Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/19.4T8BJA-A.E1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
RECONVENÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O âmbito da ação de simples apreciação negativa está confinado à mera declaração de inexistência do direito, pelo que entende a jurisprudência maioritária ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida.
2. A partir da dedução do pedido reconvencional, considera-se ampliado ope legis o valor da causa, sendo irrelevante, para este efeito, a posterior decisão de inadmissibilidade da reconvenção.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 24/19.4T8BJA-A.E1

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO:

(…) intentou a presente ação declarativa contra (…) e marido (…), pedindo que a mesma seja julgada procedente, por provada e, em consequência:

-Declarar-se que em 18 de março de 2004, a ré (…), não era dona e legítima possuidora dos prédios urbanos, inscritos na matriz da freguesia de (…), concelho de Mértola, sob os artigos (…) e (…), posteriormente inscritos sob os arts. (…) e (…) da freguesia de (…), descritos inicialmente na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob os nºs (…) e (…), da freguesia de (…) e posteriormente descritos sob os nºs (…) e (…), da freguesia de (…).

-Declararem-se impugnados, para todos os efeitos legais, os factos declarados na escritura de justificação lavrada no Cartório Notarial de Faro, da notária Maria Lúcia Gonçalves Lopes, em 18 de março de 2004, de fls. 66 a 68, do livro (…)-A, de notas para escrituras diversas.

-Declarar-se nula, ineficaz e sem nenhum efeito, a escritura de justificação lavrada no Cartório Notarial de Faro, da notária Maria Lúcia Gonçalves Lopes, em 18 de março de 2004, de fls. 66 a 68, do livro (…)-A, de notas para escrituras diversas.

-Ordenar-se o cancelamento da inscrição de aquisição, a favor da 1ª ré (…), casada com (…), correspondente à Ap. … de 23/11/2004, sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o nº …/20090526, da freguesia de (…), concelho de Mértola, inscrito na matriz sob o art.º (…), da freguesia de (…).

-Ordenar-se o cancelamento da inscrição de aquisição, a favor da 1ª ré (…), casada com (…), correspondente à Ap. … de 23/11/2004, sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o nº …/20090526, da freguesia de (…), concelho de Mértola, inscrito na matriz sob o art.º (…), da freguesia de (…).

Os RR. deduziram contestação com reconvenção e intervenção principal provocada, tendo formulado os seguintes pedidos reconvencionais:

i. Ser declarada a aquisição pela R. (…), por usucapião dos prédios urbanos agora inscritos na matriz sob os artigos (…) e (…) da freguesia de (…), concelho de Mértola e descritos CRP de Mértola, respetivamente, sob os nºs (…) e (…) daquela freguesia, por terem decorrido 15 anos sobre o inicio da posse da R. (…) sobre esses prédios que se se iniciou pelo menos desde 1 de julho de 2002, razão pela qual em 1 de julho de 2017, se consolidou a aquisição por usucapião.

ii. Ainda que assim não se entenda e subsidiariamente, deverá dar-se como provado que a posse da R. (…) é titulada desde a escritura de usucapião, outorgada em 18 de março de 2004 e registada em 23/11/2004, pelo que em 23/11/2014, por via disso, declarar-se que a R. (…) adquiriu, por usucapião os prédios agora inscritos na matriz sob os artºs (…) e (…), da freguesia da (…), concelho de Mértola, descritos na Conservatória do Registo Predial de Mértola, respetivamente sob os números (…) e (…), daquela freguesia e concelho, por usucapião, nos termos do disposto na al. a) do art.º 1294 do Código Civil.

iii. Ainda que o pedido reconvencional principal e subsidiário improcedam, o que se admite por hipótese teórica, deverá apreciar-se o pedido subsidiário e deverá declarar-se, nos presentes autos, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1316º, 1325º e 1340º, todos do Código Civil, que os RR. construíram obra, cujo montante trouxe à totalidade do prédio um valor superior ao que o prédio tinha antes da mesma e declarar-se que os RR. adquiriram a propriedade dos prédios inscritos na matriz sob o art.º … (… da CRP Mértola) e … (… da CRP Mértola), ambos da freguesia de (…), Concelho de Mértola, por a Acessão Imobiliária, pagando os RR. à A. e à Chamada aos autos, o valor que o prédio tinha antes das obras, o que se deverá apurar, por via de prova pericial.

