Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
182/17.2GELSB.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PENA DE MULTA
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO
Data do Acordão: 10/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
Decisão Texto Integral:
A pena de multa, tal como as demais penas, devem cingir-se ao que seja adequado e necessário para cumprir as finalidades de prevenção geral e especial por elas visadas, sendo excessivo tudo o que vá além da satisfação dessas necessidades, pois também em toda esta matéria vigoram os princípios fundamentais do Estado de Direito, como sejam a proibição do excesso, proporcionalidade, adequação e necessidade, que vinculam diretamente os tribunais.

2. Assim, se quantia diária inferior à fixada for suficiente para assegurar a proteção de bens jurídicos (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), não é a circunstância de a situação económica do arguido lhe permitir pagar montante diário superior ao necessário para assegurar aqueles fins que justifica a sua fixação nesses termos.

Sumariado pelo relator

Acordam, em conferência, os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi acusado PH, nascido em 10 de Julho de 1994, natural do Brasil, solteiro, a quem o MP imputara a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro e artigo 121.° do Código da Estrada.

2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento o tribunal singular condenou o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €180,00 (cento e oitenta euros), perfazendo o montante global de €10.800,00 (dez mil e oitocentos euros).

3. – Inconformado, o arguido vem recorrer da sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

«CONCLUSÕES
1- O presente recurso tem como objeto parcialmente a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, pp pelo artigo 3°, n.ºs 1 e 2 do Decerto -Lei 2/98 de 3 de Janeiro e artigo 121° do Código da Estrada.

II- O Tribunal a quo considerou provado toda a matéria da acusação não tendo em devida conta os fatores atenuantes na medida da pena a aplicar, como o facto de o Arguido ser primário, não ter sido interveniente em nenhum acidente de viação, ter confessado o crime de forma integral e sem reservas, não estar alcoolizado, e estar inserido social e profissionalmente.

III - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorretamente os referidos factos, aplicando uma pena de multa exagerada e desproporcionada à gravidade da prática do crime e não tendo em conta os fatores atenuantes atrás referidos.

IV- Assim a prova produzida nos presentes autos impunha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a Quo, e bastante mais atenuada e adequada à prática dos factos pelo ora Arguido.

V - Desta forma o Tribunal a quo violou, entre outros: - os arts 97°, n.o 5, 127°, 340º, 355°,n.l, 365°, n.º 3 e 374. n.º 2, todos do CPP.

VII- Devendo assim ser aplicada ao Arguido uma pena de multa entre € 1.500,00 e os 3.000,00, por ser adequada, justa e proporcional à prática do crime e em que o Arguido veio acusado e foi condenado.

VIII - Por outro, do texto do acórdão recorrido resulta a insuficiências para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410°, do CPP.

VIII-. Ou seja, o não atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor do recorrente, em consequência, não observou o preceituado no artigo 71, n.o 2 do CP.

IX- Violou-se assim, e por errada interpretação do Tribunal a quo, entre outros: - E os arts. 40° e 71° todos do CP.

Em suma nos presentes autos, não foram tidos em devida conta pelo Tribunal A Quo de todos os fatores atenuantes, que levariam assim à aplicação de uma pena de mulita justa, equilibrada e adequada e proporcional à gravidade do crime praticado pelo Arguido ente os valores médio de € 1.500,00 e € 3.000,00, e pena bastante para efetivar os valores punitivos e preventivos que se deseja quanto à prática deste crime pelo ora Recorrente.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO PARCIAL AO PRESENTE RECURSO SENDO A PENA DE MULTA APLICADA AO ARGUIDO SUBSTANCIALMENTE REDUZIDA E, POR VIA DELE, SER REVOGADO A SENTENÇA RECORRIDA, TUDO COM AS LEGAIS »

4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, concluindo pela improcedência total do recurso.

5.- Nesta Relação, o senhor Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer circunstanciado em que conclui igualmente pela total improcedência do recurso.

6. – Notificado daquele parecer nos termos do art. 417º/2 CPP, o arguido nada acrescentou.

