Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
309/19.0PAPTM.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: CONVERSAS INFORMAIS
PROVA INDIRECTA
ALCOOLÍMETRO
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Ao abrigo do disposto nos artigos 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º do CPP, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, nada impedindo que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio.

2 – Verificando-se que o contacto dos agentes da PSP inquiridos com o arguido ocorreu ainda numa fase da aquisição da notícia do crime, prévia à instauração de inquérito e numa altura em que o arguido não tinha ainda o estatuto de arguido, ta, contacto configura recolha de informação e não “conversa informal”, pelo que os depoimentos de tais testemunhas não configuram qualquer depoimento indireto, nem violação do disposto nos arts.129º, 356º ou 357º do CPP.

3 - Quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade do factum probandum, pois que, em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, não podendo ser excluída a prova por presunções, em que se parte de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, recorrendo a um juízo de normalidade alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.

4. O prazo de validade do alcoolímetro conta-se a partir da publicação no D.R. da “autorização de uso” dada pela ANSR e não da publicação no D.R. da aprovação técnica do mesmo pelo IPQ.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Portimão - Juiz 3, foi o arguido (...) submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu:

“a) absolver o arguido (...) da prática de um crime de violação de domicilio agravado, p. e p. pelo art. 190º nºs 1 e 3 do C.Penal;

b) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º/1 do C.Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

c) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º/1 do C.Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

d) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º/1 do C.Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

e) procedendo ao cúmulo jurídico destas penas, condenar o arguido na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros);

f) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º/1 e 69º/1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão e na sanção acessória de 10 (dez) meses de proibição de conduzir veículos a motor;

g) suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período de 18 (dezoito) meses, acompanhada de regime de prova da competência da D.G.R.S.P., a incidir nomeadamente, na frequência do programa “Taxa Zero” ou de outros disponíveis e mais adequados, por forma a sensibilizar o arguido para a problemática do alcoolismo e para a perigosidade que decorre da condução sob a influência de bebidas alcoólicas e em eventual tratamento na ETET;

h) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Uc’s (art. 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa);

i) advertir o arguido que a falta de cumprimento do plano de reinserção social que lhe for fixado ou a prática de crimes durante o período de suspensão poderá determinar a revogação da suspensão e o cumprimento efectivo da pena de 9 meses de prisão em que foi condenado;

j) advertir o(a) arguido(a) que em caso de não pagamento da multa, voluntaria ou coercivamente, será a mesma convertida em prisão subsidiária, que cumprirá pelo tempo correspondente a 2/3 dos dias de multa a que foi condenado(a), ou seja, 160 (cento e sessenta) dias (art. 49º/1 do C.Penal);

k) ordenar que o(a) arguido(a) entregue a sua carta de condução, na secretaria judicial do Tribunal ou na GNR ou PSP da área da sua residência, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de praticar um crime de desobediência;

l) advertir o(a) arguido(a) que a condução de veículos motorizados no decurso do período de proibição de conduzir em que foi condenado o(a) fará incorrer na prática de um crime de violação de proibições ou imposições;

m) determinar a restituição do aparelho de televisão à sociedade (…)

*

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1º Não se conforma o Arguido ora Recorrente com a douta Sentença que o condenou, pela prática em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de furto simples, 2 crimes de dano e 1 crime de condução em estado de embriaguez, respectivamente p. e p. nos termos dos artigos 203º, 212º, 292º nº 1, todos do Código Penal, na pena de multa, após cúmulo Jurídico, de 240 dias, à razão diária de €6,00, o que totaliza a quantia global de €1.440,00, e bem assim, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, acompanhado de regime de prova e da pena acessória de proibição de condução de 10 meses, tudo, e no mais da mesma constante.

2º Entende o Arguido ora Recorrente, que não poderiam ter sido dados por provados os factos vertidos nos pontos 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 da douta Sentença ora em Recurso, porquanto a prova faz-se em Audiência de Julgamento, sujeita a pleno contraditório, sendo que, a Ofendida desapareceu, nunca foi ouvida em Inquérito ou em audiência de Julgamento, e ninguém viu, ouviu o ora Recorrente furtar qualquer televisão ou danificar quaisquer portas ou vidros, não existindo qualquer meio de prova apto a sustentar tais factos, sendo que tudo, em violação do princípio in dubio pro reu e da livre apreciação da prova, mais não passam de perceções e presunções (o que a Meritíssima Juiz presumiu das perceções de uns agentes que ouviram dizer de uma alegada Ofendida, prostituta de “profissão”, que se dedica à mentira género “ai tu é tão gostozo”).

3º Foi carreado fundamento legítimo, por não ilícito para que o ora Recorrente detivesse uma televisão no banco de trás do seu veículo automóvel, não escondida e à vista de todos, não existindo prova produzida em Audiência de Julgamento ou qualquer outra válida que contrarie o ali declarado pelo ora Recorrente, nomeadamente, que a detinha porque foi um dos objetos que ali ficou, enquanto nos dias anteriores aos factos, ajudou a Ofendida (...) no transporte diversos bens, alegadamente, pessoais para uma outra habitação, onde aquela iria passar a residir.

4º A versão do ora Recorrente não foi contrariada em audiência, sendo válida, única, admissível e lógica, porquanto obsta dar por provados os factos 6, 7, 8 e 9 da douta Sentença ora Recorrida, assim, e por conseguinte, deverão estes ser considerados como não provados.

5º Nenhuma prova válida e legalmente admissível foi produzida quanto aos factos provados nos pontos 2, 3, 5 e parte inicial do 7 da douta Sentença ora Recorrida, assim dados, uma vez mais, através de presunção judicial, quanto a perceções de agentes policiais, relativamente a supostos factos que lhes foram relatados pela alegada Ofendida, devendo igualmente considerar-se como não provados, por em violação do principio in dúbio pro reu e da livre apreciação da prova, e da proscrição de depoimentos do ouvi dizer.

6º O ora Recorrente nunca foi formalmente constituído Arguido quanto ao processo de Inquérito nº 310/19.3 PAPTM, posteriormente incorporado nos presentes autos, embora tenha sido elaborado um auto de notícia que o dava como o agente do crime, e o mesmo, lhe foi comunicado. Tal, desde logo, colide com disposto no art. 58º nº 1 alínea d) do CPP, tendo a consequência prevista no nº 5 do mesmo artigo, ou seja, não poderiam ser utilizadas como prova quaisquer declarações prestadas em momento anterior. Ao serem aproveitadas, como o foram, uma vez mais, o douto Tribunal a quo, violou as garantias processuais e constitucionais de defesa dos Arguido, bem como o estatuto que o protege.

7º Nos termos do art.º 356º nº 7 do CPP, não poderiam as testemunhas (…), agentes da PSP e enquanto autuantes, depor sobre o conteúdo de declarações cuja leitura não é permitida, e ao permiti-lo, como permitiu o douto Tribunal a quo, foi violado o disposto no citado artigo, bem assim, o estatuto do arguido e garantias de processuais e constitucionais de defesa do Arguidos, consequentemente, do ora Recorrente.

8º Apesar do exposto nas anteriores 6ª e 7ª conclusões, também não se conforma o ora Recorrente, que o douto Tribunal a quo, o tenha condenado quando aos crime de Furto e Dano, exclusivamente,com base no “diz que disse” e em alegadas/supostas conversas informais, mantidas entre aqueles agentes e o ora Recorrente, tudo em clara violação da legalidade, garantias de defesa e da proteção garantida pelo n.º 3 do art. 357.º ex vi ao art.º 356º nº 7, ambos do CPP.

9º Sendo as conversas informais todas as conversas que não estão formalizadas no processo pela falta de redução a escrito das mesmas em auto, as grandes preocupações centram-se na possibilidade de os agentes policiais subverterem as regras de produção de prova que lhes são aplicáveis, nomeadamente, a regra de proibição de reprodução e leitura das declarações do arguido (n.º 7 do art. 356.º ex vi do n.º 3 do art. 357.º do CPP), mediante o seu depoimento sobre o conteúdo dessas declarações; e na impossibilidade de controlar se as mesmas foram obtidas sem recurso a meios insidiosos ou coercivos ou até se elas efectivamente ocorreram.

10º Ainda que a valoração do depoimento indirecto dos agentes policiais sobre o que ouviram dizer do arguido implique o risco de introdução de “provas surpresa” em audiência de julgamento, em virtude de as declarações terem sido prestadas apenas perante este, e o arguido, ainda que as decida objectar, possa apenas contraditar o seu conteúdo, a impossibilidade de chamar a testemunha-fonte a depor suscita dúvidas relativamente à credibilidade, idoneidade e subjectividade da prova testemunhal indirecta para a descoberta da verdade material e, consequentemente, o valor e eficácia probatória desse depoimento. Para contrariar estas dúvidas, é necessário que existam outros meios de prova capazes de corroborar tal depoimento, não devendo a decisão do Tribunal assentar única e exclusivamente no depoimento daqueles.

11º Ainda assim e sem prescindir da invalidade daqueles depoimentos na parte em que constituem relatos de conversas informais e “diz que a Ofendida disse”, não se conforma o ora Recorrente que a douta Sentença ora Recorrida, na sua 8ª pág., 2º parágrafo, assuma que “determinantes para o apuramento dos factos foram os depoimentos de agentes da PSP ”, quando os tais agentes da PSP, em Audiência de Julgamento disseram uma coisa, confirmando supostas conversas informais em que o ora Recorrente terá confessado, e no Auto de Notícia nº 96456/2019, elaborado às 02h e 26m pela Agente (...), escreveram outra coisa, nomeadamente, que o “suspeito” não apresentou a sua versão, por se encontrar demasiado alcoolizado.

12º Olvidou-se o douto Tribunal a quo em reconhecer a estranheza de tal contraste, ou procurar esclarecer o que mudou entre o antes e o agora,

13º O ora Recorrente é inocente, tal qual deveria ter sido presumido, e não existem provas que o contrariem, antes pelo contrário, os próprios autos levantados, permitiriam colocar em causa a própria credibilidade e veracidade dos factos alegadamente denunciados.

14º Em desabono da credibilidade da ofendida não se esquece que esta também acusou o ora Recorrente do furto do seu passaporte, sempre sabendo que não o tinha feito.

