Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1852/15T8BJA.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
CRÉDITO
HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Sendo a devedora titular de operação PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), por via da qual recebeu um subsídio não reembolsável, a titularidade desse benefício só pode ser transferida para um terceiro se este preencher os requisitos para ser considerado beneficiário dessa operação, nos termos do art.º 5º da Portaria n.º 298-A/2008, de 11 de abril, se for elegível para o efeito nos termos do art.º 6º do mesmo diploma, e se, consequentemente, o IFAP, IP der a competente autorização de transferência de titularidade da operação.
2. A não observância do disposto em 1. constitui vício não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do Plano de Recuperação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 1852/15T8BJA
Apelação
Comarca de Beja (Beja-IL–SCiv-J1)
Recorrente: IFAP, IP
Recorrido: AA, Ldª e Outros
R47.2016

I. AA, Ldª intentou o presente Processo Especial de Revitalização.
Por despacho de 13.11.2015 (fls. 112/113) foi nomeado Administrador Judicial Provisório e determinado o cumprimento das demais formalidades legais.
A 07.12.2015 foi junta aos autos lista provisória de créditos (fls. 139/144), a qual não foi objecto de impugnações, consignando-se por despacho de 14.012016 (fls. 169/170) a sua conversão em definitiva.
Findo o prazo das negociações, prorrogado por acordo (fls. 186/190), veio o AJP juntar aos autos o plano de recuperação e o resultado da votação do mesmo (fls. 191-195, 199-208, 210-214).
Votaram o plano credores que representam 98,7% dos créditos constantes da lista definitiva de credores.
Votaram favoravelmente o plano de recuperação credores que representam 86,397% dos créditos que exerceram o direito de voto. Dos credores que votaram favoravelmente o plano não há credores subordinados, sendo garantidos.
Votaram contra o plano de recuperação credores representando 13,603% dos créditos que exerceram o direito de voto.

Tendo sido proferida sentença do seguinte teor:
“Atento o exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-F, n.ºs 3, 5 e 6 do CIRE, HOMOLOGA-SE, POR SENTENÇA, O PLANO DE RECUPERAÇÃO CONDUCENTE À REVITALIZAÇÃO da Requerente AA, LDA., nos precisos termos em que foi aprovado.
…”

