Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
186/22.3T8SNS.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Nos termos do n.º 5 do art. 285.º do Código do Trabalho há uma unidade económica quando exista (i) um conjunto de meios organizados; (ii) que constitua uma unidade produtiva; (iii) dotada de autonomia técnico-organizativa; (iv) com identidade própria; (v) e com o objetivo de exercer uma atividade económica principal ou acessória.
II – Para que se dê a transmissão dos contratos de trabalho nos termos do disposto no n.º 10 do art. 285.º do Código do Trabalho, na versão da Lei n.º 18/2021, de 08-04, torna-se necessária a existência (i) de uma anterior empresa a quem foram adjudicados determinados serviços; (ii) que esses serviços constituam uma unidade económica; (iii) que exista um beneficiário desses serviços; (iv) que esse beneficiário seja do sector público ou do sector privado; (v) que esse beneficiário adjudique tais serviços a uma outra empresa; (vi) através de concurso público ou por outro meio de seleção.
III – Não existe transmissão do contrato de trabalho da trabalhadora da sociedade que deixou de ter a adjudicação dos serviços para a sociedade a quem foram adjudicados tais serviços, quando essa trabalhadora, para além de não trabalhar no local onde tal unidade económica transmitida operava, também não exercia funções especificamente relacionadas com essa unidade económica.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 186/22.3T8SNS.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “LGCE – Logística e Construção Portugal, Lda.”[2] (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência:
Seja declarado que o contrato de trabalho da Autora se transmitiu, com a mesma categoria, antiguidade e condições salariais, da entidade patronal “Plasticarga” a favor da sociedade “LGCE”, nos termos dos arts. 285.º a 287.º do Código de Trabalho;
Que a resolução com justa causa realizada pela Autora, pelo facto de existir violação grosseira do dever de ocupação efetiva por parte da Ré, nos termos do art. 394.º, nº. 2, al. b) do Código do Trabalho, seja considerada lícita e, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar:
- O valor de €849,23 a título de créditos de formação dos últimos 5 anos e os proporcionais de 2022;
- O valor de €1.349,86 Ilíquido referente aos mês de março, quanto ao salário, proporcionais de subsídios de férias e Natal e subsídio de alimentação;
- O valor de €1.189,49, a título de Férias não gozadas;
- Indemnização pela resolução do contrato de trabalho de 45 dias por cada ano de trabalho completo, no valor de €27.600,00, tendo em conta o grau de culpa elevado da Ré;
- O valor não inferior a uma indemnização de 15.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
Alegou, em síntese, que a Autora foi admitida ao serviço da “Plasticarga – Movimentação de Cargas, Lda.”, por contrato de trabalho sem termo, em 01-08-2001, com as funções de assistente administrativa, exercendo as suas funções nos escritórios da referida sociedade, em ..., juntamente com o seu companheiro BB, sendo que os restantes trabalhadores exerciam as suas funções nas instalações da “R..., S.A.”, em ..., executando a parte relativa à operação logística nestas instalações.
Mais referiu que a “Plasticarga” apenas tinha como cliente a “Repsol”, sendo esta a destinatária última e quase exclusiva do trabalho dos 18 trabalhadores da “Plasticarga”.
Alegou, de igual modo, que, por a Repsol não ter disponibilizado nas suas instalações um espaço para a “Plasticarga” ter o seu apoio administrativo, contrariamente ao que agora ocorre com a Ré, todo o trabalho administrativo essencial à “Plasticarga” era exercido fora do complexo industrial da “Repsol”.
Alegou ainda que na sequência do concurso promovido pela “Repsol” para escolher operador logístico no complexo petroquímico em ..., o qual era até então exercido pela “Plasticarga”, foi escolhida a Ré, tendo ocorrido a transmissão do estabelecimento a que a Autora estava afeta para aquela, e, apesar de a Ré, num primeiro momento, a ter informado que o seu posto de trabalho passaria a ser exercido nas instalações da “Repsol”, posteriormente, porque não detinha posto igual ou semelhante ao seu, propôs-lhe a alteração de funções para operadora logística, o que a Autora recusou, altura em que a Ré lhe comunicou não ter existido transmissão de estabelecimento, sendo que a Autora, em 02-03-2022, se apresentou nas instalações da “Repsol” para reocupar o seu posto de trabalho, tendo, porém, sido impedida pela Ré de entrar em tais instalações.
Alegou, igualmente, que em virtude do comportamento da Ré, a Autora, por carta de ../../2022, veio a resolver o contrato de trabalho com a Ré por justa causa, sendo de concluir que exerceu ininterruptamente as suas funções para a “Plasticarga” e para a Ré entre ../../2001 e ../../2022, encontrando-se diversos créditos laborais por liquidar, sendo-lhe ainda devida uma indemnização por antiguidade.
