Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
240/21.9T8BNV.E2
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PAGAMENTO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A obrigação de pagar as contribuições necessárias para custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, consagrada no artigo 1424.º do Código Civil tem natureza propter rem.
2 – A relação propter rem transmite-se automaticamente a todo o novo titular do direito real e é insusceptível de transmissão independente do direito real a que se refere.
3 – Os serviços de segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante da urbanização de ... que estejam integradas no alvará de loteamento do empreendimento constituem encargos para os condóminos, independentemente de ser ou não associados da “Associação de Proprietários de ...”.
4 – Tratando-se de prestações periódicas renováveis destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio é aplicável a disciplina inscrita na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil, prescrevendo como tal as referidas devidas no prazo de 5 anos.
5 – O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 240/21.9T8BNV.E2
Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local ... – J...
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por “Associação de Proprietários de ...” contra “A..., Lda.”, a Autora e a Ré não se conformaram com a sentença condenatória.
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A Autora pedia a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, por conta das contribuições vencidas referentes aos meses de Janeiro de 2016 até Dezembro de 2020, acrescida das contribuições vincendas, e de juros de mora à taxa legal, a partir da data da citação.
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Para o efeito, a Autora alegou que tem a natureza de associação sem fins lucrativos, tendo sido constituída em 21/07/2009, com a finalidade de promover a protecção e a defesa dos interesses dos associados, bem como a defesa do ambiente e qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a ..., conforme previsto no alvará de loteamento n.º ..., emitido pela Câmara Municipal ... em 21/12/1998, ao abrigo do regime jurídico vigente à data aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Dezembro.
A Autora avança ainda que, nessa qualidade, presta serviços de vigilância, higiene e conservação de espaços verdes dos quais a Ré, embora não sendo associada da Autora, igualmente beneficia enquanto proprietária do prédio urbano correspondente ao lote n.º ...57, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66, da freguesia ..., os quais se situam no empreendimento de ....
A Autora sublinha que, apesar de interpelada para proceder ao pagamento, a Ré se recusou a pagar as contribuições que são devidas pela prestação de tais serviços.
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Devidamente citada, a Ré contestou, tanto por excepção, invocando a incompetência material deste Tribunal (já indeferida por decisão anterior) e a prescrição das contribuições vencidas até Março de 2016, como por impugnação, dizendo que, por não ser associada da Ré, não está obrigada ao pagamento de qualquer contribuição.
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Os autos prosseguiram e o Tribunal a quo decidiu:
a) condenar a Ré “A..., Lda.” a pagar à Autora Associação de Proprietários de ... a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) correspondente às contribuições devidas desde Janeiro de 2016, até Dezembro de 2020, acrescida de juros à taxa de natureza civil, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
b) condenar a Ré “A..., Lda.” a pagar à Autora “Associação de Proprietários de ...” as quantias que se vencessem mensalmente, a título das contribuições periódicas referentes às despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, enquanto mantiverem a qualidade de proprietários do lote n.º ...57, acrescidas de juros de mora, desde a data de vencimento até efectivo pagamento.
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O Tribunal da Relação de Évora decidiu revogar a sentença recorrida, determinando que os autos prosseguissem os seus ulteriores termos, dado que o estado do processo não permitia o conhecimento imediato do mérito sem produção de prova.
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Realizado o julgamento, o Juízo Local ... decidiu:
a) condenar a Ré a pagar à Autora quantia pecuniária, a liquidar em incidente de liquidação, correspondente à quota-parte da Ré – equivalente à proporção do valor do lote n.º ...57 de que é proprietária – no valor global das despesas que a Autora comprovadamente haja efectuado para cumprimento das obrigações assumidas na cláusula 3.ª do acordo de cooperação celebrado em 27/04/2016 com o Município ..., desde Janeiro de 2016.
b) absolver a Ré de tudo o mais peticionado.
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A recorrente “A..., Lda.” não se conformou com a referida decisão e apresentou alegações que continham as seguintes conclusões:
«O presente Recurso tem por objeto, a revogação da decisão recorrida já que na mesma, com o devido respeito que é muito, é feita uma errada aplicação do direito e uma errada interpretação da prova factual constante nos autos.
i. Dos elementos constantes nos autos e da prova documental e testemunhal aí junta importa, desde logo, saber se a R., ora Apelante, não sendo associada da A., está obrigada ao pagamento das quantias peticionadas por esta, quer por via:
a) Da Cláusula 5.ª do Contrato Promessa celebrado entre a R. e a loteadora, “B..., S.A.”;
b) Do Acordo de Cooperação celebrado entre a Autora e a Câmara Municipal ..., doravante CM...;
c) Do Alvará de Loteamento.
ii. Quanto à Cláusula 5.ª do contrato promessa.
Na sentença ora recorrida (vide Factos Não Provados B) ao contrário do que sucedeu no processo do douto Acórdão do TRE referido pela A., na PI, não resultou provado que a ora R., ou os primitivos compradores, tenham contratualizado com a loteadora qualquer contrato promessa de compra e venda e, que se tenham vinculado por isso, ao pagamento de qualquer contribuição relacionada com a Gestão da Zona de Protecção e Enquadramento do empreendimento em causa.
iii. Pelo exposto, a R., deve ser absolvida do pedido, dado que, resulta provado que não tendo a R. (nem os primitivos compradores) contratualizado qualquer contrato promessa de compra e venda com a loteadora, não se vinculou por isso a qualquer obrigação de pagamento das contribuições reclamadas pela Autora.
iv. Quanto ao Acordo de Cooperação celebrado entre a Autora e a CM... (vide artigo 13) dos factos Provados):
a) Nos termos do artigo 342.º do Código Civil, a A., não demonstrou como facto constitutivo da sua obrigação que as quotizações ou contribuições dos não sócios eram devidas, por cumprimento desse Acordo de Cooperação.
b) A R. não sendo associada da A., não se encontra vinculada ao Acordo de Cooperação celebrada entre a A. e a CM....
c) Em parte alguma se encontra contemplado nesse Acordo de Cooperação que cabe à A., suportar os encargos que advêm da prestação dos serviços de gestão da área pertencente ao domínio público municipal.
d) Além do mais, a A. não alegou, nem provou, quais os serviços, em concreto, que prestou por conta do Acordo de Cooperação celebrado com a CM..., nem provou qual a data da eventual prestação desses mesmos serviços.
e) Bem pelo contrário, resultou provado [vide Facto Provado 18)] que a A., também presta outros serviços que não fazem parte do Acordo de Cooperação celebrado com a CM..., como o corte de árvores no interior dos lotes ou a vigilância nocturna nas zonas residenciais, imputando à R., que não é sua associada, o pagamento do custo da totalidade desses serviços.
v. Pelo exposto, quanto ao Acordo de Cooperação celebrado entre a A., e a CM..., a R., não sendo associada da A., deve ser absolvida do pedido porquanto, não sendo a R., parte do referido contrato administrativo, o mesmo não tem eficácia sobre si.
vi. Quanto ao Alvará de Loteamento a R. deve ser absolvida do pedido, porquanto, desta disposição administrativa não resulta a vinculação do R. ao pagamento de qualquer quantia, nem a vinculação da R. ao pagamento a terceiros, mormente à A., mas apenas, a vinculação a assegurar a gestão, em moldes a definir através de referido acordo a celebrar entre os moradores e a Câmara Municipal.