7. – A sentença recorrida (transcrição parcial):

«Dos factos provados

6.Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

Da acusação pública

l)No dia 3 de Setembro de 2017, cerca das 4 horas e 30 minutos, PH conduziu um veículo de passageiros na Rotunda da Praça de Touros, em Albufeira, sem ser titular de carta de condução.

2) O arguido sabia que não tinha carta de condução válida e que por isso não podia conduzir o veículo naquela via, cujas características conhecia.

3)Ainda assim quis fazê-lo e actuou de forma livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:

4) O arguido confessou a prática dos factos imputados.

5) O arguido encontra-se no estado civil de solteiro, vive sozinho em casa arrendada pelo qual paga mensalmente a quantia de €1.750,00.

6) 0 arguido é futebolista auferindo mensalmente a quantia de €20.000,00.

7) 0 arguido está em Portugal há três anos.

8) Do certificado de registo criminal do arguido resultam os seguintes antecedentes criminais:

i) Por sentença proferida em 29 de Outubro de 2018, transitada em julgado em 3 de Dezembro de 2018, no âmbito do Processo N. ---/17.4GEPTM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Portimão, foi o arguido condenado pela prática em 30 de Setembro de 2017 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de cem dias de multa à taxa diária de € 15,00.

Factos não provados
7.Não se logrou provar qualquer outro facto, com relevo para a boa decisão da causa, ou que esteja em contradição com os dados como provados.

Exame crítico da prova
8. 0 Tribunal norteou a sua convicção quanto à matéria de facto provada com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com o princípio da livre apreciação da prova.

Desde logo, o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido, que de livre e espontânea vontade confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados, pelo que nessa medida, lograram as suas declarações convencer o Tribunal. Contudo, entendemos que não invocou qualquer causa imperiosa para conduzir, pelo que não se considerou que existia qualquer causa de exclusão da ilicitude porquanto a razão que o determinou à condução não tem dignidade suficiente para tal. Valorou -se também a sua confissão porquanto é o próprio a admitir que foi por decisão sua que decidiu conduzir, ou seja, sabia as circunstâncias em que o fazia, isto é, desapossado de qualquer título válido para a condução e quis, ainda assim, fazê-lo.

O Tribunal atendeu ainda à prova documental que consta dos autos, porque inequívoca e pertinente para a decisão, nomeadamente o auto de notícia de fls.3 e a informação do IMT de fls. 42 no qual se conclui que o arguido não é portador de título válido legalmente habilitador do acto de conduzir, sendo que tão pouco é portador de título de condução brasileiro, o que o arguido igualmente admitiu.

As condições pessoais do arguido foram pelo próprio relatadas e na medida do dado como provado lograram convencer o Tribunal.

Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal formou a sua convicção com base no teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

IV.E N Q U A D R A M E N T O J U R Í D I C O - L E G A L

Do c r i m e de condução de veículo sem habilitação legal
9. (…)
Vertendo o exposto ao caso concreto, e com apelo à matéria de facto provada, resulta inequívoco que a conduta do arguido preenche o tipo de crime cuja prática lhe é imputada na douta acusação pública.

Com efeito, o arguido preencheu o tipo objectivo uma vez que no dia 3 de Dezembro de 2017, pelas 4h30m o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, em Albufeira, não sendo titular de licença de condução ou de outro documento válido que o habilitasse a conduzir aquele veículo.

O arguido agiu com dolo directo, traduzido no conhecimento de se encontrar a conduzir o referido veículo com motor na via pública sem habilitação legal para o efeito, querendo mesmo assim conduzi-lo, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, preenchendo consequentemente o tipo subjectivo do crime que lhe é imputado.

Encontrando-se satisfeitos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime e não tendo ocorrido qualquer circunstância, causa de justificação da ilicitude, de exclusão de culpa ou condição de punibilidade que interceda e exclua a sua responsabilidade, a sua conduta é, pois, ilícita e culposa.

Os factos provados enquadram-se no tipo legal em apreço, concluindo-se que o arguido cometeu, como autor material, um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.° n. 2, do Decreto-lei n.2/98, de 3 de Janeiro, pelo que por este terá de ser condenado.