Referiu, por fim, que o comportamento da Ré lesou a sua dignidade, a sua vida pessoal e profissional, causando-lhe graves consequências para a sua saúde física e psíquica, sendo que o seu companheiro também ficou sem emprego, tendo ambos três filhos para sustentar.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
A Ré “LGCE” apresentou contestação, requerendo, a final, que a ação fosse julgada totalmente improcedente e, em consequência, fosse absolvida de todos os pedidos.
Alegou, em súmula, que a Autora vive maritalmente com BB, que foi sócio e gerente da “Plasticarga”, entre 2007 e março de 2022, tendo esta empresa em 2000 celebrado um contrato de prestação de serviços de logística com a “Repsol”, a prestar nas instalações desta, dispondo, para o efeito, de um armazém, sendo que tal contrato cessou, por iniciativa da “Repsol”, em 28-02-2022, tendo sido adjudicado à Ré, por concurso, nessa altura, o mesmo tipo de prestação de serviços.
Alegou ainda que a “Repsol” não era a única cliente da “Plasticarga” e a Autora não desempenhava quaisquer funções relacionadas com o contrato da “Repsol”, cabendo as funções administrativas à funcionária CC, que as exercia nas instalações da “Repsol”, integrando a Autora, na realidade, o quadro de pessoal da “Plasticarga” por força das relações familiares que tinha com um dos sócios gerentes, não lhe sendo exigida qualquer contrapartida pelo pagamento do salário que auferia.
Alegou, por fim, que não houve qualquer transmissão da unidade económica para a Ré relativamente à Autora, uma vez que, mesmo que a Autora desempenhasse funções administrativas, tais funções não estavam relacionadas com o desempenho de funções de logística e transporte que eram levadas a cabo, pelos trabalhadores da “Plasticarga”, no complexo da “Repsol”, pelo que, não sendo a Ré entidade empregadora da Autora, é alheia a qualquer decisão da Autora de resolução do seu contrato de trabalho.
A Autora veio responder às exceções invocadas pela Ré, pugnando pela sua improcedência.
Proferido despacho saneador, foi fixado o valor da ação em €45.786,19, dispensada a audiência prévia, efetuado o saneamento do processo e enunciado o objeto do litígio.
Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 12-09-2023, com a seguinte teor decisório:
Em face de tudo quanto se deixou exposto, o Tribunal julga a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve a ré “LGCE – Logística e Construção Portugal, Lda.” dos pedidos deduzidos pela autora AA.
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Custas a cargo da autora (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Registe e notifique.
Não se conformando com a sentença, veio a Autora interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
A) Ao dar como provado que:
6. Os restantes colegas da autora, com funções operacionais, exerciam funções nas instalações da “R..., S.A.” no complexo Petroquímico em ..., ....
12. Todo o trabalho exercido pelos dezoito trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a laborar nas instalações da “Repsol” era prestado em exclusivo para esta.
13. Estes trabalhadores executavam toda a parte de operação logística das instalações, em concreto: embalamento, armazenagem, movimentação, carregamento e transporte de Polímeros.
14. Com excepção do encaminhamento de algumas questões administrativas, a Repsol não disponibilizou nas suas instalações um espaço para que a “Plasticarga” aí tivesse o seu apoio administrativo que era prestado no seu escritório em ..., onde a autora trabalhava.
15. A Plasticarga carecia de serviços de apoio administrativo para faturação, recebimentos, processamento de salários, pagamento de impostos e segurança social, contratação de seguros,
contratação e pagamento de fornecedores, tratamento de aspectos relativos à formação dos trabalhadores, marcação de férias dos trabalhadores, entre outros.
A sentença recorrida terá que concluir que a atividade da A. é necessária à execução do contrato entre a Plasticarga e a Repsol, por ser acessória dessa actividade.
B) Não o fazendo viola o disposto no art.º 285.º do CT
C) A exclusão da transmissão do contrato de trabalho porquanto o adquirente de uma unidade de negócio de cariz essencialmente de prestação de serviços não detinha posto de assistente administrativa ou semelhante disponível, não leva a que não se transmita o contrato de trabalho, poderá levar sim a que o trabalhador cujo posto de trabalho seja transmitido fique sujeito conjuntamente com quem execute já para a transmissária exercia essas funções aos mecanismos de cessação do contrato de trabalho e não à exclusão da transmissão do contrato;
D) Transmitido o contrato de trabalho e considerando os factos provados nos n.º 27 a 30 da matéria de facto deverá o despedimento da A. com justa causa ser verificado – aliás por não impugnado, com as consequências previstas na petição inicial.