Inconformado com tal decisão, veio o Credor IFAP, I.P., interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
A. Por sentença proferida em 4/4/2016, no processo especial de revitalização em que é devedora a sociedade AA, Lda, o Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos dos nº 3, 5 e 6 do Artº 17º-F do CIRE, homologou o plano de revitalização, no entendimento que não se verificou a violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, nem prevê o mesmo quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação.
B. Salvo melhor entendimento, o plano de revitalização aprovado contém propostas que violam dispositivos legais, pelo que deveria ser recusada a homologação judicial ou, em alternativa, a transferência de titularidade da Operação PRODER nº 020000013418, da devedora a sociedade AA, Lda, para o BB não deverá produzir efeitos enquanto a mesma não for devidamente aprovada pelo IFAP, I.P., após prévia análise de que se encontram preenchidos todos os requisitos legais necessários para a viabilização da transferência de titularidade da operação.
C. A devedora, a sociedade AA, Lda, é titular de operação contratada no âmbito do Programa PRODER, a saber, Operação PRODER nº 020000013418 - Medida: Inovação e Desenvolvimento Empresarial, no âmbito da Ação: Modernização e Capacitação das Empresas, apresentada em 14/12/2009, ao abrigo do disposto na Portaria nº 289-A/2008 de 11 de abril, e com vínculos contratuais até 31/12/2020.
D. A sociedade AA, Lda apresentou em 13/11/2015, junto da Comarca de Beja um Processo Especial de Revitalização, tendo-se tornado manifesto que esta sociedade se encontrava em situação económica difícil, o que se poderia repercutir na realização e prossecução dos objetivos previstos no âmbito da Operação PRODER nº 020000013418, razão pela qual, o ora recorrente reclamou créditos no montante total de € 1.613.626,64, que foram reconhecidos como créditos “sob condição”, tendo o Sr. Administrador Judicial Provisório, salientado, que tal situação sucedia “… por não ter ainda ocorrido o incumprimento das obrigações contratuais no âmbito da operação PRODER; o qual a ser exigível terá a natureza de “Comum”” .
E. Posteriormente foi apresentado o plano de revitalização da sociedade AA, Lda, onde, relativamente à Operação PRODER nº 020000013418 consta o seguinte:
4.6 – Créditos sob condição
A execução do projeto subsidiado pelo Proder, prosseguirá na titularidade do BB, novo proprietário dos prédios e do lagar referidos no ponto 4.3 supra, pelo que não se verifica a condição suspensiva a que estava subordinado o crédito do IFAP”.
F. Notificado para o efeito, em 24/3/2016, o IFAP, I.P. votou desfavoravelmente o Plano Especial de Recuperação, tendo feito expressamente constar da declaração de voto que
O IFAP rejeita a proposta de plano de recuperação da Belloliva, Lda., nos termos formulados, e vota contra a aprovação do mesmo com os seguintes fundamentos:
- AA, Lda, titular da operação PRODER nº 020000013418, recebeu um subsídio não reembolsável de 1.613.626,64 euros. A alteração de titularidade automática do projeto para o novo proprietário dos prédios e do lagar, o BB, sem a prévia análise da elegibilidade do cessionário e autorização do IFAP, contraria o previsto na Portaria nº 289-A/2008, de 11 de abril, designadamente, o facto da beneficiária ter que manter os compromissos assumidos para o projeto em causa até 31-12-2020;
- (…)
˗ Ressalva-se que o voto do IFAP poderá vir a ser alterado se a AA, Lda. e o BB formalizarem um pedido de transferência de titularidade do projeto e, caso, após prévia análise do IFAP se conclua que o BB reúne todos os requisitos legais que viabilizam a transferência de titularidade do projeto em causa. “ (Negrito nosso)
G. Por sentença proferida em 4/4/2016, no processo especial de revitalização em que é devedora a sociedade AA, Lda, o Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos dos nº 3, 5 e 6 do Artº 17º-F do CIRE, homologou o plano de recuperação, no entendimento que não se verificou a violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, nem prevê o mesmo quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação.
H. Como resulta ainda de anúncio publicado no CITIUS refª 27766269, através do qual foi dada publicidade à sentença, “a sentença agora publicitada vincula os credores, mesmo aqueles que não hajam participado nas negociações.”
I. O referido acordo foi homologado sem que, nos termos dos Artºs 5º e 6º da Portaria nº 289-A/2008, tivesse sido previamente analisado pelas entidades administrativas competentes se o BB preenche todos os requisitos legais para ser beneficiário da ação n.º 1.1.1, «Modernização e capacitação das empresas».
J. As normas de direito que regulam o pagamento de ajudas comunitárias têm um carácter público e imperativo, vigorando, aqui, o princípio da indisponibilidade.
K. Não existindo esta análise dos critério e requisitos por parte das entidades administrativas competentes, em termos administrativos estamos perante um ato nulo, nos termos da alínea a) do nº 2 do Artº 161º do Código de Procedimento Administrativo, por carência absoluta de forma legal, uma vez que para efetuar uma transferência de titularidade há todo um procedimento administrativo que tem de ser previamente observado.
L. Por outro lado, o acordo foi homologado, não obstante o IFAP, I.P. ter votado desfavoravelmente e indicado expressamente os fundamentos do seu sentido de voto, não obstante não ter sido levado em consideração pelo Tribunal a quo, que na situação em apreço há uma violação clara do princípio da legalidade, por inobservância de normas imperativas, pois, como ficou demonstrado, pois a análise dos requisitos de candidatura a uma ajuda comunitária, trata-se de matéria que não está na disponibilidade de particulares, carecendo de aprovação prévia das entidades administrativas competentes.
M. Verifica-se desta forma existirem condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação e que se está perante uma violação não negligenciável de normas respeitantes ao referido crédito, razão pela qual o Tribunal a quo, devia ter recusado oficiosamente a homologação do acordo, nos termos do preceituado no Artº 215º do CIRE.
N. Face ao exposto, a sentença do Tribunal a quo, através da qual foi aprovado o plano de recuperação, onde consta a transferência de titularidade da Operação PRODER nº 020000013418, da devedora sociedade AA, Lda, para o BB faz uma incorreta interpretação dos factos e aplicação do direito, pelo que deve ser substituída por sentença recusando oficiosamente a homologação relativamente a essa transferência ou, em alternativa, deve ser substituída por sentença em que a referida transferência de titularidade seja condicionada à verificação pelas entidades administrativas competentes de que o BB preenche todos os requisitos legais necessários para a viabilização da transferência de titularidade da operação.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a decisão recorrida na parte referente transferência de titularidade da Operação PRODER nº 020000013418:
- Sendo substituída por sentença recusando oficiosamente a homologação;
ou, em alternativa,
- deve ser substituída por sentença em que a transferência de titularidade seja condicionada à verificação prévia pelas entidades administrativas competentes de que se encontram preenchido todos os requisitos legais necessários para a viabilização da transferência de titularidade da operação; …”

O BB deduziu contra-alegações em que pugna pela manutenção do julgado, ou em alternativa “b) Deve ser fixada a interpretação do Plano de revitalização no sentido de a transmissão da titularidade da operação PRODER n.º 02000013418 contemplar a prévia verificação, pelas entidades administrativas competentes, nos moldes legalmente estabelecidos; Em alternativa,c) Deve ser completada a redação da cláusula 4.6 do Plano de revitalização aprovado e homologado no sentido de prever a verificação prévia, pelas entidades administrativas competentes, dos requisitos de viabilização da transferência de titularidade da operação PRODER n.º 02000013418 da Devedora para o Credor Reclamante BB (ou para um terceiro por este indicado), …”

Cumpre decidir.
II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se deve ser revogada a sentença homologatória do Plano de Recuperação conducente à revitalização da empresa AA, Ldª.

