Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
208/16.7T8OLH-Y.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
EXTEMPORANEIDADE
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente apresentado após o trânsito em julgado da decisão final do processo.
(Sumário do Realator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 208/16.7T8OLH-Y.E1


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…), Lda. e (…) Unlimited, Lda., por apenso ao processo especial de insolvência em que é insolvente (…), Comércio de Combustíveis, Lda., instauraram contra a Massa Insolvente de (…), Lda. e Auto (…), S.A., ação declarativa com processo comum, a que foi atribuído o valor de € 676.784,50.
A ação improcedeu em 1ª instância e as Autoras, sem êxito, apelaram da sentença; foram condenadas nas custas em 1ª e 2ª instância.
Alcançada a fase da conta e notificadas ambas as Autoras para pagamento das quantias de € 6.018,00 e a autora (…), Lda. para pagamento da quantia de € 2.601,00, veio esta última, no prazo da reclamação da conta, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, com fundamento na manifesta desproporcionalidade entre o serviço prestado pelo sistema de justiça e o valor do remanescente da taxa de justiça.
Argumentou, em resumo, que as questões colocadas em 1ª instância e no recurso não tinham especial complexidade, a petição tinha 66 artigos e as alegações de recurso 24 artigos, o julgamento foi concluído em três sessões e foram ouvidas apenas três testemunhas.

2. Sobre o requerimento recaiu o seguinte despacho:
“Reclamação da conta de custas
Notificada da conta de custas, a Autora (…), Lda. veio apresentar reclamação, invocando que no caso deveria ser aplicada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Foi proferida sentença nos autos que julgou improcedentes os pedidos e fixou a responsabilidade pelas custas a cargo das Autoras.
A sentença foi notificada às Autoras a 08.04.2022.
A sentença foi confirmada em sede de recurso, por acórdão que foi notificado às Autoras a 27.10.2022.
A sentença transitou em julgado a 15.11.2022.
Foi então elaborada a conta de custas, que foi notificada às Autoras a 09.02.2023.
Por requerimento de 22.02.2023, a Autora (…). Lda. reclamou da conta de custas, invocando dever haver dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Pelo acórdão n.º 1/2022, de 10.11.2021 (publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série I, de 2022-01-03, páginas 31-71), o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no seguinte sentido: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Resulta deste acórdão uniformizador de jurisprudência que o direito de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que alude o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, preclude com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Ora, a decisão final do processo transitou em julgado a 15.11.2022. E a autora (…) apenas veio invocar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça a 22.02.2023, estando já largamente ultrapassado o prazo limite para exercer o direito.
Assim sendo, improcede a reclamação de custas apresentada.”

3. A reclamante (…), Lda. recorre deste despacho e conclui assim a motivação do recurso:
“A. Veio o Tribunal a quo alegar no seu douto despacho de indeferimento da Reclamação, notificado à Recorrente a 08.03.2023, um único argumento: que se encontra ultrapassado o prazo limite para requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
B. Contudo, não se pronuncia sobre a clara desproporcionalidade entre o valor das custas cobrado, determinado, única e exclusivamente em função do valor atribuído à causa, e o serviço de justiça efetivamente prestado, e não fundamenta a aplicação dos valores imputados à Recorrente.
C. Inconformada com aquela decisão vem a Apelante, pelo presente recurso, recorrer para este Tribunal ad quem, porquanto considera que, a Douta Sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
D. Como é consabido, tanto a jurisprudência como a doutrina, não repugna aceitar que em casos-limite a parte possa requerer e o juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente, para além do momento da conta final.
E. Há casos-limite, como o dos autos, que correspondem a situações de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada.
F. Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, para além do momento da conta final, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Lei Constitucional.
G. Isto porque, o Estado de direito democrático deve assegurar a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado.
H. E garante a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos.
I. Os valores cobrados à ora Recorrente, ultrapassam flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos.
J. Desde logo, a questão jurídica submetida à apreciação do Digno Tribunal a quo não se afigura de natureza especialmente complexa, uma vez que se reporta única e exclusivamente à aferição da existência dum contrato de exploração, ao abrigo do qual a Recorrente explorava três postos de combustíveis, tendo sofrido danos patrimoniais com a apreensão dos mesmos para a massa insolvente.