Devendo assim ser o presente recurso julgado procedente e em consequência concluir-se como na Petição Inicial, julgando-se transmitido o contrato de trabalho da A. para a R. e resolvido pela A. o contrato de trabalho com justa causa com as indemnizações aí referidas..
A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a sentença recorrida.
Não houve respostas a tal parecer.
O recurso foi admitido nos seus precisos termos, e, após a ida dos autos aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Existência de transmissão do contrato de trabalho da Autora; e
2) Licitude da resolução do contrato de trabalho da Autora com justa causa.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. Com data de 01.08.2001, entre a “Plasticarga – Movimentação de Cargas, Lda.” e a autora foi celebrado acordo escrito intitulado “Contrato de Trabalho Sem Termo”, pelo qual aquela admitiu esta ao seu serviço para desempenhar sob as sua autoridade e direcção as funções inerentes à categoria profissional de ... de 2.ª, mediante a retribuição mensal ilíquida de Esc.: 88.700$00, tendo por local de trabalho ... e com o período normal de trabalho de 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira, no horário diário das 09:00 às 13:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas.
2. No âmbito da respectiva relação laboral, sob as ordens, direção e fiscalização da “Plasticarga”, a A. desempenhava as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa.
3. A A. exercia as suas funções nos escritórios da “Plasticarga” sitos na Praça ..., ..., ... ..., exercendo também funções nesse local BB.
4. O seu período normal de trabalho era de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta-feira, das 09:00 às 13:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas, com intervalo para refeição das 13:00 às 14:00 horas.
5. Como contrapartida do trabalho prestado, à data de 31.03.2022, a A. auferia a retribuição mensal ilíquida de € 920,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 6,16 por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
6. Os restantes colegas da autora, com funções operacionais, exerciam funções nas instalações da “R..., S.A.” no complexo Petroquímico em ..., ....
7. A autora vive com BB em condições análogas às dos cônjuges, tendo desta relação nascido três filhos um menor de idade e os outros dois maiores, mas ainda frequentando o ensino universitário estando todos ainda dependentes dos seus pais. Cfr. Docs. 3 a 5.
8. A “Plasticarga” tinha como principal cliente a “Repsol Polímeros, Lda”., á qual facturava anualmente, em média, € 740.920,77.
9. A “Plasticarga” tinha também os seguintes clientes:
-“Sirplaste, S.A.”, à qual facturou € 2.435,40;
-“Agrakem Químicos, SL.”, à qual facturou €3.650,00.
10. A “Plasticarga” facturou à “Tracogás, Lda.” € 4.920,00, relativos à venda de um semi-reboque porta-contentores que utilizava na sua actividade dentro da Repsol e que cessou fruto do termo do contrato com esta.
11. À “Agrakem Químicos, SL” e à “Sirplaste, S.A.”, a pedido da “Repsol”, a “Plásticarga” serviu de intermediária, para lograr o transporte destas de produtos adquiridos à Repsol, não tendo obtido lucro desta operação.
12. Todo o trabalho exercido pelos dezoito trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a laborar nas instalações da “Repsol” era prestado em exclusivo para esta.
13. Estes trabalhadores executavam toda a parte de operação logística das instalações, em concreto: embalamento, armazenagem, movimentação, carregamento e transporte de Polímeros.
14. Com excepção do encaminhamento de algumas questões administrativas, a Repsol não disponibilizou nas suas instalações um espaço para que a “Plasticarga” aí tivesse o seu apoio administrativo que era prestado no seu escritório em ..., onde a autora trabalhava.
15. A Plasticarga carecia de serviços de apoio administrativo para faturação, recebimentos, processamento de salários, pagamento de impostos e segurança social, contratação de seguros, contratação e pagamento de fornecedores, tratamento de aspectos relativos à formação dos trabalhadores, marcação de férias dos trabalhadores, entre outros.
16. A Repsol decidiu lançar um concurso para escolher operador logístico no complexo petroquímico da “Repsol Polímeros, Lda.” em ..., que até então, vinha a ser executado pela “Plasticarga”.
17. Nessa sequência, a “Repsol” escolheu a R. como operador logístico no complexo petroquímico da “Repsol Polímeros, Lda.”, em ....
18. A ré realizou entrevista à autora, tendo esta comunicado a sua vontade em continuar a exercer as mesmas funções, para a R.
19. No seguimento desta entrevista, a R. comunicou à autora que não detinha posto de assistente administrativa ou semelhante disponível, propondo-lhe que, as suas funções passassem a ser de operadora logística, a operar máquina nas instalações da “Repsol”.
20. A Repsol disponibilizou nas suas instalações um espaço para a R. poder tratar, para além do mais, do encaminhamento de algumas questões administrativas.