15º Também releva ausência de vestígios hemáticos, quer no interior da viatura, quer nas roupas do ora Recorrente, considerando que no teor do aditamento ao auto de notícia nº 96456/2019, vem descrita uma autentica hemorragia, espalhada pela entrada do prédio, no elevador e no interior da residência da Ofendida, fruto da danificação do vidro de entrada do prédio, que inclusive, os já referidos OPCs, em audiência de Julgamento, desconhecem e não se lembram do ora Recorrente apresentar qualquer ferida, corte, ou marcas de sangue na sua roupa ou interior da viatura.

16º Releva, claro, ao Recorrente e apenas ao Recorrente, pois já ao Tribunal a quo, por favorável ao Arguido, nem menção merece.

17º Nesta senda, refira-se que os OPCS foram chamados a um local (…) pelas 02.30H da madrugada, por supostamente o ora Recorrente ter danificado a porta de entrada do prédio, e regressado a casa da Ofendida, lá se introduzindo indevidamente, e pasme-se, que quando os OPCs lá chegaram, e logo contactaram a alegada Ofendida sobre o sucedido, a mesma informou-os que o ora Recorrente, se encontrava apeado, no seu campo de visão num bar, em pleno centro histórico de (…), a mais de 5 kms de distancia do local.

18º E pasme-se, o ora Recorrente, não evidenciava qualquer ferimento, corte, ou meras gotas de sangue, ainda assim, vem condenado, mal, por ter partido, por ter estragado , por ter deixado sangue que não é seu.

19º Para que não haja dúvidas garante-se que o ora Recorrente não é omnipresente, mas entende que perante a falta de prova, e perante as por demais dúbias e mal apuradas e pouco esclarecidas circunstâncias dos acontecimentos ocorridos naquela noite, deveria o ora Recorrente ter sido absolvido.

20º Ninguém perguntou, ou se esforçou para apurar quem era o tal cliente, a quem a Ofendida, prestava serviços sexuais, e consta mencionado no auto de notícia, como presente durante o alegado arrombamento da porta de casa da Ofendida, pelas 00.50horas, dessa madrugada.

21º No entanto, fica por cristalizado que outra pessoa, um outro cliente, ali se encontrava, muy provavelmente, o autor dos factos de que vem o aqui recorrente severa e injustamente condenado.

22º Ninguém se perguntou porque a Ofendida, a prostituta, depois da casa arrombada, em plena madrugada, deixou a casa ao abandono, de porta aberta e foi para um bar.

23º Não prescinde o ora Recorrente da ilegalidade da busca efectuada pela agente da PSP (...), que anteriormente a qualquer notícia de furto de uma televisão, pelas 03.00h da madrugada, decidiu por sua auto recreação, efectuar uma busca no veículo do ora Recorrente, apreendendo uma televisão, que ainda hoje não se sabe a quem pertence.

24º Note-se que a testemunha (…), id. a fls. 92, alegado senhorio da Ofendida e alegado proprietário da, em causa, televisão, identifica uma televisão outra que não aquela encontrada na viatura do ora recorrente, não obstante foi o ora Recorrente condenado pelo furto de uma televisão “sem dono”.

25º Quanto aos factos dados por provados nos pontos 12, 13 e 14 da douta Sentença ora em Recurso, não se pode conformar o Arguido ora Recorrente, também enquanto cidadão, desde logo, com esta actuação das polícias, que por um lado, apregoam que muito fazem pela proteção dos cidadãos e prevenção da criminalidade e por outro, aproveitaram-se das fraquezas do ora Recorrente, que bem sabiam estar deslocado da sua cidade (Lisboa), da sua família e amigos, vulnerável e a atravessar momento difícil da vida, bem assim, que havia sido desposado do seu telemóvel e carteira, não lhe restando qualquer recurso a meio alternativo de transporte, ficando os OPCs, a assistir de cadeirinha ao desespero do ora Recorrente naquela madrugada, pelo que, conduzir, foi o único meio ao seu dispor para se colocar em segurança e escapar ao ambiente hostil, de prostituição, bares de alterne, seguranças noturnos, proxenetas e polícia, que o rodearam nessa noite.

26º Nestes termos, existe exclusão de culpa, por Estado de Necessidade Desculpante, nos termos do art.º 35º do Código Penal, pelo que, caberia absolver e não condenar.

27º Por fim, constata-se que o alcoolímetro marca Dräger, modelo 7110 MKIII P, número de série ARRA- 54, homologado por Despacho n.º 11 037/2007 (aprovação de modelo nº 211.06.07.3.06) publicado no DR nº 109, 2ª série, de 6 de Junho de 2007, emitido pelo Ministério da Economia e da Inovação - Instituto Português da Qualidade, I. P., segundo o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, posteriormente à aprovação, tem o prazo de validade do modelo de dez anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.

28º Ora a medição foi efetuada no ano de 2019, 12 anos, após a sua homologação, e seguindo entendimento doutamente defendido pela Veneranda Relação de Évora, nos Acórdãos de 17.06.2010 ou de 08-09-2015 o prazo de caducidade de 10 anos, que não se refere à aprovação do aparelho de fiscalização pela ANRS mas sim à aprovação técnica, pelo IPQ, encontra-se ultrapassado.

29º Nestes termos, o valor probatório do alcoolímetro, in causa, é nulo. Nulidade expressamente que se invoca, com a necessária consequência absolutória, quanto ao crime de Condução em Estado de Embriaguez.

30º Concomitantemente, entende o ora Recorrente, que o alcoolímetro não cumpria o requisito de verificação periódica, atento o certificado de verificação periódica junto ao talão, porquanto o mesmo corresponde a um outro aparelho, o tal aprovado por despacho de aprovação complementar nº 211.06.97.3.50 respeitante ao aparelho Alcoteste Mark III. Sendo que o aparelho em causa, e utilizado para fiscalizar o ora Recorrente, o alcoolímetro Alcoteste Mark III-P, provém de despacho 211.06.07.3.06., nesse sentido, aquela verificação condiz com um outro aparelho que não este, mostrando o em causa, ferido da necessária verificação periódica, o que afecta irremediavelmente a validade probatória daquela aparelho.

31º Assim e pelo exposto, devera o Arguido ora Recorrente ser absolvido de todas os crimes de que veio condenado, todos por ausência de falta condenatória bastante e válida.

32º Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica e dever de patrocínio se concede, deverão o quantum das penas ser reduzidas, em função dos factos alegadamente praticados, não terem causado especial prejuízo, relembre-se que a televisão desaparecida da casa da Ofendida, valia à data dos factos valor inferior a 1 UC, os danos na porta do apartamento e vidro, tampouco foram reclamados, e a condução do ora Recorrente, nunca colocou em causa pessoas, bens ou segurança rodoviária.

Nestes termos,

e nos demais que Vªs Exªs doutamente suprirão, deverá a douta Sentença ora recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que absolva o Arguido, ora Recorrente, pelo menos em face das dúvidas razoáveis, e da presunção de inocência de que gozam os Arguidos, com dignidade constitucional, ou caso assim não se entenda, reduzido os quantuns das penas aplicadas, assim merecendo integral provimento o presente Recurso.

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O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões:

I – O presente recurso foi interposto pelo arguido (...) da sentença da sentença de fls. 320 a 357, que o condenou:

- como autor material de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, nº 1, e de dois crimes de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, ambos do C.Penal, na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo um total de 1.440,00 € (mil, quatrocentos e quarenta euros); e

- como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), ambos do C. penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 180 meses, acompanhada de regime de prova da competência da D.G.R.S.P., a incidir nomeadamente, na frequência do programa “Taxa Zero” ou de outros disponíveis e mais adequados, por forma a sensibilizar o arguido para a problemática do alcoolismo e para a perigosidade que decorre da condução sob a influência de bebidas alcoólicas e em eventual tratamento na ETET, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor;

II – O arguido/recorrente entende que a prova produzida em audiência de julgamento impõe uma decisão diversa da contida na douta sentença, quanto à matéria de facto aí dada como provada;

III – Sucede que o arguido limitou-se a referir os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impunham decisão diversa da recorrida, não constando, porém, das conclusões da motivação do recurso que apresentou, as indicações a que aludem os nºs 3 e 4 do citado artigo 412º do C. P. Penal;

IV - Deste modo, está o Tribunal ad quem impedido de se pronunciar sobre a matéria de facto, que está assente, cabendo-lhe apenas apreciar se a Douta sentença recorrida padece de algum dos vícios previsto no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal;

V - Ainda que se entenda que se encontram preenchidos todos os requisitos para que o Tribunal da Relação se possa pronunciar sobre a matéria de facto dada como provada na sentença, sempre se dirá que a mesma não deverá ser modificada, porque foi correctamente apreciada de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento e com as regras específicas de valoração das mesmas, bem como com as regras de experiência comum, não padecendo a douta sentença recorrida de qualquer erro de de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que a inquine;

VI - Na verdade, o arguido limita-se a contrapor a sua convicção perante a prova produzida em audiência à convicção que sobre a referida prova, e de acordo com as regras de experiência comum, o douto Tribunal adquiriu, o que é irrelevante, pois contraria o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do CPP, segundo o qual o tribunal aprecia e valora livremente a prova, de acordo com as regras de experiência comum, e responde segundo a convicção que sobre elas haja alcançado.

VII - A douta sentença recorrida não enferma do vício de insuficiência da, insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada nem de qualquer outro vício, sendo a mesma perfeitamente clara, lógica e coerente, consistente e suficiente, permitindo uma avaliação segura e cabal do porquê de tal decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, na medida em que explicou detalhada e racionalmente os elementos de prova de que partiu e as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provados;

VIII - Alegou ainda a arguida que a sentença violou os Princípios do “in dubio pro reo” e da livre apreciação da prova;

X - Entendemos que tais Princípios não foram violados e que a douta sentença não sofre de qualquer vício que leve a que se considere terem sido violados tais Princípios;

XI - Ao invés, o Tribunal observou e respeitou, de forma absolutamente inequívoca, tais Princípios.

XII - Assim sendo, e em face do exposto supra, cremos, sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, ter ficado demonstrado que, in casu, não estão verificadas os vícios que o recorrente alega.

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmada inteiramente a douta sentença recorrida.

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No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta ao Parecer emitido pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


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Cumpre decidir.

Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice as questões suscitadas pelo recorrente são:

- valoração dos depoimentos dos agentes da PSP;

- ilegalidade da busca ao veículo;

- erro de julgamento e violação do princípio da livre apreciação da prova;

- violação do princípio in dubio pro reo;

- estado de necessidade desculpante;

- nulidade do valor probatório do alcoolímetro;

- medida das penas.

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Da decisão recorrida – Factos e Motivação (transcrição):

“II. FACTOS PROVADOS

Da discussão da matéria de facto, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 27.02.2019, cerca das 00:50, o arguido (...) dirigiu-se à residência de (…), que há vários dias lhe prestava serviços sexuais nesse local, sita na R. (…), nesta cidade de (…), propriedade da empresa (…), que tem como legal representante (…).

2. Aí chegado, de forma não concretamente apurada, forçou a porta de entrada do apartamento, partindo-o na zona da ombreira, junto à fechadura, logrando, dessa forma, introduzir-se no interior do mesmo.

3. O que fez por forma a chegar à fala com (...) e indagar se ali havia deixado o telemóvel que julgava perdido.

4. Na sequência da presença de elementos da PSP no local, o arguido, que aparentava encontrar-se bastante embriagado, abandonou a aludida residência.

5. Nessa mesma madrugada, em momento anterior às 02:30, o arguido regressou ao edifício mencionado em 1. e, aí chegado, partiu o vidro da porta da entrada, de modo a aceder ao respectivo interior.

6. Dirigiu-se, novamente, à residência de (...) e, de forma não concretamente apurada, introduziu-se no seu interior, onde remexeu os pertences desta e de onde retirou uma televisão de marca Mitshai, modelo 22VLM12, de côr preta, adquirida em 2013 pela empresa (…), de que é legal representante (…), pelo valor de € 159,00, e de valor não superior a 1 UC à data dos factos, apropriando-se da mesma e guardando-a no banco de trás do seu veículo automóvel, com a matrícula (…).

7. O arguido actuou com intenção de arrombar a porta do apartamento 506 e, bem assim, em momento distinto, quebrar o vidro da porta da entrada do identificado edifício, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários, causando ao Condomínio um prejuízo no montante aproximado de € 600,00, correspondente ao valor da reparação do vidro, e à empresa (…) um prejuízo de valor não concretamente apurado.

8. O arguido agiu com intenção de se apoderar e integrar no seu património o televisor mencionado em 6., bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo da respectiva proprietária.

9. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, estando perfeitamente ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.

10. Ainda nessa mesma noite, cerca das 03:00, o arguido (...) conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (…) na R. (…).

11. Antes de iniciar a condução do identificado veículo, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade e género não concretamente apurados.

12. O arguido foi fiscalizado e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado, veio a acusar uma taxa de 2,23 grama de álcool por litro no sangue, a que, uma vez efectuado o desconto do erro máximo admissível, corresponde a uma taxa de 2,05 grama de álcool por litro no sangue.

13. O arguido quis conduzir o veículo referido em 10. depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que a condução de veículos possuindo uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l lhe era proibida e punida por lei criminal, situação com a qual se conformou.

14. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.

Mais se apurou que:

15. (...) utilizava o apartamento mencionado em 1. para se prostituir, aí recebendo os seus clientes, nomeadamente o arguido.

16. O arguido evidenciava nutrir sentimentos por (...).

17. (...) trabalhava no bar de alterne “(…)”, nesta cidade de (…).

18. Em data não concretamente apurada, o arguido ajudou (...) a transportar alguns bens pessoais para outro local, pois iria sair daquela habitação.


*

Provaram-se, ainda, os seguintes factos relativos à situação pessoal e económica do arguido, com relevo para a determinação da sanção:

19. É publicitário, por conta de outrem, declarando auferir mensalmente cerca de € 1.000,00.

20. Reside com o pai, em casa deste.

21. Tem 4 filhos, de 25, 22, 19 e 8 anos de idade, residentes com as progenitoras, pagando aos mais novos prestação de alimentos no valor total de € 300,00.

22. Suporta uma prestação mensal no valor de € 150,00, referente a uma divida contraída junto de uma empresa seguradora.

23. No mais, suporta as despesas normais do agregado familiar.

24. Estudou até ao 11º ano de escolaridade.

25. Em momento anterior os factos frequentou consultas de psiquiatria na Clínica da Luz, onde esteve internado 3 dias, sendo-lhe administrada medicação.

26. Foi internado no Hospital de Monsanto com diagnóstico de depressão agravada pelo consumo excessivo de álcool no período compreendido entre 13.04.2019 e 20.04.2019.

27. Em 22.04.2019 era acompanhado em consulta no Centro de Investigação e Tratamento de Adições.

28. Por sentença proferida em 08.11.2004, no âmbito do Proc. 682/04.4GGLSB, foi o arguido condenado, pela prática, em 07.11.2004, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa e na pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir.

29. Por sentença proferida em 11.04.2007, no âmbito do Proc. 191/07.0GELLE, foi o arguido condenado, pela prática, em 11.03.2007, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir.

30. Por sentença proferida em 08.10.2010, no âmbito do Proc. 1334/07.9PCALM, foi o arguido condenado, pela prática, em 02.10.2007, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e na pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir.


*

III. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente os que se mostram em contradição com a factualidade dada como assente, sendo certo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.

Designadamente, não se provou que:

a) No circunstancialismo temporal referido em 6. supra, o arguido entrou no interior da residência de (...) sem a autorização desta, do que tinha perfeito conhecimento;

b) A porta da entrada do apartamento mencionado em 1. já se encontrava-se danificada à data dos factos;

c) O arguido e (...) jantaram juntos e conviveram nos dias anteriores, criando no primeiro a distorcida expectativa que ali poderia encontrar uma companheira;

d) O arguido acedeu a este pedido, tendo carregado para o seu veículo automóvel uma mala e uma televisão, alegadamente pertencentes a (...);

e) O arguido perdeu a carteira na data dos factos e deslocou-se ao bar “…” no sentido de a recuperar;

f) O arguido foi, nesse local, ameaçado, empurrado e atirado porta fora pelo segurança;

g) Ameaçado, desnorteado, sem dinheiro ou telefone para pedir um táxi e na impossibilidade de pedir auxilio, recorreu ao único meio disponível para fugir de uma situação que ameaçava a sua integridade física.

IV. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, beneficiando da imediação, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético.

Começou por considerar as declarações prestadas pelo arguido (...) que referiu à data dos factos estar a passar por um período muito conturbado da sua vida sentimental, na sequência de um divórcio e de uma consequente depressão, estando sob o efeito de anti-depressivos e ansiolíticos.

Em seguida, assegurou não ter partido ou arrombado qualquer porta, não ter furtado o televisor, nem ter entrado na residência de (...) sem o seu consentimento, conforme vinha acusado.

Afirmou que se relacionava com (...) desde há algumas semanas atrás, esclarecendo depois que esta era prostituta e que na qualidade de cliente deslocou-se várias vezes à sua residência. Adiantou que a mesma estava de mudanças e chegou a transportar várias coisas para a casa de uma amiga, admitindo que talvez tenha levado a televisão a pedido da ofendida, não evidenciando, contudo, qualquer recordação de tal ter ocorrido.

Só se apercebeu que estava no banco de trás do seu veículo quando os agentes da PSP o alertaram para tal, sendo que até essa altura “não deu conta”.

Relativamente à porta do apartamento, mencionou ter ajudado (...) a abri-la, depois de esta ter deixado a chave no seu interior, tendo ficado danificada na ombreira. Mais salientou que era “uma casa em que rodava muita gente”, desconhecendo qualquer problema com a porta da entrada do edifício.

Concretamente, na data dos factos disse ter estado com (...) ao início da noite, deslocando-se em seguida para o bar onde esta trabalhava, onde ingeriu bebidas alcoólicas.

Regressou a casa daquela e apercebeu-se, então, que estava sem carteira e telemóvel, pelo que andou à procura e regressou ao bar, afirmando não se recordar bem do que se passou, vindo a ser “maltratado pelo segurança”.

Mais referiu que “estava com receio”, pelo que foi para o carro, na zona ribeirinha, saiu do parque e apareceu logo a PSP, “não tendo oferecido resistência” alguma. Quanto ao exame de pesquisa de álcool no sangue, declarou “não saber se o efectuou no local ou na esquadra”, admitindo que “o carro possa ter sido levado para a esquadra por um agente”, o que é bem demonstrativo do estado de total alheamento em que se encontrava.

Terminou fazendo alusão ao tratamento de desintoxicação efectuado na sequência dos factos e a frequência dos alcoólicos anónimos.

Ora,

O arguido apresentou-se em julgamento com uma postura vitimizadora, avançando sucessivas desculpas e justificações para todas as situações de que vinha acusado, pretendendo, afinal, fazer crer que tudo não passou de uma cabala montada contra si naquela madrugada, sem imputar, contudo, a sua autoria a quem quer que fosse.

As suas declarações, salvo pontuais excepções, não nos mereceram qualquer credibilidade. Quer pela forma pouco honesta com que depôs, como por serem incongruentes e absolutamente desprovidas de senso, tendo sido contrariadas, quase na íntegra, pela demais prova testemunhal e documental produzida.

Com efeito,

(…), gerente das sociedades (…) – a primeira proprietária do apartamento 506 do Ed. (…), arrendado à data dos factos a (...), e a segunda exploradora do apartamento e proprietária dos bens existentes no seu interior – e, simultaneamente administrador do condomínio, mostrou-se coerente e pareceu-nos sincero e desinteressado, não tendo sequer apresentado pedido de indemnização civil com vista ao ressarcimento dos danos causados.

Referiu que reside no edifício mencionado nos autos e no dia 27 ou 29.02.2019 – não sabendo ao certo precisar qual – saiu de casa bastante cedo, entre as 06:30 e as 07:30, deparando-se com o vidro da porta da entrada partido e com vestígios de sangue. Quando, pelas 10:00, contactou telefonicamente a sua funcionária, no sentido de contratar alguém para repôr o vidro, foi por esta informado que tinham havido distúrbios nessa noite no prédio, desaparecido uma televisão e que a PSP tinha estado no local.

