Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5495/23.1T8STB-A.E1
Relator: MARIA JOSÉ CORTES
Descritores: CITAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
FORMALIDADES
CONDOMÍNIO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Sendo a apelante representante legal do condomínio e sendo, no caso, uma pessoa coletiva, ser-lhe-á aplicável o regime da citação das pessoas coletivas.
A sua citação nos termos do artigo 223.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, é considerada citação pessoal.
II – Em tal citação, operada por via postal, por ser considerada na própria pessoa coletiva, não tem aplicação a advertência do artigo 233.º, nem a dilação do artigo 245.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.
III – Tendo a citação da apelante ocorrido a 25 de setembro de 2023, o prazo para se opor à penhora ser de 20 dias e a oposição à penhora ter dado entrada em juízo em 20 de outubro de 2023, conclui-se que foi apresentada fora de prazo, confirmando-se, assim, o juízo de extemporaneidade constante da decisão recorrida.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: RECURSO n.º 5495/23.1T8STB-A.E1

Tribunal recorrido: Juízo de Execução de Setúbal – J2
Apelante: Administração das Partes Comuns do Aldeamento Turístico (…)
Apelada: EDP COMERCIAL – Comercialização de Energia, S.A.

Sumário (elaborado pela relatora - artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)
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Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. Por apenso aos autos de execução de sentença para pagamento de quantia certa que corre termos sob o n.º 5495/23.1T8STB, que lhe move EDP Comercial, veio a executada, Administração das Partes Comuns do Aldeamento Turístico (…), deduzir oposição à penhora, pedindo o imediato levantamento da penhora da conta bancária penhorada.
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1.2. Em de 29 de outubro de 2023, o tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão:
O prazo para apresentação da oposição à penhora é de 20 dias (artigo 856.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), pelo que terminou no dia 16-10-2023, uma vez que a citação da executada ocorreu no dia 25-09-2023.
Face ao exposto, indefiro liminarmente a oposição à penhora (artigos 732.º, n.º 1-a), aplicável por via do artigo 785.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil).
Custas pela executada.
Notifique.”
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1.3. Não se conformando com esta decisão, dela apela a executada, pugnando pela sua revogação, formulado as seguintes conclusões (transcrição):
a) A citação após penhora foi recebida por pessoa diversa da Executada em 25 de setembro de 2023;
b) A Executada é pessoa equiparada a pessoa coletiva;
c) Às pessoas coletivas quando citadas em pessoa diversa do destinatário, ou seja, o seu administrador, acresce um prazo de dilação de 5 (cinco) dias;
d) O prazo para oposição à penhora não terminou a 16 de outubro de 2023;
e) Com a dilação dos 5 (cinco) dias, o prazo de oposição à penhora terminou a dia 20 de outubro de 2023;
f) A Executada apresentou a sua defesa dentro do prazo estabelecido por lei para as pessoas coletivas obrigatoriamente registadas como tal;
g) Por isso e com os fundamentos e razões supra, apelamos ao Douto Tribunal que revogue a sentença proferida pelo Juízo de Execução de Setúbal.
h) Conferindo à Executada a dilação do prazo para oposição a uma penhora ilegal, fazendo assim a costumada justiça.
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1.4. A exequente contra-alegou, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1) A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
2) O prazo para apresentação da oposição à penhora é de 20 dias (artigo 856.º/1, do Código de Processo Civil), pelo que terminou no dia 16-10-2023, uma vez que a citação da executada ocorreu no dia 25-09-2023;
3) Sendo a Recorrente pessoa equipara a pessoa coletiva, a sua citação faz-se nos termos conjugados dos artigos 246.º, 228.º, 223.º, n.ºs 1 e 3 e 225.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
4) Acresce que, conforme resulta do artigo 223.º/3, do CPC, as pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.
5) A Recorrente foi citada na data inscrita no respetivo aviso de receção.
6) Não existindo qualquer evidência ou prova de que a citação tenha sido recebida por terceiro, isto é, por não funcionário.
7) A Recorrente não ilidiu tal presunção.
8) Face ao exposto, sempre se terá de considerar a citação no dia 25-09-2023 pelo que a oposição à penhora se revela intempestiva.