21. A autora enviou à ré carta datada de 24.02.2022, com o teor do doc. ... da PI, a fls. 21 e v.º, que se dá por integralmente reproduzido, entendendo ter havido transmissão de empresa ou estabelecimento, insurgindo-se contra a proposta da ré de exercício de diferentes funções e manifestando a sua pretensão e disponibilidade em retomar o seu posto de trabalho na condição de lhe ser possível exercer função igual ou com alguma ligação funcional ou de afinidade com a que vinha a exercer à data da transmissão.
22. A R. respondeu a esta missiva por carta registada datada de 25.02.2022, com o teor do doc. 9 da PI, a fls. 23, que aqui se dá por integralmente reproduzido e em resumo: manifestando surpresa pelo teor da comunicação da autora, por contraditória com a decisão de não integrar a R., que comunicara na reunião de 15.02.2022 com DD; que não houve uma verdadeira transmissão de unidade económica; ainda que assim não fosse, as regras da transmissão de contratos de trabalho apenas são aplicáveis aos trabalhadores que efetivamente desempenhem funções na unidade económica que seja objecto de transmissão; que a A. não desempenhava qualquer função na unidade económica que tem vindo a prestar serviços à Repsol, tanto assim que nem tem permissão para entrar nas instalações daquela, local onde tais serviços são prestados; que a A. não foi capaz de explicar as funções relacionadas com os serviços prestados à Repsol, tendo mesmo chegado a reconhecer que detinha pouca informação sobre esses serviços, concluindo que não desempenhando a autora quaisquer funções na referida unidade, o seu posto de trabalho não integra a mesma, pelo que, ainda que tivesse havido uma transmissão, não lhe assistia o direito de ser transmitida para a R. pelo que o seu contrato de trabalho, a existir, sempre se manteria na Plasticarga.
23. Em resposta, com data de 01.03.2022, a autora enviou carta à ré, com o teor do doc. ...0 da PI, a fls. 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando a falsidade dos factos daquela missiva, pretendendo continuar com o seu posto de trabalho e agendando o dia 2 de Março para se deslocar e reocupar o seu posto de trabalho na empresa.
24. No dia 02.03.2022, a autora deslocou-se ao complexo petroquímico da “Repsol Polímeros, Lda.”, não lhe tendo sido permitido o acesso às instalações, pois a R. não a incluiu na lista de trabalhadores para autorização de acesso para trabalho, informação que a autora obteve na Portaria, sem a presença de representante da R.
25. Embora com data de 24.02.2022, em 09.03.2022, a autora enviou carta á ré com o teor do doc. ...1 da PI, a fls. 25, que aqui se dá por integralmente reproduzido, indicando ter sido impedida de aceder às instalações da ré para iniciar a sua jornada de trabalho, no dia 02.03.2022, obstando assim a ré, como sua entidade patronal, à sua prestação efectiva de trabalho, aguardando por um prazo de três dias instruções por escrito, quanto ao dia, local e funções que iria exercer, sob pena de resolver o seu contrato de trabalho com a R.
26. BB não viu posto de trabalho garantido pela R.
27. Com data de 17.03.2022, a autora enviou carta à ré, com o teor do doc. ...2 da PI, a fls. 26 a 27 que aqui se dá por integralmente reproduzido, solicitando a atribuição, no prazo de 10 dias a contar da recepção dessa missiva, de funções compatíveis com a sua categoria profissional e a indicação de um local e horário de trabalho para o efeito, sob pena de violação do seu dever de ocupação efectiva, sendo que, decorrido aquele prazo, cessaria o seu vinculo laboral com a R., lançando mão dos expedientes legais de que dispunha para fazer valer os seus direitos.
28. Com data de 31.03.2022, a autora enviou carta à ré, com o teor do doc. 13 da PI, a fls. 29 e v.º que aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando a resolução do contrato de trabalho, por impossibilidade de assegurar a manutenção da relação laboral com a ré, assente na violação culposa por parte desta das suas garantias legais e convencionais, porquanto se encontrava impedida por esta de desempenhar as suas funções, correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa desde o dia ../../2022 até àquela data.
29. As missivas da autora de 01.03.2022, a enviada em 09.03.2022 e as de 17 e 31 de Março/2022 não obtiveram resposta da R.
30. A autora não recebeu salário de Março/2022, proporcionais de subsídios de férias e Natal, de férias de 2002 e subsidio de alimentação.
31. O escritório da “Plasticarga” tratava da facturação à cliente “Repsol”, do recebimento, do pagamento dos salários dos seus próprios trabalhadores, de impostos e contribuições, de seguros, das formações, das baixas médicas, da gestão de correspondência física e eletrónica, do acompanhamento da implementação da norma ISSO 9001, da preparação do processamento de salários, dos contatos de trabalho e de tudo o que dizia respeito à própria “Plasticarga”.
32. A A. pagava os salários dos trabalhadores da “Plasticarga”, mandava processar os seus salários, tratava de algumas questões de seguros, agendava as formações profissionais, entre outras actividades.
33. O comportamento da ré causou angústia à autora.
34. A “Plasticarga” é uma sociedade, por quotas, que opera no sector da logística, movimentação de cargas e descargas, armazenagem e atividades auxiliares de transporte, mais concretamente de organização de transporte em benefício de clientes com quem se relaciona comercialmente.
35. A “Plasticarga” foi constituída em 06.09.1999, tendo por sócios EE, também gerente e FF, respectivamente com as quotas de €4.250,00 e €750,00 no capital social. Certidão permanente
36. Por óbito de EE, pai de FF, a gerência daquele foi cessada em 27.12.2007, tendo sido nessa data designados como tal, FF e GG, passando estes a deter, em conjunto com a sua mãe HH, uma quota de €4.250,00, tendo esta desempenhado algumas tarefas na “Plasticarga”.
37. Os sócios da “Plasticarga” mantêm-se e com a cessação de funções de gerência de FF em 26.01.2022, com efeitos a 24.01.2022, passou a ser seu único gerente GG.
38. Em data não concretamente apurada, mas perto da data da sua constituição, a “Plasticarga” celebrou com a “Borealis” contrato de prestação de serviços de logística, a executar no complexo petroquímico, em ....
39. Em 29.06.2017 e reportado a 01.05.2017, a “Plasticarga” celebrou um contrato de prestação de serviços de logística com a “R..., S.A.”, empresa do sector petrolífero que se dedica ao fabrico e comercialização de produtos químicos, incluindo a petroquímica básica e a sua derivada, desenvolvendo a sua atividade no Complexo Petroquímico de ..., sito no lugar ..., ..., com o teor de fls. 130 a 140 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
40. Este contrato foi sendo sucessivamente renovado pelas partes até ao dia ../../2022, sendo o seu último aditamento de 04.11.2021, conforme teor do doc. de fls. 141 e 142 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
41. Considerando a sua natureza e características, os serviços eram prestados pela “Plasticarga” à “Repsol” no interior das instalações desta, dispondo a “Plasticarga” de um armazém destinado para esse fim.
42. Por razões de segurança, o acesso ao Complexo Petroquímico da Repsol encontra-se condicionado, competindo à “Repsol” conferir autorizações individuais a quem necessite, por motivos atendíveis, de aceder ao Complexo.
43. A “Plasticarga” não foi extinta.
44. Na sequência de concurso para o efeito, em 01.03.2022, a “Repsol Polímeros, Unipessoal, Lda.” celebrou com a ré o contrato de prestação de serviços de fls. 117 a 126 v.º, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
45. Aquando da adjudicação deste contrato, a R. empreendeu diligências para avaliar as necessidades funcionais a que teria que dar resposta no âmbito da prestação de serviços, tendo, entre outras medidas, entrevistado cada um dos trabalhadores afectos pela “Plasticarga”.
46. Para além do mais, algumas das funções administrativas relacionadas com a gestão de pessoal eram desempenhadas por GG, tais como contratações, celebração de acordos, encaminhando questões administrativas relativas aos trabalhadores para o escritório da “Plasticarga”.
47. A “Plasticarga” recorria a empresa externa para o processamento salarial.
48. As funções de CC e de GG eram desempenhadas nas instalações da “Repsol”, onde dispunham de um espaço para o efeito.
49. A A. não desempenhava quaisquer funções na “Plasticarga”, no âmbito do contrato da “Repsol”, isto é, prestando serviços administrativos à “Repsol”.
50. Por isso, a A. não estava credenciada pela “Repsol” para entrar no seu Complexo Industrial.
51. A autora nunca desempenhou as suas funções nas instalações da Repsol, não por oposição e inflexibilidade desta, mas porque não existia necessidade que assim fosse.
52. Uma vez adjudicados os serviços à R., trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a trabalhar nas instalações da “Repsol”, e que assim o quiseram, passaram a estar vinculados à R.
53. Enquanto trabalhadora da “Plasticarga”, a A. nada fez junto desta ou contra esta para fazer valer os seus direitos.
54. A A. procedia à recolha e tratamento de dados necessários ao processamento salarial, tais como registos de assiduidade, períodos de férias, baixas médicas, licenças, prestação de horas de trabalho suplementar pelos trabalhadores, ajudas de custo, entre outros, actuando em articulação com os trabalhadores do “G..., Lda.”, entre os quais, o contabilista II.
55.CC foi contratada pela “Plasticarga” em 24.07.2017, por exigência da “Repsol”, para assegurar serviços administrativos exclusivamente afectos á plataforma de contentores, carregamento, armazenamento e expedição de produtos da “Repsol”.
