Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
74/23.6GBABT.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: I - A regra de conduta - imposta a arguido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez – consistente em o arguido não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados), não se mostra desproporcional ou desrazoável, quando restringida a uma concreta localidade (onde o arguido tem centrada a sua vida e onde, nos cafés dessa localidade, consome bebidas alcoólicas em excesso).
II - A imposição dessa regra de conduta não viola os princípios constitucionais da legalidade (da pena), e da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso, e não invade, de forma desproporcionada/desrazoável, a liberdade do arguido (enquanto titular de direitos).
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Local Criminal de Abrantes - corre termos o processo comum singular supra numerado, no qual é arguido (A) (…..)

Ao qual foi imputado em autoria material e na forma consumada e em concurso efetivo a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º, do Código Penal e um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º1 alínea a) do Código Penal.


*

A final o tribunal recorrido lavrou sentença na qual condenou o arguido

1. Como autor material e na forma consumada, na prática, de UM crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previstos e punidos pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 3 (TRÊS) MESES de prisão.

2. Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (TRÊS) MESES DE PRISÃO.

3. Proceder ao cúmulo jurídico das penas referidas em 1, nos termos do artº 77º do CP e condenar o arguido (A) na pena única de 4 (QUATRO) MESES e 15 (QUINZE) DIAS DE PRISÃO.

4. Suspender a pena única de prisão mencionada em 3 por UM ANO, sujeita a regime de prova, com medidas a desenhar pela DGRSP, durante o período da suspensão – cfr. art. 50º, nº 5, 53º e 54.º do Código Penal;

5. Submeter a suspensão da execução da pena de prisão do arguido, nos termos dos artigos 50º, n.º 2 e 3 e art 52º, n.º 1, al. b) e c), e nº 3 ambos do Código Penal nas seguintes REGRAS DE CONDUTA:

i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;

ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS.

iii. Realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP, devendo ser trabalhadas as suas competências pessoais de modo a eliminar o sentimento de desresponsabilização do seu comportamento (quanto ao consumo de bebidas alcoólicas) e ablação de crenças associadas ao consumo/dependência de álcool, que legitimam a desresponsabilização dos comportamentos bem como trabalhando as suas competências pessoais de modo a perceber que o consumo de álcool em excesso é nefasto.

iv. Providenciar, juntamente com a equipa técnica e com a família, pelo apoio domiciliar junto de instituições locais ou de apoio familiar a fim de colmatar a ausência de cuidados básicos.

v. Frequentar o CRI (Equipa de Tratamento de Abrantes, telefone: (…..), Rua da Barca 95, 2200-386 Abrantes) por forma a despistar e avaliar das necessidades de acompanhamento na área da alcoologia e, se necessário for, submeter-se o arguido a tratamento médico da aludida adição ou a cura em instituição, devendo a DGRSP obter o consentimento do arguido à sujeição a eventual tratamento.

vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

vii. Não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação.

viii. Frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.

ix. Efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.

6. Condenar o arguido (A) na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 7 (SETE) MESES, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sob pena de incorrer na responsabilidade criminal se violar tal proibição.

7. Ordenar ao arguido a entregar da carta e/ou licença de condução pelo arguido ou qualquer outro documento que o habilite a conduzir, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da presente sentença, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e sob cominação de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.

8. Condeno o arguido nas custas do processo que se fixa em 2 Uc de taxa de justiça, nos termos dos art 513.º e 514.º todos do Código de Processo Penal e no artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Judiciais, reduzidas a metade atenta a sua confissão.

Após trânsito:

Remeta boletim ao registo criminal.

Comunique à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e IMTT, nos termos dos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, do Código de Processo

Penal, devendo aquela entidade informar se a carta se perdeu ou extraviou, ou foi pedida 2.ª via da mesma durante o período de cumprimento da pena acessória.

Comunique à DGRSP a presente sentença (enviando a respetiva cópia), solicitando que diligenciem pelo cumprimento pelo arguido das regras de conduta e fixem o regime de prova. Para tanto disponibilize-se todos os contactos do arguido existentes nos autos.

Notifique, dê baixa e insira em marcador.