K. Basta atentar no teor e extensão da petição inicial com somente 66 artigos, elaborada em conjunto por duas Autoras.
L. Com pouca prova documental (oito documentos) e somente três testemunhas.
M. E ao teor e extensão das alegações, com somente 24 artigos.
N. Atente-se, também, à extensão da mui Douta sentença proferida.
O. E à extensão do mui Douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.
P. Ademais, ainda que se pondere (mas no que não se concede) uma eventual complexidade da causa por mero reporte aos valores a título de indemnização, devidos pelas benfeitorias realizadas nos postos de combustível, pelo sistema informático instalado nos mesmos e pelos lucros cessantes do exercício da atividade da Recorrente.
Q. De resto, em bom rigor nada se alteraria se o valor da causa se tivesse fixado nos limites da alçada de recurso da decisão de primeira instância.
R. Note-se, em primeiro lugar, que estamos perante uma ação que implica trâmites processuais simples e flexíveis, de forma a resolver com rapidez, eficiência e justiça os litígios em tribunal.
S. Por outro lado, a audiência prévia teve apenas 25 minutos e foram levados apenas 9 (nove) temas da prova.
T. Relativamente às sessões de julgamento, foram agendadas somente duas (19 e 20 de outubro de 2020) e uma continuação da última sessão, uma vez que faltaram testemunhas.
U. No que respeita às sessões de julgamento, importa mencionar que, por acordo das partes, a mesma audiência de julgamento, produziu a prova de três apensos K, L e M, ao processo de insolvência n.º 208/16.7T8OLH.
V. Uma vez que o objeto do litígio em cada um dos apensos estava interligado, as partes eram essencialmente as mesmas, as testemunhas arroladas e admitidas eram exatamente as mesmas e os ilustres mandatários das partes eram os mesmos.
W. O que contribuiu para uma maior eficácia e celeridade processuais e evitou que os intervenientes processuais – partes, testemunhas e mandatários judiciais –, se tivessem de deslocar ao Tribunal a quo para a realização de três ou mais audiências de julgamento, num período de temporal muito próximo, para produzir depoimentos ou declarações em grande parte sobre os mesmos factos.
X. Contribuindo-se, deste modo, para o princípio da gestão processual e da adequação formal.
Y. Não foram juntos pareceres, nem requerida prova pericial.
Z. Por sua vez, a conduta processual das partes não mereceu censura, designadamente considerando hipotéticos expedientes dilatórios.
AA. Não foi suscitada qualquer questão ou incidente anómalo, muito menos um que justifique o pagamento de € 6.018,00, na 1ª instância, e de € 2.601,00, na 2.ª instância, num total global de € 8.619,00, a título de custas.
BB. Do mesmo modo, os depoimentos das testemunhas foram objetivos e sumários, com a inerente simplificação da produção da prova testemunhal, também deste modo se simplificando a administração e apreciação da prova.
CC. Acresce que, o comportamento de todas as partes envolvidas foi regular, não tendo sido levantados incidentes não essenciais ou questões prolixas, tendo-se resumido a análise judicial a questões pontuais e de simples resolução jurídica.
DD. Face a tudo o exposto, o serviço prestado pelo Tribunal não justifica minimamente a cobrança de uma taxa de justiça de valor extraordinariamente elevado, como a que resulta da aplicação dos critérios legais.
EE. Face a uma tão flagrante desproporção entre a taxa de justiça a pagar e o serviço de justiça realizado, deve este Douto Tribunal proferir decisão que entenda que, apesar do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ser formulado depois da conta final do processo, não pode deixar de ser atendido.
FF. O n.º 7 do artigo 6.º do RCP consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar o equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade.
GG. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.
HH. Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão.
II. Salvaguardando-se, assim, os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
JJ. Assim, e com particular relevo para os autos, importa reter que a modulação do valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado é tarefa oficiosa do juiz, ou seja, não carece de requerimento das partes e deve, designadamente, atender à complexidade da causa por forma a expressar um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado.
KK. Importa referir que, foi acordado verbalmente entre a (…), Lda. e a (…) Unlimited, Lda., que quaisquer valores relativos ao processo, a título de taxa de justiças, e às posteriores custas processuais, seriam suportados por inteiro pela (…), Lda..