56. Desde a data da sua contratação, esta trabalhadora ficou exclusivamente afecta ao “...” no Complexo Industrial da “Repsol” para assegurar a gestão administrativa relacionada com o carregamento, armazenamento e expedição de produtos da “Repsol”.
57. A “Plasticarga” deixou de ter facturação desde ../../2022.
E deu como não provados os seguintes factos:
A. A “Plasticarga” tinha como única cliente a “Repsol”.
B. A Repsol disponibiliza à R., nas suas instalações, um espaço para aí poder tratar de todas as questões administrativas.
C. A A. apenas não trabalhava nas instalações da “Repsol Polímeros, Lda.” porque nas instalações não lhe foi disponibilizado espaço físico para o efeito.
D. A “Plasticarga” não facultou formação profissional á autora nos últimos 5 anos.
E. A autora não gozou férias referentes ao ano de 2021.
F. Devido ao comportamento da ré a autora passou a sofrer de ansiedade e depressão, que levou a dias de constante sofrimento e com insónias frequentes.
G. A autora teve de recorrer a apoio médico e tomar medicação para o efeito.
H. A “Plasticarga” mantém a sua atividade.
I. A trabalhadora da “Plasticarga”, CC, com a categoria de Assistente Administrativa, ocupava-se das tarefas administrativas ligadas ao contrato com a “Repsol”.
J. Quando entrevistados pela R., os restantes trabalhadores da “Plasticarga” afirmaram desconhecer quais as funções desempenhadas pela A.
K. A A. quando entrevistada pelos responsáveis da R., não conseguiu explicar o que fazia em concreto, tendo-se limitado a uma alusão vaga e genérica a tarefas administrativas, sem concretização prática.
L. A A. não desempenhava quaisquer funções na “Plasticarga”, no apoio administrativo à execução do contrato da Repsol.
M. Devido às relações familiares que tinha com os seus sócios-gerentes não era exigida á autora qualquer contrapartida pelo pagamento do salário que auferia.
N. HH pertenceu aos quadros de pessoal da “Plasticarga”.
O. A A. referiu inicialmente, que não pretendia a integração na R.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é saber se (i) existiu transmissão do contrato de trabalho da Autora; e (ii) é lícita a resolução do contrato de trabalho da Autora com justa causa.
1 – Existência de transmissão do contrato de trabalho da Autora
Considera a recorrente que a sentença recorrida, ao dar como provado os factos 6, 12, 13, 14 e 15, tem de concluir que a atividade da Autora é necessária à execução do contrato entre a “Plasticarga” e a “Repsol”, por ser acessória dessa atividade, pelo que, ao não o fazer, violou o disposto no art. 285.º do Código do Trabalho.
Mais alegou que a circunstância de o adquirente de uma unidade de negócio de cariz essencialmente de prestação de serviços não deter posto de assistente administrativa, não leva a que não se transmita o contrato de trabalho dessa assistente administrativa, poderá, sim, levar a que tal contrato venha a cessar junta da entidade para quem essa unidade económica foi transmitida.
Apreciemos, em primeiro lugar, a aplicação a estes factos da versão do art. 285.º, n.º 10, do Código do Trabalho, introduzida pela Lei n.º 18/2021, de 08-04, por ser essa a versão aplicável.
Dispunha o art. 285.º do Código do Trabalho, na citada versão, que:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
11 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
12 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
13 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 7, 8 ou 9.
14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º

De acordo com o disposto no art. 285.º do Código do Trabalho, na versão citada, quando a transmissão ocorre, por qualquer título, não só da titularidade de empresa ou estabelecimento, como também de parte de empresa ou de parte de estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se igualmente para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, com todos os direitos contratuais e adquiridos (nºs. 1 e 3 do citado artigo).
O mesmo acontece, nos termos do n.º 2 do art. 285.º, quando se dá a transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável aquele que anteriormente exercia a exploração nos casos da cessão ou da reversão.
De acordo com o n.º 5 desse artigo, para que estejamos perante uma unidade económica é necessário que exista (i) um conjunto de meios organizados; (ii) que constitua uma unidade produtiva; (iii) dotada de autonomia técnico-organizativa; (iv) com identidade própria; (v) e com o objetivo de exercer uma atividade económica principal ou acessória.
Por fim, e como forma de resolver uma questão que foi dividindo a jurisprudência nacional, nesta versão, consagrou-se expressamente que o disposto nesta art. 285.º aplica-se a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
Desta forma passou a estar consagrado na legislação nacional que havendo uma adjudicação de determinados serviços, independentemente do método de seleção, a uma nova empresa, pelo beneficiário, que constituem uma unidade económica, os contratos de trabalho dos trabalhadores que exerciam tais serviços na anterior empresa adjudicada são transmitidos para a nova empresa adjudicada.
