2) -, pretendeu comtemplar ainda as pessoas com 30 anos.

O espírito do legislador resulta da exposição de motivos da proposta da Lei 97/XV/1ª da autoria do Governo. Da qual consta:

“A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um evento marcante a nível mundial, instituído pelo Papa João Paulo II, em 20 de dezembro de 1985, que congrega católicos de todo o mundo. Com enfoque na vertente cultural, na presença e na unidade entre inúmeras nações e culturas diferentes, a JMJ tem como principais protagonistas os jovens. Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento. Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ.

Como constava do Portal relativo às referidas Jornadas, “A JMJ é dedicada aos peregrinos de todo o mundo com idades entre os 14 e 30 anos, sendo permitido que peregrinos de outras idades se inscrevam”.

Deste modo, cremos que o legislador pretendeu abranger o grupo etário das Jornadas Mundiais da Juventude e, portanto, todos os jovens entre os 16 anos e os 30 anos, inclusive. (negrito e sublinhado nosso)

ii) Já assim não entendemos quanto à não exclusão do perdão por força do disposto no ponto i) da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º daquele diploma legal, decorrente de uma interpretação restritiva da sua alínea g), efectuada pelo arguido.

Com efeito, tal como se mencionou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2023, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Luísa Alvoeiro, proferido no processo n.º 7102/18.5P8LSB (inédito, com um voto de vencido), o artigo 7.º daquele diploma legal, o seu n.º 1, alínea b), i) exclui do perdão e da amnistia previstos na referida Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, no âmbito dos crimes contra o património, os condenados por roubo previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal.

Da análise dos trabalhos prévios à aprovação do citado diploma legal, consta-se que a proposta inicial do Governo excluía do perdão e da amnistia o crime de roubo “em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no artigo 210.º do Código Penal”.

A proposta de alteração apresentada em 10 de Julho de 2023, pelo Grupo Parlamentar do PSD, excluía do perdão e da amnistia os condenados por crime de roubo previsto no artigo 210.º do Código Penal, tendo a proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, em 14 de Julho de 2023 – que apenas excluía do perdão e da amnistia os condenados pela prática do crime de roubo agravado, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal -, acabado por ficar consagrada no texto final do artigo 7.º, alínea b), i), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.

Contudo, “o facto de um crime não constar no elenco daqueles que, por si só, determinam a exclusão das medidas estabelecidas na Lei em análise, não impede que o respetivo agente possa, ainda assim, não beneficiar destas por força das demais exceções igualmente previstas” (Pedro Brito, obra citada, pág. 30.)

Citando o aresto invocado, “é de ponderar que o art.º 7º, al. g), focalizado nas vítimas dos crimes (e já não no concreto tipo de crime), exclui do perdão e da amnistia previstos na presente lei “os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro”.

Da análise dos trabalhos parlamentares prévios à aprovação do referido diploma legal, constata-se que também esta alínea g) acabou por ter uma redação distinta da inicialmente contante da proposta de lei apresentada pelo Governo, que inicialmente excluía do perdão e da amnistia “g) Os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes”.

A redacção final resultou de uma proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, que excluía do perdão e da amnistia “g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal”.

Tendo ambas as referidas alterações resultado da mesma proposta de alteração do mesmo grupo parlamentar, não poderá argumentar-se que se pretendeu incluir o crime de roubo na sua forma simples de consumação no âmbito das situações passíveis de beneficiar do perdão, antes haverá que presumir a congruência de tais propostas e consequentemente considerar que visaram conferir maior rigor jurídico ao texto da lei (não obstante, ainda assim, não constituir um texto legislativo exemplar) com vista à definição o mais precisa possível das várias situações em que se exclui a aplicação do perdão e da amnistia.

Por conseguinte, não obstante a situação em apreço não se mostrar incluída no art.º 7º, nº 1, al. b), subalínea i). é forçoso concluir que a mesma encontra acolhimento na alínea g) do nº 1 do art.º 7º, na medida em que a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1 do C.Penal é considerada uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime, por força da mencionada al. g) do nº 1 do preceito em análise.

Efetivamente, nos termos do disposto no art.º 67º-A, nº 1, al. b) do C. P. Penal considera-se “Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social” e prevê o nº 3 que “as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.

O mencionado preceito legal remete-nos, por conseguinte, para o disposto no art.º 1º, als. j) e l) do C.P. Penal que consideram como “Criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos” e como “Criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos”.

Ora, sendo o crime de roubo previsto no art.º 210º, nº 1 do C. Penal punido com uma pena de prisão igual ou superior a 5 anos (mais concretamente até 8 anos), o mesmo integra indubitavelmente o conceito de criminalidade especialmente violenta, como resulta expressamente do disposto no art.º 1.º, al. l), do C. P. Penal, e vem sendo defendido na jurisprudência.

(…)

Nessa medida, mesmo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210º, nº 1 do C.Penal, o crime de roubo, por se integrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis”, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto.

(…)”

Também é esta a posição assumida por Pedro Esteves de Brito, na obra citada em nota de rodapé, a fls. 31 e 32, mencionando algumas decisões dos Tribunais superiores em abono da sua posição.