LL. O que significa que o valor de € 6.018,00, da 1ª instância, e o de € 2.601,00, da 2.ª instância, num total global de € 8.619,00, é da responsabilidade singular da (…), Lda..
MM. Fica claro que, salvo o devido respeito, a Douta Sentença ora recorrida não teve em linha de conta o prescrito pelo artigo 6.º, n.º 7, do RCP, não se pronuncia sobre a clara desproporcionalidade entre o valor das custas cobrado, determinado, única e exclusivamente em função do valor atribuído à causa e o serviço de justiça efetivamente prestado, entendendo a Recorrente que os valores aqui aplicados se manifestam excecionalmente desproporcionais e desajustados ao caso concreto.
NN. E, ao decidir como fez, com o devido respeito, e que é muito, o Tribunal a quo incorretamente aplicou e interpretou o disposto no artigo 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9, do RCP, violando os direitos da Recorrente e os artigos 2.º, 18.º, n.º 2, segunda parte e 20.º da CRP.
OO. Em conclusão, impõe-se proceder à reforma da conta de custas sob pronuncia, porque verificados os pressupostos legais para tanto, o que respeitosamente se requer.
PP. Devendo ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que dispense, pelo menos em parte, o remanescente de taxa de justiça, pedido pelo recurso de apelação.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. nos restantes de Direito aplicáveis, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que dispense, pelo menos em parte, o remanescente de taxa de justiça pedido pelo recurso de apelação.
Assim se fazendo JUSTIÇA. E.D.”
Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões nestas suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil; as conclusões do recurso colocam as seguintes questões: i) se a decisão recorrida é nula por omissão de pronuncia, ii) se a Recorrente está em tempo de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, iii) se a Requerente deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III. Fundamentação
1. Relevam os factos supra relatados.

2. Direito
2.1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronuncia
A Recorrente suscita a nulidade da decisão recorrida, afirmando que conheceu apenas “do prazo limite para requerer a dispensa de pagamento do remanescente da raxa de justiça” e não se pronunciou sobre a questão da “clara desproporcionalidade entre o valor das custas cobrado (…) e o serviço de justiça efetivamente prestado”, nem “fundamenta a aplicação dos valores imputados à Recorrente” [cclªs A a C].
Segundo o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil (CPC), a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [disciplina é aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos – artigo 613.º, n.º 3, do CPC].
Sobre as questões a resolver na sentença e a ordem do julgamento, o artigo 608.º do CPC, prevê:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Assim, para além do conhecimento de questões de que ao juiz cumpre oficiosamente conhecer, a decisão judicial deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ou seja, conhecer dos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, das causas de pedir por estes invocadas e das exceções deduzidas.
Mas existem algumas exceções a esta regra.
O conhecimento das questões de mérito só tem lugar se estiverem reunidos os necessários pressupostos processuais, isto é, se não ocorrerem vícios processuais insupríveis que determinem a absolvição da instância (n.º 1); a decisão judicial não conhece de questões – colocadas pelas partes ou de conhecimento oficioso – cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2).
Acresce, por definição dir-se-á, uma outra: à parte das questões de conhecimento oficioso, o juiz não conhece de questões que as partes não tenham submetido à sua apreciação, o que se verifica não só quando as partes pura e simplesmente não submetem à apreciação do juiz qualquer questão, mas também quando o fazem por forma inválida (v.g. oral quando o ato deva ser escrito) ou extemporânea, isto é, num hiato temporal em que já perderam o direito de praticar o ato.
Assim acontece com o decurso dos prazos perentórios, como o são, em regra, os prazos fixados às partes para praticarem os atos processuais; o decurso do prazo perentório, salvo situações de justo impedimento, extingue o direito de praticar o ato [artigos 139.º, n.º 3 e 140.º do CPC]. Extinguindo-se o direito de praticar o ato não incumbe ao juiz verificar se o direito existe ou não existe, isto é, apreciar as razões e os fundamentos do direito cujo exercício se mostra extinto.
Como no caso ocorre.