Ligou, então, para a PSP, tendo-lhe sido confirmada a mencionada informação e que havia sido detido um individuo com um televisor no carro, aguardando a chegada dos agentes ao local para entrar no apartamento visado, que evidenciava a ombreira da porta partida, com sinais de dano recente.

Instado, respondeu que até esse dia, ninguém lhe tinha reportado qualquer problema com a porta do apartamento 506 e apenas aí foi acusada a falta da televisão. Explicou que a empresa de que é gerente explora vários apartamentos naquele edifício e que, todos os dias, as suas funcionárias o percorrem ou para realizar limpezas ou por forma a verificar se está tudo bem. Por esse motivo e atenta a extensão e visibilidade dos estragos que constatou, adiantou ser impossível que os mesmos tivessem ocorrido em momento anterior àquela noite. Caso assim fosse, já as funcionárias haviam dado nota do mesmo, o que não sucedeu.

Afirmou, por último, que pouco tempo após os factos a arrendatária devolveu as chaves do apartamento e ausentou-se.

Determinantes para o apuramento dos factos foram, sem dúvida, os depoimentos dos agentes da PSP (…) e (...) que, revelando recordação dos factos, os relataram com o maior rigor que o lapso de tempo decorrido permite, merecendo-nos inteira credibilidade pela sua isenção, coerência, assertividade e profissionalismo.

Ambos referiram terem sido chamados à residência de uma senhora brasileira, na (…), pouco após as 00:00, alegadamente por invasão de propriedade por parte de um individuo. Chegados ao local puderam constatar que a porta da dita residência apresentava vestígios de arrombamento, aí se encontrando (...) e o aqui arguido, a quem a primeira imputou, de imediato, a autoria de tais estragos.

Afirmaram que o arguido evidenciava claros sinais de embriaguez, estando inicialmente fora de si. Ainda assim, reconheceu, perante ambos, a autoria dos danos na porta e mostrou-se colaborante. Depois de uma conversa com o mesmo e já mais calmo, referiu que iria chamar um táxi para se deslocar à sua residência, deixando na (…) o seu veículo.

A identificada senhora utilizaria o apartamento para se prostituir, sendo o arguido seu cliente, mencionando que entre os dois existiria algum tipo de relacionamento, adiantando (…) ter ficado com a percepção que o arguido nutria sentimentos por ela e (...) que (...) fez alusão ao mau momento que atravessava na vida e ao desaparecimento de um telemóvel, referindo ter-se deslocado ao local no sentido de o procurar.

Declararam, igualmente, terem sido chamados uma segunda vez nessa madrugada ao mesmo local – segundo crê (...), pelo porteiro do edifício –, constatando então que a porta da entrada do edifício tinha o vidro partido e que a porta do apartamento em causa estaria novamente aberta e o interior remexido, não se encontrando ninguém presente.

Logo após, foram chamados ao Bar (…), onde (...) trabalha, por desacatos.

Aí chegados aperceberam-se de um desentendimento entre o arguido e (...), dando (…) nota que o dono do bar ou o segurança recusavam a entrada do primeiro no estabelecimento.

Mais uma vez conversaram com o arguido algum tempo, afastando-se este do local apeado e escondendo-se alguns minutos.

Por se aperceberem que o arguido estava bastante embriagado, permaneceram no local, atestando, então, que abandonou aquela localidade em direcção à ponte, ao volante do seu veículo automóvel, que prontamente interceptaram. (...) salientou que, nesse momento, o arguido já não reagiu adequadamente.

Ambos fizeram menção ao facto de o arguido lhes ter facultado a chave do veículo, de modo a que o mesmo fosse transportado para a esquadra, sendo, nesse percurso conduzido por (...).

Ao conduzi-lo nesse trajecto, (...) realçou ter-se apercebido imediatamente de uma televisão no banco de trás, objecto este que, quando confrontado, o arguido admitiu ter retirado do apartamento de (...), sem que, em momento algum, tenha argumentado tê-lo feito a pedido da ofendida. Adiantou que na deslocação realizada à esquadra, (...) confirmou que a televisão havia sido subtraída da sua habitação, arrendada, motivo pelo qual ficou tal objecto apreendido nos autos, reconhecendo-o a fls. 25.

Indicaram ambos que, efectuado o exame de pesquisa de álcool no sangue, o arguido veio a acusar taxa superior a 2,00 grama de álcool por litro no sangue.

Relativamente ao vidro da porta da entrada do edifício, confirmando a fotografia de fls. 23, (...) acrescentou que, quando questionado sobre a sua autoria, o arguido inclusivamente se disponibilizou a pagar os estragos causados.

Aqui chegados cumpre realçar que, contrariamente ao alegado em sede de alegações finais pelo arguido, nem os depoimentos dos agentes da PSP constituem depoimento indirecto relativamente à pessoa do arguido, nem está de modo algum vedada a possibilidade de deporem relativamente ao que constaram nas várias diligências encetadas na madrugada dos factos e o que lhes foi transmitido quer pelo próprio arguido, como por (...), testemunha arrolada no processo mas cujo paradeiro é, em absoluto, desconhecido – não obstante as diligências realizadas com vista ao seu apuramento.

Com efeito, decorre expressamente do art. 129º/1 ‘in fine’ do C.P.Penal, sob a eígrafe “depoimento indirecto”, que “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”.

O que equivale a dizer, como salientam os Venerandos Desembargadores de Lisboa no Ac. de 11.10.2006 (disponível in www.dgsi.pt), “o actual Código de Processo Penal, no seu artigo 129º, n.º 1, não estabelece qualquer proibição de produção dos depoimentos indirectos. Porém, prevê a proibição da sua valoração, na parte em que como tal devam ser qualificados, se o juiz não chamar a depor as pessoas indicadas pela testemunha como sendo a fonte originária do conhecimento por ela transmitido ao tribunal. Só assim não será se a inquirição dessas pessoas «não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas»”.

Ora, é precisamente este o caso dos autos, já que a testemunha (...), apesar de perfeitamente identificada – estando inclusivamente junta aos autos cópia do respectivo passaporte –, não foi encontrada e não se logrou obter o seu depoimento em audiência.

Importa, ainda, tecer alguns comentários relativamente à admissibilidade, à luz do disposto no nº 7 do art. 356º do CPP, do depoimento dos órgãos de polícia criminal em audiência de discussão e julgamento sobre alegadas “conversas informais” havidas com o arguido e a relevância assumida pelas mesmas no nosso ordenamento jurídico, bem como a qualificação dos depoimentos prestados pelos órgãos de polícia criminal (adiante designados por OPC’s) como “depoimentos indirectos” para efeitos de aplicação do art. 129º do C.P.Penal.

Nessa medida, poderia discutir-se a admissibilidade e validade dos depoimentos prestados em audiência pelos agentes (…) e (...), enquanto testemunhas acerca das conversas havida com o arguido imediatamente após os factos ocorridos em 27.02.2019.

Questão que ainda hoje é controvertida na doutrina e na jurisprudência, que se dividem.

Invoca-se, de uma banda e em resumo, a proibição de valoração dos “depoimentos indirectos” alegadamente prestados em audiência, associada à impossibilidade de reprodução das “declarações” prestadas pelo arguido e à irrelevância das “conversas informais” tidas com OPC’s.

Alegam os defensores de tal posição, que serão, de todo, ineficazes as declarações prestadas por qualquer pessoa antes da sua constituição formal como arguida, conforme decorre do nº 4 do art. 58º e do art. 59º do C.P.Penal, porque obtidas à margem do processo e sem a solenidade e garantias necessárias ao efeito. Pugnam, ainda, pela inadmissibilidade dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento por órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de tais declarações, invocando para tal o disposto no nº 7 do art. 356º do C.P.Penal, e por consubstanciarem “testemunhos de ouvir dizer”, não valoráveis no nosso ordenamento jurídico conforme preceitua o art. 129º do C.P.Penal.

Defende este Tribunal, contudo, posição diversa, subscrevendo o entendimento assumido por uma parte significativa dos nossos Tribunais superiores, designadamente e mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 15.02.2007, a Relação do Porto, no acórdão de 17.06.2015), a Relação de Évora, nos acórdãos de 04.06.2013 e 07.04.2015, a Relação de Coimbra no acórdão de 11.09.2013 e a Relação do Porto no acórdão de 17.06.2015.

No que concerne à alegada proibição de inquirição, enquanto testemunhas, dos OPC’s e de valoração dos depoimentos prestados em audiência, refira-se que o nº 7 do art. 356º C.P.Penal circunscreve tal proibição aos depoimentos dos órgãos de polícia criminal “que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida”, não estando vedado o seu depoimento fora do referido âmbito.

Entendimento que é corroborado pelo Juiz Conselheiro Maia Gonçalves, ao referir que “O nº 7 proíbe apenas a reprodução daquelas declarações cuja leitura não é permitida, como aí claramente se expressa e resulta do pensamento legislativo. Consideramos, assim, manifestamente errada a interpretação que, por vezes se tem dado a este dispositivo de que os órgãos de polícia criminal não podem ser testemunhas no processo.”

Atenta a letra da lei e a presunção que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – conforme estipula o nº 3 do art. 9º do C.Civil –, podemos concluir que se incluem na referida proibição legal apenas as declarações reduzidas a auto cuja leitura não seja permitida nos termos dos nºs 1 a 4 do art. 356º do CPP.

Nada impedindo, portanto, que os agentes, não tendo sido instrutores do processo nem tomado declarações ao arguido no decurso do inquérito ou instrução "(...) possam ser ouvidos sobre factos que tomaram conhecimento, mormente em resultado de haverem tomado conta da ocorrência.”

Nesse sentido entendeu precisamente o S.T.J. no Acórdão de 29.03.1995, ao esclarecer, de forma expressa, que os “Agentes da polícia criminal estão proibidos de serem inquiridos testemunhas sobre o conteúdo das declarações que tenham recebido e cuja leitura não seja permitida e não de o serem sobre o relato de conversas informais que tenham tido com os arguidos. Salvo se se provar que o agente investigador escolheu deliberadamente esse meio de conversas informais para evitar a proibição de leitura das declarações do arguido em audiência”.

Mais longe foram os Colendos Conselheiros no supra citado acórdão de 15.02.2007, ao decidirem que “relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.”

Prosseguem esclarecendo que “pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.”. Todavia, pressuposto desse direito ao silêncio é “a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.”

