Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1803/22.0T8STR.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIADOR
BOA-FÉ
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O julgamento factual não dispensa uma pré figuração do litígio abrangente, de acordo com as diversas soluções plausíveis do direito.
2- O recurso não pode contemplar fundamentos novos, pois que, só se recorre de uma decisão que analisou previamente uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido ou, não tendo sido apreciada e decidida seja, não obstante, de conhecimento oficioso.
3- A lei impõe ao mediador de seguros deveres adicionais, como sejam o dever de atuar em conformidade com os melhores interesses dos seus clientes, de forma honesta, correta e profissional e o dever de transmitir à empresa de seguros, em tempo útil, todas as informações e instruções, no âmbito do contrato de seguro, que o tomador do seguro solicite.
4- Na aferição desses particulares deveres de diligência do mediador, o cliente não está isento de uma prática concordante com a exigência colocada à contraparte.
5 - Resulta do princípio da boa fé contratual que mesmo na defesa dos seus próprios interesses, deva ocorrer um dever geral de diligência.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1803/22.0T8STR.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

(…) e Filhos – Comércio e Transportes, Lda., com sede na Rua do (…), 12, (…), em (…), veio intentar a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…), Mediador de Seguros, Lda., com sede na Rua do (…), 15-A, em (…), pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o montante de € 19.077,27 a título de indemnização, acrescido de juros moratórios computados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, em síntese, que a Ré, mediadora de seguros, desde longa data assessorava a Autora quer na celebração de contratos de seguro quer na sua alteração / atualização, bem como no pagamento das respetivas apólices.

Em 18-04-2019, recorreu aos serviços da Ré, para que esta diligenciasse junto da “Companhia Seguros (…), PLC – Sucursal em Portugal” no sentido de alterar o contrato de seguro de acidentes de trabalho que vigorava entre a Autora e esta seguradora, por forma a que o referido seguro passasse a abranger as remunerações atualizadas dos seus trabalhadores.

Em 18-06-2019, ocorreu um sinistro (acidente de trabalho) de trabalhador, sócio gerente da Autora, ao qual foi fixada uma incapacidade permanente parcial.

A Ré apenas comunicou à seguradora os valores atualizados de remuneração em setembro de 2019.

Em consequência de tal omissão, a Autora teve de pagar indemnização ao sinistrado pelo valor em falta (€ 19.077,27), por referência à retribuição anual atualizada e não coberto pela seguradora, tendo esta sido responsável apenas pelo valor declarado à data do sinistro.

Valor que reclama acrescido de juros legais.

A Ré contestou.

Excecionou a ineptidão da petição inicial por falta de indicação da causa de pedir, bem como a própria ilegitimidade processual passiva.

No mais, defendeu-se, de forma motivada, por impugnação.

Neste contexto, alega, entre o mais que, quando em 18-04-2019 um dos gerentes da Autora se desloca às instalações da Ré para que esta solicite à Seguradora (…) a atualização das apólices de seguro de diversos trabalhadores, fá-lo 77 dias depois dessa atualização ter ocorrido, pois que dos mapas entregues resulta que a mesma teve lugar em 01-02-2019.

A Autora, que já havia celebrado uma diversidade de seguros, incluindo alterações aos mesmos, mediados pela Ré, bem sabe que tais contratualizações com a seguradora sempre carecem de uma série de procedimentos para se formalizarem.

Sempre teria a Autora de consentir e assinar (declaração contratual) a respetiva apólice para o efeito.

Solicitada a atualização à seguradora, sempre seria emitida nova apólice com os dados atualizados, bem como, em consequência, uma declaração de sobreprémio – aumento do prémio de seguro, por referência à nova cobertura coincidente com os aumentos de salário -, que teria de ser confirmada por si e devidamente assinada e carimbada, para que se firmasse a contratualização do seguro tendo em conta os aumentos salariais dos seus trabalhadores.

Sabia a Autora que, enquanto tomadora do seguro, nada havia sido contratualizado junto da seguradora (…), no respeitante às atualizações pretendidas.

Assim, a Autora não pode afirmar que desconhecia que não havia sido efetuada qualquer alteração ao seu seguro, porque sabia que não assinara qualquer apólice para efeitos da referida (re)contratualização. E, os prémios que ia pagando mantinham-se os mesmos.

Apenas depois de aceite expressamente a proposta, nos seus novos termos contratualizados e com todas as formalidades a que esta obriga, é que tal aceitação é imediatamente remetida à seguradora, vigorando posteriormente a referida apólice.

Acrescenta que a Autora não demonstra ter sido condenada a pagar o montante que reclama.

Concluiu sustentando a total improcedência da ação.

Em despacho saneador o tribunal a quo julgou improcedente toda a defesa por exceção.

Julgou ainda verificada a exceção dilatória inominada, cognoscível ex officio, de autoridade de caso julgado quanto à dinâmica do sinistro sofrido em 18-04-2019 por (…); à qualificação de tal sinistro como acidente de trabalho; à responsabilidade da seguradora (apenas) relativamente à retribuição de € 14.085,00; e aos períodos de incapacidade temporária e à incapacidade permanente parcial daquele trabalhador, nos exatos termos definidos na sentença proferida no processo n.º 3269/19.3T8STR, junta aos autos.

Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que julgando a ação totalmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora o montante global de € 20.504,67 (vinte mil, quinhentos e quatro euros e sessenta e sete cêntimos) – correspondendo € 19.077,27 a capital e € 1.427,40 a juros moratórios vencidos –, acrescido de juros moratórios vincendos, calculados sobre aquele capital, contados diariamente, às sucessivas taxas supletivas legais aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais a que alude o artigo 102.º, § 3, do Código Comercial, desde a data da prolação da sentença (27.05.2023) até efetivo e integral pagamento do capital em dívida.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

A. Nestes termos, não resulta da sentença proferida em 27.05.2023, a enumeração dos factos não provados.

B. Pelo que, a sentença proferida, violou o artigo 607.º do Código de Processo Civil, por não ter declarado quais os factos que julgou provados e quais os que julgou não provados e por não ter fundamentado o porquê de ter considerado provado ou não provado determinado facto e com base em que prova concreta.

C. Existe uma ausência total da exposição dos factos não provados, é importante questionar, se além dos factos provados, foram ou não analisados e considerados, para efeitos de prova, os factos relevantes não discriminados na listagem de factos provados.

D. Assim, preceitua o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, o que se verifica no caso concreto.

E. Concluindo-se que não há a menor dúvida de que a sentença enferma do vício de falta de fundamentação, por ausência total de enumeração de factos provados e não provados, gerando a sua nulidade.