A decisão recorrida não conheceu da reclamação destinada à dispensa do pagamento remanescente da taxa de justiça por considerar que o requerimento estava fora de prazo; ora, o estar a parte em tempo de exercer um determinado direito é uma questão diferente e prévia ao (re)conhecimento do direito, isto é, se pelo decurso do prazo se extinguiu o direito de exercer o direito, torna-se inútil apreciar se o direito existe ou não, pois que ainda que exista, a parte, por preclusão, deixou de o poder exercer.
A questão formal oficiosamente conhecida pela decisão recorrida – a extemporaneidade da reclamação – prejudica o conhecimento do mérito da reclamação [do pedido de isenção do pagamento do remanescente da taxa de justiça e seus fundamentos], pela inutilidade que resultaria em conhecer de um direito que o interessado não pode validamente exercer e, assim, a decisão recorrida ao não conhecer do pedido e dos fundamentos do requerimento havido por extemporâneo observa a lei e, como tal, não é nula; nula seria, ao invés, se depois de julgar extemporânea a reclamação houvesse conhecido do pedido formulado e das suas razões, por contradição entre os fundamentos e a decisão [artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC].
A decisão recorrida não é nula por omissão de pronuncia.


2.2. Se a Recorrente está em tempo de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Depois de ajuizar que o requerimento destinado à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser apresentado antes do trânsito em julgado da decisão final, a decisão recorrida concluiu pela extemporaneidade da pretensão da Recorrente e julgou improcedente a reclamação (improcedência aqui com o sentido de indeferimento, uma vez que a decisão recorrida não conheceu da pretensão – do pedido e das suas razões – única via de alcançar a procedência ou improcedência da reclamação).
Assente sobretudo na ideia da manifesta desproporção entre a taxa de justiça que lhe é exigida e o serviço prestado pelo sistema de justiça, a Recorrente defende que lhe deve ser concedida, ao menos em parte, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A questão coloca-se, porquanto nas causas de valor superior a 275.000,00, a taxa de justiça devida pelo impulso processual do interessado é de 16 UC, a que acresce 3 UC por cada € 25.000 para além dos referidos € 275.000, a considerar na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (artigos 6.º, nºs 1 e 7 e tabela I-A, do Regulamento das Custas Processuais, doravante designado por RCP).
O RCP estabelece, como princípio, que a taxa de justiça é fixada em função do valor e complexidade da causa (artigo 6.º, n.º 1, do RCP) e nas causas de valor superior a € 275.000,00, caso se justifique, exige a intervenção do juiz por forma a graduar ou, no limite, a dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em função da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
Este princípio de adequação, ou proporcionalidade, entre a taxa de justiça e o custo/benefício proporcionado pelo sistema de justiça ao interessado, traduz uma ideia central na conformação das custas judiciais, como resulta preâmbulo do D.L. n.º 34/2008, de 26/12 e encontra amparo no direito de acesso aos tribunais e no princípio da proporcionalidade consagrados respetivamente nos artigos 20.º, 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição; a propósito, e entre outros, ajuizou o Ac. do TC n.º 421/2013, de 15/7, que os “critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.[1]
É esta possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos procedimentos de valor especialmente elevado que veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, ao aditar ao artigo 6.º do RCP o n.º 7 que, em estreito paralelismo com a norma que figurava no artigo 27.º, n.º 3, do revogado Código das Custas Judiciais, prevê: «Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
A modulação do valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado é tarefa oficiosa do juiz, não carece de requerimento das partes e deve, designadamente, atender à complexidade da causa por forma a expressar um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado.
A lei não prevê expressamente qualquer prazo, ou fase processual, para as partes requererem ao juiz - ou influenciarem a sua decisão sobre - a dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça e, assente sobretudo nesta razão, o acórdão desta Relação de 6/10/2016[2] considerou “tempestivo o requerimento do responsável pelo pagamento das custas, visando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado no prazo que a lei lhe concede para reclamar da conta”.
A questão, entretanto, foi largamente debatida e o Supremo Tribunal de Justiça veio a fixar a seguinte jurisprudência uniformizada: A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.[3]
A decisão recorrida observou esta jurisprudência uniformizada; verificou que o requerimento da Recorrente, destinado a obter a dispensa do remanescente de taxa de justiça, foi apresentado em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão final do processo – após elaborada a conta de custas – e concluiu pela sua extemporaneidade.