Assim, para que esta transmissão dos contratos de trabalho ocorra torna-se necessária a existência (i) de uma anterior empresa a quem foram adjudicados determinados serviços; (ii) que esses serviços constituam uma unidade económica; (iii) que exista um beneficiário desses serviços; (iv) que esse beneficiário seja do sector público ou do sector privado; (v) que esse beneficiário adjudique tais serviços a uma outra empresa; (vi) através de concurso público ou por outro meio de seleção.
É, por isso, fundamental para deslindar se em cada adjudicação de contratação de serviços se verifica ou não uma situação de transmissão, nos termos do art. 285.º do Código do Trabalho, apurar se tais serviços constituem ou não uma unidade económica, visto que aquilo que este n.º 10 pretendeu foi que, sem quaisquer margens para dúvidas, passassem a integrar o conceito de transmissão previsto neste artigo todas as situações de transmissão de unidade económica em que inexiste qualquer relação contratual entre o transmitente e o adquirente dessa unidade económica.
Importa referir que o art. 285.º, na sua versão inicial, resultou de uma transposição do direito comunitário, concretamente da Diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 13-03-2021,[3] no qual se atribuiu de forma inequívoca uma primazia ao direito à segurança no emprego em detrimento do direito à liberdade contratual, porém, ainda assim, impondo-se algumas limitações a esse direito à segurança no emprego, assente naquilo que se deva entender por “unidade económica”.
Conforme já se referiu, para o art. 285.º do Código do Trabalho existe uma unidade económica suscetível de configurar uma transmissão, quando estamos perante um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados, de forma autónoma e com a sua própria identidade, para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.
Aliás, sobre esta matéria é fundamental citar o acórdão do STJ, proferido em 26-09-2012:[4]
Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
É, contudo, essencial que a transferência tenha por objeto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário.

Posto isto, vejamos o caso concreto.
A Autora considera que houve uma transmissão de uma unidade económica e que ela integrava essa unidade económica, em face do que consta dos factos provados 6, 12, 13, 14 e 15.
Atente-se que na sentença recorrida foi reconhecida a existência de transmissão de uma unidade económica entre a “Plasticarga” e a Ré, porém, considerou-se igualmente que a Autora não integrava tal unidade económica.
Cita-se a seguinte parte da referida sentença:
Em conclusão, mesmo considerando a existência de uma relação de trabalho subordinada entre a autora e a “Plasticarga”, não integrando a autora a unidade económica (assente exclusivamente em mão de obra) que executava a prestação de serviços na área da logística à “Repsol”, sendo estranho a esse contrato a prestação de serviços administrativos (da própria “Plasticarga” e essenciais ao seu funcionamento como provado sob o ponto 15) que não os referentes ao trabalho prestado por CC, teremos de concluir que tal situação laboral não se poderia transmitir à R.

E, a ser assim, a questão que é colocada no presente recurso já não é sobre a existência de uma unidade económica, mas sim, sobre se a atividade profissional da Autora ao serviço da empresa “Plasticarga” integrava a unidade económica que foi transmitida para a Ré.
Ora, consta dos factos provados 6, 12, 13, 14 e 15 o seguinte:
6. Os restantes colegas da autora, com funções operacionais, exerciam funções nas instalações da “R..., S.A.” no complexo Petroquímico em ..., ....
12. Todo o trabalho exercido pelos dezoito trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a laborar nas instalações da “Repsol” era prestado em exclusivo para esta.
13. Estes trabalhadores executavam toda a parte de operação logística das instalações, em concreto: embalamento, armazenagem, movimentação, carregamento e transporte de Polímeros.
14. Com excepção do encaminhamento de algumas questões administrativas, a Repsol não disponibilizou nas suas instalações um espaço para que a “Plasticarga” aí tivesse o seu apoio administrativo que era prestado no seu escritório em ..., onde a autora trabalhava.
15. A Plasticarga carecia de serviços de apoio administrativo para faturação, recebimentos, processamento de salários, pagamento de impostos e segurança social, contratação de seguros, contratação e pagamento de fornecedores, tratamento de aspectos relativos à formação dos trabalhadores, marcação de férias dos trabalhadores, entre outros.

Diga-se, desde já, que tais factos não integram a Autora na unidade económica transmitida, visto que dos mesmos nem sequer resultam, em concreto, as funções da Autora, apenas se faz menção ao seu local de trabalho.
Aliás, de tais factos apenas resulta que todo o trabalho exercido pelos dezoito trabalhadores da “Plasticarga”, que se encontravam a laborar nas instalações da “Repsol”, e nos quais não se integrava a Autora, era prestado em exclusivo para a “Repsol”, sendo que essa não era a situação da Autora.