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Inconformada, a Digna Procuradora-Adjunta interpôs recurso da decisão, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outra, com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou (A) pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previstos e punidos pelo artigo 353.º do Código Penal, e de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período e de 1 (um) ano, sujeita a regime de prova e às seguintes regras de conduta:

i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;

ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS.

Iii Realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP, devendo ser trabalhadas as suas competências pessoais de modo a eliminar o sentimento de desresponsabilização do seu comportamento (quanto ao consumo de bebidas alcoólicas) e ablação de crenças associadas ao consumo/dependência de álcool, que legitimam a desresponsabilização dos comportamentos bem como trabalhando as suas competências pessoais de modo a perceber que o consumo de álcool em excesso é nefasto.

iv. Providenciar, juntamente com a equipa técnica e com a família, pelo apoio domiciliar junto de instituições locais ou de apoio familiar a fim de colmatar a ausência de cuidados básicos.

v. Frequentar o CRI (Equipa de Tratamento de Abrantes, telefone (…..), Rua da Barca 95, 2200-386 Abrantes) por forma a despistar e avaliar das necessidades de acompanhamento na área da alcoologia e, se necessário for, submeter-se o arguido a tratamento médico da aludida adição ou a cura em instituição, devendo a DGRSP obter o consentimento do arguido à sujeição a eventual tratamento.

vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

vii. Não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação.

viii. frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.

ix. efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.

B. O presente recurso vem única exclusivamente interposto da parte da sentença que fixou a regra de conduta prevista em vi) de Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

C. Salvo melhor opinião e o devido respeito, afigura-se que tal regra de conduta condicionante da decretada suspensão da execução da pena de prisão é desproporcional/desrazoável.

D. Como ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 2005, p. 349 e 351, as regras de conduta ligam-se “ao cerne socializador da pena de suspensão de execução da prisão” (Figueiredo Dias, loc. cit. p. 349), socialização que, no entanto, não deve ser alcançável a qualquer preço, devendo ser “de negar a legitimidade da imposição de deveres que representem uma limitação de direitos fundamentais de qualquer espécie”.

E. Tendo presente os princípios constitucionais da legalidade (da pena), por um lado, e da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso, pelo outro, que regem todo o processo de decisão sobre as consequências do crime (artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, 1 a 3 da Constituição da República Portuguesa), afigura-se que se encontra por demonstrar a necessidade do robustecimento da suspensão com a mencionada a regra de conduta prevista em vi).

F. Este reforço suscita alguma perplexidade, à luz do princípio da legalidade, da necessidade, adequação e proporcionalidade, uma vez que, salvo melhor opinião, invadem de forma desproporcionada/desrazoável a liberdade do Arguido, enquanto titular de direitos, não deixou de ter, atenta as demais regras de condutas fixadas [cfr. cit. alíneas i) a v), e vii) a ix], as quais se afiguram já suficientes para fazer às necessidades de ressocialização que o caso invoca, em face da personalidade do arguido.

G. Assim, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, fixando como fixou tais regra de conduta, violou o disposto dos artigos 50.º, n.º4, e 51.º, n.º2, aplicável ex vi do artigo 52.º, n.º4, todos do Código Penal, e disposto dos artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, n.ºs 1 a 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Dado o exposto e o sempre esperado douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a regra de conduta de Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).


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Não foi apresentada resposta ao recurso.

A Exmª Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.

B - Fundamentação:

B.1.a)

– Factos considerados provados:

1. No âmbito do Processo Sumário 306/22.8GBABT, que correu termos no Juízo Local Criminal de Abrantes, por sentença proferida em 18 de janeiro de 2023, transitada em julgado em 20 de fevereiro de 2023, foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.

2. O arguido iniciou o cumprimento da referida pena acessória no dia 16 de março de 2023, data em que a carta de condução do arguido foi apreendida no âmbito daqueles autos.

3. No dia 25 de março de 2023, pelas 19h56, no lugar de Engarnais Cimeiros, próximo do restaurante “Castiço”, na localidade de Mouriscas, o arguido guiava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (…..).

4. Submetido ao teste de presença de álcool no sangue apurou-se que conduzia o referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1,306 g/l, efetuado o desconto legal sobre a taxa registada de 1,48 g/l).