V. D E T E R M I N A Ç ÃO DA SA N Ç Ã O

Moldura penal e escolha da pena
10. Subsumidos os factos à sua dignidade criminal, importa agora encontrar a resposta punitiva adequada com a determinação da medida da sanção a aplicar.

O crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto e punido pelo 3° n. 2 do Decreto-Lei n° 2/98, de 3 de Janeiro, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. É um crime punido em alternativa com a pena de prisão e a pena de multa. Em casos como este, em que se admite que a punição preveja a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, cumpre proceder à determinação da espécie da pena que concretamente irá ser aplicada atendendo, para o efeito, ao sentido e ao alcance que resulta da combinação dos artigos 40° e 70°, ambos do Código Penal.

Nas situações em que o legislador tenha admitido o funcionamento alternativo de uma reacção detentiva e de uma pena não privativa da liberdade, deverá o Tribunal dar preferência à segunda sempre que, através dela, for possível realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. "E como a aplicação de penas tem por objectivo a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade, serão sempre e só considerações de prevenção geral e especial a decidir da possibilidade de preferir, no caso concreto, uma medida não detentiva a uma de prisão" (cfr. Anabela Rodrigues em anotação ao Ac.STJ de 21/05/90, RPCC, 2, 1991, pg. 243). Há que tomar ainda em linha de conta a ressonância ética que a lesão dos bens jurídicos sempre provoca na comunidade, procurando o Direito Penal reforçar o sentimento de segurança na consciência jurídica comunitária, face à violação da norma. Sem esquecer que, no entanto, a culpa será o limite inultrapassável da medida concreta da pena (cfr. Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pg. 227 e ss).

Tendo por base as finalidades das penas (art. 40.°, n.1 do Código Penal) o tribunal tem em conta, para efectuar a escolha entre pena privativa e não privativa de liberdade, que as exigências de prevenção geral são significativas na medida em que o legislador assume que a mesma é potencialmente causadora de sinistros rodoviários.

No caso em apreciação são manifestas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração que se fazem sentir, atendendo ao elevado índice de sinistralidade rodoviária causado por condutores que desrespeitam as mais elementares regras estradais, sendo inúmeros os casos de condução sem habilitação legal que potenciam a ocorrência de acidentes, pondo em risco a vida e a integridade física dos demais condutores e passageiros pelo que se impõe o combate a este tipo de comportamentos, educando e responsabilizando para o cumprimento das normas estradais.

As finalidades de prevenção especial revelam-se de carácter diminuto, já que o arguido se mostra inserido social, profissional e familiarmente e não possuía à data dos factos quaisquer antecedentes criminais, pelo que entendemos que a aplicação de uma pena de multa é suficiente para consciencializar o arguido e proteger os bens jurídicos violados.

Da medida concreta da pena
11.Chegados ao momento de determinar a concreta medida da pena, impõe-se não olvidar que a medida da necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto, já que o carácter abstracto dessa necessidade foi previamente definido pelo legislador penal ao determinar a moldura abstracta aplicável.

Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, importa atender à culpa do agente e às exigências de prevenção - art. 71.°, n° 1, do Código Penal -, sendo, nomeadamente, as circunstâncias gerais enunciadas no n° 2, deste artigo, relevantes, quer para a culpa quer para a prevenção.

Dentro da referida moldura, deverá a pena ser concretamente determinada em conformidade com o sistema dos dias de multa proposto pelo legislador no art. 47° do Código Penal, procedendo-se à fixação, em primeiro lugar, do número de dias de multa - dez dias de mínimo, trezentos e sessenta de máximo - de acordo com o princípio regulador formulado no art. 40°, e, seguidamente, do quantitativo diário a achar dentro dos limites definidos na lei - € 5,00 de mínimo e € 500,00 de máximo - considerando, para o efeito, a situação económico- financeira do arguido, bem como os respectivos encargos pessoais.

Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, importa atender à culpa do agente e às exigências de prevenção - art. 71.°, n° 1, do Código Penal -, sendo, nomeadamente, as circunstâncias gerais enunciadas no n° 2, deste artigo, relevantes, quer para a culpa quer para a prevenção.

Assim sendo, foram tidas em consideração as seguintes circunstâncias.

O arguido actuou com dolo directo, na medida em que não obstante saber que não era titular de carta de condução, ou qualquer outro documento que o habilitasse à condução de veículos automóveis, não se absteve de conduzir o veículo na via pública, bem sabendo que necessita de licença válida que o habilite a conduzir.

A consciência da ilicitude é média, uma vez que tem a capacidade para conhecer sobre o carácter ilícito e a reprobabilidade da sua conduta, que não se absteve de adoptar, sabendo, evidentemente, que não pode conduzir o veículo em questão.

Acresce que, como supra se explanou, as exigências de prevenção geral são prementes e as necessidades de prevenção especial fazem sentir-se de forma muito elevada, atenta a postura desafiante que o arguido começa a revelar no que concerne à prática deste tipo de ilícito.

A seu favor milita o facto de ter colaborado com a justiça, confessando de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe eram imputados, bem como o facto de se encontrar social, familiar e profissionalmente inserido, o decurso do tempo e o facto de à data não possuir antecedentes criminais.

Destarte, julga-se adequado aplicar ao arguido a pena de 60 (sessenta) dias de multa. Importa, então, fixar o quantitativo diário à pena de multa aplicada.

Estabelece o art. 47.° n. 2 do Código Penal que o mínimo legal se fixa em 5 € e o máximo em 500 €. Para a determinação desse valor deve atender-se à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, tendo sempre presente, por um lado, a dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas.

ln casu, atendendo aos rendimentos mensais do arguido no valor de €20.000,00, aos quais apenas acresce a despesa de renda de casa no valor de E1.750,00, impõe-se fixar o quantitativo diário em 180,00 € (cento e oitenta euros).

(…) »
Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. – Delimitação do objeto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Embora o arguido refira que do texto do acórdão recorrido resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410°, do CPP, esta alegação é inconsequente com o texto da motivação onde nada refere a este propósito e não se mostra minimamente desenvolvida naquele texto ou nas conclusões, pelo que nada há a decidir a tal respeito por não ser sequer percetível a que se refere o arguido.

Em face das conclusões da motivação de recurso, apenas se constata de forma clara que o arguido acha elevado o montante final da multa que foi condenado a pagar, pelo que será esta a questão a decidir à luz do regime legal aplicável à determinação concreta da pena de multa.

2. Decidindo.
2.1. Como é sabido, o Código Penal de 1982 adotou o chamado modelo ou sistema de dias-de-multa, segundo o qual a determinação concreta desta pena faz-se, no essencial, em dois momentos distintos, obedecendo as respetivas operações a diferentes critérios e teleologia.

Em primeiro lugar deve fixar-se o número de dias de multa, de acordo com os critérios estabelecidos no nº1 do art. 71º do C. Penal (cfr art. 47º nº1 do C. Penal), ou seja, em função da culpa e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos na lei.

No segundo momento, deve o tribunal fixar o quantitativo diário, genericamente estabelecido no art. 47º nº 2 do C.Penal, entre 5 e 500 euros, na atual versão, introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Ora, sendo este o modelo legal, tal como sumariamente se refere na sentença recorrida e é matéria jurídica incontroversa, é manifesta a falta de razão do recorrente ao afirmar na sua motivação de recurso que “13. Agora não pode ser beneficiado porque aufere um rendimento inacessível ao comum dos mortais, como também, não poderá ser prejudicado por auferir esse mesmo rendimento 14. E isto quer o Arguido ganhasse o salário mínimo, quer o salário "estratosférico" que ganha como jogador profissional de futebol”, com o que parece defender que o montante final da pena de multa há de ser o mesmo independentemente da situação económica do arguido.

Com efeito, obtendo-se o montante final da multa pela multiplicação de ambos os fatores no sistema de dias-de-multa, ou seja, o número de dias e o quantitativo diário, sucederá normalmente que a factos idênticos, punidos com o mesmo número de dias de multa, corresponda quantitativo final diferente se a situação económica for diferente, o que é bem patente no caso sub judice, sem que tal represente qualquer violação da lei e do princípio da igualdade, antes pelo contrário, pois é esse o objetivo da lei e de acordo com este princípio deve tratar-se de forma desigual o que é desigual.

Na verdade, ao modelo de dias de multa atribui-se a vantagem (face aos sistemas de multa em quantia certa ou entre uma quantia mínima e máxima) de permitir ajustar a pena de multa à diferença básica entre pessoas com capacidades económicas muito distintas (ideia da igualdade de sacrifício)[1], ou seja, constituir um fator de maior igualdade e justiça, ao atribuir relevância autónoma à capacidade económica do condenado.

Também do ponto de vista das finalidades das penas se reconhecem vantagens a este sistema, na medida em que, para além “ …da maior justiça que supõe ao adaptar a pena à situação económica do condenado, e a transparência inerente à divisão da sua determinação em duas fases, tem cabimento falar-se … de um maior efeito preventivo especial, uma vez que a possível repercussão psicológica que a multa cause ao condenado será tanto maior quanto mais se mostre proporcionada aos seus haveres…”.[2]

2.2. Refere ainda o recorrente que o tribunal a quo não teve “…em devida conta os fatores atenuantes na medida da pena a aplicar, como o facto de o Arguido ser primário, não ter sido interveniente em nenhum acidente de viação, ter confessado o crime de forma integral e sem reservas, não estar alcoolizado, e estar inserido social e profissionalmente, mas é manifesta a sua falta de razão, pois tais fatores relevam sobremaneira na determinação dos dias de multa, nos termos do art. 71º, como vimos, e o tribunal a quo tomou-os em devida conta ao fixar a pena de multa em 60 dias, o que é claramente adequado dado o mínimo legal ser de 10 dias (art. 47º/2 C. Penal) e ser de 240 dias o máximo previsto no tipo legal, como se explica na sentença recorrida.
2.3. A divergência do arguido respeita, pois, ao quantitativo diário fixado pelo tribunal a quo, alegando a este respeito que contrariamente ao declarado em audiência, nomeadamente em resposta a pergunta do seu defensor, afinal a quantia de 20 000 euros mensais que recebe não é líquida (“limpo), mas antes ilíquida, sendo o seu rendimento real de cerca de € 11.000,00.

Tal alegação, porém, é irrelevante, quer porque não se mostra enquadrada por qualquer das formas de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quer porque aquela alegação afasta mesmo hipótese de erro de julgamento, visto que de acordo com ela o tribunal a quo decidiu com base nas declarações prestadas pelo arguido em audiência, sendo agora irrelevante afirmação em sentido diverso, tanto mais que se encontra desacompanhada de sustentação probatória de qualquer natureza.

2.4. Posto isto, apenas há que decidir ainda se a quantia diária de €180,00 determinada pelo tribunal a quo é excessiva, nomeadamente em face do descrito nos pontos 5 e 6 da factualidade provada, que aqui se transcrevem de novo por facilidade de exposição e leitura:

- “5) O arguido encontra-se no estado civil de solteiro, vive sozinho em casa arrendada pelo qual paga mensalmente a quantia de €1.750,00.

6) 0 arguido é futebolista auferindo mensalmente a quantia de €20.000,00”.

Ora, apesar de poderem estimar-se outras despesas regulares, nomeadamente com alimentação e vestuário, que juntamente com a renda mensal suportada possam ascender a cerca de 5 000 euros mensais, a verdade é que a quantia mensal auferida pelo arguido lhe permite suportar o total da pena de multa fixada (€ 10 800,00), sendo certo que a natureza de pena da multa criminal, com a inerente inflição de um sacrifício ao condenado, admitiria mesmo que o arguido tivesse que prescindir de bens ou conforto para cumprir a sua pena, pelo que sob este ponto de vista nada obstaria a que a sentença recorrida fixasse o montante diário de €180,00, tendo em conta o disposto no art. 47º/2 do C. Penal.