Como se retira da Proposta de Lei 39/XII, que deu aso à alteração do CIRE pela Lei n.º 16/2012 “…O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.” … Na mesma linha, é criado o processo especial de revitalização (artigos 17.º-A a 17.º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n.º 2 do artigo 1.º, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dividas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.

O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários. …”.

O que implica que, também os Tribunais, cientes da grave crise económica que atravessa o país, procurem adequar as suas decisões aos princípios subjacentes às revisões legislativas operadas tendo em vista a consolidação do tecido empresarial e social.

No que interessa ao caso em apreço, o novo Processo Especial de Revitalização (PER), previsto nos art.ºs 17º-A a 17º-I do CIRE, veio consagrar expressamente a aplicação do regime do Plano de Insolvência, constante do Título IX do CIRE ao PER.

Atenta a especial celeridade que o legislador pretendeu incutir ao PER, o seu regime processual não prevê, ao contrário do que acontece relativamente ao plano de insolvência, a apreciação liminar, pelo juiz do processo, da proposta de plano de insolvência, tendo em vista a sua expurgação de vícios que possam levar à recusa oficiosa da sua homologação (vide art.ºs 207º e 215º do CIRE).

No entanto tal não invalida, e tudo aconselha, que o juiz do processo, verificando a existência de um vício não negligenciável do plano de recuperação, não possa, ao abrigo dos princípios que presidiram à introdução do PER no CIRE, em particular o da manutenção, sempre que possível, das empresas recuperáveis no giro comercial mediante um plano de recuperação que as revitalize, e o da economia processual, convide ao aperfeiçoamento do plano de recuperação, tendo em vista a sua conformidade com a Lei, tendo por suporte o disposto no art.º 207º do CIRE e ainda o disposto art.º 508º do CPC.

No caso em apreço, trata-se de apurar da bondade da norma do Plano de Recuperação aprovado e homologado “4.6 – Créditos sob condição
A execução do projeto subsidiado pelo Proder, prosseguirá na titularidade do BB, novo proprietário dos prédios e do lagar referidos no ponto 4.3 supra, pelo que não se verifica a condição suspensiva a que estava subordinado o crédito do IFAP”.
Como bem refere o Apelante, no seu voto desfavorável a “AA, Lda, titular da operação PRODER nº 020000013418, recebeu um subsídio não reembolsável de 1.613.626,64 euros. A alteração de titularidade automática do projeto para o novo proprietário dos prédios e do lagar, o BB, sem a prévia análise da elegibilidade do cessionário e autorização do IFAP, contraria o previsto na Portaria nº 289-A/2008, de 11 de abril, designadamente, o facto da beneficiária ter que manter os compromissos assumidos para o projeto em causa até 31-12-2020;
… “.
Estamos perante a violação de normas públicas e imperativas (art.ºs 5º e 6º da Portaria n.º 298-A/2008), por isso de carácter indisponível, por força das quais só é permitida a concessão dos benefícios previstos nesse diploma e consequentemente a transferência da titularidade do beneficiário da operação, se o cessionário preenchendo os requisitos previstos no citado art.º 5º, for elegível para ser beneficiário da acção n.º 1.1.1, «Modernização e capacitação das empresas» e o IFAP, IP der a competente autorização administrativa.
Do que se retira que sendo a AA, Ldª, titular da operação PRODER nº 020000013418, por via da qual recebeu um subsídio não reembolsável de €1.613.626,64, a titularidade desse benefício só pode ser transferida para o BB, FRC, se este preencher os requisitos para ser considerado beneficiário dessa operação PRODER nos termos do art.º 5º da citada Portaria, se for elegível para o efeito nos termos do art.º 6º do mesmo diploma, e se, consequentemente, o IFAP, IP der a competente autorização de transferência de titularidade da operação.
O que constitui vício não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do Plano de Recuperação.
Daí que este Tribunal, tendo em conta o acima enunciado, decida revogar a sentença sob recurso, para que efectuados os necessários procedimentos administrativos para a transferência da titularidade do benefício que foi concedido à AA, Ldª para o BB, o Tribunal “a quo” fixe prazo para que seja elaborado novo plano de recuperação da Devedora, seguindo o processo os seus ulteriores termos.


***
III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se revogar a sentença sob recurso, determinando-se que o Tribunal “a quo” proceda em conformidade com o acima expendido.
Sem custas.
Registe e notifique.

Évora, 30 de Junho de 2016
Silva Rato - Relator
Assunção Raimundo
Mata Ribeiro