Requereu ainda que seja admitida a intervenção principal provocada, para fazer intervir nos autos como co-ré no pedido reconvencional, nos termos dos artºs 316º e ss do CPC, (…), a fim de acautelar a ilegitimidade passiva do pedido reconvencional, pelos factos, fundamentos e pedidos nele constantes que também se dirigem à chamada (…).

A. A. deduziu réplica, sustentando em síntese que os pedidos reconvencionais devem ser considerados improcedentes, e a Reconvinda absolvida dos mesmos.

Em 13-05-2019 foi proferido despacho que se reproduz na parte com relevância para as questões a decidir:

“Da amissibilidade da reconvenção

Na contestação vieram os RR. deduzir pedido reconvencional contra a A. peticionando o reconhecimento da propriedade da Ré sobre os prédios inscritos na matriz sob os artigos (…) e (…), da freguesia de (…), concelho de Mértola e descritos na Conservatória do Registo Predial de Mértola, respetivamente sob os números (…) e (…), adquirida por usucapião.

Alegaram, para tanto e em síntese que, pelo menos desde 1 de julho de 2002, a Ré se arroga como possuidora e proprietária daqueles prédios, o que fez com o conhecimento e consentimento da A., tendo a partir dessa data tomado as diligências para que tais artigos urbanos fossem incluídos no projeto de turismo rural, que em seu nome requereu junto do Município de Mértola.

Exerceu a referida posse com a aceitação da A. e do seu marido, de boa-fé, de forma pacífica, sem oposição de ninguém e ininterruptamente, assumindo perante o Estado a responsabilidade do pagamento dos impostos, licenciou um turismo rural que incluiu os prédios inscritos na matriz sob o artigo (…) reconstruiu o prédio urbano nº (…) com dinheiro seu e da sua irmã, contraiu empréstimos bancários para custear obras e instalações de sistemas.

Cumpre, então, aferir da admissibilidade da reconvenção.

A reconvenção constitui uma exceção ao princípio da estabilidade da instância (artigo 260º do Código de Processo Civil), pois implica uma modificação objetiva da mesma, dependendo, por isso, a sua admissibilidade do preenchimento de determinados requisitos objetivos, através dos quais se pretende assegurar uma certa conexão entre o pedido reconvencional e o pedido do autor, a fim de que se não produza uma perturbação processual que comprometa a finalidade da ação (Gama Prazeres, Da Alteração do próprio pedido do autor e da reconvenção no atual Código de Processo Civil, in Scientia Iuridica, 1964, pág. 20).

Assim, a reconvenção constitui uma ação cruzada, aproveitando o réu a iniciativa do autor para, na contestação, deduzir contra ele uma pretensão de efeitos contrários ou com objeto diferenciado (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, Almedina 2010, pág. 125).

No artigo 266º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil estabelecem-se requisitos de ordem substantiva e processual que regem a admissibilidade da reconvenção. Deste modo, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor quando: o pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; o pedido tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

No caso em apreço, a reconvenção fundamenta-se no facto jurídico que serve de fundamento à ação, ou seja, pretendem os RR. que seja reconhecida a aquisição do direito de propriedade por usucapião, cuja escritura se mostra impugnada.

Por último, prescreve o nº 3 do artigo 266º do Código de Processo Civil que a reconvenção não é admissível quanto ao pedido do autor corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.

No presente caso, atendendo ao valor do pedido do A., a presente ação corre os seus termos sob a forma de processo comum, pelo que inexistem obstáculos de ordem processual.

Termos em que, admito o pedido reconvencional deduzido pelos RR. contra a A., nos termos do artigo 266º, nºs 1 e 2, als. a) e b) e nº 3, do Código de Processo Civil.

*

Do valor da causa

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 306º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, neste momento proceder à determinação do valor da causa.

Conforme estabelece o artigo 296º, nº 1, do Código de Processo Civil a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade imediata do pedido, ao qual atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (cfr. o nº 2 do referido preceito legal).

Posto isto, importa atender ao pedido deduzido pela A. e ao pedido reconvencional deduzido pelos RR. a fim de determinar o valor da presente causa, sendo que nos termos do artigo 299º, nº 2, do Código de Processo Civil o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos nos termos do disposto no nº 3 do artigo 530º. O pedido não é considerado distinto quando, designadamente, a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

Ora, analisando ambos os pedidos facilmente se constata que, a procederem, não produziriam o mesmo efeito jurídico, pelo que o valor do pedido reconvencional será somado ao valor do pedido da A.