5. O arguido atuou livre e voluntariamente, consciente do estado em que se encontrava, sabendo que não podia conduzir o mencionado veículo após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à permitida para conduzir na via pública, bem como conhecia as características da via por onde circulava, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

6. O arguido atuou de forma livre, bem sabendo que estava proibido de conduzir veículos a motor na via pública pelo período referido, face à pena acessória em que havia sido condenado, por sentença proferida no âmbito do Processo Sumário n.º306/22.8GBABT, que correu termos no Juízo Local Criminal de Abrantes que estava obrigado a cumprir e que lhe fora devidamente notificada, tendo-lhe sido apreendida a carta de condução. Apesar disso não se coibiu de o fazer, o que representou, tendo conduzido aquele veículo na via pública, agindo com o propósito conseguido de incumprir a imposição, proibição e interdição que lhe fora fixada judicialmente, resultado esse que representou, procurou e logrou alcançar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

Mais se provou que:

7. O arguido conduziu cerca de 30 metros.

8. O arguido ingeriu vinho.

Das condições económicas, pessoais e familiares

9. O arguido vive sozinho, em habitação própria.

10. Reside perto da sua progenitora, a qual lhe assegura as suas refeições.

11. Tem quatro filhos, maiores de idade, autónomos, que residem em Cascais.

12. Os contactos entre o arguido e os filhos são irregulares, sendo que são os filhos quem contacta o arguido telefonicamente.

13. O arguido é oficial do exército (Coronel de infantaria) e está aposentado.

14. Aufere rendimentos líquidos cerca de 3000,00 euros.

15. Suporta uma prestação mensal para amortização do empréstimo na aquisição da casa sita em Cascais, no valor de 300,00 euros.

16. No meio, é-lhe atribuída alguma desorganização pessoal, o que se reflete na forma como cuida da sua pessoa, sobretudo em termos de higiene (passando vários dias sem tomar banho ou mudar de roupa).

17. No meio sociocomunitário, há sentimentos de insegurança pelo facto do arguido ser visto a conduzir alegadamente etilizado, pondo em risco terceiros.

18. É associado a consumos diários de bebidas alcoólicas.

19. Não participa nem integra atividades com carácter prossocial.

20. Refere que ocupa o tempo livre em casa ou em cafés.

21. O arguido esteve sujeito a dois internamentos em Unidade de Alcoologia em Coimbra, no passado, há cerca de dez anos, para tratar de uma problemática aditiva, associada ao consumo de álcool.

22. Assume beber diariamente.

23. Não reconhece a existência de quaisquer problemas com a ingestão de bebidas alcoólicas, desvalorizando os consumos.

24. Essa informação não foi corroborada pela mãe nem pela filha ou nos contactos na comunidade, que referem que o arguido ingere diariamente bebidas alcoólicas e aparenta estar etilizado, o que se reflete na sua organização pessoal, que de acordo com os contactos efetuados, têm vindo a piorar.

25. A mãe e a filha consideram que o arguido beneficiaria com um tratamento nesta área.

Antecedentes criminais

26. Por sentença de 08.02.2010 e transitada em 10.03.2010, o arguido foi condenado, por factos reportados a 08.02.2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 doas de multa à taxa diária de 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, as quais foram declaradas extintas por cumprimento.

27. Por sentença de 18.01.2023 e transitada em 20.02.2023, o arguido foi condenado, por factos reportados a 11.12.2022, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 85 dias de multa à taxa diária de 23,70 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

B.1-b)

Factos considerados não provados:

Não resultaram provados outros factos.

B.1-c)

Fundamentação da Matéria de Facto:

«O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pelas declarações do arguido, prova testemunhal e pelos documentos juntos aos autos.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se:

A prova documental, cujo teor não foi impugnado nomeadamente:

• Auto de notícia de fls. 3 a 5, o qual permitiu apurar o exato dia e hora dos factos dados, bem como a categoria do veículo e respetiva matrícula, pelo que se deu como provado o facto 3.