9) Inexiste qualquer razão de facto ou de direito que possa conduzir à alteração da matéria de facto dada como provada, ou não provada, pelo Tribunal a quo, nomeadamente no que concerne ponto II, A) da sentença recorrida, sendo certo que a recorrente não logra invocar qualquer meio de prova que permita alcançar conclusão diversa.
10) Devendo manter-se a decisão proferida pelo douto tribunal de 1ª instância, a qual indeferiu liminarmente a oposição à penhora.
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1.5. Por despacho proferido em 01 de dezembro de 2023, o recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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1.6. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, do Código Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, Almedina, pág. 109).
Em face das conclusões de recurso, entendemos que a única a decidir é a de saber se a oposição à penhora foi ou não tempestivamente deduzida pela apelante.
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2.2. Fundamentação
Dos autos resultam os seguintes factos com interesse para a decisão:
a) A apelante tem sede na Rua de (…), Quinta do Anjo, em Palmela.
b) Na execução de que estes autos constituem um apenso, foi ordenada e efetivada a penhora de uma conta bancária de que é titular a ora apelante.
c) A apelante deduziu oposição à penhora, com os seguintes fundamentos:
- No seguimento do incumprimento de um acordo de pagamento, decidiu a Exequente intentar a presente ação, tendo sido penhorada uma conta bancária titulada por Administração das Partes Comuns do Aldeamento Turístico (…).
- Tem sido entendimento jurisprudencial que, estando em causa o regime da propriedade horizontal, as dívidas são dos condóminos e não do condomínio.
- Isto porque, a Executada não é detentora de bens penhoráveis, é apenas e só administradora das partes comuns do aldeamento.
- A administração é feita por conta dos proprietários e os valores das prestações periódicas, aprovadas em sede de assembleia de proprietários, tendo uma finalidade muito específica, fazer cumprir o orçamento aprovado e não o pagamento de dívidas.
- Todo e qualquer valor depositado naquela conta bancária, teve por base um orçamento com rubricas específicas, absolutamente essenciais para a manutenção e conservação do Aldeamento Turístico (…).
- A penhora da conta bancária das partes comuns do aldeamento, configura um ato de penhora objetivamente ilegal e contrária a sentença proferida em 13.04.2022 pelo Juízo de Execução de Oeiras – Juiz 2, no âmbito do processo n.º 5172/15.1T8OER-A.
d) Efetivada a citação postal da executada/apelante, o aviso de receção para citação foi assinado por (…), em 25 de setembro de 2023.
e) Desse aviso de receção consta que foi assinado por “pessoa a quem foi entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entrega-la prontamente ao Destinatário”.
f) No requerimento de oposição à penhora, com data de apresentação em juízo de 20 de outubro de 2023, não consta a invocação de qualquer vício na citação da executada/apelante.
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2.3. Apreciação do recurso
Entende a apelante que a oposição à penhora por si deduzida em 20 de outubro de 2023 é tempestiva, pugnando pela revogação da decisão recorrida.
Alega para o efeito que a citação após penhora foi recebida por pessoa diversa da executada em 25 de setembro de 2023; que sendo a executada pessoa equiparada a pessoa coletiva, às pessoas coletivas quando citadas em pessoa diversa do destinatário, ou seja, o seu administrador, acresce, ao prazo de 20 (vinte) dias para oposição à penhora, uma dilação de 5 (cinco) dias.
Vejamos se lhe assiste razão.
Estipula o artigo 219.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
Estatui, ainda, o artigo 223.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que “As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.”
De acordo com o preceituado no artigo 245.º, n.º 1, do citado código:
1 - Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando:
a) A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos dos n.os 2 do artigo 228.º e 2 e 4 do artigo 232.º;
(…).”
Por fim, de acordo com o artigo 246.º do Código de Processo Civil:
1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.
2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.
4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.
6 - Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior.”
Este o quadro legal em que nos movemos.
Sendo a apelante representante legal do condomínio e sendo, no caso, esse representante legal uma pessoa coletiva, ser-lhe-á aplicável o regime da citação das pessoas coletivas.
Assim, a sua citação nos termos daquele artigo 223.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, é considerada citação pessoal.