vii. Tendo em conta o depoimento das testemunhas e a prova documental junta aos autos, que não foi impugnada pelas partes, sempre com o devido respeito que é muito, o douto Tribunal a quo, deveria ter considerado como Factos Provados, os seguintes:
viii. A Autora não procedeu à deliberação em Assembleia Geral do valor da quantia devida pelos proprietários dos lotes não associados.
ix. No artigo 5.º Regulamento Interno da A. (vide facto provado 6) consta que as receitas da A. provêm de 2 fontes distintas, ou seja, por um lado as quotas pagas pelos seus associados (cujo montante foi deliberado em Assembleia Geral da A.) e por outro lado, determinada quantia a pagar pelos não associados.
x. Contudo, a A. não apresentou em Tribunal qualquer prova em como tenha havido qualquer deliberação em Assembleia Geral a fixar o valor a pagar pelos proprietários não associados, como é o caso da R., ora apelante.
xi. Pelo exposto, deve ser dado como provado que nunca a Assembleia Geral da A., deliberou sobre qual o montante das contribuições a pagar pelos proprietários dos lotes não associados (dado que, não sendo sócios não podem pagar quotas) como é o caso da ora R., conforme estava obrigada pelo Pacto de Constituição e pelo Regulamento Interno. (vide facto provado 6).
xii. A Autora, desde a sua constituição a 21.07.2009 até à presente data, só efectua a limpeza gratuita aos terrenos dos lotes não edificados dos seus associados e nunca efectuou qualquer limpeza ao terreno correspondente ao lote não edificado da R. que não é sua associada.
xiii. Como se constata no doc. 07, junto com PI (não impugnado pela ora Ré) (…) “Acta da Assembleia Geral da Associação de Proprietários de ... (...) de 30 de Janeiro de 2010… de acordo com o que ficou proposto em Assembleia Geral, a ... tinha efectuado a limpeza de 30 terrenos dos associados.
Perante esta afirmação a Sra. D. AA (lote ...74) questionou os critérios nortearam a escolha, tendo sido informada que os terrenos limpos pertenciam a proprietários, membros da ..., com as quotas actualizadas” (págs. 17 e 18) (…).
xiv. Conforme consta do depoimento da testemunha BB (indicada pela Autora) Gravação áudio – 00:14:35
“Meritíssima Juiz: A gradagem de terrenos é que abrange os espaços comuns e também os lotes particulares dos sócios que pagam as quotas. É isso?
BB: Exactamente. Sim.”
xv. Pelo exposto, deve ser dado como provado que a A., só efectua a limpeza gratuita aos terrenos dos lotes não edificados dos seus associados e nunca efectuou qualquer limpeza ao terreno correspondente ao lote não edificado da R. que não é sua associada, imputando à R. os custos desse serviço.
xvi. O serviço de Portaria prestado pela A., em nada se relaciona com o Objecto do Acordo Administrativo celebrado entre a A. e a Câmara Municipal ... e por isso a A. não poderá imputar à R., qualquer valor relacionado com este serviço.
xvii. Quanto a este facto, é inequívoca a posição do Presidente da Câmara Municipal ..., relativamente a esta questão da Portaria, quando questionado pelos munícipes em reunião da Câmara Municipal ... responde que os custos da Associação, ora A., não são os que resultam do Acordo de Cooperação celebrado, este Acordo foi feito apenas para as zonas de enquadramento e nada tem a haver com a segurança, portarias ou outras actividades definidas pelos associados da Autora (vide: Acta n.º ...21 da Reunião Ordinária da Câmara Municipal) ... (vide doc. 03 da Contestação – não impugnado pela Autora).
xviii. Ainda quanto à questão da Portaria confrontando os seguintes depoimentos:
a) Depoimento da testemunha BB (indicado pela Autora Gravação áudio – 00:33:48
Advogado da Ré: No Acordo Há alguma referência à instalação da Portaria?
BB: Não. À vigilância só.
Advogado da Ré: Pergunto se há alguma referência à Portaria?
BB: Não
b) Depoimento da testemunha CC (indicado pela Ré)
Gravação áudio – 00:09:59
Advogado da Ré: Na sua opinião a Portaria faz parte de Acordo celebrado com o Município?
CC: Não. Eu até tive oportunidade de esclarecer isso com o Presidente da Câmara Municipal e não, não faz parte da área de enquadramento e está fora do âmbito do Acordo.
c) Depoimento da testemunha BB (indicado pela Autora)
Gravação áudio – 00:09:10
Advogado da Autora: Foi a Associação que elaborou o Plano de Vigilância e Segurança?
BB: Sim foi a Associação. Estava previsto no Acordo de Cooperação a existência de um plano de segurança do empreendimento. A Associação em conjunto com os Bombeiros e o Serviço Municipal de Protecção Civil elaborou o Plano de Vigilância e Protecção de ... em resposta a incêndios, localização de pontos de água, medidas de alerta, tem várias componentes.
xix. Pelo exposto, pensamos dever dado como provado que:
a) Na Elaboração do Plano de Vigilância e Protecção do empreendimento de ... em parte alguma é referido a necessidade de criação de uma Portaria.
b) No Acordo Administrativo de Cooperação celebrado entre a A. e a CM... em parte alguma é referida a obrigação da instalação de uma Portaria (vide doc. 5 da PI).
c) O presidente da CM... considera que a Portaria está fora do Acordo de Cooperação.
d) As duas testemunhas (uma indicada pela A. e a outra indicada pela R.) referiram em julgamento que a Portaria não consta do Acordo de Cooperação em causa.
xx. A questão de saber se a Portaria, que a Associação mandou instalar numa estrada pública de acesso ao empreendimento, é ou não uma obrigação assumida pela A., no Acordo de Cooperação celebrado com a CM... não é despicienda, dado que, a sua manutenção diária constitui o custo mais elevado a suportar pela A. e a própria A., responsabiliza a R., não associada, pelo pagamento da totalidade desse custo.
Conforme se constata no doc. 6 da contestação (não impugnado pela A.) do total de despesas do orçamento para 2022 no valor de € 137.480,00, o valor afecto à Portaria é de € 53.136,00.
xxi. Pelo exposto, deve ser dado como provado que o serviço de Portaria prestado pela A., em nada se relaciona com o Objecto do Acordo Administrativo celebrado entre a A. e a CM... e, por isso, a A. não poderá imputar à R., que não é sua associada, o pagamento de qualquer valor relacionado com o custo desse serviço.
xxiii. Quanto à prescrição invocada pela R., ora Apelante, das contribuições vencidas até Março de 2016, o douto tribunal a quo na sentença ora em crise, refere:
a) (…) “Relatório
…Pede a autora a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 1.500 Euros, por conta das contribuições vencidas referentes aos meses de Janeiro de 2016 até Dezembro de 2020, acrescida das contribuições vincendas, e de juros de mora à taxa legal, a partir da data da citação...
… Conclui, afirmando que a ré, apesar de diversas vezes interpelada para o efeito, recusa-se a pagar as contribuições que lhe são devidas pela prestação de tais serviços, correspondentes aos meses de Dezembro de 2016 a Abril de 2021, apesar de se encontrar legalmente obrigada, sendo portanto devidas as quantias peticionadas, acrescidas das que se forem vencendo. (…)
Tendo concluído o douto tribunal a quo do seguinte modo: “No que tange à excepção de prescrição das contribuições mensais vencidas até Março de 2016, uma vez tendo-se concluído pela inexistência de um tal crédito, afastada fica a verificação da excepção de prescrição” (…).
xxiv. Parece-nos que ocorreu um erro involuntário, notório e evidente por parte da Meritíssima Juiz do tribunal a quo, porquanto no artigo 24.º da douta PI é alegado pela Autora estar a R., em divida com a quantia de € 1.500,00 correspondente às contribuições de Janeiro de 2016 a Dezembro de 2020, e não como o douto tribunal refere de dezembro de 2016 a abril de 2021.
xxv. Com o devido respeito que é muito, o douto tribunal a quo não fundamentou a razão de estar afastada a verificação da excepção da prescrição que para a R., ora Apelante, continua a defender existir.
xxvi. Pelo exposto, conforme da alínea g) do artigo 310.º do Código Civil, o tipo de prestação a cargo da R. que a A. alega nos autos está sujeita ao prazo prescricional de 5 anos, por conseguinte tendo a R. sido citada em Abril de 2021, devem considerar-se prescritas as prestações vencidas até Março de 2016.
xxvii. Quanto à questão do abuso de direito, por mera hipótese académica, se não forem considerados válidos os Fundamentos de Direito e de Facto acima deduzidos, o que não se concede:
a) Encontrando-se provado [vide facto Provado 18)] que a A., além dos serviços a que se obrigou através do Acordo de Cooperação com a CM... está a exigir à R., que não é sua associada, o pagamento de outros serviços (como o corte de árvores e vigilância noturna nas zonas residenciais) que em nada se relacionam com o Objecto desse Acordo de Cooperação;
b) Pensamos também dever resultado provado que, a A. presta ainda o serviço gratuito de gradagem de terrenos aos sócios que paguem as quotas, imputando o respectivo custo à R., que não é sua associada, sendo certo que esse serviço não consta do Acordo de Cooperação celebrado entre a A. e a CM....
Conforme depoimento em julgamento da testemunha BB.
Vide gravação – 00:14:35
Meritíssima Juiz: A gradagem de terrenos é que abrange os espaços comuns e também os lotes particulares dos sócios que pagam as quotas. É isso?
BB (testemunha indicada pela Autora): Exactamente. Sim.
xxviii. Pelo acima exposto, em xxvii, a A. está comprovadamente a incorrer em abuso de direito, o que ora se invoca.
Nestes termos e nos melhores de direito, se requer a V. Exa.(s) Venerandos Juízes Desembargadores que deva ser revogada a sentença em crise, devendo ser substituída por outra que julgue a pretensão da R., ora Apelante, totalmente procedente, realizando-se desta forma a costumada Justiça».
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A “Associação de Proprietários de ...” não se conformou com a referida decisão e apresentou alegações que continham as seguintes conclusões:
«1 – Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que condenou a ré a pagar à autora quantia pecuniária, a liquidar em incidente de liquidação, correspondente à quota-parte da ré – equivalente à proporção do valor do lote n.º ...57 de que é proprietária, cfr. artigo 1424.º, n.º 1, do Código Civil – no valor global das despesas que a autora comprovadamente haja efectuado para cumprimento das obrigações assumidas na cláusula 3ª do acordo de cooperação celebrado em 27-04-2016 com o Município ..., desde Janeiro de 2016.
2 – Destas considerações retirou a Mma. Juiz a quo a conclusão de que “existe de facto uma obrigação da Ré, para com a Autora, que tem por fundamento a sub-rogação do direito do Município ... sobre a Ré, a favor da Autora, operada através do acordo de cooperação dos autos”.
3 – Tal conclusão assenta, salvo o devido respeito, num equívoco que é o de considerar que, por via do acordo de cooperação, o Município ... “… cedeu à Autora os direitos (ou créditos) que detinha sobre os moradores”.
4 – Na verdade a Autora é, ela própria, uma das entidades previstas no artigo 46.º do RJUE que dispõe que “a gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva pode ser confiada a moradores ou grupo de moradores…. mediante a celebração com o município de acordos de cooperação”.
5 – Não faria qualquer sentido e não foi essa, seguramente, a intenção do legislador, considerar que a gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva pudesse ser confiado a moradores ou grupo de moradores das zonas loteadas e urbanizadas, individualmente considerados como contratantes, e não pudesse ser confiada a associações de moradores/proprietários, legalmente constituídas para o mesmo fim.
6 – Assim, deverá entender-se que uma associação de moradores / proprietários, constituída, em conformidade com o alvará de loteamento, para assegurar a gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva, integra o elenco dos co-contratantes privados previstos no n.º 1 do artigo 46.º do RUJE.
7 – A legitimidade da Autora advém, portanto, não da cedência, por via do acordo de cooperação, dos direitos que o município detinha sobre os moradores, mas sim do próprio acordo de cooperação celebrado em conformidade com o disposto no RJUE e no alvará de loteamento.
8 – Falece, também, pelo exposto, a invocação do instituto do enriquecimento sem causa como fonte da obrigação da Ré.
9 – Sendo certo que a Autora não pretende – e não podia pretender – que seja seu associado quem não quer ser e, consequentemente, não pode exigir o pagamento de quotizações, enquanto tal, a quem não é seu associado, nada impede que, investida do poder de gestão que lhe foi confiado, por via do acordo de cooperação celebrado com o município, exija a todos os proprietários e moradores o pagamento da necessária contribuição monetária indispensável ao cumprimento das obrigações decorrentes do dever (porque de um verdadeiro dever se trata e não de um mero poder) que sobre todos recai, sejam ou não associados da autora, e que lhes é imposto pelo alvará de loteamento.
10 – As condições estabelecidas no alvará vinculam a Câmara Municipal e o proprietário do prédio e ainda, desde que constantes do registo predial os adquirentes dos lotes (n.º 4 do artigo 29.º do D.L. n.º 448/91 e actualmente, artigo 43.º do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro).
11 – Neste particular, cita-se a decisão recorrida na parte que se transcreve: “… os custos inerentes ao cumprimento dessas obrigações têm de correr por conta dos proprietários, pois que seria desprovido de sentido atribuir a gestão aos proprietários e obrigar o Município a arcar com os custos dessa gestão …”.
12 – Entendeu a Mma. Juiz a quo que a quantia pecuniária que a autora tem a receber da ré “… há-de corresponder às despesas efectuadas pela autora com o cumprimento das obrigações contempladas na cláusula 3.ª do acordo de cooperação”.
13 – Continuando a citar a decisão recorrida, “… atenta a similitude entre a obrigação dos proprietários dos lotes e a obrigação dos condóminos na propriedade horizontal, e até por apelo ao que se previa no n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20-11 (com correspondência ao actual artigo 43.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12) – «Os espaços verdes privados constituem partes comuns dos edifícios a construir nos lotes resultantes da operação de loteamento e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º do Código Civil» – é de aplicar a regra do artigo 1424.º do Código Civil de acordo com a qual cada um dos proprietários dos lotes deverá comparticipar nas referidas despesas na proporção do valor das suas fracções”.
14 – No regime da propriedade horizontal o valor da quota deve ser calculado tendo em conta os gastos previstos no orçamento para esse ano e deve ser aprovado em reunião de condóminos.
15 – Ora, foi com base no orçamento das despesas decorrentes da gestão da área de enquadramento que está confiada à autora que a sua assembleia geral deliberou, em 30.01.2010 (vide 12 dos factos provados) deliberar o montante a pagar pelos proprietários dos lotes, fixando o valor de € 25,00 mensais para lotes de terreno de 1000 m2 a 2000 m2 e de € 35,00 para lotes de terreno com moradias edificadas.
16 – No caso em apreço, afigura-se desajustada a aplicação, por analogia da regra do n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, porquanto o critério de repartição de encargos será diferente quando o uso das coisas comuns se realize em condições de perfeita igualdade entre todos os co-utentes ou exprima claramente uma desigualdade distinta daquela que serve de base ao critério geral, como sucede in casu.
17 – A decisão recorrida violou a norma do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20-11 (com correspondência ao actual artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12), interpretado no sentido de que na enumeração dos contratantes enumerados no n.º 1 da citada norma cabem as associações representativas de moradores/proprietários dos lotes das zonas loteadas e urbanizadas com legitimidade para exigir dos proprietários o pagamento das despesas decorrentes da gestão da área de protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos e a norma do artigo 1424.º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, julgando a acção procedente por provada, condene a Ré no pagamento das quantias peticionadas, fazendo, assim, a costumada Justiça».
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As partes não apresentaram reciprocamente resposta aos recursos interpostos.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de:
i) erro na fixação da matéria de facto.
ii) erro na aplicação do direito.
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III – Matéria de facto apurada:
3.1 – Factos provados:
1) A Autora é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 21/07/2009, cujo objecto é promover a protecção e a defesa dos interesses dos associados, no âmbito da segurança, higiene e demais condições de digna habitabilidade, bem como a defesa do ambiente, qualidade de vida, e património natural e cultural da área inerente e circundante a ....
2) Por deliberação da sua assembleia-geral realizada em 26/07/2009 foi aprovado o Regulamento Interno da ... de ... [ou apenas ...].
3) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento Interno da ... «são fins da Associação promover a protecção e defesa dos interesses dos Associados e demais proprietários de ..., no âmbito da segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a ..., conforme determinado no alvará de loteamento do empreendimento».
4) Nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo 1.º, para prossecução dos fins enunciados, são competências da ..., entre outras, assegurar a segurança, limpeza, conservação e manutenção da zona do empreendimento.
5) Nos termos do disposto no artigo 3.º do pacto de constituição da ... constituem receitas da associação, entre outras, o produto das quotizações fixadas pela assembleia-geral.
6) Segundo o artigo 5.º do Regulamento Interno da ... constituem receitas da associação, entre outras, «as importâncias provenientes do pagamento de quotas» e, ainda, «as quantias pagas pelos proprietários de lotes de ... que não sendo associados devam proceder ao pagamento de determinada quantia para fazer face às despesas da Associação no interesse de todos os Proprietários».
7) Nos termos do disposto no artigo 6.º do Regulamento Interno da ..., «a quota será mensal, podendo o seu pagamento ser feito em conjunto, anual, semestral ou trimestral. No caso de proprietários de terrenos sem construção, o pagamento deverá ser semestral ou anual.»
8) Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Regulamento Interno «o valor da quota é estabelecido em Assembleia Geral convocada para o efeito, por proposta da direcção».
9) Sob a Ap. ..., de 2005/05/17 da respectiva matrícula predial, acha-se registada a favor da Ré, a aquisição, por compra, do prédio urbano denominado de lote n.º ...57, sito na Herdade ..., ... da Junta, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...66 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...95.
10) O prédio referido em 9) integra-se no alvará de loteamento n.º ..., emitido pela Câmara ... em 21/12/1998.
11) Sob a Ap. ..., de 09/04/1999, da matrícula do prédio referido em 9), encontra-se registada a emissão do alvará de loteamento n.º ... com o seguintes termos: «Autorizada a constituição de 673 lotes (…) A fim de interpor o domínio público municipal é a área total de 1.113.906,5 m2 – A gestão da área de protecção e enquadramento será garantida pelos futuros moradores ou grupo de moradores, mediante a celebração de «acordo de cooperação» entre estes e a Câmara Municipal como previsto no artigo 18.º do Dec. Lei n.º 448/91, condição de cedência ao domínio público da referida área e que será assumida pelos loteadores até à recepção definitiva das obras de urbanização (…)».
12) Por deliberação da assembleia-geral da ..., realizada em 30/01/2010 foram estabelecidos os seguintes valores respeitantes às contribuições mensais a pagar pelos proprietários dos lotes situados no empreendimento de ...:
(i) 25 Euros – lotes de terreno de 1.000 m2 e 2.000 m2.
(ii) 35 Euros – lotes com moradia edificadas.
13) Em 27/04/2016 foi celebrado um acordo administrativo de cooperação entre o Município ..., intitulada de primeira outorgante e a autora, intitulada de segunda outorgante, mediante o qual esta se obrigou a garantir a limpeza e higiene, manutenção e a conservação das áreas de protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos, a conservação e manutenção do circuito de manutenção, a conservação e manutenção da vedação limítrofe da urbanização, a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequadas, efectuar a gestão florestal das áreas protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos, elaborar plano de vigilância e segurança, a manutenção de um sistema de segurança tendo em vista obviar a degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes do loteamento urbano da ..., constando do mesmo os seguintes considerandos e cláusulas:
«Considerando que:
1) O Alvará n.º ...8 titula a operação de loteamento e a 1.ª fase da execução das obras de urbanização, em ....
(…)
4) À presente data, no que respeita à 1.ª fase de execução das obras de urbanização do loteamento encontram-se recebidas definitivamente pela Câmara Municipal todas as infraestruturas, exceptuando parte residual de plantações, sementeiras e de circuito de manutenção, no âmbito de arranjos exteriores (o que é extensível às 2.ª e 3.ª fase – A das obras de urbanização, entretanto tituladas por aditamentos ao alvará de licença de loteamento inicial, respectivamente, datados de 08/05/1999 e de 27/12/2005);
(…)
7) Assim sendo, por razões de racionalidade e operacionalidade de meios e porque as infraestruturas públicas do loteamento de ... constituem-se como um espaço que é e será essencialmente fruído pelos atuais e pelos futuros moradores nos lotes constituídos, se justifica que a sua gestão e manutenção seja atribuída a uma única entidade representativa dos mesmos.
Cláusula Primeira
Objecto
O presente acordo tem por objecto as partes da área de Protecção e Enquadramento e das áreas Afectas a Espaços Livres Públicos correspondentes às fases 1.ª, 2.ª, e 3.ª A das obras de urbanização do loteamento urbano de ..., melhor identificados no anexo I, bem como toda a área loteada, demarcada por vedação aramada com 8.000ml seus acessos e caminhos pedonais.
(…)
Cláusula Terceira
Obrigações do Segundo Outorgante
Pelo presente acordo cabe ao Segundo Outorgante
a) garantir a limpeza e higiene, a manutenção e a conservação das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos da cláusula primeira.
b) assumir a conservação e a manutenção do circuito de manutenção.
c) assumir a conservação e a manutenção da vedação limítrofe da urbanização.
d) promover a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequados ao local;
e) efectuar a gestão florestal das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos das cláusulas primeira.
f) promover a elaboração do Plano de Vigilância e Segurança (adianta designado por Plano) a área definida na cláusula primeira.
g) vigiar e manter um sistema de segurança em toda a área objecto do presente acordo de cooperação, de forma a evitar qualquer degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes.
Cláusula Quarta
Obrigações do Primeiro Outorgante
Pelo presente acordo, cabe ao Primeiro Outorgante, em respeito do interesse público visada pela celebração do presente acordo:
(…)
h) acompanhar e fiscalizar a execução do acordo, nomeadamente no que respeita ao cumprimento pelo Segundo Outorgante das obrigações assumidas, bem como prestar o apoio técnico que se justifique, mediante análise casuística conjunta;
i) acompanhar e fiscalizar a execução do plano de vigilância e segurança referida na cláusula anterior;
j) desenvolver os necessários contactos com as autoridades locais, em particular com as forças de segurança e protecção civil, de modo a possibilitar o apoio articulado destas, às tarefas cobertas pelo mesmo plano de vigilância e segurança. 8…)
Cláusula Oitava
Prazo de Vigência
O presente acordo de cooperação é celebrado pelo prazo de cinco anos, contados a partir da data da sua outorga, prorrogável por períodos iguais e sucessivos, salvo rescisão expressa pelo Primeiro Outorgante, por razões de interesse público, devidamente fundamentado».
14) O prédio urbano correspondente ao lote n.º ...57 não tem moradia edificada.
15) A Ré não é associada da Autora.
16) A Ré não efectuou o pagamento das contribuições mensais objecto da deliberação mencionada na alínea 12), relativas aos meses de Janeiro de 2016 a Dezembro de 2020 e ao lote n.º ...57, no valor global de € 1.500,00.
17) A gestão da área de protecção e enquadramento transferida para o Município ..., nos termos do alvará de loteamento referido em 11) tem sido assegurada exclusivamente pela autora, ao abrigo do acordo de cooperação celebrado com essa edilidade, através da prestação dos serviços mencionados na alínea 13), cujos custos são suportados pela autora.
18) Além dos serviços referidos em 18), a Autora também presta outros serviços aos seus associados ou não associados que os requisitem, designadamente o corte de árvores no interior dos lotes e vigilância nocturna nas zonas residenciais, para prevenção de assaltos.
*
3.2 – Factos não provados[1]:
a) A Autora exigiu à Ré o pagamento das contribuições mencionadas na alínea 16) supra em momento anterior à propositura desta acção.
b) Dispõe a cláusula quinta do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a “B..., SA”, a loteadora do empreendimento de ..., e os promitentes-compradores dos lotes que o constituem, que «a fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização colectiva, o segundo contratante obriga-se a, após a data da outorga da escritura da ora prometida compra e venda, contribuir para o pagamento das despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, contribuição que, durante o ano de 2001, não excederá o montante de 4.000$00/mês/lote e deverá ser paga à “Associação de Proprietários de ...”, a constituir”, conforme minuta utilizada para a celebração dos contratos promessa que se junta e dá por inteiramente reproduzida.».
c) A falta de pagamento das contribuições devidas pelos proprietários põe em risco a segurança dos moradores e a segurança dos seus bens, assegurada pelos serviços de vigilância, bem como a limpeza, higiene, conservação dos espaços verdes e manutenção dos equipamentos.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Matéria de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
*
Não sendo absolutamente claro, na aparência, a Ré recorrente parece pretender a reversão do facto provado identificado em 13)[2], fundamentando a sua discordância na falta de prova ao abrigo do disposto no artigo 342.º[3] do Código de Processo Civil.
O pedido em causa não satisfaz os requisitos exigidos pelo artigo 640.º[4] do Código de Processo Civil. Ainda assim, não obstante esse vício, na perspectiva de valorizar o duplo grau de jurisdição em matéria de facto e o princípio da proporcionalidade que tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça em ordem a viabilizar a reanálise da factualidade, independentemente de qualquer impugnação do documento, tal como é evidenciado pelo Tribunal recorrido a matéria em causa «decorre pacificamente do teor da escritura pública de constituição da autora», não existindo qualquer motivo para considerar não provado esse facto, tanto mais que, da audição integral do julgamento, não sobra qualquer dúvida sobre a veracidade desse instrumento público.
A Ré pretende ainda a introdução de matéria relacionada com a instalação de um serviço de portaria, afirmando que a Elaboração do Plano de Vigilância e Protecção do empreendimento de ... e no Acordo Administrativo de Cooperação celebrado entre a Autora e a Câmara Municipal ... não é referida a necessidade de criação da mesma.
Porém, a factualidade que pretende introduzir é conclusiva e encerra juízos de valor que não permitem incluí-la no acervo dos factos provados e a questão só teria valia se a recorrente demonstrasse a desnecessidade ou erro de introdução do referido serviço no referido aldeamento.
Mais da audição de toda a prova e da análise dos documentos incorporados nos autos e, bem assim, da interpretação do espírito do acordo de cooperação e do alvará de loteamento, resulta que a instalação da portaria se inscreve na esfera de protecção dos serviços de segurança e de contenção do perímetro de acessibilidades ao local.
Quanto à questão de a Autora não ter procedido à deliberação em Assembleia Geral do valor da quantia devida pelos proprietários dos lotes não associados, da análise dos autos retira-se que não era necessário existir uma deliberação sobre as responsabilidades dos não associados face à natureza da obrigação real aqui em discussão, dado que a fonte de pagamento é próprio acordo de cooperação celebrado em conformidade com o disposto no RJUE e o alvará de loteamento.
Quanto à falta de execução de serviços de limpeza de terrenos, aquilo que se discute em concreto é a existência da obrigação de pagamento, sendo que existe prova nos autos que foram realizados serviços de limpeza nas zonas de enquadramento e protecção e na manutenção das áreas comuns, as quais constituem o objecto da prestação devida.
Não se vislumbra da audição da prova qualquer violação contratual por parte do prestador de serviços e a realização de serviços em zonas de uso privado pode constituir um plus relativamente à obrigação de prestação de serviços, mas não é uma vinculação a que está adstrita a “Associação de Proprietários de ...”. E se a Ré pretende fruir de tal serviço adicional tem um caminho que é o garantir o pagamento da verba reclamada pela Autora.
Neste campo, quanto ao adicionamento desta última matéria, os Tribunais Superiores entendem que os recursos sobre a impugnação da matéria de facto têm sempre carácter ou natureza instrumental, devendo as questões submetidas à apreciação poder repercutir-se, de forma útil e efectiva, na decisão a proferir pelo Tribunal «ad quem», de modo alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto. De outro modo, no plano formal, não haverá interesse processual em promover a revisão dos factos controvertidos[5].
Neste enquadramento, não existe qualquer erro na avaliação da prova. Aliás, o aqui relator vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[6]. E esse lapso não existe, face à dinâmica da prova e ao confronto valorativo entre as fontes probatórias.
Não há qualquer modificação a introduzir na decisão de facto, seja a pedido da recorrente nos termos em que o fez, seja a título oficioso. Deste modo, a decisão de facto mostra-se assim consolidada e é com base nesses factos que será realizada a apuração de subsunção subsequente.
*
4.2 – Do erro de direito:
4.2.1 – Da obrigação de pagamento:
A relação contratual em que existe uma cláusula de transmissão da posição da vendedora que cria acessoriamente uma obrigação dos proprietários dos lotes em relação à conservação das partes comuns assume a natureza de obrigação propter rem e tem um conteúdo essencialmente privatístico.
O estatuto do direito real fixa os poderes que ao titular é permitido exercer sobre a res e as restrições ou limites a que esse exercício fica sujeito. Mas, a par disto, o estatuto do direito também pode impor ao titular, e impõe com frequência, deveres de conteúdo positivo. (...) É precisamente em relação a estes últimos que deve falar-se de obrigações reais, ob rem ou propter rem. Trata-se de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra, titular ou não por sua vez de um ius in re, à realização de uma prestação de dare ou de facere”[7].
As obrigações que derivam deste estatuto não são obrigações que tenham na sua fonte um contrato ou um acto ilícito, porquanto elas derivam da simples circunstância da titularidade de um direito real.
Estas obrigações têm um regime específico respeitante à transmissão do direito real. Na verdade, «o problema da sucessão na obrigação propter rem — de origem legal ou negocial, pouco importa — apenas surge quando, verificados os pressupostos que no estatuto do direito real se mencionem e constituída, assim, a relação obrigacional, ocorra um acto translativo do direito real antes do cumprimento da obrigação»[8].
Prosseguindo, Henrique Mesquita assinala que daqui decorre a existência de obrigações cuja transmissão se impõe para o novo titular do direito real a par de outras em que tal ambulatoriedade não acontece[9].
Ou, na lição de Oliveira Ascensão, a relação propter rem «transmite-se automaticamente a todo o novo titular do direito real» e «é insusceptível de transmissão independente do direito real a que se refere»[10].
Antunes Varela sublinha que, entre outras, estão nessas circunstâncias a obrigação de reparar a coisa comum ou as partes comuns do edifício que constitua objecto da propriedade horizontal[11].
Do teor da escritura pública de constituição da Autora, da acta da sua assembleia-geral realizada em 30/06/2010, do seu regulamento interno, da certidão do registo predial e do acordo administrativo de cooperação celebrado entre a parte activa e o Município ... resulta que estamos perante uma obrigação propter rem.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento Interno da ... «são fins da Associação promover a protecção e defesa dos interesses dos Associados e demais proprietários de ..., no âmbito da segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a ..., conforme determinado no alvará de loteamento do empreendimento».
A existência desse acordo de cooperação celebrado entre a Autora e o Município ... tem como objecto a gestão da zona de protecção e enquadramento da ..., nos termos determinados no alvará de loteamento, e a prestação de serviços pela “Associação de Proprietários de ...” para implementação desse acordo, sendo que, por força desses instrumentos de regulação, os custos são suportados através do pagamento de contribuições ou quotas mensais por parte dos proprietários de lotes integrados no empreendimento, sejam seus associados ou não.
Nos termos do alvará de loteamento compete à loteadora a gestão da referida área de protecção e enquadramento do empreendimento e essa administração passou a ser assegurada pela associação Autora e a supramencionada cláusula 5.ª consubstancia uma cláusula de transmissão da posição da vendedora no acordo celebrado com a compradora.
Neste campo, a associação de moradores/proprietários constituída, em conformidade com o alvará de loteamento, para assegurar a gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva, integra o elenco dos co-contratantes privados previstos no n.º 1 do artigo 46.º[12] do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com referência ao artigo 43.º[13] do mesmo diploma.
Efectivamente, no contrato de aquisição está incluída uma obrigação de contribuir para o pagamento das despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior e, assim, face às vinculações reais existentes, a simples aquisição da propriedade implica um conjunto de deveres positivos ao nível da garantia do pagamento de despesas de condomínio.
As condições estabelecidas no alvará vinculam a Câmara Municipal e o proprietário do prédio e os adquirentes dos lotes, desde que constem do registo predial. Neste particular, Henrique Mesquita ensina que a obrigação “propter rem” se transmite sempre para o sub-adquirente do direito real a cujo estatuto se sente geneticamente ligado”[14].
A Ré beneficia de serviços de segurança, limpeza e outros que foram contratualizados directamente no instrumento de compra e venda, independentemente de ser ou não associada da Autora.
E, mesmo que se provasse que a Autora não procedeu à limpeza do terreno privado da Ré, além da obrigação contratual estar cingida apenas às partes comuns da urbanização sub judice, é inadmissível a invocação da excepção de não cumprimento do contrato para legitimar a recusa do condómino em pagar a sua quota-parte nas despesas de condomínio[15].
Como já se disse em sede de apreciação do pedido de modificação da decisão de facto, a portaria integra-se no âmbito dos serviços de segurança e de protecção do condomínio e, por isso, é devido o correspectivo pagamento das despesas associadas por parte dos condóminos.
A recorrente invocou o incumprimento do acordo administrativo de cooperação celebrado com o Município ... por parte da autora, bem como o inverso. Porém, a eventual violação de disposições contratuais por parte daqueles contratantes tem uma eficácia inter-partes e não condiciona as obrigações devidas por terceiros adquirentes de direitos reais desta espécie, não tendo essa matéria a virtualidade para afastar o dever de pagamento que incide sobre a ora recorrente.
Não se comunga assim das considerações exaradas na sentença recorrida a propósito do motivo originário e determinante da dívida se basear na sub-rogação e no instituto do enriquecimento sem causa em que se tornaria, por isso, essencial proceder ao cálculo do benefício concreto de cada lote em ordem a obter a fórmula de cálculo necessária a decifrar o valor em dívida.
Em suma, a obrigação de pagar as contribuições necessárias para custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, consagrada no artigo 1424.º do Código Civil tem natureza propter rem.
Não existe qualquer outro argumento recursivo que, neste segmento, tenha a virtualidade de proceder, sem embargo da apreciação posterior da questão da prescrição e do abuso de direito.
*
4.2.2 – Da prescrição:
O decurso do tempo é especificamente causa de extinção ou perda de direitos, por inobservância do prazo para o seu exercício, sendo que a prescrição se destina a sancionar a negligência do titular do direito.
Diz-se prescrição quando alguém se pode opor ao exercício dum direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado por lei[16].
Vaz Serra escreveu «sem querer entrar na discussão de qual seja exactamente o fundamento da prescrição, que uns vêem na probabilidade de ter sido feito o pagamento, outros na presunção de renúncia do credor, ou na sanção da sua negligência, ou na consolidação das situações de facto, ou na protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento ou no sossego quanto à não existência da dívida, ou na necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, ou na de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, ou na de promover o exercício oportuno dos direitos – pode dizer-se que a prescrição se baseia, mais ou menos, em todas estas considerações, sem que possa afirmar-se só uma delas ser decisiva e relevante»[17].
Em trabalho sobre esta temática, Aníbal de Castro comenta que «a prescrição destina-se a contrariar a situação anti-jurídica da negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos. Estes os motivos específicos de cada uma das limitações temporais, sendo comuns as razões que as determinam por destinarem-se ambas a servir a segurança e certeza da ordem jurídica, pondo-se assim termo a situações contrárias ao direito e à prejudicial ou perturbante dilação do seu exercício, distinguindo-se ainda pelos efeitos, paralisação num caso, extinção no outro»[18].
Dias Marques define a «prescrição como a extinção dos direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, o que significa, em outros termos, que, uma vez completada a prescrição, tem o sujeito passivo por ela beneficiado a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito»[19].
Também Ana Filipa Morais Antunes se pronuncia nos mesmos moldes[20].
Estão sujeitos a prescrição os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (n.º 1 do artigo 298.º[21] do Código Civil).
As obrigações reais ou propter rem são aquelas que derivam da vinculação de alguém a certos bens sobre os quais incidem ónus reais (como são exemplos o imposto imobiliário, seguro obrigatório, taxa de conservação dos esgotos), bem como os deveres decorrentes da necessidade de manter a coisa (despesas de condomínio, servidão de passagem, etc.) [22] [23] [24] [25].
Estas obrigações têm origens legais ou contratuais diversas e os prazos de prescrição são de geometria (calendário) variável em função do seu fundamento vinculativo, podendo oscilar desde a imprescritibilidade a prazos mais curtos previstos para a respectiva extinção.
Quanto às vinculações de matriz legal de conteúdo essencialmente real, é aceite que as obrigações propter rem não estão sujeitas à prescrição. Neste particular, fundando-se novamente na lição de Manuel Henriques Mesquita, sobre a não extinção das relações propter rem por prescrição temos jurisprudência prolatada neste Tribunal da Relação de Évora[26].
Para outro tipo de obrigações contratuais, existe uma corrente jurisprudencial que afirma que o prazo especial de prescrição fixado no artigo 498.º do Código Civil vigora só para a responsabilidade extra-contratual, sendo que à obrigacional em causa se aplica o prazo de prescrição ordinária (de 20 anos) previsto no artigo 309.º[27] [28].
As despesas agora reclamadas constituem encargos típicos de condomínio e assumem a natureza de prestações periódicas para efeito de aplicação do regime de prescrição. Aqui aplica-se o regime atinente aos direitos e encargos dos condóminos, entendidos estes como os proprietários dos lotes que beneficiam dessas partes comuns, como resulta dos artigos 1420.º a 1429.º-A do Código Civil, aplicando-se à administração das partes comuns do edifício o disposto nos artigos 1430.º a 1438.º-A do Código Civil.
Tratando-se de prestações periódicas renováveis destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio é aplicável a disciplina inscrita na alínea g) do artigo 310.º[29] do Código Civil, prescrevendo como tal as referidas dívidas no prazo de 5 anos.
Em função disso, relativamente às prestações dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016, atenta a data da propositura da acção – a prestação do mês de Março desse ano está coberta pelo regime estabelecido no n.º 2 do artigo 323.º[30] do Código Civil, com referência aos artigos 279.º[31] e 296.º[32] do mesmo diploma –, por a prescrição ter sido interrompida nos 5 dias posteriores à entrada da acção em juízo, mesmo que o acto de citação apenas tenha sido perfectibilizado no dia 04/05/2016.
Neste ponto, julga-se assim parcialmente procedente o recurso interposto.
*
4.2.3 – Do abuso de direito:
Alerte-se que não é qualquer atitude negocial que poderá ser enquadrada como uma situação de abuso de direito e a construção do raciocínio silogístico terá de ser realizada a partir do acervo factual apurado.
Para além da bibliografia geral sobre o direito das obrigações, o conteúdo e abrangência do abuso de direito é tratado nas obras escritas por Vaz Serra[33], Coutinho de Abreu[34], Pedro de Albuquerque[35], Manuel de Andrade[36], Tito Arantes[37], Oliveira Ascensão[38], Américo da Silva Carvalho[39], Menezes Cordeiro[40] [41] [42] [43], Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier[44], Pires de Lima e Antunes Varela[45], Cunha de Sá[46] e Paulo Mota Pinto[47] e Baptista Machado[48].
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme ressalta do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado[49] [50] [51] [52] [53].
O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
O abuso de direito comporta duas modalidades: “venire contra factum proprium” e situações de desequilíbrio, estas com as “species” do exercício danoso inútil, da actuação dolosa e da desproporção grave entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem. Tem como escopo principal impedir que a estrita aplicação da lei conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante[54].
O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela[55].
As consequências do abuso de direito podem ser de natureza variada, podendo consistir na supressão do direito ou na cessação do concreto exercício abusivo. Contudo, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao seu titular, que este seja inteiramente despojado dele[56].
Olhando para a situação a solucionar, temos de concluir que, ao pedir o pagamento de contribuições que decorrem dos instrumentos negociais acima referidos, a Autora não age num quadro de abuso de direito e não existe qualquer facto provado que legitime esse entendimento, não vingando assim a pretensão da Ré de estar isenta do pagamento de despesas relacionadas com a administração do condomínio e a prestação de serviços por este disponibilizada, apenas por não ser associada da “Associação de Proprietários de ...”. Na realidade, as referidas quotas são devidas.
Nesta ordem de ideias, importa julgar procedente o recurso interposto pelo Autor e parcialmente improcedente o recurso do Réu, revogando-se a decisão recorrida.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, revoga-se a decisão recorrida, julgando:
a) prescritas as contribuições devidas nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016.
b) condenando-se a Ré “A..., Lda.” a pagar à Autora Associação de Proprietários de ... as quantias correspondente às contribuições devidas desde Março de 2016 até Dezembro de 2020, acrescida de juros à taxa de natureza civil, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
c) condenando-se a Ré “A..., Lda.” a pagar à Autora “Associação de Proprietários de ...” as quantias que se vençam mensalmente, a título das contribuições periódicas referentes às despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, enquanto mantiverem a qualidade de proprietários do lote n.º ...57, acrescidas de juros de mora, desde a data de vencimento até efectivo pagamento.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, com referência ao disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 20/02/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás

__________________________________________________
[1] Ficou consignado na decisão de facto que: «inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa, não tendo sido considerados designadamente os factos alegados pela ré respeitantes a concretas actividades, deliberações e orçamentos da associação autora, anteriores ao período que revela considerar nos autos – Dezembro de 2016 em diante».
[2] (13) Em 27/04/2016 foi celebrado um acordo administrativo de cooperação entre o Município ..., intitulada de primeira outorgante e a autora, intitulada de segunda outorgante, mediante o qual esta se obrigou a garantir a limpeza e higiene, manutenção e a conservação das áreas de protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos, a conservação e manutenção do circuito de manutenção, a conservação e manutenção da vedação limítrofe da urbanização, a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequadas, efectuar a gestão florestal das áreas protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos, elaborar plano de vigilância e segurança, a manutenção de um sistema de segurança tendo em vista obviar a degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes do loteamento urbano da ..., constando do mesmo os seguintes considerandos e cláusulas:
«Considerando que:
1) O Alvará n.º ...8 titula a operação de loteamento e a 1.ª fase da execução das obras de urbanização, em ....
(…)
4) À presente data, no que respeita à 1.ª fase de execução das obras de urbanização do loteamento encontram-se recebidas definitivamente pela Câmara Municipal todas as infraestruturas, exceptuando parte residual de plantações, sementeiras e de circuito de manutenção, no âmbito de arranjos exteriores (o que é extensível às 2.ª e 3.ª fase – A das obras de urbanização, entretanto tituladas por aditamentos ao alvará de licença de loteamento inicial, respectivamente, datados de 08.05.1999 e de 27.12.2005);
(…)
7) Assim sendo, por razões de racionalidade e operacionalidade de meios e porque as infraestruturas públicas do loteamento de ... constituem-se como um espaço que é e será essencialmente fruído pelos atuais e pelos futuros moradores nos lotes constituídos, se justifica que a sua gestão e manutenção seja atribuída a uma única entidade representativa dos mesmos.
Cláusula Primeira
Objecto
O presente acordo tem por objecto as partes da área de Protecção e Enquadramento e das áreas Afectas a Espaços Livres Públicos correspondentes às fases 1.ª, 2.ª, e 3.ª A das obras de urbanização do loteamento urbano de ..., melhor identificados no anexo I, bem como toda a área loteada, demarcada por vedação aramada com 8.000ml seus acessos e caminhos pedonais.
(…)
Cláusula Terceira
Obrigações do Segundo Outorgante
Pelo presente acordo cabe ao Segundo Outorgante
a) garantir a limpeza e higiene, a manutenção e a conservação das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos da cláusula primeira.
b) assumir a conservação e a manutenção do circuito de manutenção.
c) assumir a conservação e a manutenção da vedação limítrofe da urbanização.
d) promover a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequados ao local;
e) efectuar a gestão florestal das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos das cláusulas primeira.
f) promover a elaboração do Plano de Vigilância e Segurança (adianta designado por Plano) a área definida na cláusula primeira.
g) vigiar e manter um sistema de segurança em toda a área objecto do presente acordo de cooperação, de forma a evitar qualquer degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes.
Cláusula Quarta
Obrigações do Primeiro Outorgante
Pelo presente acordo, cabe ao Primeiro Outorgante, em respeito do interesse público visada pela celebração do presente acordo:
(…)
h) acompanhar e fiscalizar a execução do acordo, nomeadamente no que respeita ao cumprimento pelo Segundo Outorgante das obrigações assumidas, bem como prestar o apoio técnico que se justifique, mediante análise casuística conjunta;
i) acompanhar e fiscalizar a execução do plano de vigilância e segurança referida na cláusula anterior;
j) desenvolver os necessários contactos com as autoridades locais, em particular com as forças de segurança e protecção civil, de modo a possibilitar o apoio articulado destas, às tarefas cobertas pelo mesmo plano de vigilância e segurança. (…)
Cláusula Oitava
Prazo de Vigência
O presente acordo de cooperação é celebrado pelo prazo de cinco anos, contados a partir da data da sua outorga, prorrogável por períodos iguais e sucessivos, salvo rescisão expressa pelo Primeiro Outorgante, por razões de interesse público, devidamente fundamentado.»
[3] Artigo 342.º (Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
[4] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[5] Acórdãos aqui relator do Tribunal da Relação de Évora datados de 30/01/2020, 08/10/2020, 30/06/2021, 15/12/2022, 06/02/2023 e 15/06/2023, entre outros disponibilizados em www.dgsi.pt.
[6] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/06/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021, 30/06/2021, 28/10/2021 e 11/01/2024, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[7] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 100.
[8] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 315.
[9] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 323.
[10] Oliveira Ascensão, As Relações Jurídicas Reais, Liv. Morais Editora, Lisboa, 1962, pág. 115.
[11] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, Coimbra editora, Coimbra, pág. 199.
[12] Artigo 46.º (Gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva):
1 - A gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva pode ser confiada a moradores, a grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas ou a entidades previstas no artigo 7.º, mediante a celebração com o município de acordos de cooperação ou de contratos de concessão do domínio municipal.
2 - Os acordos de cooperação podem incidir, nomeadamente, sobre os seguintes aspetos:
a) Limpeza e higiene;
b) Conservação de espaços verdes existentes;
c) Manutenção dos equipamentos de recreio e lazer;
d) Vigilância da área, por forma a evitar a sua degradação.
3 - Os contratos de concessão devem ser celebrados sempre que se pretenda realizar investimentos em equipamentos de utilização coletiva ou em instalações fixas e não desmontáveis em espaços verdes, ou a manutenção de infraestruturas.
[13] Artigo 43.º (Áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas, equipamentos e habitação):
1 - Os projetos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias, equipamentos e habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível.
2 - Os parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no número anterior são os que estiverem definidos em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território.
3 - Para aferir se o projeto de loteamento respeita os parâmetros a que alude o número anterior consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afetar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal nos termos do artigo seguinte.
4 - Os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil.
[14] Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, pág. 316.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/11/2023, consultável em www.dgsi.pt.
[16] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, pág. 155.
[17] Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, BMJ n.º 105, pág. 32.
[18] Aníbal de Castro, A caducidade, 3ª edição melhorada e actualizada, Petrony, 1984, pág. 30.
[19] Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, págs. 114 e 112.
[20] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 16.
[21] Artigo 298.º (Prescrição, caducidade e não uso do direito)
1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
2. Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
3. Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade.
[22] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/01/2014, publicado em www.dgsi.pt.
[23] Na procura da sua caracterização, Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, pág. 100, define a obrigação propter rem como um vínculo jurídico em que pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra (titular ou não, por sua vez, de um ius in re) à realização de uma prestação de dare ou de facere”.
[24] Ao abordar o tema das obrigações reais, Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra, 9ª edição, pág. 110, sublinha que há obrigações ligadas a direitos reais, de maneira que a pessoa do devedor se individualiza pela titularidade do direito real”, para, logo de seguida, as identificar como sendo reais ou ambulatórias.
[25] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/07/2020, publicitado em www.dgsi.pt.
[26] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/11/2018, visitável em www.dgsi.pt, afirmando que: «as obrigações resultantes de relações propter rem não se extinguem por prescrição».
[27] Artigo 309.º (Prazo ordinário):
O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.
[28] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/11/2016, cuja leitura pode ser concretizada na plataforma www.dgsi.pt.
[29] Artigo 310.º (Prescrição de cinco anos)
Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
[30] Artigo 323.º (Interrupção promovida pelo titular):
1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
[31] Artigo 279.º (Cômputo do termo):
À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro;
b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;
d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;
e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
[32] Artigo 296.º (Contagem dos prazos):
As regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.
[33] Vaz Serra, Abuso de Direito (Em matéria de responsabilidade civil), Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, págs. 243 e seguintes.
[34] Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito – Ensaio de um Critério em Direito civil e nas Deliberações Sociais, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2006.
[35] Pedro Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em virtude de actos praticados no processo: a responsabilidade por pedido infundado de declaração da situação de insolvência ou indevida apresentação por parte do devedor, Almedina, Coimbra, 2006.
[36] Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1966.
[37] Tito Arantes, Do Abuso de Direito e da sua repercussão em Portugal, Ensaio Jurídico, Lisboa, 1936.
[38] Oliveira Ascensão, O “abuso de direito” e o artigo 334.º do Código Civil: uma recepção transviada, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano – no Centenário do seu Nascimento, vol. I, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006.
[39] Américo da Silva Carvalho, Abuso de Direito e Boa Fé em Propriedade Industrial, Direito Industrial, 5 v, Almedina, Coimbra, 2010.
[40] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 4ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011.
[41] Menezes Cordeiro, Do abuso de direito: Estado das questões e perspectivas, Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, n.º 2 (set./2005).
[42] Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e culpa in agendo: estudo de Direito Civil e de Direito Processual Civil, com Exemplo no Requerimento Infundado da Insolvência, à luz do Código de 2004, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2011.
[43] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. V, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2011.
[44] Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier, Efeito Externo das Obrigações: abuso de Direito: Concorrência Desleal: a Propósito de Uma Hipótese Típica, separata da RDE, n.º 5 (Jan-Jun. 1979), Coimbra, 1979.
[45] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1997.
[46] Cunha Sá, Abuso de Direito (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997.
[47] Paulo Mota Pinto, Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003).
[48] Baptista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium, Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991-1993.
[49] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2008, in www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011, in www.dgsi.pt.
[50] Para Manuel de Andrade Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, págs. 63-64, «há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual».
[51] No enfoque de Vaz Serra, Abuso de Direito, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, pág. 253, o acto abusivo corresponde ao exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na colectividade social. Só excepcionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
[52] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, pág. 516, expressa opinião no sentido de que «para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito».
[53] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 299, entendem que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
[54] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/2008, in www.dgsi.pt.
[55] Tatiana Guerra de Almeida, em anotação ao artigo 334.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 788.
[56] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 300.