• No talão do aparelho MKIII P, com número de série ARRL - 0073, a fls. 18, no que respeita à taxa de álcool no sangue no dia e hora dos acontecimentos, cujo aparelho foi sujeito a verificação periódica no dia 02.11.2022, conforme certificado de verificação de fls. 19 (facto 4)

• Certidão extraída do processo n.º 306/22.8GBABT, que correu termos nesta Juízo Local de Abrantes – Secção Criminal, de fls. 40 a 44, na qual se confirma que o arguido foi condenado em pena acessória de proibição de conduzir pelo prazo de 5 meses, o qual permitiu dar como provado os factos objetivos descritos sob os nºs 1 a 2. Não restam dúvidas que houve condenação em 6 meses de proibição de conduzir veículo motorizados, o qual foi comunicado ao arguido (facto 1).

• Auto de apreensão de fls. 49, o qual permitiu dar como provado a data em que a carta de condução foi apreendida ao arguido no âmbito do processo n.º 306/22.8GBABT, e a partir da mesma data o arguido estava proibido de conduzir (facto 2).

• Certificado de Registo Criminal do arguido de fls. 23 e ss, já com antecedentes criminais averbados de igual natureza, que permitiu dar como provados os factos constantes os factos nº 27 e 28.

• Relatório social de fls. 88 a 93, o qual permitiu apurar as circunstâncias de vida do arguido e sua personalidade, porquanto elaborado de forma objetiva, fundamentada, conseguido através de entrevistas e contactos com o arguido, filho mais velho, deslocação domiciliária, contacto com pessoas não identificadas, permitindo dar como provado os factos nº 9 a 26.

O arguido, regularmente notificado, não compareceu a ambas audiências de julgamento.

Na prova testemunhal:

Nos depoimentos da testemunhas (B) e (C), militares da GNR, simples, serenos, escorreitos e isentos - e, por isso, merecedores de um juízo positivo acerca da respetiva credibilidade o qual, confirmando integralmente os elementos constantes do auto de notícia de fls. 3 a 5, no qual radicaram os presentes, reportaram ao Tribunal, de modo espontâneo, as circunstâncias em que, no âmbito de do arguido ter o carro estacionado na via, abordaram o arguido (o qual estava a jantar num restaurante ali próximo), ordenando a retirada da viatura do local e proceder ao seu estacionamento em lugar próprio. Nessa medida, o arguido entrou no carro e foi estacionar o veículo tendo conduzido 30 metros. Após, determinaram que exibisse os seus documentos, tendo apresentado os documentos do veículo exceto a carta de condução (nessa sequência foi consultado a plataforma eletrónica que sinalizou que a sua carta estava apreendida). De seguida, determinaram que fosse submetido a teste de ar expirado, tendo o teste qualitativo resultado positivo. Pelo que o arguido referiu que tinha ingerido vinho. Mais referiram que não tinham dúvidas que viram o arguido a conduzir veículo (tendo-o identificado pela exibição dos documentos). Explicações que mereceram credibilidade por verosímeis (daí se ter dado como provado, conjugadamente com a prova documental supra identificada, os factos 1 a 4 e 7 a 8).

Nas regras da experiência comum, projetadas no contexto fáctico-probatório apurado alicerçada na vivência do arguido, quais permitem inferir a prova do elemento subjetivo, sendo certo que o mesmo já havia sido condenado por mais vezes pela prática crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo que tinha consciência que a sua conduta era proibida e punida por lei (facto 5). Igualmente se trata de uma presunção natural que a intenção subjetiva do agente que desrespeita uma ordem que recebeu de uma autoridade judicial e a entendeu perfeitamente. Na verdade, quem dirige um veículo em via pública e sendo certo que foi notificado pessoalmente que durante 5 meses não poderia conduzir qualquer veículo motorizado, não entregando voluntariamente a carta de condução, o que determinou a sua apreensão, data a partir da qual ficou consciente que não poderia conduzir por 5 meses, sabe que está a praticar um crime e tem vontade de praticar tal facto. Aliás, oura não poderia ser outra conclusão dado que na sentença consta tal advertência.

Na verdade, a consciência do arguido de que sabia e queria praticar o crime resulta do facto de que a pessoa condenada em proibição de conduzir que e cuja carta foi apreendida pela GNR, está informada de tal condenação (facto 6).»


