Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4902/15.1T8ENT-A.E2
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: AVALISTA
OBRIGAÇÃO CARTULAR
OBRIGAÇÃO SUBJACENTE
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O dador do aval presta uma garantia à obrigação cartular e não à obrigação subjacente.
II – Depois de citado o executado, a instância executiva deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
III – Instaurada a execução contra o avalista e indeferido o seu prosseguimento por falta da livrança, não é admissível a prossecução da execução com base na obrigação subjacente (contrato de concessão de crédito), por representar uma alteração da causa de pedir, depois de citado o executado (avalista) para a execução, fora dos casos em que a lei a admite.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4902/15.1T8ENT-A.E2


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e executados (…) e (…), veio este último deduzir oposição à penhora.
Argumentou, em resumo, que a penhora do imóvel que constitui a sua casa de habitação é inadmissível, por desproporcionada, que a penhora deve iniciar-se por bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo e que a penhora é ilegítima por inobservância do princípio do benefício da excussão prévia que lhe é conferido enquanto avalista da obrigação exequenda.
Concluiu pela procedência da oposição com as necessárias consequências legais e processuais.
Respondeu a Exequente por forma a defender que, para além do imóvel penhorado, os executados não possuem outros bens, razão pela qual a penhora nem é desproporcionada, nem se coloca a questão do benefício da execução prévia de outros (inexistentes) bens.
Em requerimento posterior à fase dos articulados o Executado requereu a absolvição da instância com fundamento na inexistência do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

2. Houve lugar a audiência prévia e, em seguida, foi proferida sentença em cujo dispositivo, designadamente, se consignou:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
- julgar improcedente a exceção de falta de PERSI;
- rejeitar parcialmente a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por CGD, S.A., quanto ao executado/oponente (…), por falta de título / livrança contra o mesmo – artigos 703.º, 726.º, 728.º, 734.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC, 30.º e 77.º da LULL.
- consequentemente, julgar prejudicado o conhecimento da presente oposição à penhora instaurada pelo(s) executado(s) ….”

3. Recurso
A Exequente recorre desta decisão e conclui:
A) A ora Apelante celebrou, a 27.02.2007, com a Executada (…) um contrato de adesão ao cartão de crédito denominado CAIXA WORKS, ao qual foi atribuído o n.º de conta cartão (…), tendo a mutuária aderido e aceite na totalidade as respetivas Condições Gerais e recebido uma cópia das mesmas;
B) O limite de crédito concedido foi de € 10.000,00;
C) Conforme resulta do referido contrato, o cartão de crédito CAIXA WORKS foi celebrado com a Executada na qualidade de empresária em nome individual e não a título particular;
D) A 05.03.2007 foi outorgado contrato de garantias acessórias, referentes ao cartão de crédito em análise, no qual o segundo outorgante (…), aqui executado, se assumiu como responsável por todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Apelante quer a titulo de capital, juros, comissões e despesas como quaisquer outros encargos devidos à entidade bancária no âmbito do contrato nos autos peticionado;
E) o Executado/Embargante mediante a sua aposição de assinatura declarou expressamente ao abrigo dos artigos 217.º, n.º 1 e 224º, n.º 1, do CC aceitar a responsabilidade por eventuais dividas resultantes do incumprimento referente ao cartão de crédito em apreço, declarando ter conhecimento das propostas de adesão que fora celebrada com a mutuária titular;
F) Conforme mencionado, o contrato em apreço foi celebrado a 27.02.2007, sendo que o contrato de garantia acessória assinado pelo Embargante foi celebrado a 05.03.2007, pelo que a sua formalização ocorrera na vigência no anterior Código de Processo Civil (1961);
G) Ora, anteriormente à entrada do Código de Processo Civil de 2013, os documentos particulares assinados pelo devedor que constituíssem uma confissão de divida eram providos de força executiva pelo disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do CPC de 1961, pelo que para serem considerados títulos executivos apenas careciam da a assinatura do devedor e da constituição ou reconhecimento de uma obrigação;
H) Efetivamente, artigo 6.º do Lei n.º 41/2013, de 26 de junho previa que o atual CPC fosse aplicado a todas as ações executivas instauradas após a entrada em vigor desde, mesmo que a operação sobre a qual se pretendia a execução fosse celebrada na vigência do anterior CPC;
I) Face ao exposto, foi levantada uma questão de inconstitucionalidade do artigo 703.º do CPC, quando aplicado a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, conjugando-se a norma do artigo 703.º do CPC com o artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
J) Neste sentido surge um acórdão uniformizador do Tribunal Constitucional que veio declarar com força obrigatória geral inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;
K) Ora, não obstante, de constar no contrato de garantia acessória, outorgado pelo Embargante, a qualidade de avalista certo é que o título executivo dos presentes autos se consubstancia em Outro título com força executiva e não livrança;