Ainda no sentido de que o roubo simples não beneficia do perdão previsto no diploma legal a que vimos referindo, encontrámos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/12/2023, relatado pela Senhora Desembargadora Sandra Ferreira e proferido no processo n.º 27/22.1PJLRS, que refere: (Também inédito, tendo a decisão sido proferida por unanimidade.)

“O art.º 7º da referida Lei 38-A/2023 de 02 de agosto, exceciona da aplicação do perdão várias hipóteses.

Assim, entre outros, exceciona-se:

- na al. b) ponto i) (a par com outros crimes ali especificados) os condenados pela prática de crime de roubo, previsto e punível pelo art.º 210º, nº 2 do Código Penal e;

- na al g) os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87 de 17 de fevereiro.

O crime de roubo previsto e punível no art.º 210º, nº 1 do Código Penal, é punível com uma pena de 1 a 8 anos de prisão.

O crime de roubo é um delito complexo protegendo simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, contando-se assim entre os bens jurídicos a liberdade pessoal e a integridade física. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.2022 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.09.2021, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.)

O art.1º al. j) do Código de Processo Penal define como “Criminalidade violenta”, as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos.

E a alínea l) do mesmo artigo define “Criminalidade especialmente violenta” como as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos; No art.º 67º- A, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, define-se “´Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado desaúdeou dedeficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”;

Acrescentando o nº 3 do mesmo dispositivo legal que “As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b)

Resulta do art.º 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).

(…)

Ora, cremos que o legislador no art.º 7º nº 1 da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, foi estabelecendo, em concreto, a inaplicabilidade do perdão e da amnistia para certos tipos de crime, vindo depois a estabelecer na al. g) do citado nº 1, uma cláusula mais abrangente, no sentido de excecionar a aplicação da amnistia e do perdão aos condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-lei nº 78/87 de17 de fevereiro (isto, é centrando agora o foco especificamente na vítima do crime e não no concreto tipo de crime cometido).

Partindo do texto da lei vemos que o legislador não excluiu qualquer vítima especialmente vulnerável. E, de facto, se o legislador quisesse limitar a exceção à definição de vítima especialmente vulnerável, prevenida no art.º 67º-A, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, tê-lo-ia seguramente feito.

Na verdade, da Exposição de Motivos (…), fez-se constar o seguinte: (…) Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.

Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação (…)” e, como vimos, o crime de roubo, previsto no nº 1 do art.º 210º do Código Penal, nos termos do disposto no art.º 1º al. l) do Código de Processo Penal é qualificado como criminalidade especialmente violenta.

(…)

Para quem defenda que por o crime de roubo, previsto e punível pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal não estar previsto expressamente no ponto i) da alínea b) do art.º 7º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto não está excecionada a aplicação do perdão, torna-se difícil perceber como admitirão excecionar do perdão todas aquelas situações em que, sendo cometido um crime de roubo, previsto e punível pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, as vítimas sejam pessoas cuja especial fragilidade decorra, por hipótese, da sua idade ou estado de saúde, pois que claramente estas vítimas estariam abrangidas pela al. g) do referido art.º 7º da lei 38-A/2023 de 2 de agosto, como o legislador quis e previu, e consequentemente o perdão não teria aplicação - embora o art.º 210º, nº 1 do Código Penal, continue a não constar da referida alínea b).

Assim, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º, nº 3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando “criminalidade violenta” ou “criminalidade especialmente violenta”, nos termos do art.º 1º al. j) e l) do Código de Processo Penal, mesmo que esse crime seja o de roubo previsto e punível pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal.

(…)”

Pela exaustividade e bondade da fundamentação supra transcrita, dispensamo-nos de aditar argumentação adicional, que seria redundante.

Deste modo, por concordarmos na íntegra, com o sentido da decisão recorrida, por entendermos que o crime de roubo, integrando criminalidade especialmente violenta, nunca poderia beneficiar do perdão de um ano previsto na Lei n.º 32-A/2023, de 02/08, atento o disposto no seu artigo 7.º, alínea g), conjugado com os artigos 67.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e 1.º, alíneas j) e l), do Código de Processo Penal e com as regras de interpretação constantes do artigo 9.º do Código Civil.»

Nestes termos, não restam dúvidas de que face à Lei n.º38-A/2023, de 02/08, o Recorrente não reunia as condições para aplicação do perdão aí previsto, uma vez que a situação em apreço integra a assinalada exceção ao artigo 7.º, § 1.º, al. g) ao perdão previsto no artigo 3.º, § 1.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto. Isto é, estão excluídos desse perdão «os condenados por crimes praticados contra (…) vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.

Pelo que, bem andou o Tribunal recorrido, quando declinou a aplicação da referida medida de clemência, pela não verificação dos respectivos pressupostos para a sua aplicação.

DECISÃO

Eis por que, e sem necessidade de mais considerações haverá que concluir o presente recurso irá improceder.

Fixa-se a taxa de justiça devida pelo Recorrente em 3 (três) UCs.

Évora, 05 / 03 / 2024