Deve ser declarada NULA a presente sentença recorrida por falta de enumeração dos seus fundamentos de facto e, consequentemente, ordenar a devolução dos autos ao Tribunal a quo, por forma a que a sentença recorrida seja por ele fundamentada de facto, conforme imposto pelos artigos 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

III. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

F. Impugna-se a decisão relativa à matéria de facto, designadamente, os concretos pontos de facto 4, 5, 6, 7 e 13 (o facto 13. por ser consequência da apreciação incorreta dos referidos anteriormente), porquanto se encontram incorretamente julgados.

G. Porquanto, deveriam ter sido analisados e relevantes para a causa, os factos vertidos na Contestação apresentada, com referência Citius número 8968495, concretamente, o facto da Ré não ter competência, nem legitimidade para assinar e contratualizar em nome da Autora, bem como o facto de inexistir toda e qualquer documentação necessária e devidamente assinada pela Autora.

H. Deveria ter-se em consideração que a Autora, já havia celebrado variados seguros, incluindo alterações aos mesmos, mediados pela Ré́ e bem sabia que tais contratualizações carecem sempre de uma série de procedimentos e só se formalizam com a assinatura final. Assim, qualquer contratualização apenas se ultima com a declaração expressa, assinada por parte da Autora.

I. Apesar da alegada deslocação para solicitar a alteração, nunca existiu outra deslocação para efetivar e formalizar a contratualização, bem como nunca chegou a documentação necessária.

J. Facto invocado, que se fundamenta com base na contestação apresentada pela Ré, mais concretamente, nos seus artigos 16.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 30.º, 31.º, 33.º, 37.º, 38.º, 40.º, 41.º, 42.º e 43.º e, ainda nos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…). E por tal, deveria ter constado do elenco de factos relevantes para a boa decisão da causa.

K. Pelo depoimento da testemunha (…) e pela contestação apresentada, podemos concluir que existem diversas formalidades e procedimentos a cumprir neste tipo de contratualizações.

L. Resulta evidente, tanto do depoimento da testemunha (…), como da testemunha (…), que os suplementares nunca foram pagos. E que além disso não existe nenhuma documentação devidamente assinada pela Autora – facto que deveria ter sido considerado e não foi.

M. Ainda neste sentido, deverá ter-se em conta o depoimento prestado pela testemunha (…), explana o funcionamento e os procedimentos necessários ao caso concreto.

N. Do depoimento mencionado, resulta também que a Autora tem vastos anos de experiência na área.

O. Pelo que, tinha conhecimento que necessitaria de assinar documentação para concluir a contratualização.

P. Devendo ser dado como facto, com base nos depoimentos das testemunhas mencionadas e com base nos artigos 16.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 30.º, 31.º, 33.º, 37.º, 38.º, 40.º, 41.º, 42.º e 43.º da Contestação, a falta de envio de toda a documentação necessária para efetuar os procedimentos exigidos, bem como a falta de assinatura tanto dos documentos, como na alegada proposta e formalização final por parte da Autora, contradizendo os factos constantes em 4, 5, 6, 7 e 13 da sentença recorrida.

Q. Ainda nesta sequência, além dos factos constantes em 5, 6, 7 e 13, existem os factos relevantes apresentados na contestação da Ré e nos depoimentos das testemunhas (…) e (…), contradizendo a fundamentação apresentada na sentença recorrida, da qual resulta que “as testemunhas (…) e (…), ambas trabalhadoras da Ré (empregados de escritório), confirmaram que (…) trabalhou para a Ré até fevereiro de 2020. No mais, disseram não ter tido contacto com este assunto e desconhecer os contactos havidos entre a Autora ou (…) e (…) a este propósito”.

R. Facto este, que se fundamenta com base na contestação apresentada pela Ré, mais concretamente, nos seus artigos 16.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 30.º, 31.º, 33.º, 37.º, 38.º, 40.º, 41.º, 42.º e 43.º e, ainda nos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…). E por tal, deveria ter constado do elenco de factos relevantes para a boa decisão da causa.

S. Concluindo-se que, a testemunha (…) tem conhecimento direto com o assunto, tendo conhecimento que não se encontrava documentação assinada, bem como nenhum e-mail foi enviado para o e-mail da Ré.

T. Nestes termos, deverá o presente facto ser considerado relevante para a boa decisão da causa.

U. Quanto ao depoimento da testemunha (…), resulta cristalino que, tem conhecimento direto sobre e do assunto aqui em causa, admitindo que nunca foi enviado um e-mail para o e-mail da empresa consequentemente, admite que tudo fora tratado com a Sra. (…), em seu nome pessoal e próprio.

V. Nestes termos, deverá o presente facto ser considerado relevante para a boa decisão da causa. Concluindo-se por decisão diversa.

W. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser admitido e considerado procedente, devendo ser declarada a absolvição da recorrente.

X. Caso assim não se entenda, que seja declarada a alteração da matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, impondo a substituição da Sentença ora Recorrida, por uma com decisão diversa.

Y. Pois, não se verifica que Sónia Reis tenha precedido como funcionária da recorrente (…), Mediador de Seguros Lda., porquanto se propôs sempre a agir em interesse e nome próprio, conforme se pode verificar pelos e-mails trocados.

Z. Aliás, ressalve-se que as instruções e ordens que tinha e até à data dos factos, era utilizar sempre os servidores e e-mail da recorrente, em âmbito de trabalho para recorrente.

AA. No caso concreto, a agente cometeu um abuso de funções e um excesso nítido da esfera da ação que o comitente lhe tenha assinado.

BB. Tendo sido praticado com vista de fins pessoais, e não integrados formalmente no quadro geral da sua competência.

CC. Com efeito, tal relação de subordinação não existe, porquanto, o comitente (aqui recorrente) não estava numa posição funcional ou fáctica que lhe permitisse controlar a atividade da comissária.

A final requer que o recurso seja julgado procedente e a sentença seja revogada e substituída por outra que absolva a Ré do pagamento de € 20.504,67 por não se verificarem preenchidos os requisitos da responsabilidade objetiva.

Caso assim não se entenda, deve ser declarada NULA a sentença por falta de enumeração dos seus fundamentos de facto e, consequentemente, ordenar a devolução dos autos ao Tribunal a quo, por forma a que a sentença recorrida seja por ele fundamentada de facto, conforme imposto pelos artigos 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil;

Por cautela de patrocínio refere que nunca poderá a Ré ser condenada ao pagamento do valor de € 20.504,67, porquanto deverão ser deduzidos ao valor final os pagamentos de prémio relativo aos meses de abril, maio, junho, julho e agosto, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem causa.