L) Ademais refira-se que, conforme já aqui salientado, o Embargante demonstrou em sede de oposição à penhora ter assinado o referido contrato em consciência plena das responsabilidades que assumira perante a Apelante, nunca pondo em causa a sua responsabilidade perante as dívidas resultantes do incumprimento contratual associado ao cartão Caixa Works, tendo apenas suscitado uma questão superveniente à celebração do contrato mediante a invocação do acordo advindo do divórcio com a mutuária;
M) Ou seja, não obstante da inexistência de livrança, facto é que ao abrigo do anterior CPC o documento assinado pelo Embargante apresenta os elementos necessários para a sua exequibilidade: assinatura confessada pelo mesmo e reconhecimento das obrigações que assumira perante a Apelante;
N) Motivo pelo qual a Apelante instaurou a presente ação executiva com base em outro título com força executiva;
O) Assim, não se compreende como é que o doutro tribunal alega a inexistência de título executivo relativamente ao Executado se os presentes autos não tiveram por base qualquer livrança, mas sim o contrato em apreço;
P) Ademais, acresce que a função da livrança não encontra relacionada com a responsabilização ou não por uma parte contratante perante uma relação jurídica voluntariamente assumida; Este título mais não é de um mecanismo facilitador ao acionamento por parte do portador, e não um fator que defina a existência ou não de uma responsabilidade assumida contratualmente;
Q) Pelo que, não nos apraz justo, dirimir um outorgante de uma obrigação que consciente e voluntariamente assumiu perante a Apelante;
R) Não podemos simplesmente ignorar a existência de uma parte contratual nem as declarações expressas por estas prestadas!
S) O mesmo seria fazer depender uma situação jurídica de um lapso de escrita!
T) Neste sentido, é concluso que estamos perante um título executivo válido ao abrigo do anterior CPC, pelo que o fundamento do tribunal recorrido deverá improceder;
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, revogando-se a decisão recorrida quanto à inexistência de título executivo contra o Executado Embargante substituindo-a por outra que determine o reconhecimento do contrato subjacente como título executivo válido devendo prosseguir os presentes autos os seus trâmites normais.
Assim fazendo V. Exas., Srs. Desembargadores, o que é de inteira Justiça.”
Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir se o contrato de garantias acessórias pode servir de base à execução e, previamente, verificar se os autos permitem conhecer do mérito do recurso.

III- Fundamentação
1. Factos
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos (reproduzem-se apenas os factos e não os documentos – fotografias – que, respetivamente, lhes sucedem, por forma a repor a disciplina consagrada no artigo 607.º, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativa à elaboração da sentença, a qual prevê a discriminação dos factos provados em momento lógico-processual anterior à indicação e apreciação das provas[1]):
1) A exequente CGD, S.A., instaurou por via eletrónica em 20/09/2015 neste Tribunal Judicial a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa, contra os executados (…), na qualidade de mutuária, e (…), na qualidade de avalista, peticionando o pagamento da quantia global de 16.685,74 euros, apresentando como título executivo contrato de adesão/utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’ de 27/02/2007, alegando no requerimento executivo: “Nota prévia: 1 - Os documentos particulares anexos ao presente requerimento executivo são considerados títulos executivos nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC (Lei nº 41/2013) conjugado com o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20/08. Factos: 2 - Em 27/02/2007, a exequente celebrou com (…), na qualidade de titular, um contrato de adesão ao cartão de crédito denominado CAIXA WORKS, contrato esse ao qual foi atribuído o n.º de conta cartão (…), tendo a mutuária aderido e aceite na totalidade as respectivas Condições Gerais e recebido uma cópia das mesmas. 3 - A mutuária autorizou que na conta indicada na proposta de adesão fossem efectuados os débitos resultantes da utilização do referido cartão de crédito Caixa Works, quer fosse utilizado como cartão de débito ou de crédito – vide pf. Doc. 1 em anexo. 4 - O limite de crédito concedido foi de € 10.000,00 (dez mil euros – vide pf. Doc. 1 em anexo. 5 - Desde 20/04/2007 que a conta em questão apresentava um saldo de capital no valor de € 9.925,25 que não foi liquidado nos termos contratuais previamente conhecidos e aceites pela mutuária e como tal sobre esse valor de capital e desde aquela data foram calculados os juros contratuais, conforme melhor consta da liquidação da obrigação. 6 - O incumprimento das obrigações assumidas no âmbito do cartão de crédito por parte da devedora, que deixou de proceder ao pagamento do saldo de conta cartão de crédito, confere à exequente o direito de exigir judicialmente a totalidade do valor em dívida no cartão de crédito. 7- A exequente tem direito a receber dos executados o valor do capital em dívida, no âmbito do cartão de crédito celebrado com a devedora, acrescido dos juros vencidos calculados nos termos legais e contratuais, os quais constam melhor reproduzidos na liquidação da obrigação, o que se peticiona”.