No caso em apreciação foi expedida carta para citação da executada/apelante, a qual foi enviada e recebida na sede da mesma (facto não questionado nos autos).
O aviso de receção para citação foi assinado por (…), em 25 de setembro de 2023.
Desse aviso de receção consta que foi assinado por “pessoa a quem foi entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário”.
Refere a apelante que por a citação ter sido realizada na sua sede, não se poderá presumir que a pessoa que a recebeu seja funcionária e/ou administrador da destinatária, isto porque, no edifício da sede da Executada não operam apenas os serviços desta empresa, operam outros serviços com diversos funcionários, alegando, ainda, que citação foi recebida por um trabalhador de outra entidade (trabalhadora da sociedade …, Lda.) que se predispôs entregar a citação do seu administrador assim que possível, o que fez.
Não extrai, porém, a apelante qualquer consequência desta alegação. Mas mesmo que o fizesse, designadamente alegando a nulidade da citação, tal invocação era manifestamente extemporânea.
Na verdade, não há notícia de que a ora recorrente, como executada, tenha invocado a nulidade da sua citação no âmbito da ação executiva, nem deduzido embargos à execução.
Foi apenas na fase recursória que faz menção àquela circunstância de que citação foi recebida por um trabalhador de outra entidade (trabalhadora da sociedade …, Lda.) que se predispôs entregar a citação à executada. E poderia fazer a prova, na sede própria, sobre quem é aquela (…) e dos motivos pelos quais, a ser um “terceiro”, se encontrava no local e ali recebeu a citação, sendo que não seria nesta 2.ª instância que iria fazer a prova cabal do que devia ter alegado e provado na 1.ª instância.
Ultrapassada esta “não questão”, e considerando-se a citação da apelante uma citação pessoal, nos termos do já aludido artigo 223.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, vejamos se a oposição à penhora foi deduzida tempestivamente.
Entende a apelante que, por beneficiar da dilação de 5 dias prevista artigo 245.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, a mesma é tempestiva.
Já no quadro do anterior Código de Processo Civil, se entendia que havendo uma sociedade comercial ou pessoa coletiva sido citada ao abrigo do disposto no artigo 231.º, n.º 3, não beneficiava da dilação prevista no artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a), do mesmo Código (acórdão do TRE, de 24.02.2000, BMJ, 494.º, pág. 407, citado por Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 20.ª ed., Ediforum, pág. 344).
E na atualidade, com o mesmo entendimento, veja-se o acórdão do TRL, de 14.03.2023, onde se escreveu:
«Assumimos, portanto, com o Acórdão da Relação de Coimbra de 07 de Março de 2017 (Processo n.º 2387/16.4T8CBR-B.C1-Vítor Amaral), que a “citação de uma sociedade nos termos do disposto no artigo 223.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv, é considerada citação pessoal dessa sociedade” e que, como tal, nessa “citação de sociedade, operada por via postal, por ser considerada na própria pessoa societária, não tem aplicação a advertência do artigo 233.º nem a dilação do artigo 245.º, n.º 1, alínea a), ambos do NCPCiv”».
Como escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, [Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Vol. I, Almedina, 2014, pág. 241] “o regime previsto neste artigo [246.º] está desenhado à imagem das pessoas colectivas, refletindo a sua natureza especial. A criação de uma pessoa coletiva – ou a participação numa – comporta ónus e deveres, subjectivamente imputáveis ao ente colectivo, assim se explicando a relevância aqui dada ao registo obrigatório da sede”, e também – dizemos nós – a relevância dada a quem recebe a correspondência na sua sede.
Em face de tudo o exposto só podemos concluir que a apelante foi citada pessoalmente, não havendo qualquer fundamento para beneficiar da dilação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 245.º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, tendo a citação da apelante ocorrido a 25 de setembro de 2023, o prazo para se opor à penhora ser de 20 dias e a oposição à penhora ter dado entrada em juízo em 20 de outubro de 2023, conclui-se que foi apresentada fora de prazo, confirmando-se, assim, o juízo de extemporaneidade constante da decisão recorrida.
Improcede, pois, a apelação.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Évora, 8 de fevereiro de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2.ª Adjunta)