Contra-alegou a Autora/apelada nos termos das seguintes conclusões de recurso:

a) O Recorrente alega ser nula a douta sentença proferida, por falta de enumeração dos factos não provados;

b) Da sentença proferida é possível ler-se “Com pertinência para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar”;

c) Todos os factos relevantes para a decisão da causa ficaram provados;

d) Para a boa decisão da causa é essencial que a interpretação não seja dúbia, de duplo sentido ou se mostre fraca a motivação da decisão tomada pelo julgador, de modo a que não haja lugar a dúvidas para as partes;

e) A decisão proferida encontra-se devidamente fundamentada, com análise crítica das provas, indicando expressamente, na motivação que teve por base a decisão sobre a factualidade vertida em cada um dos pontos considerados provados, a formação da convicção do Tribunal e decisão sobre a matéria de facto;

f) quer na discriminação dos factos provados quer na referência à inexistência de factos não provados;

g) Entendendo a recorrida não ser nula a sentença nos termos da alínea b) do nº.1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, porquanto daquela resulta de forma clara a especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida pelo Tribunal a quo;

h) Impugna a recorrente a decisão sobre a matéria de facto dos pontos 4, 5, 6, 7 e 13, por se encontrarem incorretamente julgados, porquanto não foram relevados os artigos 19º, 21º a 25º, 31º, 33º, 37º, 38º, 40º a 43º da contestação apresentada conjugados com os depoimentos das testemunhas;

i) Da conjugação da prova documental, testemunhal e da contestação apresentada pela recorrente, o Tribunal a quo não poderia ter decidido de forma diferente quando considerou os pontos impugnados pela recorrente como provados;

j) Dos depoimentos prestados pelas testemunhas a recorrente extrai fragmentos através dos quais não se poderá concluir apreciação diferente da matéria de facto considerado como provada;

k) Com a impugnação da matéria de facto a recorrente insiste na alegação de não ser da sua competência os formalismos necessários à concretização do pedido que lhe foi efetuado pela recorrida e que;

l) Apesar de nunca alegado na contestação apresentada, o foi em sede de alegações orais e agora de recurso, que a trabalhadora da recorrente (…) utilizou um e-mail pessoal e não o da empresa e por tal motivo nunca tiveram conhecimento de tal pedido;

m) A recorrente alega que a funcionária (…) não agiu como funcionária da empresa mediadora de seguros, mas sim como pessoa individual e particular em seu interesse próprio;

n) Na contestação apresentada pela recorrente esta declara ter tido conhecimento da troca de e-mails entre as funcionárias da recorrente e recorrida, nos artigos 7º, 8º e 9º do respetivo articulado;

o) Não pode ser de aceitar o alegado pela recorrente, quando é possível verificar que do e-mail enviado pela funcionária da recorrente (…) e que se encontra junto aos autos sob o doc. n.º 1, do mesmo consta a identificação da recorrente após a identificação da funcionária;

p) Nem que a recorrida nunca assinou qualquer documentação, ou a necessária aos formalismos de atualização do seguro em vigor, quando;

q) A recorrente se por um lado invoca que não teve conhecimento, por outro quer ser perentória em afirmar que a recorrida é que não assinou documentação, o que é claramente contraditório;

r) Dos depoimentos prestados pelas testemunhas resulta que (…) à data dos factos era funcionária da empresa recorrente, recebeu pedido de atualização dos valores de retribuição dos funcionários da recorrida pelo gerente da empresa (…) “Ti (…)” e a informação solicitada por parte da funcionária da recorrida (…) da empresa;

s) Nessa medida a ausência de finalização do processo de alteração da apólice, junto da seguradora, será sempre da responsabilidade da recorrente;

t) Concluindo-se não ser relevante a matéria de facto elencada pela recorrente nos números 24 a 28 das alegações de recurso, por forma a que possa dos depoimentos das testemunhas conjugados com a demais prova e alegações careadas aos autos, ser diferente a decisão da matéria de facto dada como provada e necessariamente a decisão proferida;

u) Quanto aos factos não provados a recorrente não indica um único que pudesse ter sido assim classificado;

v) Quanto à desconsideração do ponto 4 dos factos provados, não logrou a recorrente, por qualquer outro meio de prova, apreciação diversa da decidida, para que o facto não seja considerado provado;

w) Deve manter-se inalterada a matéria de facto impugnada;

x) A recorrente em alegações de recurso pretendeu discutir a responsabilidade objetiva do comitente por facto do comissário;

y) e neste âmbito subscrevemos a sentença proferida por nada lhe termos a apontar devendo ser aquela confirmada;

z) Tal circunstância nunca foi alegada em sede de contestação;

aa) O Tribunal a quo entendeu pronunciar-se na sentença recorrida sobre a tese de não ter sido a recorrente a cometer qualquer omissão, mas a trabalhadora (…);

bb) não acolhendo tal entendimento e expondo fundamentadamente as razões de facto e de direito, razões e fundamentos a que reiteram;

cc) A recorrente alega não existir uma transferência de responsabilidades ou até mesmo uma responsabilidade originariamente do comitente, posição que não partilhamos;

dd) Nos termos do disposto no artigo 500.º do Código Civil, a responsabilidade do comitente, exigindo o preenchimento de três requisitos cumulativamente: a) haja uma relação de comissão, vínculo entre comitente e comissário; b) responsabilidade do comissário face a terceiro em função da sua conduta; c) prática do ato lesado no exercício das suas funções que lhe foram confiadas e no quadro geral das suas competências;

ee) Os pressupostos acima descritos encontram-se preenchidos pela relação laboral existente à data dos factos entre a funcionária (…) e a empresa mediadora de seguros, aqui recorrente;

ff) A funcionária (…), tendo uma relação laboral vinculativa, estava sob as orientações da mesma, no exercício das suas funções que lhe foram confiadas;

gg) A recorrente alega que a funcionária (…) enviou o e-mail solicitando os dados / informações e documentos para a recorrida com recurso ao seu endereço eletrónico pessoal, não estando assim sob as orientações e subordinação do comitente, não permitindo ao recorrente controlar atividade da comissionaria;

hh) O recorrente alegou ainda que a funcionária utilizara o endereço de e-mail pessoal como meio de comunicação da recorrida em benefício e/ou interesse próprio;

ii) Os e-mails trocados entre as funcionárias da recorrida e da recorrente, tinham um conteúdo adstrito às relações laborais de mediação de seguros da comitente;

jj) e mesmo que esta não tenha utilizado o e-mail da empresa, encontrava-se nas instalações da comissária no exercício das suas tarefas e/ou funções;

kk) nem o conteúdo extrapolou o pressuposto no exercício das funções, nem o resultado se altera por meio diferente daquele a ser utilizado como via da comunicação;

ll) Do e-mail utilizado pela funcionária da recorrida, (…), doc. n.º 1, junto com a P.I., esta está devidamente identificada, bem como a empresa de mediação de seguros, aqui recorrente, com indicação no corpo do e-mail, da empresa: (…) – Seguros, morada completa, contacto telefónico e fax;

mm) Pelo que, outra presunção não podemos estabelecer senão a de que a funcionária (…) utilizava aquele e-mail no exercício das suas funções sob as ordens e direção da recorrente;

nn) O meio utilizado não obsta à formalização do processo de alteração dos valores da apólice a solicitação da recorrida, não se vislumbrando qualquer vantagem patrimonial para a Sra. (…);

oo) Por outro lado e para que dúvidas não restem, o artigo 9º da Petição Inicial diz: “O e-mail remetido à autora foi de imediato respondido pela sua funcionária (…), anexando em resposta mapas dos salários em vigor naquele ano de 2019, conforme doc.nº.1 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais”.