Acresce que resultou igualmente provado que:
- A “Plasticarga”, para além da “Repsol” tinha outros clientes, ainda que esta fosse a sua principal cliente (factos provados 8 e 9);
- No escritório da “Plasticarga”, sito na Praça ..., ..., ... ..., tratava-se da faturação à cliente “Repsol”, do recebimento, do pagamento dos salários dos seus próprios trabalhadores, de impostos e contribuições, de seguros, das formações, das baixas médicas, da gestão de correspondência física e eletrónica, do acompanhamento da implementação da norma ISSO 9001, da preparação do processamento de salários, dos contratos de trabalho e de tudo o que dizia respeito à própria “Plasticarga” (factos provados 3 e 31);
- A Autora exercia as suas funções nesse escritório e encarregava-se de pagar os salários dos trabalhadores da “Plasticarga”, mandar processar os seus salários (ou seja, proceder à recolha e tratamento de dados necessários ao processamento salarial, tais como registos de assiduidade, períodos de férias, baixas médicas, licenças, prestação de horas de trabalho suplementar pelos trabalhadores, ajudas de custo, entre outros, atuando em articulação com os trabalhadores do “G..., Lda.”, entre os quais, o contabilista II), tratar de algumas questões de seguros e agendar as formações profissionais, entre outras atividades (factos provados 3, 32 e 54);
- A “Plasticarga” recorria a empresa externa para o processamento salarial (facto provado 47);
- A Autora não desempenhava quaisquer funções na “Plasticarga”, no âmbito do contrato da “Repsol”, isto é, prestando serviços administrativos à “Repsol”, por isso, a Autora não estava credenciada pela “Repsol” para entrar no seu Complexo Industrial, pelo que a Autora nunca desempenhou as suas funções nas instalações da “Repsol”, não por oposição e inflexibilidade desta, mas porque não existia necessidade que assim fosse (factos provados 48, 49 e 50);
- Era a funcionária CC, que foi contratada pela “Plasticarga”, em 24-07-2017, por exigência da “Repsol”, que assegurava os serviços administrativos exclusivamente afetos à plataforma de contentores, carregamento, armazenamento e expedição de produtos da “Repsol”, pelo que, desde a data da sua contratação, esta trabalhadora ficou exclusivamente afeta ao “...” no Complexo Industrial da “Repsol”, para assegurar a gestão administrativa relacionada com o carregamento, armazenamento e expedição de produtos da “Repsol” (factos provados 55 e 56);
- As funções de CC e de GG eram desempenhadas nas instalações da “Repsol”, onde dispunham de um espaço para o efeito (facto provado 48);
- Para os serviços contratados pela “Repsol” à “Plasticarga”, aquela disponibilizou a esta, no interior das suas instalações, um armazém destinado a tais serviços (facto provado 41);
- Por razões de segurança, o acesso ao Complexo Petroquímico da “Repsol” encontra-se condicionado, competindo à “Repsol” conferir autorizações individuais a quem necessitasse, por motivos atendíveis, de aceder ao Complexo (facto provado 42); e
- Uma vez adjudicados os serviços à Ré, os trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a trabalhar nas instalações da “Repsol”, e que assim o quiseram, passaram a estar vinculados à Ré (facto provado 52).
Resulta, assim, à saciedade da matéria dada como provada que as funções da Autora se reportavam ao serviço administrativo da empresa “Plasticarga”, e não às funções administrativas relacionadas diretamente com o serviço que os demais trabalhadores da “Plasticarga” prestavam exclusivamente para a “Repsol”, pelo que é evidente que a Autora não integrava a unidade económica que foi objeto de transmissão, razão pela qual nem sequer tinha acesso ao local de trabalho onde tal unidade económica laborava.
Pelo exposto, apenas nos resta confirmar a bem fundamentada sentença recorrida, improcedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.

2 – Licitude da resolução do contrato de trabalho da Autora com justa causa.
Entende a recorrente que, uma vez transmitido o seu contrato de trabalho, em face dos factos provados 27 a 30, deverá considerar-se lícita a resolução desse contrato de trabalho com justa causa.
A análise desta pretensão mostra-se dependente da procedência da pretensão da transmissão do contrato de trabalho da Autora, pelo que, não tendo esta sido atendida, fica prejudicada qualquer tomada de decisão sobre esta matéria.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 7 de março de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
____________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Doravante “LGCE”.
[3] Que, por sua vez, substituiu a Diretiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14-02-1977, alterada pela Diretiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29-06-1998, onde já constava este conceito amplo de transmissão.
[4] No âmbito do processo n.º 889/03.1TTLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.