Face ao supra exposto, fixo como valor da causa € 73.134,13 (cfr. Artigos 306º, nº 2, 299º, nº 2 e 530º, nº 3, todos do Código de Processo Civil)”.

Inconformado com o decidido, veio a A. (…) interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Mmª Juiz a quo, que admite o pedido reconvencional formulado pelos RR, fixa o valor da causa em 73.134,13, e em consequência declara-se incompetente em razão do valor da causa.

B) Na decisão de que se recorre, foi admitida a Reconvenção, pela Mmª Juiz a quo, nele se referindo “No caso em apreço, a reconvenção fundamenta-se no facto jurídico que serve de fundamento à ação, ou seja, pretendem os RR. que seja reconhecida a aquisição do direito de propriedade por usucapião, cuja escritura de justificação se mostra impugnada.

C) Não pode a A. Recorrente concordar com o despacho recorrido, pois entende, salvo melhor opinião, que tratando-se in casu, de uma ação de simples apreciação negativa, a dedução de Reconvenção é inadmissível.

D) Nos presentes autos, formulou a A. os seguintes pedidos:

-Declarar-se que em 18 de março de 2004 a Ré (…) não era dona e legitima possuidora dos prédios urbanos, inscritos na matriz da freguesia de (…), concelho de Mértola, sob os artigos (…) e (…), posteriormente inscritos sob os arts. (…) e (…) da freguesia de (…), inicialmente descritos na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob os nºs (…) e (…), da freguesia de (…) e posteriormente descritos sob os nºs (…) e (…), da freguesia de (…).

-Declararem-se impugnados, para todos os efeitos legais, os factos declarados na escritura de justificação lavrada no Cartório Notarial de Faro, da notária Maria Lúcia Gonçalves Lopes, em 18 de março de 2004, de fls. 66 a 68, do livro (…)-A, de notas para escrituras diversas,

-Declarar-se nula, ineficaz e sem nenhum efeito, a escritura de justificação lavrada no Cartório Notarial de Faro, da notária Maria Lúcia Gonçalves Lopes, em 18 de março de 2004, de fls. 66 a 68, do livro (…)-A, de notas para escrituras diversas,

-Ordenar-se o cancelamento da inscrição de aquisição, a favor da 1ª ré (…), casada com (…), correspondente à Ap. … de 23/11/2004, sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o nº …/20090526, da freguesia de (…), concelho de Mértola, inscrito na matriz sob o art.º (…), da freguesia de (…).

Ordenar-se o cancelamento da inscrição de aquisição, a favor da 1ª ré (…), casada com (…), correspondente à Ap. … de 23/11/2004, sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o nº …/20090526, da freguesia de (…), concelho de Mértola, inscrito na matriz sob o art.º (…), da freguesia de (…).

E) O art.º 343º, nº 1, CC estabelece que, nas ações de apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

F) Na jurisprudência, é maioritária a orientação segundo o qual este preceito implica uma inversão do ónus da prova:

-não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto não existe, mas compete ao réu que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse direito ou facto, alegar e provar pela positiva, tal existência.

G) A atribuição ao réu, nos termos do artigo 343º, nº 1, CC, do ónus da prova dos factos constitutivos, torna inútil a dedução de um pedido reconvencional por esse demandado, dado que o que essa parte vai obter através da prova daqueles factos é o mesmo que poderia conseguir através da procedência desse pedido reconvencional.

H) Considerando que todos os pedidos reconvencionais (principal e subsidiário) envolvem o reconhecimento do direito de propriedade dos RR. sobre os prédios da escritura ora impugnada, os quais já se encontram registados na C. R. Predial em nome dos RR.

I) Não devem ser admitidos os pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR. por desadequação e prejudicialidade dos mesmos.

J) Foram violados os artigos 266º, 608º, nº 2, do C.P.Civil.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em conformidade, deve ser revogada a decisão de que se recorre, substituindo-se por outra que considere inadmissíveis os pedidos reconvencionais formulados e fixa o valor da causa em € 13.134,13 (treze mil, cento e trinta e quatro euros e treze cêntimos).

A Recorrida (…) apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:

A. A Recorrente estriba as suas alegações no facto de considerar a ação que propõe uma ação de simples apreciação negativa e que nesse tipo de ação a Reconvenção ser inadmissível;

B. As ações de simples apreciação destinam-se a garantir uma situação de incerteza sobre um facto ou direito.

C. No caso concreto há facto registado, pelo que inexiste essa situação de incerteza e existe uma suposta agressão concreta pelos RR. do alegado direito dos AA.

D. Por isso, há sempre, ainda que implícito e independentemente da formulação frásica com que é materializado, um pedido de condenação para que “destrua” o registado, que será que vai ser, eventualmente ordenado após se concluir, se a R. é ou não proprietária do prédio.

E. Nos pontos 1º e 2º do pedido dos AA sendo que o que os AA. Vêm pedir é, de facto, que sejam declarados que os factos declarados são falsos e que a A. não é a proprietária, ou seja, os AA. Pedem uma decisão acerca do direito de propriedade do prédio, que não sendo dos RR. será dos AA., por efeito desta ação e se ela proceder, pelo que os mesmos alegam que têm esse direito registado a seu favor.

F. Acontece que a Reconvenção dos RR. visa, no caso de procedência da ação, a apreciação do direito de propriedade do mesmo prédio, com fundamento no instituto de usucapião, subsidiariamente e por acessão imobiliária.

G. Sendo que dúvidas não restam que: o pedido dos Reconvintes emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação. E que subsidiariamente se pretende ver reconhecido um crédito, referente a despesas com a coisa cuja propriedade se discute, da qual se pretende retirar uma consequência jurídica.

H. A não ser admitida a Reconvenção, tal dará azo a que se intente nova ação, entre os mesmo intervenientes e sobre o mesmo facto jurídico, já que AA, e RR, pretendem ver reconhecidos como proprietários do mesmo prédio.

I. Pelo que, a Reconvenção, no caso concreto, admissível, útil e consentânea à economia processual e interesses das partes.

J. Devendo, por isso, manter-se o decidido na sentença quanto à admissão do pedido reconvencional e alteração do valor da causa, com a consequente remessa ao tribunal competente.

II- OBJETO DO RECURSO:

É pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do recurso (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), salvo as questões de conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do CPC). Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:

-se é de admitir o pedido reconvencional deduzido pelos RR na contestação;

-fixação do valor da causa.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

a) Saber se na presente ação é ou não admissível a dedução de pedidos reconvencionais:

Dispõe o artigo 266º, nº 2, alínea a), do CPC que a reconvenção é admissível “quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa”.

O pedido reconvencional pode assim fundar-se no todo ou em parte na mesma causa de pedir que o pedido do autor e, por outro lado, pode este mesmo pedido basear-se total ou parcialmente nos mesmos factos em que o réu sustenta uma exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial.

Cumpre antes de mais, saber que tipo de ação é a ação presente; se estamos perante uma ação de simples apreciação negativa, ou antes perante uma ação declarativa comum, sem qualquer tipo de especialidade no seu iter.

Preceitua o artigo 10º, nº 3, alínea a), do CPC que as ações de simples apreciação têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

Trata-se de uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objetiva suscetível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica.

Neste tipo de ações, o seu elemento caraterizador reside, em termos de ónus da prova, à sujeição ao regime inserto no artigo 343º, nº 1, do Código Civil, competindo nas mesmas, a quem ocupa a posição de réu, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

No caso presente, tendo em conta a causa de pedir e os pedidos formulados, entendemos que estamos perante uma ação de impugnação de escritura de justificação notarial com o qual se pretende não propriamente uma condenação, mas antes uma declaração de que ineficácia da escritura de justificação notarial. Ou seja, uma ação de simples apreciação negativa.

A jurisprudência tem pugnado que a reconvenção neste tipo de ações é inadmissível por falta de interesse processual Ac. da RP 6-03-2014, Proc. 484/11.1TBVRL-A.P1, relator Leonel Serôdio, www.dgsi.pt., já que a própria improcedência do pedido do autor teria o mesmo efeito que a procedência do pedido (reconvencional) do réu alcançaria. De certo modo, seria uma cumulação de (contra pedidos) aparente já que o pedido formal do réu não teria autonomia substancial.