pp) A recorrente no artigo 1º da sua contestação aceitou que tinha conhecimento do pedido de alteração do valor da apólice, da comunicação trocada entre as funcionárias das empresas, do meio de comunicação utilizado, bem como da documentação enviada por parte da recorrida;

qq) Nunca tendo sido questionado pela recorrente o meio utilizado na comunicação por parte da sua funcionária;

rr) A recorrente limita-se em sede de recurso a descartar a sua relação e responsabilidade laboral com a sua funcionária (…) e

ss) na execução das suas funções e tarefas adstritas ao exercício da sua atividade, bem como enquanto mediador de seguros descartando completamente responsabilidades nas diferentes vestes aqui vertidas, não mencionando as nomas violadas pela sentença proferida;

tt) São funções da recorrente: “Atuar em conformidade com os melhores interesses dos seus clientes, de forma honesta, correta e profissional” (alínea a) do artigo 30.º Regime jurídico da distribuição de seguros e de resseguros) e

uu) “Transmitir à empresa de seguros, em tempo útil, todas as informações e instruções, no âmbito do contrato de seguro, que o tomador do seguro solicite”, alínea e) do mesmo artigo;

vv) Funções não executadas pela recorrente e que esta reconheceu na sua contestação e também resultam provadas pelos depoimentos das testemunhas;

ww) Ao contrário do que a Ré pretende fazer valer, não cabia à recorrida tratar da documentação atinente à concretização junto da Companhia de Seguros da solicitação que lhe foi feita e que esta reconhece ter recebido.

xx) Era à recorrente, na qualidade de mediadora, que lhe competia tratar de toda e qualquer documentação que fosse necessária para formalização da alteração solicitada junto da Companhia de Seguros, requerendo à Autora os elementos e ou assinaturas necessárias a essa concretização;

yy) A recorrente é responsável pelo ressarcimento dos danos provocados à recorrida que se consubstanciam no valor em que a recorrida ficou lesada por falta de cumprimento das obrigações da recorrente, em conformidade com os melhores interesses dos seus Clientes;

zz) O pedido de dedução, ao valor em que a recorrente foi condenada, dos valores de prémio entre Abril e Agosto, nunca foi deduzido em sede competente e própria, para que sobre o mesmo a recorrida se pudesse pronunciar, todavia sempre se dirá que não lhe assistia qualquer legitimidade para o efeito.

Conclui pedindo seja a apelação julgada improcedente e confirmada a decisão recorrida.


II

Do objeto do recurso:

Considerando a delimitação que decorre das conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), importa apreciar:

1. - Se existe nulidade de sentença por omissão de pronúncia ou vício de falta de fundamentação, consubstanciada na falta de enunciação dos factos não provados.

1.a. – Ocorrendo tal nulidade se pode este tribunal suprir essa omissão e, podendo-o, conhecer da apelação.

2. Não ocorrendo a nulidade ou suprida esta, se existe erro no julgamento de facto:

3. – Se existe erro de direito, devendo a Ré ser total ou parcialmente absolvida


III

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos, únicos que considerou relevantes, e a que desde já se adita oficiosamente o ponto 6-A, com base no Doc. 1 da petição inicial (artigo 662.º, n.º 1, do CPC):

1. A Ré é sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação de seguros.

2. Por intermediação da Ré, a Autora transferiu para a seguradora “Companhia Seguros (…), PLC – Sucursal em Portugal” (doravante “…”) a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho dos seus trabalhadores, cuja apólice n.º (…) entrou em vigor em 26.01.2010.

3. Era a Ré quem solicitava à Autora o pagamento dos prémios do seguro que antecede, pagamento esse que a Autora efetuava diretamente para a conta bancária da Ré ou através de cheque emitido a favor desta.

4. Em data não posterior a 18.04.2019, o gerente da Autora (…) deslocou-se ao escritório da Ré, tendo-lhe solicitado que diligenciasse junto da “…” no sentido de alterar o seguro aludido em 2 por forma a que o mesmo passasse a abranger as remunerações à data auferidas pelos seus trabalhadores.

5. No dia 18.04.2019, na sequência do contacto do gerente da Autora que antecede, (…), à data trabalhadora da Ré, remeteu email (com o endereço …) a (…), trabalhadora da Autora, a pedir o envio das remunerações atualizadas dos trabalhadores da Autora.

6. No mesmo dia (18.04.2019), (…) respondeu a (…) para o mesmo email, remetendo-lhe lista com a identificação dos trabalhadores da Autora, as respetivas categorias profissionais e remunerações.

6-A. Tais remunerações, mostravam-se atualizadas desde fevereiro de 2019, inclusive.

7. Em tal lista figurava, entre outros, o trabalhador … (doravante …), com a categoria profissional de motorista e uma retribuição mensal no valor de € 2.504,53.

8. A 18.06.2019, pelas 08:00 horas, sob as ordens e direção da Autora e nas instalações desta, (…), enquanto abastecia uma viatura da Autora com gasóleo, escorregou e embateu com o cotovelo no chão.

9. Na sequência desta queda, (…) fraturou a tacícula radial esquerda, tendo sido submetido a tratamento conservador e de fisioterapia.

10. (…) teve alta em 25.11.2019.

11. As lesões sofridas por (…) determinaram-lhe uma incapacidade temporária absoluta (ITA) no período compreendido entre 18.06.2019 e 13.11.2019 e uma incapacidade temporária parcial (ITP) de 15% entre 13.11.2019 e 25.11.2019, data em que foi dada alta com uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,06%.

12. Tendo por referência a retribuição anual do trabalhador em 18.06.2019 (€ 35.063,42, correspondente a € 2.504,53 x 14) e as incapacidades supramencionadas, a (…) cabiam as seguintes quantias:

a. € 8.785,41 a título de indemnização por IPP (€ 591,57 de pensão anual x taxa de 14,851), vencida desde 25.11.2019;

b. € 13.085,07 a título de indemnização por IPP (€ 881,09 de pensão anual x taxa de 14,851), vencida desde 25.11.2019; e

c. € 5.992,20 a título de diferenças nas IT’s até 25.11.2019.

13. Até 18.06.2019, a Ré não havia comunicado à “…” as retribuições atualizadas dos trabalhadores da Autora, como solicitado, com vista à alteração do seguro aludido em 2.

14. Em tal data, a responsabilidade civil da Autora relativa ao trabalhador João Carlos Vitorino encontrava-se transferida para a “…” apenas por referência ao valor de retribuição anual de € 14.085,00 (correspondente a € 900,00 x 14 meses por ano), acrescido de subsídio de alimentação de € 135,00 x 11 meses.