2) Na liquidação da obrigação, no requerimento executivo, a exequente liquida de capital 9.925,25 euros, e liquida juros no valor de 6.266,61 euros, desde 20/04/2007 até 19/08/2015, e “outros débitos devidos à exequente no âmbito da execução do contrato” de 493,88 euros (cuja soma perfaz 6.760,49 euros), que totalizam a quantia exequenda global peticionada de 16.685,74 euros, peticionando ainda juros vencidos e vincendos desde 20/08/2015 inclusive até integral pagamento (ao que acrescerá imposto de selo à taxa em vigor).
3) Na liquidação da obrigação, no requerimento executivo, a exequente refere:
(segue-se a reprodução de um documento)
4) Em 27/02/2007, a exequente celebrou com (…), na qualidade de titular, um contrato de adesão ao cartão de crédito denominado CAIXA WORKS, contrato esse ao qual foi atribuído o n.º de conta cartão (…), tendo a mutuária aderido e aceite na totalidade as respetivas Condições Gerais e recebido uma cópia das mesmas.
5) A mutuária (…) autorizou que na conta indicada na proposta de adesão fossem efetuados os débitos resultantes da utilização do referido cartão de crédito Caixa Works, quer fosse utilizado como cartão de débito ou de crédito.
6) O limite de crédito concedido foi de € 10.000,00 (dez mil euros):
(segue-se a reprodução de um documento)
7) Desde 20/04/2007 que a conta em questão apresentava um saldo de capital no valor de € 9.925,25, que não foi liquidado, e sobre esse valor de capital e desde aquela data foram calculados pela exequente os juros contratuais, conforme consta da liquidação da obrigação no requerimento executivo.
8) A exequente CGD, S.A., instaurou a presente execução, apresentando como título executivo apenas o contrato de utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’ de 27/02/2017 e o “contrato de garantias acessórias” de 05/03/2007, nos termos dos acordos constantes dos documentos 1 e 2 juntos com o requerimento executivo, aqui dados por reproduzidos, não tendo apresentado nem junto nenhuma livrança, avalizada pelo executado (…).
9) Em 27/02/2007, a exequente acordou com a mutuária (…) contrato de adesão / utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’, sendo (…) avalista, nos termos dos acordos constantes dos docs. 1 e 2 juntos com o requerimento executivo, aqui dados por reproduzidos.
10) Nos referidos acordos constantes dos documentos 1 e 2 juntos com o requerimento executivo, (…) surge como mutuária/devedora e (…) como avalista, assinando ambos nas referidas qualidades:
(segue-se a reprodução de um documento)
11) Nos referidos acordos constantes dos documentos 1 e 2 juntos com o requerimento executivo, (…) surge como mutuária/devedora enquanto empresária em nome individual:
(segue-se a reprodução de um documento)
12) Conforme consta das cláusulas 75ª a 77ª do contrato de adesão / utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’, constante do documento 1 junto com o requerimento executivo:
(segue-se a reprodução de um documento)
13) O(s) contrato(s) exequendo(s), contrato de adesão/utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’ de 27/02/2007, constante do documento 1 junto com o requerimento executivo, e o “contrato de garantias acessórias” de 05/03/2007, constante do doc. 2 junto com o requerimento executivo, nos termos dos acordos constantes dos docs. 1 e 2 juntos com o requerimento executivo, têm o seguinte teor:
(segue-se a reprodução de dois documentos)
13-A) As condições particulares do contrato de adesão/utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’ de 27/02/2007, constante do documento 1 junto com o requerimento executivo, designadamente anuidade de 75 euros, surgem no final, após a cláusula 77ª, em “ANEXO”:
(segue-se a reprodução de um documento)
14) No requerimento executivo, a exequente indicou desde logo à penhora apenas a fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o n.º (…), não tendo indicado quaisquer outros bens:
(segue-se a reprodução de um documento)
15) Em 14/10/2015 foi proferido despacho de citação liminar.
16) Em 12/02/2016, o AE pesquisou bens do executado (…) donde resultou o prédio (…), Abrantes, ser trabalhador dependente, e ser herdeiro de herança identificada:
(segue-se a reprodução de dois documentos)
17) Em 12/02/2016, o AE pesquisou bens da executada (…) donde resultou o ciclomotor de matrícula (…), sendo o ano da 1.ª matrícula 1990 e o ano da matrícula em Portugal 2008, e ter atividade 09602 – Salões de Cabeleireiro desde 05/04/2006:
(segue-se a reprodução de um documento)
18) O executado (…) foi citado na morada constante do requerimento executivo, em terceira pessoa, em 17/02/2016, tendo sido dado cumprimento ao artigo 233.º do Código de Processo Civil:
(segue-se a reprodução de um documento)
19) A executada (…) foi citada na morada Rua (…), n.º 53, (…), (…), (…), em terceira pessoa, em 06/06/2016, tendo sido dado cumprimento ao artigo 233.º do Código de Processo Civil:
(segue-se a reprodução de um documento)
20) Os executados, citados, não deduziram qualquer oposição à execução; e em 12/07/2016, o AE foi notificado pela Seção de que não deu entrada qualquer oposição à execução e/ou à penhora:
(segue-se a reprodução de um documento)
21) O executado (…) era e é Funcionário Judicial, mas o AE não penhorou o respetivo salário ou quaisquer bens deste antes de penhorar o prédio … Abrantes.