Realçaram, bem assim, que, “de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP). Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.”

Situação bem diversa, adiantam, “é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito”, concluindo, então que “o que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP”.

Ora, foi, precisamente, face às diligências efectuadas imediatamente a seguir ao arrombamento, ao dano, ao furto e à condução em estado de embriaguez, todos na mesma madrugada e com uma dilação temporal de apenas 2 horas, ao abrigo das suas competências e em obediência às formalidades de rotina na sequência de um patrulhamento de proximidade, que os agentes da PSP, chamados por três vezes, em conversa com o arguido (...), apuraram os factos sobre os quais vieram, agora, a depor, resultando por demais evidente que não o fizeram para obviar à aplicação do nº 7 do art. 356º do C.P.Penal.

E maior relevância assume a situação dos autos porquanto foram as declarações prestadas aos identificados agentes que conduziram à apreensão do objecto do crime de furto, dado que estamos perante diligências de investigação sobre o qual podem e devem elucidar o Tribunal, que se distingue das meras declarações, já que cumpre valorar a diligência de apreensão e o modo como se logrou tal. Na verdade, e parafraseando Tiago Caiado Milheiro, aqui jogam as regras da experiência já que o facto do arguido indicar um local onde se encontram os objectos subtraídos num furto ou roubo, que seria impossível saber se não tivesse participado nos mesmos, é um forte indício incriminatório.

Veja-se, a este respeito, o acórdão da Relação do Porto de 03.02.2010 (14), ao decidir que “os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação. Relatando o agente policial o que apreendeu ao longo das diligências que levou a efeito, algumas das quais na sequência de declarações dos próprios arguidos, um tal depoimento vai para além do que a testemunha ouviu dizer, alcançando a descrição das diligências que o que ouviu dizer propiciou. Não consubstancia valoração ilícita de prova o acolhimento pelo tribunal do depoimento prestado pela testemunha, inspector da PJ, que relatou conversas tidas com os arguidos que lhe permitiram desenvolver diligências de investigação que, por sua vez, lhe permitiram obter conhecimento próprio dos factos.” Das considerações expendidas resulta, por conseguinte, não estar vedado ao Tribunal a valoração da conversa que os identificados agentes mantiveram com o arguido logo após os factos, antes de se encontrarem obrigados a constitui-lo como arguido, tanto mais que todos os ilícitos assumiam natureza semi-pública e não havia, ainda, sido apresentadas as competentes queixas.

Saliente-se, aliás, que a colaboração prestada pelos OPC’s na realização da justiça é imprescindível, não sendo de supor que, atendendo aos princípios e valores que pautam a sua actividade e conduta, utilizem mecanismos fraudulentos e abusivos para efeitos de obtenção de prova.

Acresce que não subscrevemos, de todo, o entendimento de parte da jurisprudência quando afirma que os depoimentos dos OPC’s não são admissíveis na medida em que poderão configurar depoimentos indirectos ou “testemunhos de ouvir dizer”, cuja valoração se encontra vedada pelo art. 129º do C.P.Penal.

Com efeito, uma análise minuciosa ao teor do art. 129º C.P.Penal, permite-nos concluir que não é proibido o “testemunho de ouvir dizer” quando “quem diz” é o arguido.

Desde logo, porque a exigência do chamamento da “testemunha fonte” aos autos a fim de depor sobre as informações prestadas pela “testemunha de ouvir dizer” em audiência, corroborando-as ou não, visa assegurar o princípio da imediação e do contraditório, possibilitando-lhe a impugnação directa de tal depoimento e a sua consequente defesa.

Ora, se é precisamente o arguido a testemunha fonte, a mencionada disposição legal deixa de fazer qualquer sentido.

Em primeiro lugar porque o “depoimento” é um acto de testemunhas e não do arguido, que presta declarações e, ressalvadas as devidas excepções, está proibido de depor como testemunha (alínea a) do art. 133º do C.P.P.). Por outro lado, o arguido nunca presta juramento e não está obrigado a responder com verdade (tal como resulta dos arts. 61º e 140º/2 do C.P.P.), pelo que o seu chamamento ao abrigo do art. 129º do C.P.P., para além de inviável, seria completamente inútil, uma vez que nunca seria de esperar que o arguido se auto-incriminasse corroborando o depoimento da “testemunha de ouvir dizer”.

Por outro lado, a “prova por ouvir dizer”, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido, é passível de livre apreciação pelo Tribunal quando o arguido se encontra presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de se defender, contraditando o depoimento prestado pela testemunha que “o ouviu dizer”, não havendo, portanto, razões para distingui-la de qualquer outra testemunha arrolada nos autos e impor-lhe um tratamento diverso.

No caso dos autos, acrescerá que o depoimento das testemunhas (...) e (...) não incidem sobre o conteúdo das declarações prestadas pelo arguido (...) e reduzidas a auto em sede de inquérito.

E assim será, mesmo que o arguido, presente na audiência, recuse prestar declarações ao abrigo do seu direito ao silêncio. Tanto mais que, nesse caso, tendo a possibilidade de exercer o contraditório relativamente aos depoimentos prestados, não o teria feito por sua vontade e opção. Até porque, convirá não esquecer, estará sempre salvaguardada a possibilidade de o defensor oficioso do arguido “abalar” a credibilidade e isenção do depoimento desta “testemunha indirecta” e de qualquer outra testemunha ou interveniente processual.

O que ocorreu precisamente no caso dos autos, já que o arguido, podendo em julgamento justificar os factos, apresentou a defesa que julgou mais conveniente, refutando a acusação que contra ele foi deduzida, e infirmando o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.

Em jeito de conclusão, na medida em que não viola qualquer disposição legal em sede de prova, os depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas foram livremente apreciados e valorados, o que se exige quer pela sua validade e relevância probatória, quer pelo princípio da verdade e justiça material, permitindo ao Tribunal dar, então, como assentes os factos ocorridos em 27.02.2019 e a autoria dos mesmos.

Ainda algumas últimas notas relativamente aos factos dados como não provados…

Não deixa de ser bastante curioso o facto de ao longo das suas declarações, negando a autoria da maioria dos factos, o arguido se ter “esquecido” de fazer referência ao encontro havido com os agentes da PSP no interior do apartamento de (...) horas antes de ter sido fiscalizado pela condução em estado de embriaguez.

E, bem assim, nada mencionou quanto ao encontro, com os mesmíssimos agentes minutos antes da fiscalização, por distúrbios à porta do bar “(…)”, onde foram chamados por desacatos, sendo que a primeira referência que faz aos agentes apenas é quando se reporta à fiscalização.

Ou o arguido omite deliberadamente certos factos ou não possui qualquer recordação da sequência de acontecimentos ocorrida naquela madrugada ou dos actos que efectivamente praticou.

Como é sabido, a ingestão de bebidas alcoólicas está absolutamente contra-indicada nos casos em que o agente toma medicação, nomeadamente anti-depressiva e ansiolítica. E tal ocorre, não por alterar a taxa de álcool no sangue, mas precisamente por potenciar os efeitos do álcool no organismo humano. Desconhecemos qual a situação verificada. O que temos por certo é que o arguido mentiu. E mentiu por diversas vezes, inventando desculpas sem qualquer cabimento, que se mostram contrariadas pelos demais elementos de prova produzidos nos autos e que não nos mereceram qualquer credibilidade, conforme ficou salientado supra.

Relativamente ao alegado pelo arguido no sentido de a porta da entrada do apartamento mencionado em 1. já se encontrar danificada à data dos factos, refira-se que tal argumento é frontalmente contrariado pelo depoimento da testemunha (…) – que explicou ser impossível que as suas funcionárias não tivessem detectado tal dano em momento anterior, caso tivesse sido provocado dias antes – e dos elementos policiais que se deslocaram ao local por duas vezes na mesma noite, constatando o dano recente na porta e sendo-lhes transmitido por (...), pelas 00:50, que o arguido acabara de arrombar a porta, estando este presente e reconhecendo a autoria dos danos, facto que em julgamento omitiu em absoluto.

Aliás, se nenhum problema tivesse existido, as autoridades policiais não teriam comparecido no local e não teriam, inclusivamente, descrito o estado emocional e alcoolizado em que o arguido se encontrava.

De salientar que nesse momento a ofendida não relatou aos agentes o desaparecimento de qualquer objecto, nem há referência a que a habitação aparentasse ter sido devassada, diferentemente do que sucedeu mais tarde nessa madrugada e o que estes constataram ‘in loco’ novamente.

Já no que respeita à porta de vidro da entrada, cumpre salientar que foi quebrada entre a 1:00 e as 02:30, correspondendo ao período de tempo em que os agentes se ausentaram do local e aí regressaram, constatando, então, que o apartamento se encontrava igualmente aberto e remexido e de onde foi subtraída a televisão.

Apesar de ninguém ter, efectivamente, presenciado estes factos – quebra do vidro da porta do edifício e furto da televisão – e de os mesmos não terem sido confessados pelo arguido em audiência, o certo é que reconheceu a sua autoria aos agentes na data dos factos e foi encontrado nessa mesma noite, pouco tempo após, junto ao local de trabalho de (...), na posse da televisão.

Em momento algum – quer aquando da sua detenção, quer mesmo em julgamento – o arguido justificou a posse de tal bem, não colhendo, de todo, quer pela ausência de credibilidade, como por contrariar gritantemente as regras da experiência comum e juízos de normalidade, a explicação avançada, no sentido de “se encontrar por esquecimento” no seu veículo, nem dando conta disso.

Na verdade, se não temos razões para duvidar que (...) se encontrava em mudanças, tanto mais que dias após os factos efectivamente entregou as chaves do locado e ausentou-se, já o mesmo não se diga relativamente à possibilidade de o arguido ter transportado o televisor a seu pedido dias antes e o ter mantido no veículo, esquecido.

Para além de tal “esquecimento” contrariar as regras da experiência comum e os juízos de normalidade, não estamos a falar de um pequeno objecto caído, por esquecimento, no interior do veículo. Pelo contrário, é uma televisão grande da qual a agente (...) se apercebeu imediatamente num pequeno trajecto realizado no veículo, de noite, da zona ribeirinha à Esquadra da PSP. Era, em nosso entender, impossível que o arguido não desse conta que ali se encontrava, como quis fazer crer em audiência.