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Cumpre conhecer

B.2 – A questão reconduz-se a apurar, unicamente, se a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que determinou no ponto 5.vi. do dispositivo que a suspensão da pena imposta ao arguido à regra de conduta imposta nos termos dos artigos 50º, n.º 2 e 3 e art 52º, n.º 1, al. b) e c), e nº 3 ambos do Código Penal, de “Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados)”.

Convém recordar, sintetizando, que o arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previstos e punidos pelo artigo 353.º do Código Penal, e de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita a regime de prova. Acresce a proibição de condução por sete meses.

No regime de prova as regras de conduta impostas foram:

i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;

ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS.

iii. Realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP, devendo ser trabalhadas as suas competências pessoais de modo a eliminar o sentimento de desresponsabilização do seu comportamento (quanto ao consumo de bebidas alcoólicas) e ablação de crenças associadas ao consumo/dependência de álcool, que legitimam a desresponsabilização dos comportamentos bem como trabalhando as suas competências pessoais de modo a perceber que o consumo de álcool em excesso é nefasto.

iv. Providenciar, juntamente com a equipa técnica e com a família, pelo apoio domiciliar junto de instituições locais ou de apoio familiar a fim de colmatar a ausência de cuidados básicos.

v. Frequentar o CRI (Equipa de Tratamento de Abrantes, telefone (…..), Rua da Barca 95, 2200-386 Abrantes) por forma a despistar e avaliar das necessidades de acompanhamento na área da alcoologia e, se necessário for, submeter-se o arguido a tratamento médico da aludida adição ou a cura em instituição, devendo a DGRSP obter o consentimento do arguido à sujeição a eventual tratamento.

vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

vii. Não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação.

viii. Frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.

ix. Efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.

O arguido foi já condenado por sentença de 08.02.2010 e transitada em 10.03.2010, por factos reportados a 08.02.2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, as quais foram declaradas extintas por cumprimento.

Foi ainda condenado por sentença de 18.01.2023 e transitada em 20.02.2023, por factos reportados a 11.12.2022, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 85 dias de multa à taxa diária de 23,70 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

O objecto do recurso limita-se à eventual revogação da cláusula 5.vi da decisão recorrida já que a Digna magistrada recorrente formula o claro pedido de “ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a regra de conduta de Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

Numa primeira abordagem – de facto – a proibição de frequentar cafés aparenta atentar contra a própria cidadania europeia, pela generalidade da proibição e pelos locais de proibição.

A crer na literatura – e nós cremos – a frequência de cafés faz parte da cultura europeia, quer na vertente de simples acto social, quer na vertente mais profunda de acto cultural e, até, de oposição política na manifestação de liberdade de expressão nesse ambiente dificilmente controlável por forças de vigilância e controlo.

Já afirmava George Steiner – em texto conhecido – que “A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa, frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa.” – George Steiner, in “A ideia de Europa”, Lisboa, Gradiva, 2005, pag. 26.

Mas o caso concreto retira-nos dessa abrangência social, cultural e política em que assenta a cultura europeia e reconduz-nos à compulsão individual de quem, com funções militares passadas de relevo, não aparenta ter objectivos pessoais e sociais que o retirem do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e quem não vê nesse consumo algo de criticável ou, sequer, a merecer menção de relevo.

E, é sabido, abandonar o consumo excessivo de qualquer substância, tem por base, essencialmente, um acto de vontade e de adesão a um plano de abandono do consumo que o arguido claramente não tem. Aliás, toda a sua postura - e todos os relatórios sociais e médicos constantes dos autos - assentam no desprezar desse consumo como algo de insignificante e sem reflexos sociais, designadamente no acto de conduzir.

Logo, é de pôr em dúvida a exequibilidade, o sucesso, de qualquer plano de abandono de consumos alcoólicos onde a vontade de abandono não existe.

Mas é claro que mesmo sem adesão pessoal ao abandono de consumos a defesa da sociedade se deve impor, mormente através de um plano essencialmente proibitivo - a opção do tribunal recorrido - que não pode ser posta em causa face ao que os autos revelam, mas a proibição aqui posta em causa – “proibição de frequentar cafés” que procedam à venda de bebidas alcoólicas – deve ser restringida às características do caso concreto, que revelam um perigo de consumos no ou nos cafés da freguesia de residência do arguido.