15. Por sentença, transitada em julgado, proferida pelo Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 1 no âmbito do processo n.º 3259/19.3T8STR, foi a “…” condenada, pelo sinistro supramencionado e ali enquadrado como acidente de trabalho, a pagar a (…), a título de capital de remição de pensão anual e vitalícia por IPP, vencida desde 26.11.2019 (alta a 25.11.2019), a quantia de € 8.785,40, calculada por referência à retribuição anual de € 14.085,00.

16. A “…” foi absolvida do pagamento dos restantes montantes referidos em 12, alíneas b) e c, em virtude ao aludido em 13.

17. A Autora pagou ao trabalhador (…) as quantias descritas em 12, alíneas b) e c), no valor global de € 19.077,27, calculadas por referência à parte da retribuição cuja responsabilidade civil não se achava transferida para a “…” à data do sinistro.

18. A Ré comunicou à “…” as atualizações salariais referidas em 6 e 7 em setembro de 2019, atualizações essas que a “…” aceitou, alterando em conformidade o seguro mencionado em 2.

Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação:

Considerando o as questões do recurso, importa conhecer:

1. - Se existe nulidade de sentença por vício de falta de fundamentação, consubstanciada na falta de enunciação dos factos não provados.

Consta da sentença : “4.1.2. Factos Não Provados

Com pertinência para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.”

Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC que:

«1 - É nula a sentença quando:

(…)

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;»

Alegou a apelante que existe uma ausência total da exposição dos factos não provados, sendo importante questionar, se além dos factos provados, foram ou não analisados e considerados, para efeitos de prova, factos relevantes não discriminados na listagem de factos provados.

Perante a invocação de tal nulidade a Mmª Juíza a quo proferiu despacho nos autos do seguinte teor:

“Nas respetivas alegações, a Recorrente invoca a nulidade da sentença recorrida.

(…)

Salvo o devido respeito, a sentença recorrida elencou nos pontos 1 a 18 da Secção «Fundamentação de Facto» todos os factos relevantes para a decisão da causa que reputou provados. Por outro lado, apenas não enunciou os factos não provados simplesmente por inexistir factualidade pertinente não provada, sendo certo que, como é sabido, o n.º 3 do artigo 607.º do Cód. Proc. Civil apenas impõe que o Tribunal discrimine na sentença «os factos que considera provados», sendo que é na motivação que, imperativamente, o juiz deverá «declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados», como resulta do n.º 4 daquele mesmo dispositivo legal.

Como quer que seja, na situação sub judice, todos os factos relevantes se provaram, razão pela qual – repita-se – não se elencaram factos não provados, nem a eles se fez menção em sede de motivação.

Esclareça-se que, conforme se deixou consignado na sentença recorrida, «não se levou à decisão sobre a matéria de facto a alegação vertida nos articulados de natureza conclusiva, meramente instrumental ou simplesmente irrelevante para a decisão da causa».

Assim, em nossa ótica, a sentença recorrida não se mostra ferida do apontado vício.”

O Despacho em causa acentuou que foram levados à decisão da matéria de facto todos os factos que o tribunal a quo considerou terem relevância na decisão do litígio, e que todos os não levados à decisão da matéria de facto seriam ou conclusivos, ou instrumentais ou simplesmente irrelevantes. Tendo em bloco sido considerados não provados.

Cremos que a discussão em análise reclama duas observações.

A primeira é que serão relevantes para o probatório todos os factos que possibilitem uma solução plausível da questão de direito.

Para a fase de saneamento, dispunha o n.º 1 do artigo 511.º do anterior Código de Processo Civil (antigo CPC) que “o juiz, ao fixar a base instrutória, seleciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”.

No atual Código de Processo Civil não encontramos um enunciado com semelhante conteúdo. Contudo, o juiz ao identificar o objeto do litígio e ao fixar os temas da prova (artigo 596.º do CPC) não pode deixar de selecionar para a matéria de facto (para os temas da prova), aquela que seja relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

Do mesmo modo, a sentença deve identificar o objeto do litígio e enunciar de seguida as questões que ao tribunal cumpra solucionar (artigo 607.º, n.º 2, do CPC) expondo o juiz na fundamentação quais os factos provados e quais os factos não provados “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (artigo 607.º, n.º 4).

Assim, o julgamento factual não dispensa uma pré figuração do litígio abrangente, de acordo com as diversas soluções plausíveis do direito.

Sobre a densificação do conceito de soluções plausíveis, escreveu Paulo Ramos de Faria In Julgar Online, outubro de 2019 | p4 “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”:

«Na sua concretização doutrinal mais exigente, as várias soluções plausíveis da questão de direito são “todos os possíveis enquadramentos jurídicos do objeto da ação”. O substantivo “soluções” não significa aqui “resultados”, mas sim resoluções, isto é, diferentes meios para chegar a um possível resultado. Ensaiando-se uma maior densificação do conceito, as soluções plausíveis são também descritas como sendo as “vias de solução possível do litígio, tidas em conta as posições assumidas pelas partes quanto à fundamentação jurídica das pretensões e exceções, e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão que elas levantem”. »

A segunda questão que o despacho confirmativo suscita é que, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do CPC:

“Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”

A opção da Mmª Julgadora, na fórmula “Com pertinência para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar” representa a nosso ver, e com todo o respeito, uma opção por uma prefiguração restrita do litígio, desconsiderando factos relevantes alegados e que deveriam ter sido enunciados, por integrarem, em abstrato, uma solução plausível da questão de direito.

Ao não destacar, sem sequer lhes dedicar um juízo probatório individualizado de “não provado”, em razão da análise crítica da prova, factos que a defesa alegou e que eram aptos, como veremos, a configurar uma responsabilidade concorrente da lesada, ora apelada, bem como outros que surgiram como instrumentais da audiência de discussão e julgamento, o tribunal a quo cometeu a invocada nulidade não especificando os fundamentos de facto que justificam a decisão (artigo 615.º, alínea b), do CPC).

Prescreve o artigo 665.º do Código de Processo Civil a regra da substituição ao tribunal recorrido:

1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.

2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.

Regra que se mostra aplicável à presente situação.

Na sequência, por despacho antecedente da Relatora (14/12/2023) foram as partes notificadas nos seguintes termos:

«Assim, afigura-se-nos que sobre a factualidade que ora se discrimina, deveria ter sido emitido um específico juízo probatório, por serem aptos a uma solução plausível de direito:

a) Factos relevantes da contestação e que não se mostram selecionados no elenco factual:

21.º - Porquanto a Autora, que já havia celebrado uma diversidade de seguros, incluindo alterações aos mesmos, mediados pela Ré, bem sabe que tais contratualizações com a seguradora sempre carecem de uma série de procedimentos para se formalizarem.

22.º - Sendo que qualquer contratualização com a seguradora apenas se última com uma declaração expressa, assinada por parte da Autora, também para esse feito.

23.º - Declaração expressa essa que tão pouco existiu!

32.º - Sendo que a Autora conhece os procedimentos da Ré, porquanto várias vezes, durante anos, com o auxílio da mesma, celebrou contratos de seguro, e bem sabia que, enquanto tomadora do seguro, nada havia sido contratualizado junto da seguradora Zurich.

33.º - Porquanto a Autora não fez chegar, junto da Ré, qualquer documentação que assim permitisse.

37.º - Cumprindo reiterar: a Ré, enquanto mediadora, nunca esteve autorizada a contratualizar qualquer seguro em nome do tomador, sendo que, quando medeia qualquer tipo de contratualização, para poder finalizar tal procedimento, sempre tem de ter na sua posse e esfera a referida documentação da contratualização devidamente assinada, a bem de a remeter à companhia de seguros.

40.º - Não podendo alegar que desconhecia que não havia sido efetuada qualquer alteração ao seu seguro mesmo face à solicitação que operou através do e-mail que logrou juntar: pois que sabe que, solicitada tal atualização, sempre seria emitida nova apólice com os dados atualizados, bem como, em consequência, uma declaração de sobreprémio – aumento do prémio de seguro, por referência à nova cobertura coincidente com os aumentos de salário –, que teria de ser confirmada por si e devidamente assinada e carimbada, para que se firmasse a contratualização do seguro tendo em conta os aumentos salariais dos seus trabalhadores.

41.º - Sendo que sabe que nunca assinou qualquer apólice para efeitos da referida (re)contratualização!

42.º - E assim, por maioria de razão, que não formalizou qualquer contratação!

43.º- Pois que a Ré tão pouco teve acesso a qualquer declaração assinada e carimbada por parte da referida Gerência da Autora, que como se alegou bem sabe a Autora ser condição para ultimar, ainda que solicitada, a contratualização de qualquer seguro face à atualização de valores remuneratórios dos trabalhadores.

45.º - Mas também sempre se diga que a Autora tão pouco pode alegar ainda que desconhecia que os seguros se encontravam contratualizados mediante os valores da remuneração anteriores aos aumentos, porquanto sabe, inclusivamente, que a prestação a pagar pelos seguros vigentes sequer sofreu qualquer aumento – como seria expectável face ao agravamento do risco para a seguradora, por referência aos rendimentos mais elevados dos trabalhadores da Autora.

b) Factos relevantes da petição e que não se mostram selecionados no elenco factual:

2º. - Todos os contratos de seguros celebrados, até Julho de 2019, foram-no, através da Ré.

[Concordante com o artigo 6º da contestação: “pelo menos desde 2010, todos os contratos de seguro de acidentes de trabalho celebrados por esta, até julho de 2019, foram assessorados através da Ré. ]

3º. - A prestação de serviços efetuada pela Ré à Autora vem de longa data, transmitindo a Ré à Autora ao longo dos anos a sua total confiança, assessorando a Autora, quer na celebração dos contratos de seguro, quer na sua alteração e/ou atualização.

[Concordante com o artigo 5º da contestação: “É assim função da Ré a mediação na celebração de contratos de seguro entre os segurados e as respetivas companhias de seguro, sendo nessa esteira, desde longa data, que a Ré efetua a mediação da contratação de seguros de acidentes de trabalho da Autora.]

4º. - O pagamento das apólices emitidas pelos contratos de seguros celebrados pela Autora, eram pagos também por intermédio da Ré, transferindo a Autora, os valores que lhe eram solicitados, diretamente para conta da Ré ou emitindo cheques ao seu cuidado.

Assim, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC, ouçam-se as partes pelo prazo de 10 dias para se pronunciarem, querendo, sobre o que ora se expõe, após o que decidirá este tribunal em substituição ao Tribunal recorrido.»

As partes responderam, cumprindo decidir em substituição ao tribunal recorrido.

Destacados os factos importa ajuizar quanto ao probatório.

Importa atender à prova produzida em audiência de julgamento.

(…), empregada de escritório da Autora, esposa de um dos sócios (…), referiu para o que ora importa e numa transcrição muito aproximada, o seguinte:

Houve um acidente de trabalho com o Sr. … (é cunhado da testemunha) em 2019, eu trabalhava na empresa como empregada de escritório (faturação, pagamento de fornecedores, o sogro ajudava, mas eu fazia toda a parte administrativa) é uma empresa familiar. O acidente foi participado à companhia de Seguros e apercebemo-nos que aquilo não estava bem feito, a parte das remunerações. O meu cunhado estava lá com um ordenado de 900 euros e ele ganhava muito mais, já tínhamos pedido para fazer essa atualização há algum tempo. O meu sogro foi lá à mediadora e disse-lhe um tempo antes que tínhamos feito aumentos salariais no início do ano e queríamos fazer a atualização. Eu mandei para lá, por mail, o pedido da atualização. Esse email foi recebido, porque normalmente falávamos também com a mediadora, anos e anos de confiança, não me lembro se voltamos a falar do assunto.

O email foi dirigido à D. (…) e ela respondeu entretanto a dizer que o meu sogro lá tinha ido, ela recebeu o email. Essa atualização não foi concretizada porque o meu cunhado recebeu do seguro a informação que estava a receber 900 euros.

Mandávamos a comunicação à mediadora e mandávamos o que eles nos pediam. O mediador é que nos pedia. Solicitávamos o que queríamos e eles tratavam do resto. Normalmente o meu sogro passava lá para assinar. Delegávamos no mediador. Transmitíamos a eles e eles faziam isto.

Os pagamentos dos seguros: vinha a documentação da seguradora e nós pagávamos ao mediador.

Não fazíamos pagamentos diretos à seguradora.

Quando era pedido um documento para assinar nós íamos lá e assinávamos. Até gostava de lá ir. Quando nos era pedido. Neste caso mandámos a documentação solicitada.

A Companhia de Seguros só tinha uma parte do vencimento declarado. A Autora teve de suportar o pagamento das diferenças. A Autora assumiu essa responsabilidade perante o trabalhador. À volta de 19 mil euros.

Constam dos autos, junto com a p.i. dois emails trocados entre (…), funcionária da Ré e a ora testemunha (…), nos quais a primeira refere "ter lá estado o gerente da Autora “Ti …”” “falou-me nos salários do pessoal, alteraram valores…indica-me os valores atuais para verificarmos junto da companhia”, com resposta poucos minutos depois “Segue em anexo mapa de fevereiro de 2019 já atualizados”

À pergunta do Exmº mandatário da Ré: o email diz verificar…quem tinha que ir assinar?…

Respondeu: “Quem tinha que ir assinar tinha que ser o meu sogro, não sei se foi”.

A testemunha (…), empregada de escritório da Ré, referiu ser a Ré uma empresa familiar para qual trabalha desde a sua constituição.