O arguido estava desorientado, alcoolizado e sob o efeito de medicação e era a única pessoa, naquela noite, com interesse em regressar ao apartamento de (...), alegadamente para procurar a sua carteira e telemóvel, do qual não possuía as chaves.

É sabido que, na formação da sua livre convicção, ao Tribunal não está vedada a possibilidade de retirar ilações dos factos probatórios, socorrendo-se de um raciocínio dedutivo ou indutivo, apoiado nos princípios da lógica e fundamentado nas regras do normal acontecer.

Não se duvidando, pois, da não rara impossibilidade de apoiar a convicção que se exige da entidade decidente nos chamados elementos de prova directa, admite-se pacificamente que, no complexo de actos que integram a actividade probatória, possam intervir determinados meios que, conduzindo à demonstração positiva de factos diversos do tema da prova, permitem, através de um raciocínio dedutivo ou indutivo, filiado nas máximas da experiência comum, uma ilação favorável quanto aos factos probandos.

Sob pena de incontornável frustração de qualquer tentativa de apreensão exacta da realidade sujeita a judicial comprovação, exige-se do julgador que, uma vez confrontado – como não raras vezes sucede no universo da criminalidade em que nos situamos – com a ausência de testemunhos completos e auto-suficientes, proceda a uma apreciação global e correlativa de toda prova produzida, valorando-a dialecticamente e inferindo a partir dos factos expressamente afirmados aqueles outros que são sugeridos por um critério de experiência comum ou pela lógica subjacente aos normais acontecimentos da vida.

Ora, é justamente a possibilidade, consensualmente reconhecida, de uma tal convicção indutiva que, porque no caso proporcionada com o índice de segurança suposto pela confirmação da hipótese acusatória, permitiu o reconhecimento dos factos tidos por demonstrados, ficando o Tribunal convicto que os mesmos foram efectivamente praticados pelo arguido (...).

Relativamente à alegada perda da carteira, apenas uma nota para destacar o facto de o arguido estar na posse da carta de condução quando se identificou perante as autoridades policiais.

Por outro lado, também não resultou minimamente demonstrado que o arguido tivesse sido ameaçado ou agredido no bar “(...)” e que em resultado do receio que sentia, se viu obrigado a conduzir, contrariamente ao que quis transmitir, alegando-o como se tal constituísse uma causa justificativa para a sua conduta.

A este respeito é de notar que os agentes da PSP chamados pela 3ª vez, desta feita ao bar “(...)”, por desacatos alegadamente provocados pelo arguido – que, contudo, não presenciaram –, apenas se reportaram a um desentendimento entre o arguido e (...), à recusa do dono ou segurança em permitir a sua entrada no estabelecimento e à conversa, até longa, que mantiveram com (...) no exterior. Nenhum dos agentes faz referência a qualquer queixa do arguido, que seria mais do que natural na eventualidade de ter sido agredido e sentir-se ameaçado ou receoso.

Pelo contrário, falaram com este e o mesmo abandonou o bar pelo seu próprio pé, donde se infere que em perfeita segurança, permanecendo, inclusivamente, os agentes no local, depreende-se que, em face de todas as situações ocorridas nessa noite, de modo a garantir que não voltaria a verificar-se o seu envolvimento em factos ilícitos.

E foi, precisamente nessa altura, depois de se esconder durante alguns minutos, certamente para fazer crer que havia abandonado o local apeado, que o arguido conduz e vem a ser interceptado.

Não colhem, por conseguinte, e pelas razões que exaustivamente se deixaram consignadas ao longo de toda a fundamentação de factos, quaisquer dos argumentos avançados pelo arguido.

Dir-se-á, no entanto, que não se apurou, por último, que no circunstancialismo temporal referido em 6. supra, ou seja, da segunda vez que se deslocou ao apartamento, o arguido não tivesse autorização para lá entrar, por nenhuma prova ter sido produzida nesse sentido, já que (...) não prestou depoimento e seria a única pessoa a poder atestar tal facto.

O Tribunal valorou, ainda, o depoimento prestado por (…), irmã do arguido e com quem actualmente reside em casa do progenitor, que fez alusão ao estado depressivo vivido pelo arguido por altura dos factos, na sequência de uma separação, ficando sem casa, filhos e amigos. Salientou que o irmão aceitou efectuar um tratamento de abstinência de álcool, consultas de psiquiatria e medicação, encontrando-se actualmente inserido familiar, social e profissionalmente.


*

O Tribunal tomou, ainda, em consideração, o teor de fls. 3 a 4, 9, 10, 15, 18 a 19, 20, 21, 22, 23 a 25, 49, 50 a 55, 57 a 59, 72, 96, 146 a 147, 148 e 149 a 154, que constituem, respectivamente, os autos de noticia e aditamentos, o talão extraído do alcoolímetro, o certificado de verificação, o auto de denúncia, o termo de autorização de busca em veículo, o auto de apreensão, o relatório fotográfico, a fotocópia do passaporte, factura de aquisição, declarações e comprovativos médicos.

*

A prova dos antecedentes criminais do arguido resulta do certificado do registo criminal constante de fls. 287 a 291.

A prova relativa aos factos pessoais e económicos do arguido resulta das declarações pelo mesmo prestadas.”

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Apreciando

- Da valoração dos depoimentos das testemunhas agentes da PSP

Ao abrigo do disposto nos artigos 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º do CPP, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, nada impedindo que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio.

Aos órgãos de polícia criminal, em tais circunstâncias, não está vedado ter com determinadas pessoas conversas que não são formalizadas em auto, podendo essas conversas reportar-se a factos que estão em investigação e a fonte de informação pode até ser um suspeito do crime investigado.

Não obstante a jurisprudência não ter sido uniforme, pode considerar-se adquirido que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detetados e constatados durante a investigação.

Quando se está “ (…) no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia, compete então às autoridades, nos termos do art. 249º do CPP, praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infração, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1, do CPP).

Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido (…).” (cfr. Ac. do STJ, de 15/02/2007, acessível in www.dgsi.pt).

Assim, e revertendo ao caso concreto, verifica-se que o acto dos agentes da PSP inquiridos com o arguido ocorreu ainda numa fase da aquisição da notícia do crime, prévia à instauração de inquérito e numa altura em que o ora arguido não tinha ainda o estatuto de arguido, configurando recolha de informação e não “conversa informal”, pelo que os depoimentos de tais testemunhas não configura qualquer depoimento indireto nem violação do disposto nos arts.129º, 356º ou 357º do CPP.

*

- Da invocada ilegalidade da busca efetuada ao veículo

Dispõe o artigo 251.º do CPP sob a epígrafe “Revistas e buscas”:

«1 - Para além dos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:

«a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se;

«b) À revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual ou que, na qualidade de suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência.

«2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º “

Temos assim que as buscas previstas no n.º 1 do artigo citado têm por requisito as circunstâncias de que os OPC tenham fundadas razões para crer, não só que no lugar a buscar se ocultam objetos relacionados com o crime, mas também e sobretudo que a não realizarem a busca de imediato tais provas poderiam perder-se.

E, dispõe o art.174º do CPP:

“Pressupostos

1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.

2 - Quando houver indícios de que os animais, as coisas ou os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.

3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.

4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.

5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efetuadas por órgão de polícia criminal nos casos:

a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou

c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.

6 - Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.”

Ora, no caso, como resulta dos autos, a busca foi efetuada ao abrigo do disposto no art.174º, nº5, al.b) do CPP, constando dos mesmos autos, anexado ao auto de busca. a o consentimento prestado pelo arguido e pelo mesmo assinado.

Termos em que inexiste qualquer ilegalidade na busca efetuada, improcedendo o recurso neste particular.

*

- Do alegado erro de julgamento e violação do princípio da livre apreciação da prova;

Alega o arguido que as testemunhas cujos depoimentos foram valorados pelo Tribunal a quo não têm conhecimento direto dos factos com base nos quais o Arguido foi condenado; e que, do que essas testemunhas puderam observar não resulta evidência direta dos factos com base nos quais o Tribunal a quo condenou o Arguido.

Consignou o Mº Juiz na motivação da decisão recorrida:

“O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, beneficiando da imediação, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético.

Começou por considerar as declarações prestadas pelo arguido (...) que referiu à data dos factos estar a passar por um período muito conturbado da sua vida sentimental, na sequência de um divórcio e de uma consequente depressão, estando sob o efeito de anti-depressivos e ansiolíticos.

Em seguida, assegurou não ter partido ou arrombado qualquer porta, não ter furtado o televisor, nem ter entrado na residência de (...) sem o seu consentimento, conforme vinha acusado.

Afirmou que se relacionava com (...) desde há algumas semanas atrás, esclarecendo depois que esta era prostituta e que na qualidade de cliente deslocou-se várias vezes à sua residência. Adiantou que a mesma estava de mudanças e chegou a transportar várias coisas para a casa de uma amiga, admitindo que talvez tenha levado a televisão a pedido da ofendida, não evidenciando, contudo, qualquer recordação de tal ter ocorrido.

Só se apercebeu que estava no banco de trás do seu veículo quando os agentes da PSP o alertaram para tal, sendo que até essa altura “não deu conta”.

Relativamente à porta do apartamento, mencionou ter ajudado (...) a abri-la, depois de esta ter deixado a chave no seu interior, tendo ficado danificada na ombreira. Mais salientou que era “uma casa em que rodava muita gente”, desconhecendo qualquer problema com a porta da entrada do edifício.

Concretamente, na data dos factos disse ter estado com (...) ao início da noite, deslocando-se em seguida para o bar onde esta trabalhava, onde ingeriu bebidas alcoólicas.

Regressou a casa daquela e apercebeu-se, então, que estava sem carteira e telemóvel, pelo que andou à procura e regressou ao bar, afirmando não se recordar bem do que se passou, vindo a ser “maltratado pelo segurança”.

Mais referiu que “estava com receio”, pelo que foi para o carro, na zona ribeirinha, saiu do parque e apareceu logo a PSP, “não tendo oferecido resistência” alguma. Quanto ao exame de pesquisa de álcool no sangue, declarou “não saber se o efectuou no local ou na esquadra”, admitindo que “o carro possa ter sido levado para a esquadra por um agente”, o que é bem demonstrativo do estado de total alheamento em que se encontrava.