22) O AE não penhorou o ciclomotor de matrícula (…), sendo o ano da 1.ª matrícula 1990 e o ano da matrícula em Portugal 2008, da executada, ou quaisquer bens desta, antes de penhorar o prédio (…), Abrantes.
23) Em 07/10/2016, o AE juntou auto de penhora do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Abrantes com o n.º (…), indicando o valor do mesmo em 120.946,80 euros, valor que consta da respetiva caderneta predial urbana (matriz):
(segue-se a reprodução de um documento)
24) Na fração autónoma descrita na Conservatória de Registo Predial de Abrantes com o n.º (…):
- Pela Ap. (…), de 24/03/2006 encontra-se registada a aquisição, por compra, pelos executados (…) e (…), nessa data casados entre si, no regime da comunhão de adquiridos:
(segue-se a reprodução de um documento)
- Pela Ap. (…), de 24/03/2006, encontra-se registada hipoteca voluntária, a favor da CGD, S.A., pelo capital de 142.500 euros e montante máximo assegurado de 200.551,65 euros (relativamente a outros créditos que não os exequendos, neste caso, os créditos reclamados pela mesma credora CGD, S.A., no Ap. B; prédio já onerado aquando da penhora), constituída pelos executados (…) e (…), e para “Garantia das responsabilidades já assumidas ou que venham a ser assumidas pelos devedores junto da credora e emergentes de quaisquer outras operações bancárias, independentemente da forma ou título que revistam, designadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas de depósito à ordem, letras, livranças, cheques, prestações de garantias bancárias, fianças, até ao limite do capital (…)”, estando em causa Hipoteca Genérica:
(segue-se a reprodução de um documento)
- Pela Ap. (…), de 15/09/2016, encontra-se registada a penhora, a favor da CGD, S.A., relativamente aos créditos exequendos no âmbito desta execução n.º 4902/15.1T8ENT:
(segue-se a reprodução de um documento)
25) Na sequência da penhora da fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o n.º (…), único bem penhorado na execução, o executado (…) deduziu oposição por via eletrónica em 20/10/2016, que deu origem ao Apenso A.
26) E em 15/12/2016, o AE foi notificado pela Secção de que o executado (…) deduziu Oposição à Execução:
(segue-se a reprodução de um documento)
27) Em 17/01/2020, o Tribunal ordenou a notificação do AE para, em 10 dias, esclarecer os autos da existência de bens penhorados e/ou penhoráveis:
(segue-se a reprodução de um documento)
28) Nessa sequência, o AE voltou a pesquisar bens dos executados, e, para além do prédio penhorado (…), Abrantes, bem comum de ambos os executados, em 29/01/2020, o AE pesquisou bens da executada (…), donde resultou o ciclomotor de matrícula (…), sendo o ano da 1.ª matrícula 1990 e o ano da matrícula em Portugal 2008, ter atividade 09602 – Salões de Cabeleireiro desde 05/04/2006, e ter declarado rendimentos do trabalho dependente, na declaração de IRS respeitante ao ano 2018, não tendo o AE penhorado o respetivo salário:
(segue-se a reprodução de um documento)
29) Em 29/01/2020, o AE pesquisou bens do executado (…) donde resultou o prédio penhorado (…), Abrantes, bem comum de ambos os executados, um veículo automóvel Nissan C13 de matrícula (…), sendo o ano da 1.ª matrícula 2015 e o ano da matrícula em Portugal 2019 (que não aparecia nas pesquisas anteriores), ser trabalhador dependente, e ser herdeiro de duas heranças identificadas, não tendo o AE penhorado o veículo automóvel, o respetivo salário, ou as duas heranças identificadas:
(segue-se a reprodução de três documentos)
30) O ciclomotor de matrícula (…) está registado em nome da executada (…) desde 24/05/2010, e não tem penhoras ou encargos registados:
(segue-se a reprodução de um documento)
31) O veículo automóvel de matrícula (…) está registado em nome do executado (…) desde 27/11/2019, mas tem reserva de propriedade registada a favor do Banco (…), S.A., não tendo outras penhoras ou encargos registados:
(segue-se a reprodução de um documento)
32) Em 29/01/2020, o AE pesquisou o executado (…) nas bases de dados da Caixa Geral de Aposentações, tendo resultado ser subscritor da mesma, e trabalhar para a Direção-Geral da Administração da Justiça, com último desconto em 01/12/2019:
(segue-se a reprodução de um documento)
33) Em 29/01/2020, o AE informou o Tribunal de que se encontra “penhorada a fração descrita na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n.º (…), (…) Mais me cumpre informar que relativamente aos bens susceptíveis de penhora, existe um ciclomotor sem ónus ou encargos, registado a favor da executada (…) e um veículo ligeiro de passageiros registado em nome do executado (…) com reserva de propriedade. Encontra-se suscetível de penhora o vencimento que o executado (…) aufere na Direcção-Geral da Administração da Justiça, bem como os bens que o mesmo eventualmente tenha recebido das heranças em que o mesmo conta como herdeiro (…)”:
(segue-se a reprodução de um documento)
34) Em 19/05/2021 foram citados os credores Autoridade Tributária, Segurança Social, e a CGD, S.A..