Ora, é certo que o tribunal recorrido apurou alguns factos relativos à vivência diária do arguido e, inclusive no facto 18, que é “associado a consumos diários de bebidas alcoólicas” e que (facto 20) “Refere que ocupa o tempo livre em casa ou em cafés”, mas deixou por apurar de que forma e onde o faz, o que se revela facto essencial não apurado que é determinante para a decisão do recurso, tal como configurado nas conclusões e no pedido. No essencial há uma “insuficiência factual” que pode ser ultrapassada por este tribunal com os elementos constantes dos autos.

O arguido é claro na afirmação de que o seu consumo de álcool se restringe ao café da localidade de Mouriscas, para onde se dirige a pé numa distância de 2 km.

Respinga-se do Relatório de Perícia Médico-Legal de Psicologia a fls. 147-154 dos autos a fls. 151: «Atualmente, esporadicamente, bebo whisky, é a minha bebida de eleição, mas bebo menos, não tenho álcool em casa, só bebo no café. O café é a 2 quilómetros, vou a pé, não tenho álcool em casa, só bebo no café. O café é a 2 quilómetros, vou a pé ou de boleia, há pouca gente, não vou todos os dias».

Descontando alguma efabulação previsível – o ir sempre a pé e o beber pouco – é aceitável que o tipo de vivência do arguido se centre no local onde reside, como se induz dos factos provados sob 17) a 20).

E deverá ser essa, portanto, a proibição a impor, a proibição de frequência de cafés na freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes, evitando-se, assim, uma proibição genérica sem limites.

Porque a opção sempre será – face ao objecto do recurso – uma proibição genérica e absoluta, com a consequente improcedência do recurso, ou uma proibição relativa e geográfica, com a procedência parcial do recurso.

Consequentemente optamos pela procedência parcial do recurso interposto, com a restrição geográfica indicada, evitando uma proibição total sem fundamento factual.

C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso, ficando a cláusula 5-vi do dispositivo com a seguinte redação: «vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados) na freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes».

Sem tributação.

Notifique.

Évora, 05 de março de 2024

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa (Relator)

Fátima Bernardes (2ª Adjunta)

Filipa Costa Lourenço (1ª Adjunta, com voto de vencida e declaração)


*

Voto vencida a decisão supra pela seguinte ordem de razões e fundamentos:

Nos presentes autos de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, adianto desde já que julgaria provido na integra o recurso interposto pelo Ministério Público na 1ª instância, discordando da decisão tomada nestes autos e que é: em conceder provimento parcial ao recurso, ficando a cláusula 5-vi do dispositivo com a seguinte redação: «vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados) na freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes».

Cotejando os autos vejamos:

Tal convicção emana singelamente dos seguintes predicados, os quais estão bem visíveis na decisão supra, os quais no meu entendimento violam de alguma forma o princípio da proporcionalidade e da adequação.

O arguido foi condenado nos seguintes termos:

-1. Como autor material e na forma consumada, na prática, de UM crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previstos e punidos pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 3 (TRÊS) MESES de prisão.

2. Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (TRÊS) MESES DE PRISÃO.

3. Proceder ao cúmulo jurídico das penas referidas em 1, nos termos do artº 77º do CP e condenar o arguido (A) na pena única de 4 (QUATRO) MESES e 15 (QUINZE) DIAS DE PRISÃO.

4. Suspender a pena única de prisão mencionada em 3 por UM ANO, sujeita a regime de prova, com medidas a desenhar pela DGRSP, durante o período da suspensão – cfr. art. 50º, nº 5, 53º e 54.º do Código Penal;

5. Submeter a suspensão da execução da pena de prisão do arguido, nos termos dos artigos 50º, n.º 2 e 3 e art 52º, n.º 1, al. b) e c), e nº 3 ambos do Código Penal nas seguintes REGRAS DE CONDUTA:

i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;

ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS.