Terminou fazendo alusão ao tratamento de desintoxicação efectuado na sequência dos factos e a frequência dos alcoólicos anónimos.

Ora,

O arguido apresentou-se em julgamento com uma postura vitimizadora, avançando sucessivas desculpas e justificações para todas as situações de que vinha acusado, pretendendo, afinal, fazer crer que tudo não passou de uma cabala montada contra si naquela madrugada, sem imputar, contudo, a sua autoria a quem quer que fosse.

As suas declarações, salvo pontuais excepções, não nos mereceram qualquer credibilidade. Quer pela forma pouco honesta com que depôs, como por serem incongruentes e absolutamente desprovidas de senso, tendo sido contrariadas, quase na íntegra, pela demais prova testemunhal e documental produzida.

Com efeito,

(…), gerente das sociedades (…) – a primeira proprietária do apartamento (…), arrendado à data dos factos a (...), e a segunda exploradora do apartamento e proprietária dos bens existentes no seu interior – e, simultaneamente administrador do condomínio, mostrou-se coerente e pareceu-nos sincero e desinteressado, não tendo sequer apresentado pedido de indemnização civil com vista ao ressarcimento dos danos causados.

Referiu que reside no edifício mencionado nos autos e no dia 27 ou 29.02.2019 – não sabendo ao certo precisar qual – saiu de casa bastante cedo, entre as 06:30 e as 07:30, deparando-se com o vidro da porta da entrada partido e com vestígios de sangue. Quando, pelas 10:00, contactou telefonicamente a sua funcionária, no sentido de contratar alguém para repôr o vidro, foi por esta informado que tinham havido distúrbios nessa noite no prédio, desaparecido uma televisão e que a PSP tinha estado no local.

Ligou, então, para a PSP, tendo-lhe sido confirmada a mencionada informação e que havia sido detido um individuo com um televisor no carro, aguardando a chegada dos agentes ao local para entrar no apartamento visado, que evidenciava a ombreira da porta partida, com sinais de dano recente.

Instado, respondeu que até esse dia, ninguém lhe tinha reportado qualquer problema com a porta do apartamento 506 e apenas aí foi acusada a falta da televisão. Explicou que a empresa de que é gerente explora vários apartamentos naquele edifício e que, todos os dias, as suas funcionárias o percorrem ou para realizar limpezas ou por forma a verificar se está tudo bem. Por esse motivo e atenta a extensão e visibilidade dos estragos que constatou, adiantou ser impossível que os mesmos tivessem ocorrido em momento anterior àquela noite. Caso assim fosse, já as funcionárias haviam dado nota do mesmo, o que não sucedeu.

Afirmou, por último, que pouco tempo após os factos a arrendatária devolveu as chaves do apartamento e ausentou-se.

Determinantes para o apuramento dos factos foram, sem dúvida, os depoimentos dos agentes da PSP (…) e (...) que, revelando recordação dos factos, os relataram com o maior rigor que o lapso de tempo decorrido permite, merecendo-nos inteira credibilidade pela sua isenção, coerência, assertividade e profissionalismo.

Ambos referiram terem sido chamados à residência de uma senhora brasileira, na (…), pouco após as 00:00, alegadamente por invasão de propriedade por parte de um individuo. Chegados ao local puderam constatar que a porta da dita residência apresentava vestígios de arrombamento, aí se encontrando (...) e o aqui arguido, a quem a primeira imputou, de imediato, a autoria de tais estragos.

Afirmaram que o arguido evidenciava claros sinais de embriaguez, estando inicialmente fora de si. Ainda assim, reconheceu, perante ambos, a autoria dos danos na porta e mostrou-se colaborante. Depois de uma conversa com o mesmo e já mais calmo, referiu que iria chamar um táxi para se deslocar à sua residência, deixando na (…) o seu veículo.

A identificada senhora utilizaria o apartamento para se prostituir, sendo o arguido seu cliente, mencionando que entre os dois existiria algum tipo de relacionamento, adiantando (...) ter ficado com a percepção que o arguido nutria sentimentos por ela e (...) que (...) fez alusão ao mau momento que atravessava na vida e ao desaparecimento de um telemóvel, referindo ter-se deslocado ao local no sentido de o procurar.

Declararam, igualmente, terem sido chamados uma segunda vez nessa madrugada ao mesmo local – segundo crê (...), pelo porteiro do edifício –, constatando então que a porta da entrada do edifício tinha o vidro partido e que a porta do apartamento em causa estaria novamente aberta e o interior remexido, não se encontrando ninguém presente.

Logo após, foram chamados ao Bar (...), onde (...) trabalha, por desacatos.

Aí chegados aperceberam-se de um desentendimento entre o arguido e (...), dando (...) nota que o dono do bar ou o segurança recusavam a entrada do primeiro no estabelecimento.

Mais uma vez conversaram com o arguido algum tempo, afastando-se este do local apeado e escondendo-se alguns minutos.

Por se aperceberem que o arguido estava bastante embriagado, permaneceram no local, atestando, então, que abandonou aquela localidade em direcção à ponte, ao volante do seu veículo automóvel, que prontamente interceptaram. (...) salientou que, nesse momento, o arguido já não reagiu adequadamente.

Ambos fizeram menção ao facto de o arguido lhes ter facultado a chave do veículo, de modo a que o mesmo fosse transportado para a esquadra, sendo, nesse percurso conduzido por (...).

Ao conduzi-lo nesse trajecto, (...) realçou ter-se apercebido imediatamente de uma televisão no banco de trás, objecto este que, quando confrontado, o arguido admitiu ter retirado do apartamento de (...), sem que, em momento algum, tenha argumentado tê-lo feito a pedido da ofendida. Adiantou que na deslocação realizada à esquadra, (...) confirmou que a televisão havia sido subtraída da sua habitação, arrendada, motivo pelo qual ficou tal objecto apreendido nos autos, reconhecendo-o a fls. 25.

Indicaram ambos que, efectuado o exame de pesquisa de álcool no sangue, o arguido veio a acusar taxa superior a 2,00 grama de álcool por litro no sangue.

Relativamente ao vidro da porta da entrada do edifício, confirmando a fotografia de fls. 23, (...) acrescentou que, quando questionado sobre a sua autoria, o arguido inclusivamente se disponibilizou a pagar os estragos causados.”

E o que o recorrente pretende é retirar qualquer valor probatório aos depoimentos destas testemunhas,

O ataque à decisão da matéria de facto realizado pelo recorrente é, deste modo, feito pela via da credibilidade que o tribunal deu a determinados meios de prova.

o fundo o que o recorrente faz é invocar erro de julgamento na apreciação da prova.

A este nível compete avaliar se a decisão do julgador é, ou não, uma solução plausível segundo as regras da experiência, sendo que em caso afirmativo ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

E, antecipando a conclusão, dir-se-á desde já que a opção levada a cabo pelo julgador não foi feita de forma caprichosa ou arbitrária. Pelo contrário, mostra-se plenamente objetivada e com absoluta transparência, não procedendo a argumentação do recorrente.

Lendo a motivação da decisão de facto, facilmente se constata que foram essenciais à formação da convicção do tribunal os depoimentos das testemunhas (...) e (...), agentes da PSP, e (…), gerente das sociedades (…) – a primeira proprietária do apartamento (…), arrendado à data dos factos a (...), e a segunda exploradora do apartamento e proprietária dos bens existentes no seu interior – e, simultaneamente administrador do condomínio, depoimentos que o recorrente pretende desvalorizar.

Contrariamente ao que o recorrente alega, quando o tribunal não dispuser de outra prova, os depoimentos de testemunhas, opostas, em maior ou menor medida, ao declarado pelo arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.

No caso em apreço, conforme resulta da motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas (...), (...) e (...), e não deu qualquer credibilidade às declarações do arguido, e justificou plenamente as razões por que o fez, e que expressamente consignou na sentença.

E, deste modo, nada permite retirar àqueles depoimentos das testemunhas (...), (...) e (...) a credibilidade que o M.ª Juiz lhes atribuiu.

Os depoimentos destas testemunhas não possuem incongruências, contradições, falhas de memória, inexatidões ou hiatos que sejam adequados a suscitar dúvidas sobre a sua veracidade.

Como se salienta no Ac. do STJ de 27-2-2003, proc.º n.º140/03, rel. Cons.º Carmona da Mota :”II O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade. III A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detetáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e direto com as pessoas. IV. O tribunal de recurso, salvo casos de exceção, deve adotar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".

Por outro lado, e contrariamente ao que o recorrente alega, no caso em apreço a prova produzida não se limita exclusivamente ao teor dos depoimentos daquelas testemunhas. Teve a decisão recorrida também “ (…) em consideração, o teor de fls. 3 a 4, 9, 10, 15, 18 a 19, 20, 21, 22, 23 a 25, 49, 50 a 55, 57 a 59, 72, 96, 146 a 147, 148 e 149 a 154, que constituem, respectivamente, os autos de noticia e aditamentos, o talão extraído do alcoolímetro, o certificado de verificação, o auto de denúncia, o termo de autorização de busca em veículo, o auto de apreensão, o relatório fotográfico, a fotocópia do passaporte, factura de aquisição, declarações e comprovativos médicos.”

Assim, o que se verifica é que o recorrente se limita a sustentar que a leitura que o Tribunal fez da prova produzida não é a adequada, não demonstrando, no entanto, que a análise da prova à luz das regras da experiência ou a existência de provas irrefutáveis não consentiam tal leitura, pondo em causa a apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, tecendo as suas próprias considerações quanto à prova produzida e olvidando o arguido/recorrente, que “Conhecimento direto dos factos é aquele que a testemunha adquire por se ter apercebido imediatamente deles através dos próprios sentidos. No testemunho indireto a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos” (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, editorial Verbo 2008, pág. 180).”

Com efeito, a prova do facto típico e ilícito juspenalmente pertinente tanto pode resultar de uma perceção imediata decorrente dos sentidos como derivar de ilações que o julgador retira de meras circunstâncias conhecidas em função de um raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum – a denominada prova indireta.

«Na prova indireta a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção. A prova direta faz-se por perceção, a indireta por perceção e presunção» Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 1999, páginas 93 e 94.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2010, «o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.