35) Em 09/01/2023, o AE juntou aos autos liquidação provisória no valor de 36.641,28 euros, em dívida pelos executados:
(segue-se a reprodução de um documento)
36) O executado (…), designadamente em sede de tentativa de conciliação em audiências prévias, propôs à exequente vários acordos e formas de pagamento da dívida exequenda, que a exequente rejeitou, designadamente: - em 27/02/2018: “1. Entrada inicial no valor de € 3.000,00 (três mil euros), a começar no dia 1 de Abril com o pagamento mensal de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros), que se vencem no mesmo dia dos meses subsequentes; 2. Suspensão da execução nos termos do disposto nos artigos 806.º e seguintes do Código de Processo Civil; 3. Custas, despesas, encargos e remunerações do AE a cargo do Executado”; - em 16/05/2018: “1. € 5.000,00, pagos de imediato, logo que haja concordância por parte da Embargada; 2. Custas, despesas e honorários do Sr. Agente de Execução a cargo do Executado”; - em 07/12/2021: “Pagamento de € 200,00 (duzentos euros) por mês, de forma a reestruturar a dívida, e/ou de chegar a acordo nos termos do disposto nos artigos 806.º e seguintes do Código de Processo Civil”.
(segue-se a reprodução de um documento)
37) O executado (…) é Escrivão de Direito e aufere a quantia líquida mensal de cerca de 1.211,34 euros:
(segue-se a reprodução de um documento)
38) Na petição de oposição à penhora, o oponente (…) não indicou à penhora quaisquer outros bens; mas no requerimento de 28/05/2018 (Ref. 4992186 PE Ap. A), indicou a existência do seu salário e senhas de presença enquanto Vereador, requerendo a final a penhora do seu salário em substituição da penhora do prédio: “O Executado e Opoente é escrivão de direito e aufere a quantia líquida mensal de € 1.211,34 (mil e duzentos e onze euros e trinta e quatro cêntimos) – junta-se recibo de vencimento sob denominação de Doc. 1. 7.º A dívida exequenda cifra-se na quantia de € 16.685,74 (dezasseis mil, seiscentos e oitenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos). 8.º Além disso, como se pode compreender pelo escrutínio da página da Câmara Municipal de (…) ou por notícias várias, o Executado e Opoente é vereador do respectivo executivo camarário (consigna-se aqui o link para a composição do elenco do executivo camarário: http://cm-....pt/index.php/pt/component/content/article/124-municipio/camara-municipal/executivo/286-executivo-...) 9.º Sendo factos notórios – logo, que não carecem de prova – quer a respectiva incumbência de um cargo político-público, sem pelouro atribuído, quer, por esse motivo, a remuneração da participação deste nas reuniões de câmara por meio de senhas de presença cujo valor é tabelado por lei. 10.º Nesse sentido, o Executado e Opoente tem fontes de rendimento suficientes para, de modo faseado, cumprir com o pagamento da dívida exequenda sem que se veja na iminência de perder o imóvel onde reside com a sua família (companheira e enteada) (…) 18.º É que as penhoras de salários, de senhas de presença e de IRS, além de serem de muito mais fácil realização do que uma penhora de imóvel para posterior venda judicial, são também mais adequadas para garantir à Exequente e Oponida que o seu crédito será integralmente pago (…) Caso assim não se entenda, o que não se concede, requer-se a substituição do bem penhorado, devidamente identificado nos autos, passando a penhora a incidir sobre um 1/3 do seu salário do Executado e Opoente”.
39) Desde a instauração desta execução até hoje não se registaram quaisquer amortizações ou pagamentos dos executados dos créditos exequendos.
40) Por Sentença de 05/07/2022 proferida no Apenso B de reclamação de créditos, transitada em julgado, foi decidido: “Pelo exposto, nos termos dos arts. supra referidos, o Tribunal decide julgar procedentes, por provadas, todas as reclamações de créditos deduzidas, e consequentemente julgar reconhecidos os créditos reclamados, e respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, nos limites em que foram peticionados, e respeitando as taxas legais e/ou contratuais aos mesmos aplicáveis, até efetivo e integral pagamento, devendo a graduação de créditos efetuar-se da seguinte forma, relativamente aos bens imóveis penhorados nos autos de execução principais:
I – Frações descritas na Conservatória de Registo Predial de Abrantes com os números (…):
1) Créditos exequendos e reclamados, e respetivos juros (hipoteca genérica).