Porém, importa ter presente que a pena de multa, tal como as demais penas, devem cingir-se ao que seja adequado e necessário para cumprir as finalidades de prevenção geral e especial por elas visadas (cf. art. 40º C. Penal), sendo excessivo tudo o que vá além da satisfação dessas necessidades, pois também em toda esta matéria vigoram os princípios fundamentais do Estado de Direito, como sejam a proibição do excesso, proporcionalidade, adequação e necessidade, que vinculam diretamente os tribunais – cf. art. 18º/1 e 2 CRP. Como referem, por todos G. Canotilho e V.Moreira, “A primeira das «entidades públicas» subordinadas aos direitos, liberdades e garantias é o Estado (em sentido estrito), quer enquanto legislador, quer enquanto administrador, quer enquanto juiz. O primeiro não pode emitir normas incompatíveis com os direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade; a segunda (…). O terceiro está obrigado a decidir o direito para o caso em conformidade com as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias …”. – cf. CRP Anotada, 4ª ed. pp. 383 e 388.

Assim, se quantia diária inferior à fixada for suficiente para assegurar a proteção de bens jurídicos (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), não é a circunstância de a situação económica do arguido lhe permitir pagar montante diário superior ao necessário para assegurar aqueles fins que justifica a sua fixação nesses termos.

Ora, embora reconhecendo as dificuldades que a quantificação de valores suscita e que são particularmente sentidas perante molduras tão amplas como a acolhida no art. 47º nº2 C.Penal (5 a 500 euros, sem outras especificações), afigura-se-nos que a quantia diária de 100 euros se mostra já significativa, quer do ponto de vista da prevenção geral positiva, quer da prevenção especial positiva, tornando desnecessária quantia diária superior. Isto é, tendo em conta a gravidade do crime de condução sem habilitação legal concretamente cometido, que constitui um referente incontornável em toda a operação de determinação concreta da pena, e os valores relativamente baixos aplicados na generalidade dos casos, afigura-se-nos que a quantia diária de 100 euros considera-se já elevada e, portanto, suscetível de contribuir para a consistência da resposta contrafática ao crime representada pela pena, mostrando-se assim suficiente e adequada para fazer face às necessidades de prevenção geral positiva que se pedem à pena de multa no caso concreto.

Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção especial não é irrelevante para o arguido ter de suportar o pagamento diário de 100 euros, pois não constitui quantia escassa ou insignificante mesmo para quem pode dispor mensalmente de cerca de 500 euros por dia, depois de deduzido o necessário para suportar as despesas provadas e estimadas que referimos supra. A favor da fixação deste montante, pode dizer-se que a situação económica do arguido tanto lhe permite suportar a quantia diária de 180 euros aplicada na sentença recorrida como a quantia de 100 euros ora definida, mas, face ao aludido princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, é esta a medida a aplicar por se nos afigurar suficiente à prossecução dos fins das penas, como referido.

Assim, concluímos que a fixação da multa em 100 euros diários permite que a pena de multa concretamente determinada represente censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, pelo que se julga parcialmente procedente o recurso.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que fixou o quantitativo diário da pena de multa em 180 euros, decidindo, em substituição, fixá-lo em 100 euros por dia, nos termos do art. 47.º, n.º2, do C. Penal, pelo que fica o arguido condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do Dec.-lei 2/98 de 3 de janeiro e art. 121º do C. Estrada, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €100,00 (cem euros).

Sem custas

Évora, 29-10-2019

(Assinado eletronicamente)

António João Latas
Carlos Jorge Berguete
__________________________________________________
[1] - Cfr. Yescheck, - que se refere a sistema escandinavo de cuotas diárias (tradução espanhola) - Tratado de Derecho Penal.Parte General, 4ª ed. –trad. de J.L: Manzanatres Samaniego, Editorial Comares-Granada-1993, §70, I 3 a) (p. 681).

[2] Cfr Nieves Sanz Mulas, Alternativas A La Pena Privativa de Libertad, Madrid, Editorial Colex-2000, p. 322.