iii. Realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP, devendo ser trabalhadas as suas competências pessoais de modo a eliminar o sentimento de desresponsabilização do seu comportamento (quanto ao consumo de bebidas alcoólicas) e ablação de crenças associadas ao consumo/dependência de álcool, que legitimam a desresponsabilização dos comportamentos bem como trabalhando as suas competências pessoais de modo a perceber que o consumo de álcool em excesso é nefasto.

iv. Providenciar, juntamente com a equipa técnica e com a família, pelo apoio domiciliar junto de instituições locais ou de apoio familiar a fim de colmatar a ausência de cuidados básicos.

v. Frequentar o CRI (Equipa de Tratamento de Abrantes, telefone (…..), Rua da Barca 95, 2200-386 Abrantes) por forma a despistar e avaliar das necessidades de acompanhamento na área da alcoologia e, se necessário for submeter-se o arguido a tratamento médico da aludida adição ou a cura em instituição, devendo a DGRSP obter o consentimento do arguido à sujeição a eventual tratamento.

vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

vii. Não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação.

viii. Frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.

ix. Efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.

- O recurso interposto pelo MºPº está circunscrito ao ponto 5 vi.

E constitui uma regra de conduta.

5. Submeter a suspensão da execução da pena de prisão do arguido, nos termos dos artigos 50º, n.º 2 e 3 e art 52º, n.º 1, al. b) e c), e nº 3 ambos do Código Penal nas seguintes REGRAS DE CONDUTA:

vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

Esta regra de conduta ( objecto do recurso interposto pelo MºPº) em si mais não é do que uma proibição de o arguido frequentar qualquer estabelecimento que proceda à venda de bebidas alcoólicas cafés, bares e dizemos nós restaurantes também, uma vez que só se autoriza o arguido a ir ao supermercado ou ao hipermercado, sendo certo que ai também se vende bebidas alcoólicas...

Adoptando uma visão simplista dizemos até que esta regra de conduta se encontra consumida pelo ponto ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS.

Ou seja o desiderato destas regras de conduta é indubitavelmente de proibir o arguido de ingerir bebidas alcoólicas ( que está na verdade no ponto ii.).

Mas o ponto 5.VI efectivamente extrapola de forma incomum tal proibição, pois até o proíbe por exemplo e numa visão minimalista de ir almoçar ou jantar fora, de ir tomar um café e até de conviver com outras pessoas proibindo-o de interacções interpessoais na zona da sua residência ficando bem perto de o confinar à sua residência e de reduzir as suas interações sociais no meio da comunidade onde reside.

A decisão da qual se discorda alterou o ponto 5.vi, apertando o nó górdio do arguido ao confiná-lo na freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes, local da sua residência ( a qual de acordo com o censo de 2021 tem 1480 habitantes) a qual continua a apelar a um ostracismo social inaceitável de um individuo no local onde reside, quando anacronicamente o mesmo já pode ir a supermercados e hipermercados onde se vendem bebidas alcoólicas, certamente para acautelar que o mesmo possa comprar alimentos ( até se estranhando como é que não se lembraram de o proibir de fazer compras on line ...) como pode também facilmente dar um saltinho às freguesias vizinhas e ai agora sem restrições frequentar cafés, bares e restaurantes os quais vendem bebidas alcoólicas……. E mais quando ali se diz que este centra a sua vida na freguesia a onde reside pelo que proibir a frequência do arguido em cafés e bares ( mas estando cientes da sua problemática) exorbita e muitíssimo como também atenta a uma inusitada limitação de direitos fundamentais do arguido.

A proibição de não ingerir bebidas alcoólicas no ponto 5vi, já de si é tão abrangente que indubitavelmente consome todas as outras regras de condutas aliadas a tal temática, tenho dito…

- ou seja o arguido está proibido de beber bebidas alcoólicas até na sua própria casa ( em rigor em qualquer sitio…) e de as deter até no seu interior.

As regras de condutas no geral e em particular a agora em observação por via do recurso interposto são completamente desproporcionadas e draconianas.

Se o arguido alegadamente tem um problema de adição de consumo de bebidas alcoólicas, tal “ status quo”, deverá ser tratado com medidas pedagógicas e médicas e com o consentimento do arguido em virtude de todos conhecermos a implicação do alcoolismo que como por todos é consabido não tem cura estando sempre latente e sujeito a recaídas.