2) Créditos exequendos, e respetivos juros (1.ª penhora)”:
(segue-se a reprodução de um documento)

*
Por se mostrar provado por documento, junto pela Exequente com o requerimento executivo e não impugnado pelos Executados (artigo 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC, adita-se aos factos provados o seguinte:
41. O contrato de garantias acessórias, referido no ponto 13) dos factos provados, teve como contratantes a exequente, a executada (…), designada por devedora e o executado (…), designado como avalista e dele consta:
Considerando que:
a) A Caixa, por contrato de abertura de crédito – Cartão Caixaworks, com o n.º (…), celebrado por documento particular em 29-1-2007, que aqui se dá por reproduzido, concedeu um empréstimo ao seu cliente acima identificado, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros);
b) As partes declaram conhecer perfeita e integralmente os termos, cláusulas e condições do contrato identificado na alínea anterior, doravante designado por contrato de empréstimo;
é celebrado o presente contrato de constituição da(s) seguinte(s) garantia(s), que ficará anexo e como parte integrante do contrato de empréstimo atrás identificado;
Aval:
Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pelos Clientes no âmbito do contrato de empréstimo supra identificado, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança, caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado”.

2. Direito
2.1. Da sanação da nulidade decorrente de condenação em objecto diverso do pedido
Em processo executivo o executado pode defender-se por embargos à execução [v.g. artigos 728.º a 733.º e 856.º do Código de Processo Civil, doravante designado CPC] e por oposição à penhora [artigos 784.º e 785.º do CPC]. Estes dois meios de defesa têm campos de aplicação e efeitos perfeitamente distintos; enquanto a defesa por embargos, visa a extinção, no todo ou em parte, da execução [artigo 732.º, n.º 4, do CPC], “mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva[2], a oposição à penhora destina-se a demonstrar a ilegalidade objetiva da penhora (“penhoram-se bens que não deviam ser penhorados, em absoluto, ou não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem excussão de todos os outros, ou para aquela dívida[3]).
No caso, o executado (…) deduziu oposição à penhora, com fundamento na ilegalidade da penhora do imóvel, por desproporcional ao montante da quantia exequenda e por inobservância do princípio do benefício da excussão prévia de que, em seu entender, beneficiava enquanto avalista da obrigação exequenda. Formulou um pedido, à falta de melhor expressão, aberto – procedência da oposição com as necessárias consequências legais e processuais – mas o incidente não deixa dúvidas quanto à natureza da pretensão: o levantamento da penhora sobre o imóvel.
A final decidiu-se: “rejeitar parcialmente a (…) execução (…) quanto ao executado / oponente (…), por falta de título/livrança contra o mesmo” e “julgar prejudicado o conhecimento da presente oposição à penhora instaurada pelo(s) executado(s) ….”
O conhecimento da oposição à penhora só poderia haver-se por prejudicado, se bem vemos, se a penhora sobre o imóvel houvesse sido levantada e não foi o caso, mas pondo de parte este problema que não cumpre resolver, porquanto não é conhecimento oficioso, nem foi suscitado por nenhuma das partes, decidiu-se coisa diversa do que se pediu: pediu-se o levantamento da penhora – consequências legais da procedência do incidente de oposição à penhora – e decidiu-se rejeitar a execução quanto a um dos executados.
A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (artigo 609.º, n.º 1, do CPC) e é nula nos casos em que não observa esta disciplina (artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC).
A não coincidência entre a sentença e os petita partium pode chamar-se extrapetição (…) O vício da extrapetição produz a nulidade da sentença (…).”[4]
Não que a questão da rejeição parcial do requerimento executivo não pudesse ser oficiosamente conhecida como foi e no momento processual em que o foi, isto é, depois da fase de apreciação liminar do requerimento inicial e antes do primeiro ato de transmissão dos bens penhorados; a questão podia ser oficiosamente conhecida [cfr. artigos 726.º, n.º 2, alínea a) e 734.º do CPC], mas na falta de dedução de embargos, o conhecimento de questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo deve ter lugar na própria execução e não no incidente de oposição à penhora, como se verificou.
A nulidade, porém, carecia de ser arguida pelos interessados (artigo 615.º, n.º 4, do CPC) e não o foi, razão pela qual se mostra sanada.
A nulidade da decisão decorrente de haver condenado em objecto diverso do que se pediu mostra-se sanada, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2. Se o contrato de garantias acessórias pode servir de base à execução
A decisão recorrida rejeitou a execução quanto ao executado (…), por falta de título executivo; o Oponente foi demandado na execução enquanto avalista de uma livrança e considerou-se que a Exequente “não juntou qualquer livrança contra o mesmo (muito menos avalizada pelo mesmo), não servindo de título executivo contra o executado avalista o contrato subjacente, já que o mesmo não é fiador, mas garante cambiário – artigos 30.º e 77.º da LULL.”