Não se vê, nem a Recorrente explica, como decidir de forma diferente.
Os acórdãos de uniformização de jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos, têm um valor reforçado que lhes advém de emanarem do pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, do facto de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea c), do CPC e ainda da obrigatoriedade de o próprio Supremo Tribunal de Justiça só em julgamento ampliado de revista poder consagrar solução jurídica oposta à estabelecida por jurisprudência uniformizada (artigo 686.º, n.º 3, do CPC).
A jurisprudência uniformizada deve exercer “nos aplicadores da lei um efeito persuasivo que só deverá ser quebrado caso novos e decisivos argumentos, razões ou circunstâncias, não abordados no acórdão uniformizador, venham a abrir espaço a uma outra diferente solução.”[4]
Na espécie, não são invocadas razões ou argumentos que afastem ou tornem duvidosos os fundamentos que justificaram a solução uniformizada; aliás, os fundamentos invocados pela Recorrente – a manifesta desproporcionalidade entre o serviço prestado pelo sistema de justiça e o valor do remanescente da taxa de justiça – prendem-se com a existência ou reconhecimento do direito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e não com os efeitos preclusivos da inobservância do prazo, ou momento processual, para o exercício do direito, não havendo assim quaisquer razões a considerar para desaplicar a jurisprudência uniformizada.
Assim, devendo o requerimento para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou a sua redução, ser formulado até ao trânsito em julgado da decisão final do processo e tendo a Recorrente apresentado tal requerimento em momentos posterior – após a elaboração da conta – o requerimento é extemporâneo, com a consequente extinção do direito de praticar o ato.
Solução que não se depara com os obstáculos constitucionais equacionados pelo recurso, isto é, não viola o direito fundamental de acesso aos Tribunais e ao Direito, a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo.
As razões já foram superiormente afirmadas:
a interpretação dos artigos (…) 6.º, n.º 7, do RCP, no sentido de o Tribunal não ter de conhecer, mesmo oficiosamente, a (des)proporcionalidade entre o montante da taxa de justiça e a atividade jurisdicional desenvolvida, no caso de o pedido de dispensa do remanescente ser considerado, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, extemporâneo, não é inconstitucional por violação do direito fundamental de acesso aos Tribunais e ao Direito, a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrados no artigo 20.º da CRP, conjugados com o princípio da proporcionalidade e com as exigências do Estado de Direito, decorrentes dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 2.ª parte, e 266.º, n.º 2, da CRP;
(…)
- não se trata de interpretar o artigo 6.º, n.º 1, do RCP, e a Tabela I no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante devido a este título. Está, por isso, arredada a apreciação de qualquer inconstitucionalidade por violação do direito fundamental de acesso aos Tribunais e ao Direito, a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrados no artigo 20.º da CRP, conjugados com o princípio da proporcionalidade e com as exigências do Estado de Direito, decorrentes dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 2.ª parte, e 266.º, n.º 2, da CRP. A norma observada pelo Tribunal, na decisão do caso concreto, nunca poderá corresponder a uma determinação da taxa de justiça exclusivamente em função do valor da casa, pois admite-se expressamente que podia ter existido um pedido de dispensa ou redução, desde que tempestivamente apresentado.”[5]
Em conclusão, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou a sua redução, deve requerida, sob pena de preclusão do direito, até ao trânsito em julgado da decisão final do processo.
Havendo sido este o entendimento da decisão recorrida, resta confirmá-la.
Solução que prejudica o conhecimento da derradeira questão colocada no recurso – se a Requerente deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça – uma vez que não se altera seja qual for o resultado deste conhecimento.
Improcede o recurso.

3. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Recorrente pagar as custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Évora, 8/2/2024
Francisco Matos
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Vitor Sequinho dos Santos


__________________________________________________
[1] In www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html
[2] Ac. RE de 6/10/2016 (proc. 4774/10.2PTM-A.E1), relatado pelo ora relator, disponível em www.dgsi.pt
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022, de 3 de janeiro, DR, I Série, de 3/1/2022.
[4] Ac. STJ de 3/10/2006 (proc. 06A2334), disponível em www.dgsi.pt
[5] Ac. STJ de 30/11/2021 (2498/17.9T8CSC.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt.