Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2597/23.8T8ENT.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Nos termos do artigo 17.º, nºs 1, 2, 3 e 4, do DL n.º 227/2012, de 25-10, é de distinguir as situações objetivas de extinção do PERSI das situações de extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito, porém, ambas as situações, com exceção da situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º, só produzem efeitos após a comunicação dessa extinção aos devedores, sendo que dessa comunicação tem de constar o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais a instituição de crédito considera inviável a manutenção do PERSI.
II – É, assim, de concluir que mesmo nas situações em que a extinção do PERSI opera por força da lei, o mesmo é totalmente ineficaz enquanto tal extinção não for comunicada aos devedores e não o for nos termos especificamente previstos na lei.
III – Em face do disposto no artigo 8.º do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a informação obrigatória imposta às instituições de crédito para comunicarem a extinção do PERSI tem de ser prestada aos devedores em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis.
IV – Não cumpre as exigências de descrição dos factos que determinam a extinção em concreto do PERSI, nem as exigências de clareza, rigor e legibilidade da indicação da norma legal, a missiva de comunicação de extinção do PERSI onde, na parte personalizada, apenas faz menção a que o PERSI foi extinto por “Expiração” e na restante parte apenas se limita a transcrever o teor dos motivos de extinção constantes do artigo 17.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alíneas c), f) e g), do DL n.º 227/2012, de 25-10, sem indicar qual o motivo legal de extinção daquele concreto PERSI.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2597/23.8T8ENT.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
Em 11-08-2023 foi instaurada a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, pela exequente “(…) – STC, SA” contra os executados (…) e (…), oferecendo-se como título executivo um contrato denominado de “Créd. Individual (…)”, celebrado em 05-03-2010, entre a Caixa Económica Montepio Geral e os executados, segundo o qual aquela concedeu a estes a quantia de € 20.225,35, devendo estes proceder ao pagamento com juros dessa quantia àquela entidade, sendo que, desde 09-01-2012, os executados deixaram de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos, ficando, nessa data, em dívida o montante de € 16.907,02.
Foi ainda alegado, nesse requerimento executivo, que esse crédito foi cedido pela Caixa Económica Montepio Geral à sociedade “(…) Partners III, S.A.R.L.” que, posteriormente, o veio a ceder à exequente, encontrando-se o valor atual do crédito em € 24.721,82.
Por despacho judicial de 05-09-2023 foi notificada a exequente para esclarecer se tinha dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento,[2] estipulado pelo DL n.º 227/2012, de 25-010, por se tratar de uma condição objetiva de procedibilidade da execução, cujo conhecimento é oficioso.
Em resposta a exequente veio juntar quatro missivas que enviou aos executados relativas à integração e extinção do PERSI.
Consta da primeira missiva, no que releva para estes autos, que está datada de 17-02-2013, e se mostra dirigida à executada (…):
(…)
No decorrer do acompanhamento permanente efetuado pelo Montepio, e dando seguimento ao Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, informamos que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato abaixo identificado, foi integrado no Processo Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI):
(…)
Data de integração no PERSI: 17-02-2013
O PERSI visa promover a negociação entre as instituições de crédito e os clientes bancários de soluções extrajudiciais para as situações de incumprimento.
Deste modo, vimos manifestar a nossa total disponibilidade para encontrar, em conjunto consigo, a solução adequada para o incumprimento registado, bem como para outros que se venham a verificar, pelo que se solicita a entrega, no seu Balcão, da seguinte documentação:
- Última Declaração de IRS e respetiva Nota de Liquidação
- Últimos 3 recibos de vencimento
- Declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (em caso de desemprego)
- Certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e Caderneta Predial dos imóveis que garantem o financiamento.
No verso enviamos informação adicional, em conformidade com o estabelecido pelo Aviso 17/2012 do Banco de Portugal.
Para informações ou esclarecimentos adicionais, estamos à sua disposição no Balcão Montepio:
(…) através do número (…).
(…).
Consta da segunda missiva, no que releva para estes autos, que está datada de 17-02-2013, e se mostra dirigida ao executado (…):
(…)
No decorrer do acompanhamento permanente efetuado pelo Montepio, e dando seguimento ao Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, informamos que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato abaixo identificado, foi integrado no Processo Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI):
(…)
Data de integração no PERSI: 17-02-2013
O PERSI visa promover a negociação entre as instituições de crédito e os clientes bancários de soluções extrajudiciais para as situações de incumprimento.
Deste modo, vimos manifestar a nossa total disponibilidade para encontrar, em conjunto consigo, a solução adequada para o incumprimento registado, bem como para outros que se venham a verificar, pelo que se solicita a entrega, no seu Balcão, da seguinte documentação:
- Última Declaração de IRS e respetiva Nota de Liquidação
- Últimos 3 recibos de vencimento
- Declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (em caso de desemprego)
- Certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e Caderneta Predial dos imóveis que garantem o financiamento.
No verso enviamos informação adicional, em conformidade com o estabelecido pelo Aviso 17/2012 do Banco de Portugal.
Para informações ou esclarecimentos adicionais, estamos à sua disposição no Balcão Montepio:
(…) através do número (…).
(…).
Consta da terceira missiva, no que releva para estes autos, que está datada de 20-05-2013, e se mostra dirigida à executada (…):
(…)
Em conformidade com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos que em virtude de EXPIRAÇÃO foi extinto o seu enquadramento no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
Deste modo, a Caixa Económica Montepio Geral, poderá exercer o direito de resolver o(s) contrato(s) celebrado(s), recorrendo à via judicial para recebimento dos montantes em dívida.
Caso tenha sido enquadrado, no âmbito do PERSI, um crédito com garantia hipotecária informamos que o mesmo, no que respeita à resolução e ao direito à retoma do contrato, passa a ser regulamentado pelo Decreto-lei 349/98, de 11 de novembro, na relação (sic) da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, que cria salvaguardas para os mutuários de crédito à habitação.
Informamos ainda, que caso esteja abrangido pela Lei 58/2012, de 9 de novembro, relativa ao Regime Extraordinário de Proteção de Devedores de Crédito à Habitação em Situação Económica Muito Difícil, poderá recorrer às medidas substitutivas da execução hipotecária. (…)
Sempre que o PERSI tenha tido origem num contrato destinado à habitação, e que o cliente intervenha ainda como mutuário em contrato(s) de crédito celebrado(s) com a instituição, poderá recorrer, no prazo de cinco dias a contar desta comunicação, à intervenção de um Mediador de Crédito, de forma a manter as garantias associadas ao PERSI. Para tal, é necessário que, cumulativamente a estes requisitos, se verifique a extinção com um dos seguintes fundamentos:
- Ter sido atingido o 91º dia subsequente à data de enquadramento no PERSI;
- Ter sido apurada pelo Montepio, a incapacidade financeira para o pagamento;
- O cliente recusa proposta apresentada pelo Montepio;
- O Montepio recuse alterações sugeridas pelo cliente a proposta anterior.
(…)
Para informações ou esclarecimentos adicionais, estamos à sua disposição no Banco Montepio:
(…).
Consta da quarta missiva, no que releva para estes autos, que está datada de 20-05-2013, e se mostra dirigida ao executado (…):
(…)
Em conformidade com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos que em virtude de EXPIRAÇÃO foi extinto o seu enquadramento no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Deste modo, a Caixa Económica Montepio Geral, poderá exercer o direito de resolver o(s) contrato(s) celebrado(s), recorrendo à via judicial para recebimento dos montantes em dívida.
Caso tenha sido enquadrado, no âmbito do PERSI, um crédito com garantia hipotecária informamos que o mesmo, no que respeita à resolução e ao direito à retoma do contrato, passa a ser regulamentado pelo Decreto-lei 349/98, de 11 de novembro, na relação (sic) da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, que cria salvaguardas para os mutuários de crédito à habitação.
Informamos ainda, que caso esteja abrangido pela Lei 58/2012, de 9 de novembro, relativa ao Regime Extraordinário de Proteção de Devedores de Crédito à Habitação em Situação Económica Muito Difícil, poderá recorrer às medidas substitutivas da execução hipotecária. (…)
Sempre que o PERSI tenha tido origem num contrato destinado à habitação, e que o cliente intervenha ainda como mutuário em contrato(s) de crédito celebrado(s) com a instituição, poderá recorrer, no prazo de cinco dias a contar desta comunicação, à intervenção de um Mediador de Crédito, de forma a manter as garantias associadas ao PERSI. Para tal, é necessário que, cumulativamente a estes requisitos, se verifique a extinção com um dos seguintes fundamentos:
- Ter sido atingido o 91º dia subsequente à data de enquadramento no PERSI;
- Ter sido apurada pelo Montepio, a incapacidade financeira para o pagamento;
- O cliente recusa proposta apresentada pelo Montepio;
- O Montepio recuse alterações sugeridas pelo cliente a proposta anterior.
(…)
Para informações ou esclarecimentos adicionais, estamos à sua disposição no Banco Montepio:
(…).
Por despacho judicial de 16-10-2023, foi notificada a exequente para, em 10 dias, exercer o contraditório relativamente ao eventual entendimento do tribunal segundo o qual “as cartas de comunicação de extinção do PERSI datadas de 20-05-2013 não são susceptíveis de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicarem o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento”.
Em resposta, a exequente veio mencionar que nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25-10, a extinção do PERSI dá-se com o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do cliente bancário no âmbito do referido procedimento, nada mais sendo exigido para que a extinção deste procedimento ocorra, pelo que a carta de comunicação de extinção do PERSI, junta aos presentes autos de execução, é suscetível de traduzir o cumprimento do disposto no artigo 17.º, nºs. 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10.
Em 20-11-2023 o tribunal da 1.ª instância proferiu decisão final, com o seguinte teor decisório:
Na defluência de todo o conspecto fáctico jurídico vindo de enunciar, decido julgar oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente “(…) – STC, SA”, da demonstração, ainda que perfunctória, do válido cumprimento da obrigação de comunicação aos executados (…) e (…) da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, indeferir liminarmente o requerimento executivo – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.º 1, 578.º, e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil.
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Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 296.º, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 304.º, n.º 1, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, fixo o valor da causa em € 24.721,82 (vinte e quatro mil, setecentos e vinte e um euros e oitenta e dois cêntimos).
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Custas integralmente a cargo da exequente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, também do Código de Processo Civil).
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Registe e notifique, incluindo o Sr. Agente de Execução.
Inconformado, veio a exequente “(…) – STC, SA” recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
A. Julgou o Tribunal a quo verificada a exceção dilatória inominada de não integração dos executados no âmbito do PERSI prevista no artigo 18.º, n.º 1, da alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
B. Notificada para vir juntar aos autos prova das comunicações impostas no que concerne ao regime do PERSI veio a aqui Recorrente, por requerimento datado de 17 de setembro de 2023, juntar as respetivas missivas endereçadas aos aqui executados.
C. Com efeito, no entendimento do Tribunal a quo a missiva enviada aos executados referente à extinção no âmbito do procedimento do PERSI, teria que ser comunicada e fundamentada.
D. Conforme é definido com efeito, e de acordo com o previsto no Artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do Decreto Lei supra identificado, o PERSI extingue-se ‘‘No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação’’.
E. A este propósito leia-se o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 26 de Maio de 2022, Relator: Mário Coelho, proferido no âmbito do Processo n.º 18/22.2T8ENT.E1: ‘‘Ademais, interpretando o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respectivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do DL n.º 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito’’.
F. Ora, no caso vertente, e como se deixou supra exposto, foi a aqui Recorrente notificada que vir informar os autos de que forma foi dado cumprimento ao disposto no Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, juntando para esse efeito as cartas remetidas para as moradas dos executados constantes nos contratos, tendo procedido em conformidade com o requerido.
G. Não tendo havido, da parte dos executados, qualquer tentativa de resolução do referido incumprimento, tendo o exequente procedido à extinção do PERSI, comunicando-o, no mesmo sentido, aos Mutuários através de carta.
H. Não pode então a Recorrente concordar com o Tribunal a quo quando o mesmo julga verificada a exceção dilatória inominada do PERSI uma vez que a aqui Recorrente fez prova da inclusão e extinção dos executados no âmbito do referido procedimento juntando, para isso, as respetivas cartas.
I. A este propósito veja-se o Ac. desta Relação datado de 15-04-2021, proferido no âmbito do processo n.º 992/19.6T8PTG-A.E1, Relator: Conceição Ferreira, que se pronunciou sobre a aplicabilidade do diploma legal que regulamenta o PERSI: ‘‘O PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento, sendo apenas aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo.’’
J. Conclui-se que mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a decisão de extinção dos presentes autos, julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de integração do PERSI.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, PROSSEGUINDO A AÇÃO OS SEUS TRÂMITES NORMAIS, FAZENDO-SE A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos, foram os autos aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) Se se verifica a exceção dilatória inominada prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25-10.
III – Matéria de Facto
É de atender como matéria factual ao relatório que antecede.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é a questão acima enunciada.
1 – Se se verifica a exceção dilatória inominada prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25-10
No entender da Apelante, uma vez que, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 227/2012, de 25-10, o PERSI extingue-se no “91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação”, o simples decurso do prazo dos 91 dias é causa suficiente para a extinção do PERSI.
Dispõe o artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25-10, que:
1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;
b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;
f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou
g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.

Estipula, por sua vez, o artigo 18.º, n.º 1, do citado DL, que:
1 - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.

Por fim, em cumprimento do estatuído no n.º 5 do artigo 17.º do citado Decreto-Lei, o Banco de Portugal publicou o Aviso n.º 17/2012,[3] [4] o qual, no seu artigo 8.º, estabeleceu os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação de extinção do PERSI.
Consagra, então, tal artigo 8.º o seguinte:
A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos;
c) Quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação, informação acerca do regime constante do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, na redação da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, relativamente à resolução e ao direito à retoma do contrato de crédito;
d) No caso de o cliente bancário estar abrangido pelo regime extraordinário de regularização do incumprimento de contratos de crédito à habitação, referência, quando tal decorra do referido diploma legal, ao direito do cliente bancário à aplicação de medidas substitutivas, bem como aos termos em que poderá solicitar a sua aplicação;
e) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;
f) Indicação dos elementos de contacto da instituição de crédito através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento.

Apreciemos.
Estando em causa nos presentes autos um contrato denominado de “Créd. Individual (…)”, no montante de € 20.225,35, celebrado em 05-03-2010, entre a Caixa Económica Montepio Geral e os executados, é obrigatória a inclusão dos executados no PERSI, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 227/2012, de 25-10,[5] o que, aliás, a exequente não questionou, tendo, inclusive, apresentado nos autos as diversas comunicações que foram enviadas aos executados para concretização desse PERSI.
A divergência surge relativamente à circunstância de tais missivas preencherem, ou não, os requisitos impostos pelo DL n.º 227/2012, de 25-10, concretamente, quanto à missiva, enviada pela exequente aos executados, a comunicar a estes a extinção do PERSI, ou seja, quanto aos requisitos previstos no citado artigo 17.º e no artigo 8.º do Aviso n.º 17/2012, do Banco de Portugal.
Esta questão é de especial relevância, visto que, perante o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do DL n.º 227/2012, de 25-10, o não cumprimento de tais requisitos, por os mesmos configurarem uma condição objetiva de procedibilidade da presente ação executiva, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, por verificação de uma exceção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 576.º, nºs 1 e 2, 578.º e 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.[6]
Perante os artigos citados, é de distinguir as situações objetivas de extinção do PERSI (n.º 1 do artigo 17.º) das situações de extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito (n.º 2 do artigo 17.º); porém, ambas as situações, com exceção da situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º, só produzem efeitos após a comunicação dessa extinção aos devedores (n.º 4 do artigo 17.º), sendo que dessa comunicação tem de constar o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais a instituição de crédito considera inviável a manutenção do PERSI (n.º 3 do artigo 17.º). Atente-se que da mesma forma que a alínea b) do n.º 1 foi excecionada dessa obrigatoriedade de comunicação da extinção do PERSI, por parte da instituição de crédito, se fosse intenção do legislador introduzir outras exceções, designadamente quanto aos elementos necessários a constar da comunicação de extinção, bastar-lhe-ia ter feito constá-las da letra da lei. Essa é a conclusão a retirar não só da letra da lei como da sua inserção sistemática. Acresce que resulta igualmente do artigo 8.º do Aviso n.º 17/2012, do Banco de Portugal, relativo aos elementos essenciais a constar da comunicação da extinção do PERSI, que tal comunicação deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, determinadas informações, concretamente, e para o caso que ora nos interessa, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal (alínea a) do artigo 8.º). Portanto, quer nas situações objetivas de extinção do PERSI quer nas situações de extinção do PERSI por iniciativa da instituição bancária, a carta a comunicar aos devedores tal extinção tem de ser clara, rigorosa e facilmente legível, fazendo nela constar a descrição dos factos que determinam tal extinção, resultem eles de situações objetivas ou subjetivas, bem como a indicação do respetivo fundamento legal.
Esta obrigatoriedade é a tradução legislativa da intenção do legislador de impor às instituições de crédito determinadas obrigações, conforme, aliás, consta do preâmbulo do DL n.º 227/2012, de 25-10, e que se cita:
A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades[7] em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
(…)
Salienta-se, no entanto, que, atentas as assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito, a eficaz implementação das medidas previstas neste diploma depende da criação de uma rede que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito.

É, assim, de concluir que mesmo nas situações em que a extinção do PERSI opera por força da lei (as situações previstas no n.º 1 do artigo 17.º), o mesmo é totalmente ineficaz enquanto tal extinção não for comunicada aos devedores e não o for nos termos especificamente previstos na lei.
Posto isto, vejamos a situação concreta.
Ora, basta atentar ao teor das duas missivas datadas de 20-05-2013 para facilmente se constatar que a exigência de que a comunicação de extinção do PERSI deve conter a informação obrigatória (ou seja, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI e a indicação do respetivo fundamento legal) em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, não se mostra cumprida.
Na realidade, da parte personalizada dessas missivas apenas consta que o PERSI foi extinto por “Expiração”, nada mais constando, designadamente em que factos se traduziu tal expiração, bem como qual o fundamento legal dessa expiração, visto que apenas é feita menção geral ao DL n.º 227/2012, de 25-10, sem indicação, porém, de qualquer artigo, número e/ou alínea. Ora, tal informação não é clara e muito menos rigorosa e facilmente legível, não traduzindo, por isso, uma atuação correta e transparente de respetiva instituição bancária.
Posteriormente, segue-se a descrição de vários motivos legais (e não de factos) para extinção do PERSI, reportando-se à mera descrição do artigo 17.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alíneas c), f) e g), ou seja, à descrição quer de motivos objetivos de extinção do PERSI quer de motivos de iniciativa da instituição de crédito para a extinção do PERSI, não havendo, porém, nem aí, qualquer indicação concreta de qual tenha sido o motivo legal de extinção daquele concreto PERSI.
Assim, não só em parte alguma são descritos os factos que determinaram a extinção em concreto daquele PERSI, como a indicação da norma legal, apesar de se mostrar transcrita, por se encontrar misturada com várias outras transcrições de indicações legais, não cumpre a exigência legal da clareza, rigor e legibilidade de tal informação. Deste modo, as missivas a comunicar aos devedores a extinção do PERSI não se mostram elaboradas nos termos da lei.
Pelo exposto, apenas nos resta confirmar a bem fundamentada decisão proferida pela 1.ª instância, mantendo-se o indeferimento liminar do requerimento executivo por verificação da exceção dilatória inominada insanável relativa ao incumprimento da condição objetiva de procedibilidade da presente ação executiva, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25-10.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante/exequente (artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 20 de fevereiro de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Anabela Luna de Carvalho
Vítor Sequinho dos Santos
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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Anabela Luna de Carvalho; 2.º Adjunto: Vítor Sequinho dos Santos.
[2] Doravante PERSI.
[3] Publicado na 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012, com entrada em vigor em 01-01-2013.
[4] O Aviso n.º 17/2012 veio a ser revogado pelo Aviso n.º 7/2021, publicado na 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012, que entrou em vigor em 01-01-2022.
[5] O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), dispõe «1 – O disposto no presente decreto-lei aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: (…) c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual». Por sua vez, é de aplicar aos presentes autos o disposto nos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º, n.º 1, alínea c), a contrario, do DL n.º 133/2009, de 02-06.
[6] Entre muitos, citam-se os acórdãos desta relação proferidos em 24-11-2022 no âmbito do processo n.º 277/22.0T8ELV.E1; em 23-11-2023 no âmbito do processo n.º 913/23.1T8ENT.E1; em 07-04-2022 no âmbito do processo n.º 451/21.7T8ENT.E1; e em 12-07-2023 no âmbito do processo n.º 2723/22.5T8ENT.E1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[7] Entenda-se, entidades bancárias.