Diverge a Recorrente argumentando que “instaurou a (…) ação executiva com base em outro título com força executiva” [ccls. F a T], uma vez que em “05.03.2007 foi outorgado contrato de garantias acessórias (…) no qual o segundo outorgante (…) se assumiu como responsável por todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Apelante quer a titulo de capital, juros, comissões e despesas como quaisquer outros encargos devidos à entidade bancária no âmbito do contrato nos autos peticionado, aceitando ele “a responsabilidade por eventuais dividas resultantes do incumprimento referente ao cartão de crédito em apreço, declarando ter conhecimento das propostas de adesão que fora celebrada com a mutuária titular” [ccls. D) e E)], contrato que, importando o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, constitui título executivo à luz do CPC de 1961.
De acordo com o artigo 724.º, n.º 1, do CPC, o requerimento executivo, entre outras menções, deve designar o tribunal em que a ação é proposta, identificar as partes, a espécie da execução, conter uma exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido e formular o pedido [alíneas a), d) e) e f)].
Resulta dos factos provados, não impugnados pela Recorrente, haver esta instaurado a execução contra a executada (…), na qualidade de mutuária e contra o executado (…, na qualidade de avalista, apresentando como título executivo o contrato de utilização de cartão de crédito ‘Caixa Works’ de 27/02/2017 e o “contrato de garantias acessórias” de 05/03/2007, nos quais (…) surge como mutuária / devedora e (…) como avalista, assinando ambos nas referidas qualidades, não tendo apresentado, nem junto aos autos nenhuma livrança, avalizada pelo executado (…) [pontos 1, 4, 8, 9 e 10 dos factos provados].
Assim, de acordo com a exposição dos factos que fundamentam o pedido executivo, a execução cumula duas causas de pedir: o contrato de mútuo sob a forma de concessão de crédito, no que respeita à executada (…) e a obrigação cambiária decorrente do aval, no que respeita ao executado (…).
Ora, o aval é um ato cambiário, escrito na própria letra (ou livrança) ou numa folha anexa ou alongue, mediante o qual o dador do aval, que pode ser um terceiro ou um signatário da letra, garante o pagamento da letra por parte de um dos seus subscritores [artigos 30.º e 31.º da LU]. Pode ser completo, quando se exprime pelas palavras «bom para aval» ou fórmula equivalente e é assinado pelo dador do aval, ou incompleto, aval em branco, quando resulta da simples assinatura do dador do aval, aposta na face anterior da letra, desde que tal assinatura não seja do sacado, nem do sacador.[5]
Este regime é aplicável às livranças [artigo 77.º da LU].
As obrigações cambiárias estão sujeitas aos princípios de incorporação, literalidade, autonomia e abstracção, pelo que a obrigação do avalista é totalmente autónoma da relação subjacente à emissão do título e vale – apenas existe, dir-se-á – na exata medida incorporada no título, “com o sentido das palavras e algarismos apostos no mesmo título, ou seja, no seu sentido literal[6].
O direito incorporado no título de crédito “é um direito literal, quer dizer, um direito cujo conteúdo, extensão e modalidade vale exclusivamente em conformidade com o teor do próprio título[7].
Por isto que demandado o avalista, o documento que incorpora o aval, a letra ou a livrança, torna-se indispensável para exercer o direito literal e autónomo que o aval representa e também assim na demanda executiva, por não poder subsistir esta sem um título pelo qual se determinam o seu fim e limites [artigo 10.º, n.º 5, do CPC].
No caso, a Recorrida demandou o executado (…) na qualidade de avalista, mas não juntou aos autos o documento que incorpora o aval [ponto 8 dos factos provados].
A execução não reunia, ab initio, condições para prosseguir contra o referido Executado, como se veio a reconhecer na decisão recorrida.
Considera, não obstante, a Recorrente – é este o fundamento do recurso – haver outorgado com os executados um contrato de garantias acessórias, nos termos do qual o executado (…) assumiu a responsabilidade por eventuais dividas resultantes do incumprimento referente ao cartão de crédito em apreço, declarando ter conhecimento das propostas de adesão que fora celebrada com a mutuária titular” devendo a execução prosseguir contra ele porque fundada “em outro título com força executiva”.
Defesa que o teor do contrato de garantias acessórias, a nosso ver, não acolhe e que, de qualquer modo, sempre representaria uma alteração unilateral da causa de pedir que o estado dos autos não permite empreender.
Os documentos particulares assinados pelo devedor antes da entrada em vigor do CPC de 2013, isto é, antes de 1/9/2013 (artigo 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6), podem servir de título à execução,[8] mas hão-de reunir os requisitos que constavam do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, isto é, importar “constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”, predicados que o contrato de garantias acessórias, a nosso ver, não contempla.
Pelo referido contrato, o executado (…), nele designado por avalista, depois de declarar conhecer perfeita e integralmente os termos, cláusulas e condições do contrato de concessão de crédito – Cartão Caixaworks, com o n.º (…) – celebrado entre a ora Recorrente e a executada (…), anuiu a que “todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pelos Clientes no âmbito do contrato de empréstimo supra identificado (…) ficam garantidas pelo aval prestado na livrança, caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado” [ponto 41 dos factos provados].
Do que trata, pois, o contrato de garantias acessórias é de um pacto de preenchimento do aval incompleto, prestado pelo executado (…), à subscritora da livrança, em branco, mas não existe nele a constituição ou reconhecimento de quaisquer obrigações pecuniárias, a obrigação de pagamento para o dador do aval ficou dependente do preenchimento da livrança – caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento – e, antes do preenchimento da livrança, por não incorporada nela, não existe.
Afirmação que não comporta novidade; o dador do aval garante o pagamento da letra [artigo 30.º da LU], o que significa que o “avalista presta uma garantia à obrigação cartular e não à obrigação subjacente. É uma obrigação de garantia do avalizado, cuja responsabilidade se mede pela deste e materialmente autónoma deste.”[9]
Por isto que o aval, garantindo a obrigação cambiária, distingue-se da obrigação de pagamento subjacente à emissão do título. Ademais, não há qualquer razão para concluir, ao invés do afirmado pela Recorrente, que referência a avalista, no contrato de garantias acessórias, comporta um de lapso de escrita [ccls. S)]; o contexto do acordo não permite uma tal conclusão e, pelo contrário, não deixa dúvidas, a nosso ver, sobre o seu alcance e natureza da garantia contratada: o aval aposto na livrança.
O contrato de garantias acessórias não encerra um “outro título com força executiva”, com aptidão para servir de base à execução.
Mesmo que assim não fosse, a defesa da Recorrente colocaria uma outra dificuldade, a nosso ver, intransponível.
Citado o executado, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei [artigo 260.º do CPC], a causa de pedir pode ser alterada havendo acordo das partes, em 1ª e 2ª instância, salvo casos de perturbação inconveniente da instrução, discussão e julgamento do pleito e, “na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação [artigos 264.º e 265.º do CPC].
Ora, a causa de pedir na execução não é o título executivo, mas “o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente” de que o título executivo “constitui prova ou acertamento[10].
Assim, instaurada a execução contra o executado Rui Santos na qualidade de avalista e indeferido o seu prosseguimento, por falta da livrança, a prossecução da execução com base nas obrigações emergentes do contrato de concessão de crédito – ainda que este, no aditamento qualificado de garantias acessórias, comportasse o reconhecimento, pelo referido executado, de uma obrigação pecuniária e, como se viu, não é o caso – seria, a nosso ver, inadmissível por representar uma alteração unilateral da causa de pedir depois de citado o executado para a execução [ponto 20 dos factos provados], fora dos casos em que a lei a admite.
Resta, pois, concluir que o contrato de garantias acessórias, enquanto pacto de preenchimento do aval incompleto, não constitui título executivo contra o executado (…) e que, em qualquer caso, a prossecução da execução com fundamento no acordo de “garantias acessórias” ao contrato de concessão de crédito, depois de indeferida por falta da livrança, comportaria uma inadmissível alteração da causa de pedir.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

3. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Recorrente pagar as custas (artigos 527.º, n.º 1 e 533.º, n.º 2, do CPC).

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

IV. Dispositivo
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 7/3/2024
Francisco Matos
José Manuel Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho


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[1] Sobre a estrutura lógica da sentença cfr., v.g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 295 a 297, Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2º, 4ª ed. págs. 704 a 711. [2] Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 7ª ed., pág. 195.
[3] Ob. cit. pág. 314.
[4] Manuel de Andrade, Ob. cit. pág. 298.
[5] Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, anotada, 5ª ed., pág. 201.
[6] Ac. STJ de 28/2/2013 (proc. 981/09.9 TBPTM-B.E2.S1), supra citado.
[7] Fernando Olavo, Títulos de Crédito, 2ª ed., Vol. II, 2ª parte, Fascículo I, pág. 25.
[8] Cfr. Ac. do Trib. Const. n.º 408/2015, DR n.º 201/2015, Série I de 14/10/2015; Ac. STJ de 13/5/2021 (proc. 15465/16.0T8LSB-A.L1.S1), em www.dgsi.pt
[9] Ac. STJ de 25/7/1978, BMJ 279/214, cit. por Abel Delgado, na Ob. cit., pág. 192 e, mais recentemente, v.g. Acs. do STJ de 26/02/2013 (proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1) e de 28/2/2013 (proc. n.º 981/09.9TBPTM-B.E2.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] Lebre de Freitas, Ob. cit. pág. 94 e v. g. Acs. STJ de 05/06/1990 (proc. n.º 080360), de STJ 05/07/2007 (proc. n.º 07A1999) e de 10/12/2013 (proc. n.º 2319/10.3TBOAZ-A.P1.S1).