Referiu que:

Foi apenas a colega Sónia que acompanhou esta questão.

Quando há uma alteração contratual tem de ser assinada e carimbada.

Se for firma ou em nome individual tem de ser assinada nós depois enviamos para a companhia com a folha de férias atualizada para depois a companhia proceder ao (cálculo) do prémio, porque depois tem de ser um prémio suplementar.

Porque se estão a pagar um prémio baseado num salário, se vão aumentar o salário terá de haver um suplementar para se pagar e esse suplementar não pagaram. Isso é do meu conhecimento.

Esta documentação, não está nada assinada , era impossível haver um aumento do prémio sem essa documentação assinada. Nós fazemos sempre assim porque é a regra da companhia.

À pergunta da Mmª Juíza:

- Vocês recebem a informação, há esta atualização e nós queremos atualizar, qual é o procedimento? Vocês tratam dos papéis e chamam a pessoa e ela assina e vocês mandam tudo já para a seguradora ?

Respondeu sim.

P: E chegaram a chamar a pessoa para ir lá para assinar e ela disse que não?

R: Eu não sei, infelizmente.

P: A questão é, porque é que isto não foi feito? Houve esta conversa, foi-vos dada esta indicação …?

Respondeu:

Eu depois tive conhecimento do que se estava a passar, do que foi feito. A (…) tratou de tudo com a (…), ou seja, pelos vistos nada e quando nós tivemos conhecimento que as coisas não estavam em condições foi quando o Sr. (…), o sinistrado, quando recebe o salário, não vinha correto. E ele foi reclamar com toda a razão.

A Sónia depois disse ao Sr. (…) que tinha recebido documentação mas não tinha dado seguimento. Não temos conhecimento do que é que se passou ali. O responsável da autora tinha que ter ido ao escritório para concluir o que tinha começado.

Nunca foi lá ninguém concluir, na documentação da empresa não aparece nada assinado da parte da Autora. Não era a primeira vez que esta fazia seguros connosco. Este procedimento, houve muitos com esta empresa. Muitas vezes era pedido para incluir reboques nos camiões, para tirar reboques e tudo isto tinha de ser carimbado e assinado. Era do conhecimento deles, está claro.

O A. sabia com certeza absoluta que para concluir o processo tinha de lá ir assinar,

A D. (…) disse ao Sr. (…) que não se tinha concluído o processo, não tinha mandado a documentação. A D. (…) não fez o que devia ter feito mas o Sr. (…) não fez a parte dele, não existe nenhum documento assinado pelo Sr. (…) a pedir a atualização. Se calhar houve falhas de muita gente.

(…), empregado escritório da Ré referiu o procedimento a adotar numa situação como a presente.

Formaliza-se a proposta e a pessoa tem de assinar se não, não consigo formalizar. A proposta tem de ser formalizada com assinatura.

Se não receber a proposta é porque alguma coisa não está bem e se eu lá não for não há atualização.

A A. era um cliente antiga estava habituada a este procedimento, sabia que deveria ir assinar. São muitos anos de trabalho.

Neste caso concreto eu já colaborava com a empresa como mediador mas não recebi mail nenhum.

Que eu tenha conhecimento não existe nada a concluir o processo.

Sim, o Sr. João era um cliente muito antigo, não sei se lhe foi pedido para lá ir.

Ora, deste conjunto probatório que se revela objetivo e da posição concordante das partes quanto a factos que coincidem no essencial dos seus articulados, como supra assinalamos, será emitido o seguinte juízo probatório.

Provado ainda que:

a) Da petição:

19 – Os contratos de seguro da Autora celebrados, até Julho de 2019, foram-no, através da Ré.

20 – A prestação de serviços efetuada pela Ré à Autora vem de longa data, transmitindo a Ré à Autora ao longo dos anos a sua total confiança, assessorando a Autora, quer na celebração dos contratos de seguro, quer na sua alteração e/ou atualização.

21 – O pagamento das apólices emitidas pelos contratos de seguros celebrados pela Autora, eram pagos também por intermédio da Ré, transferindo a Autora, os valores que lhe eram solicitados, diretamente para conta da Ré ou emitindo cheques ao seu cuidado.

b) Da contestação:

22 – A Autora, que já havia celebrado uma diversidade de seguros, incluindo alterações aos mesmos, mediados pela Ré, bem sabe que tais contratualizações com a seguradora sempre carecem de uma série de procedimentos para se formalizarem.

23 – Sendo que qualquer contratualização com a seguradora apenas se última com uma declaração expressa, assinada por parte da Autora, também para esse feito.

24 – A Autora nunca assinou qualquer apólice para efeitos da referida (re)contratualização.

25 – A Autora não desconhecia que os seguros se encontravam contratualizados mediante os valores da remuneração anteriores aos aumentos.

Factos que se aditam ao elenco dos factos provados.

Improcede a impugnação da matéria de facto quanto aos factos 4, 5, 6, 7 e 13, efetuada pela apelante porque contraditórios com a prova que fundamenta o aditamento.

Do erro de direito.

A apelante trouxe em recurso a seguinte questão nova, porque nunca alegada na contestação:

Que a trabalhadora da recorrente (…) utilizou um e-mail pessoal e não o da empresa e por tal motivo nunca tiveram conhecimento de tal pedido; assim a funcionária (…) não agiu como funcionária da empresa mediadora de seguros, mas sim como pessoa individual e particular em seu interesse próprio.

Seguindo a posição do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018, P.212/16.5T8PTL.G1, in www.dgsi.pt, que contempla um caso idêntico:

“(…)

2. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.

3. A única exceção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.

4. Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objeto.”

Assim, não será tal fundamento conhecido.

Vejamos das razões invocadas pela Ré para o afastamento ou redução da sua responsabilidade.

Como refere a sentença, dúvidas inexistem de que a Ré atuou como mediadora de seguros entre a Ré e a “…”, entendendo-se por mediador de seguros o intermediário comercial, cuja atividade consiste na prática de atos tendentes à aproximação dos contraentes para conclusão, por estes, de contratos de seguro.

Estamos no domínio da responsabilidade por incumprimento de deveres contratuais.

O Código Civil estabelece o princípio geral de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, isto é, nos precisos termos convencionados, com observância rigorosa de todas as suas cláusulas (artigo 406.º, n.º 1, do CC).

O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (artigo 762.º, 1 e 2, do CC).

Na responsabilidade contratual consagra-se o princípio da presunção de culpa, decorrendo do artigo 799.º do CC que, no caso de incumprimento da obrigação é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento ou incumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

A lei só presume a culpa do devedor depois de demonstrado o não cumprimento da prestação a que o devedor estava vinculado, competindo àquele o ónus da prova de que esse incumprimento objetivo não derivou de culpa sua, que foi cauteloso e usou do devido zelo, em face das circunstâncias concretas do caso, tal como faria uma pessoa, normalmente, diligente, sob pena de não lograr ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende.

Por isso, quando assume um compromisso, a mediadora deve cumpri-lo sob pena de responder pelos danos. A falta de cumprimento do normativamente acordado, comporta presunções de ilicitude, de culpa, e de causalidade, cumprindo à mediadora ilidi-las.

Como igualmente assinalou a sentença, decorre do Regime Jurídico da Distribuição de Seguros e de Resseguros, Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro (entrada em vigor em 01.10.2018), constituírem deveres gerais do mediador de seguros, entre outros, cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis à atividade seguradora e à atividade de distribuição de seguros e não intervir na celebração de contratos que as violem, bem como assistir correta e eficientemente os contratos de seguro em que intervenha (cfr. artigo 24.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro).

Relativamente aos clientes, tomadores de seguro, a lei impõe ao mediador de seguros deveres adicionais, como sejam o dever de atuar em conformidade com os melhores interesses dos seus clientes, de forma honesta, correta e profissional e o dever de transmitir à empresa de seguros, em tempo útil, todas as informações e instruções, no âmbito do contrato de seguro, que o tomador do seguro solicite (cfr. artigo 30.º, n.º 1, alíneas a) e e), da Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro).

Ficou provado que em data não posterior a 18-04-2019, o gerente da Autora (…) deslocou-se ao escritório da Ré, tendo então solicitado a alteração do contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a seguradora “…”, para que o mesmo passasse a abranger as remunerações auferidas pelos seus trabalhadores devidamente atualizadas à data.

Na sequência de tal contacto pessoal, no dia 18-04-2019, (…), então trabalhadora da Ré, remeteu email a (…), trabalhadora da Autora, a pedir o envio dos valores atualizados das retribuições dos trabalhadores da Autora. (…) respondeu no mesmo dia para aquele email, enviando a (…) uma lista com a identificação dos trabalhadores da Autora, as respetivas categorias profissionais e remunerações atualizadas, lista essa que incluía o trabalhador (…), com a categoria profissional de motorista e uma retribuição mensal no valor de € 2.504,53.

Resulta de tal lista que as atualizações remuneratórias haviam ocorrido no mês de fevereiro de 2019, inclusive (facto 6-A).

Sucede, porém, que a Ré nada comunicou à seguradora “…” até setembro de 2019.

Ou seja, no decurso de 5 meses.

O que se afere ser um tempo excessivo e pouco zeloso.

Em 18-06-2019 ocorreu um acidente de trabalho e, o beneficiário não dispunha da sua remuneração atualizada na seguradora, pelo que os cálculos indemnizatórios por parte da seguradora foram feitos com base num valor inferior, tendo a Autora assumido perante o trabalhador a diferença. Houve, pois, um dano.

Assim, concordamos igualmente com a sentença quando refere que “com tal conduta omissiva, a Ré violou os deveres legais supramencionados porquanto não assistiu de forma correta e eficiente o contrato de seguro mediado, não atuou em conformidade com os melhores interesses da Ré e, sobretudo, não transmitiu à empresa de seguros, em tempo útil, a informação e instrução da Ré com vista à alteração do contrato de seguro, com base nas atualizações salariais”.

Pelo que incorreu em responsabilidade civil contratual.

Na responsabilidade contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artigo 799.º, n.º 1, do CC), o que não logrou provar.

O que ora se impõe perguntar é se a Autora, está isenta de responsabilidades nos procedimentos ou falta de procedimentos que conduziram ao dano, ou seja, se de alguma forma contribuiu para o resultado.

Dispõe o artigo 227.º do Código Civil que:

«1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.»

Preceitua o artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil que:

«Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.»

A culpa é apreciada pela diligência de um bom pai família em face das circunstâncias do caso (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).

Vejamos.

A Autora mantinha com a Ré mediadora um relacionamento contratual de longa data, transmitindo a Ré à Autora ao longo dos anos a sua total confiança, assessorando a Autora, quer na celebração dos contratos de seguro, quer na sua alteração e/ou atualização.

Sabia a Autora que qualquer contratualização com a seguradora apenas se ultima com uma declaração expressa, assinada por si, para esse feito.

A Autora nunca assinou qualquer apólice para efeitos da referida (re)contratualização.

Também sabia que não lhe foram pedidos pagamentos atualizados de prémios de seguro, como seria suposto se o seguro estivesse já recontratualizado.

A Autora não desconhecia por isso que, durante esse período de tempo, nomeadamente em junho de 2019 (data do sinistro) os seguros se encontravam deficitariamente contratualizados, porque assentes nos valores da remuneração anteriores aos aumentos.

A lei impõe ao mediador particulares deveres de diligência, mas o cliente não está isento de uma prática concordante com a exigência colocada à contraparte.

Tendo conhecimento de que os atos não estavam ultimados cabia também ao gerente da Autora, experiente no assunto, pressionar o cumprimento da prestação em tempo útil, mandando emails, fazendo telefonemas, etc..

Ninguém está isento dum dever geral de diligência na defesa dos seus próprios interesses. Resulta em último caso do princípio da boa fé contratual.

A Autora relaxou.

Por outro lado deu sinais à contraparte faltosa de que a pontualidade na atualização das remunerações seguradas não era o mais importante, pois que, quando em abril de 2019 se deslocou às instalações da Ré para pedir essa atualização, já as remunerações estavam atualizadas desde fevereiro de 2019 inclusive.

E se o acidente de trabalho tivesse ocorrido em Março em vez de em Junho? A responsabilidade seria exclusivamente da Autora. Porque a Ré não havia sido sequer contactada para o efeito de atualizar junto da Seguradora.

A Autora não é assim, isenta de responsabilidade contratual.

Neste contexto, julgamos equitativo, fixar-lhe uma coresponsabilidade de 40% relativamente ao dano produzido e que se mostra fixado no montante global de € 19.077,27.

A Autora é assim responsável por € 7.630,90.

Indo a Ré apelante condenada no valor sobrante, no caso € 11.446,37 (onze mil, quatrocentos e quarenta e seis euros e vinte e sete cêntimos).

Sobre tal quantia são devidos juros legais vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação da apelante, até integral pagamento (princípio do pedido).

Indo o recurso de direito parcialmente procedente.

Síntese conclusiva: (…)


V


Termos em que, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação (seja no seu recurso de facto, seja, no seu recurso de direito), revogando-se parcialmente a sentença, indo a Ré apelante condenada, apenas, no valor de € 11.446,37 (onze mil, quatrocentos e quarenta e seis euros e vinte e sete cêntimos) acrescida de juros legais vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação da apelante, até integral pagamento

Custas por apelante e apelada, na proporção de 0,6 e 0,4.

Évora, 08 de fevereiro de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Isabel Peixoto Imaginário (1ª Adjunta)

Cristina Dá Mesquita (2ª Adjunta)