Assim, o acórdão do STJ de 25-02-2014 Proc. nº 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, relatora Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt.concluiu que se “o âmbito da ação está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito, pelo que se entende ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do Réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida.

Segundo o mesmo acórdão “tal pedido mostra-se inócuo, já que a improcedência da ação de simples apreciação negativa tem essa necessária consequência em termos prático-jurídicos, estando a coberto do caso julgado no que tange a tal constatação, tornando desnecessária qualquer outra providência por parte do Réu”.

No mesmo sentido, tendo a reconvenção por inútil, decidiu o Ac. do STJ de 29-04-2014 Proc. 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, relator Pinto de Almeida, www.dgsi.pt. “Daí decorre que não terá qualquer utilidade o pedido reconvencional que, contido nos limites da ação, vise o reconhecimento do direito da ré, uma vez que este já será a consequência normal e necessária da improcedência da ação”.

Considerando que a reconvenção não é admissível nas ações de simples apreciação negativa, por tal pedido se mostrar desadequado, prejudicado, referimos os acórdãos do TRC de 4-05-2004 e de 12-06-2007 proc. nº 743/04, relatora Regina Rosa e proc. nº 372/06.3TBVIS-A.C1, relator Teles Pereira, www.dgsi.pt..

Nestes termos, e aderindo a tese da jurisprudência que julgamos maioritária, não se admitem os pedidos reconvencionais, procedendo nesta parte a apelação.

B) Do valor fixado à causa:

Sustenta a Apelante que em face da inadmissibilidade dos pedidos reconvencionais deve ser fixado o valor da causa em € 13.134,13.

Cumpre decidir:

Nos termos do disposto no art.º 296º n.º 1 do CPC, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica, imediata do pedido.

Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quanto haja reconvenção ou intervenção principal – art.º 299º, nº 1, do CPC, sendo que o valor do pedido formulado pelo réu só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 530º (artigo 299º, nº 2, do CPC).

Assim, face à letra da lei, não contrariada pelo seu elemento teológico, a reconvenção produz o efeito de acréscimo do valor processual da causa logo após a sua formulação, isto é, o mesmo não depende da prolação da decisão da sua admissibilidade Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2013, 6ª edição, p. 34.

Esta alteração do valor, para mais, resultante da dedução de reconvenção, é automática, não dependendo, como tal, de despacho expresso de admissibilidade da reconvenção- mantendo-se adquirido esse aumento de valor no processo, mesmo que a reconvenção venha a ficar sem efeito por verificação de alguma das causas legais de inadmissibilidade.

Neste sentido, nunca a ação voltará a assumir o valor processual originário existente aquando da sua propositura, quer a reconvenção venha a ser julgada inadmissível ou improcedente Marco António de Aço e Borges, A Demanda Reconvencional, Quid Juris, 2008, pp. 227-228. Conforme se refere no Ac. do TRC de 25.03.2007 3616/06.8TJCBR-A.C1, relator António Piçarra, www.dgsi.pt. “Será, assim, a partir da dedução do pedido reconvencional, isto é, logo que seja apresentada a contestação onde este pedido é feito, que se há-de considerar ampliado ope legis o valor da causa, sendo irrelevante, para este efeito, a posterior decisão de inadmissibilidade da reconvenção”.

Nestes termos, mantém-se o valor fixado para a causa.

Improcede assim, quanto a esta parte a apelação.

Sumário:

(…)

DECISÃO:

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, com a consequente não admissão dos pedidos reconvencionais.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente e Recorrida em partes iguais.

Évora, 24 de outubro de 2019

Mário Rodrigues da Silva - relator

José Manuel Barata

Conceição Ferreira

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Ac. da RP 6-03-2014, Proc. 484/11.1TBVRL-A.P1, relator Leonel Serôdio, www.dgsi.pt.

Proc. nº 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, relatora Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt.

Proc. 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, relator Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.

Proc. nº 743/04, relatora Regina Rosa e proc. nº 372/06.3TBVIS-A.C1, relator Teles Pereira, www.dgsi.pt.

Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2013, 6ª edição, p. 34.

Marco António de Aço e Borges, A Demanda Reconvencional, Quid Juris, 2008, pp. 227-228.

3616/06.8TJCBR-A.C1, relator António Piçarra, www.dgsi.pt.