Com estas condicionantes superlativas concordamos na integra com o objectivo do recurso interposto pelo Ministério Público que faz todo o sentido “ in casu” e quando ali se refere e cita-se ( sublinhados e negritos nossos):

“ (…) Salvo melhor opinião e o devido respeito, afigura-se que tal regra de conduta condicionante da decretada suspensão da execução da pena de prisão é desproporcional/desrazoável.

Como ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 2005, p. 349 e 351, as regras de conduta ligam-se “ao cerne socializador da pena de suspensão de execução da prisão” (Figueiredo Dias, loc. cit. p. 349), socialização que, no entanto, não deve ser alcançável a qualquer preço, devendo ser “de negar a legitimidade da imposição de deveres que representem uma limitação de direitos fundamentais de qualquer espécie”.

Tendo presente os princípios constitucionais da legalidade (da pena), por um lado, e da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso, pelo outro, que regem todo o processo de decisão sobre as consequências do crime (artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, 1 a 3 da Constituição da República Portuguesa), afigura-se que se encontra por demonstrar a necessidade do robustecimento da suspensão com a mencionada a regra de conduta prevista em vi).

Este reforço suscita alguma perplexidade, à luz do princípio da legalidade, da necessidade, adequação e proporcionalidade, uma vez que, salvo melhor opinião, invadem de forma desproporcionada/desrazoável a liberdade do Arguido, enquanto titular de direitos, não deixou de ter, atenta as demais regras de condutas fixadas [cfr. cit. alíneas i) a v), e vii) a ix], as quais se afiguram já suficientes para fazer às necessidades de ressocialização que o caso invoca, em face da personalidade do arguido.

Assim, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, fixando como fixou tais regra de conduta, violou o disposto dos artigos 50.º, n.º4, e 51.º, n.º2, aplicável ex vi do artigo 52.º, n.º4, todos do Código Penal, e disposto dos artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, n.ºs 1 a 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Dado o exposto e o sempre esperado douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a regra de conduta de Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados)….(…) fim de citação.

Anota-se aqui que a decisão da qual discordo não se debruça nem analisa sobre a violação ou não das normas invocadas pelo ministério público no recurso que apresentou ou seja a violação do disposto dos artigos 50.º, n.º4, e 51.º, n.º2, aplicável ex vi do artigo 52.º, n.º4, todos do Código Penal, e disposto dos artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, n.ºs 1 a 3, ambos da Constituição da República Portuguesa, e que a decisão proferida , e com todo o merecido respeito, acaba por ser redutora e encerra em si fundamentos contraditórios e difíceis de justificar, salvo naturalmente melhor e mais avisada opinião.

Ora o poder Judicial não pode impor toda a sorte de restrições às liberdades individuais e as regras de conduta aplicáveis por via das condições impostas à suspensão de uma pena de prisão, pois estas devem respeitar a autonomia individual ao mesmo tempo que incentivam comportamentos socialmente indesejáveis enfatizando condutas que não tolhem desproporcionalmente a liberdade de escolha e movimentos dos cidadãos, e mais também aqui se deverá ter em conta o principio da igualdade artº 13 nº 1 / 2 da CRP, muitas vezes esquecido por ser visto maioritariamente na ótica do nº 2 e esquecendo-nos da primeira parte do nº 1 dessa norma que estipula que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e…. assim” O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º.” ( vide J. Canotilho e Vital Moreira Constituição da república Portuguesa anotada, vol. 1, Coimbra, 2007, p.339).

(…) Que “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.)

Assim face ao atrás exposto decidiria julgando totalmente provido o recurso interposto pelo MºPº, uma vez que a regra de conduta em causa embora tendo sido “reduzida” para uma área geográfica menor continua a ser excessiva e desproporcional onerando o arguido de forma absolutamente inadmissível e sendo inócua pois o arguido já lhe foi imposto no ponto 5 ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS, e esta regra de conduta é tão abrangente que desmunicia as demais no tocante ao consumo de álcool e especialmente a regra de conduta contida no nº 5 VI, objecto único do recurso, o que declara.

Filipa Costa Lourenço