Importa, pois, ter presente, que nem sempre é possível a prova direta do facto criminoso, admitindo a lei prova por indícios, só assim sendo possível, em muitos casos, a afirmação do direito

Por outro lado, nada impede que a prova de determinados factos se apoie, apenas, nas declarações de testemunhas, deste de que a análise crítica desses elementos de prova permita formar uma convicção segura em relação a esses factos.

No caso, em relação aos depoimentos das supra aludidas testemunhas, o tribunal recorrido, que beneficiou da imediação, destacou a objetividade e a equidistância louvável das testemunhas, que justificaram a atribuição de credibilidade a esses elementos de prova, nada constando dos autos que permita contrariar essa avaliação.

Assim, quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade do factum probandum, pois que, em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, não podendo ser excluída a prova por presunções, em que se parte de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido recorrendo a um juízo de normalidade alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.

Em sede de apreciação, a prova pode, pois, ser objeto da formulação de deduções ou induções, bem como da correção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.

Em conclusão, no caso em apreço, atentando nos depoimentos das testemunhas (...), (...) e (...) e em documentação junta aos autos, não vemos razões para concluir no sentido defendido pelo recorrente e alterar a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto.

Em julgamento o que tem que ficar provado, para além de qualquer dúvida razoável, é a participação do arguido nos factos, o que resultará naturalmente do facto de o tribunal se convencer, com base em toda a prova produzida e na sua análise crítica, à luz das regras normais da experiência e da sua livre apreciação, de que os factos ocorreram tal como plasmados na matéria de facto assente.

Mais se dirá que a discordância do recorrente quanto à forma como o tribunal recorrido decidiu a matéria de facto não assenta na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, centrando-se, sim, na forma como foram apreciadas, analisadas e valoradas as provas produzidas, insurgindo-se contra a credibilidade que foi reconhecida a depoimento de testemunhas e a documentos que se encontram nos autos, e em que assentou, com particular incidência, a convicção do Tribunal a quo, como resulta da motivação da decisão de facto, pretendendo o recorrente fazer substituir pela sua a convicção formada pelo tribunal recorrido.

Pretensão do recorrente, porém, sem fundamento, pois que a convicção adquirida pelo tribunal a quo, clara e suficientemente fundamentada, mostra-se suportada pelos meios de prova que como relevantes e credíveis foram considerados na motivação, apresentando-se como plausível e conforme com as regras da experiência comum.

E, assim sendo, é manifesto que a prova produzida em audiência não impõe decisão diversa da recorrida, inexistindo fundamento para proceder às pretendidas alterações de matéria de facto, sendo improcedente o recurso neste particular.

*

- Da alegada violação do princípio in dubio pro reo.

A convicção do tribunal é formada antes de mais com base na conjugação e articulação crítica dos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada.

Por outro lado a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.

Toda a decisão judicial constitui - precisamente - a superação não só da dúvida metódica, como da “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do acusado. Daí a submissão a um rígido controlo formal e material do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.

O princípio in dubio pro reo situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que “o fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Livre convicção e dúvida razoável limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação em conformidade com o critério do art. 127º do CPP. Sujeito ainda à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objetividade, racionalidade e razoabidade dessa apreciação. Significando que “em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. de 1974, p. 215)

A violação do princípio em causa pressupõe um estado de dúvida, no julgador e só neste, só podendo - e devendo - ser afirmado quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

“ A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência” (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, pág.84).

É de reconhecer a violação deste princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido; isto é, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível.

Como refere Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra, 1997, o in dúbio pro reo ”parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador”.

Ora, o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos que permitem estabelecer um substrato racional de fundamentação e convicção, com o apoio de presunções naturais, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

Com efeito, pela conferência do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o julgador tenha tido dúvidas sobre a verificação dos factos que considerou assentes. Ao invés, a motivação da decisão de facto é bem esclarecedora quer quanto aos meios de prova que sustentaram a convicção formada, quer quanto ao percurso lógico seguido na sua formação, nenhuma falha ou incorreção se detetando no exame crítico da prova, não se extraindo minimamente da fundamentação da decisão recorrida que o julgador tenha tido dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes.

Não se vislumbra, pois, qualquer violação do princípio in dubio pro reo, improcedendo o recurso também neste particular.

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- Da alegada invalidade da prova obtida através do alcoolímetro Drager, modelo 7110 MKIIIP, utilizado pela entidade fiscalizadora.

Alega o recorrente nas conclusões 27 a 30:

“27º Por fim, constata-se que o alcoolímetro marca Dräger, modelo 7110 MKIII P, número de série ARRA- 54, homologado por Despacho n.º 11 037/2007 (aprovação de modelo nº 211.06.07.3.06) publicado no DR nº 109, 2ª série, de 6 de Junho de 2007, emitido pelo Ministério da Economia e da Inovação - Instituto Português da Qualidade, I. P., segundo o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, posteriormente à aprovação, tem o prazo de validade do modelo de dez anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.

28º Ora a medição foi efetuada no ano de 2019, 12 anos, após a sua homologação, e seguindo entendimento doutamente defendido pela Veneranda Relação de Évora, nos Acórdãos de 17.06.2010 ou de 08-09-2015 o prazo de caducidade de 10 anos, que não se refere à aprovação do aparelho de fiscalização pela ANRS mas sim à aprovação técnica, pelo IPQ, encontra-se ultrapassado.

29º Nestes termos, o valor probatório do alcoolímetro, in causa, é nulo. Nulidade expressamente que se invoca, com a necessária consequência absolutória, quanto ao crime de Condução em Estado de Embriaguez.

30º Concomitantemente, entende o ora Recorrente, que o alcoolímetro não cumpria o requisito de verificação periódica, atento o certificado de verificação periódica junto ao talão, porquanto o mesmo corresponde a um outro aparelho, o tal aprovado por despacho de aprovação complementar nº 211.06.97.3.50 respeitante ao aparelho Alcoteste Mark III. Sendo que o aparelho em causa, e utilizado para fiscalizar o ora Recorrente, o alcoolímetro Alcoteste Mark III-P, provém de despacho 211.06.07.3.06., nesse sentido, aquela verificação condiz com um outro aparelho que não este, mostrando o em causa, ferido da necessária verificação periódica, o que afecta irremediavelmente a validade probatória daquela aparelho.”

Dispõe o artº 153º nº 1 do Código da Estrada: “O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

Por sua vez, estabelece o artº 14º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio (que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas):

“1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

3 - Os analisadores qualitativos, bem como os modelos dos equipamentos a utilizar nos testes rápidos de urina, saliva ou suor a efectuar pelas entidades fiscalizadoras, são aprovados por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.”

Assim, a prova relativa à taxa de alcoolemia é uma prova vinculada, que só pode ser feita da forma prevista na lei, ou seja, por aparelhos aprovados, ou por exames ao sangue.

Para o uso do alcoolímetro exige a lei que se verifiquem dois requisitos: a) o primeiro relativo à homologação ou aprovação de características técnicas pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ); b) o segundo diz respeito á “autorização de uso” pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

O arguido alega que, na data dos factos em apreço nestes autos, 27-02-2019, já se mostrava ultrapassado o prazo de 10 anos sobre a aprovação do modelo de alcoolímetro utilizado nos presentes autos (alcoolímetro da marca Drager, modelo 7110 MK III), prazo que no entender do recorrente, se conta a partir da data da publicação, no Diário da República, da aprovação técnica do alcoolímetro pelo IPQ, que ocorreu através do Despacho nº 11037/2007, publicado no DR, II Série de 06/06/2007.

Porém, e ao contrário de tal entendimento, o referido prazo de 10 anos, conta-se a partir da publicação da “autorização de uso “, dada pela ANSR.

Como referido, bem, na sentença recorrida, “Argumentou o arguido em sede de alegações finais que o certificado de verificação junto aos autos não se reporta ao alcoolímetro utilizado para o exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo que não está comprovada a legalidade da sua utilização.

Mas, salvo o devido respeito por opinião diversa, o alegado não tem qualquer fundamento.

Com efeito, a análise do talão extraído do alcoolímetro de fls. 9 e ao certificado de verificação de fls. 10 permite concluir, inequivocamente, tratar-se do mesmo aparelho, ou seja marca Dräger, modelo 7110 MKIII P ARRA-0054.

Não se vislumbra, pois, qualquer irregularidade na obtenção da prova, muito menos a assinalada pelo arguido.”

Mais, o modelo do aparelho em questão foi aprovado pela ANSR através do Despacho nº 19684/2009, de 25 de Junho de 2009, publicado no DR II série de 27/08/2009 e a fiscalização foi efetuada ao recorrente no dia 27-02-2019, logo ocorreu dentro do prazo da validade da aprovação do alcoolímetro.

O alcoolímetro utilizado no âmbito dos presentes autos reunia, pois, à data dos factos, todos os legais requisitos.

Assim, tendo o exame de pesquisa de álcool no sangue sido efetuado nos termos previstos na lei e por aparelho aprovado para o efeito, o resultado do exame quantitativo pode e deve ser tido em conta, estando o tribunal a quo obrigado a valorar, como fez, a prova resultante do uso do referido alcoolímetro, em obediência ao disposto no art.170º, nº4, do CE e nos termos do art.125º do CPP.

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- Do alegado estado de necessidade desculpante.

Dispõe o art. 35º, nº1, do CP que “age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo atual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente”.

“ 1. São pressupostos do estado de necessidade desculpante a verificação de uma situação de perigo atual para bens jurídicos de natureza pessoal (vida, integridade física, honra e liberdade) do agente ou de terceiro

2.-O facto ilícito praticado tem de ser “adequado”, ou seja, idóneo a afastar o perigo que não seria remível por outro modo;

3. Para além destes elementos objetivos relacionados com o perigo, o bem jurídico ameaçado e a adequação do facto é necessário que o juiz verifique que não era razoável exigir do agente, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente;

4.Torna-se ainda indispensável que o agente pratique a ação para determinar com ela a preservação do bem jurídico ameaçado, isto é, o animus salvandi, o que bem se compreende pois está em causa a prática de um facto ilícito e, por conseguinte, juridicamente desaprovado.”( cfr. Ac. TRC, de 8-05-2013, in www.dgsi.pt).

Ora, podendo o estado de necessidade desculpante reconduzir-se ao princípio da inexigibilidade de um comportamento ajustado à norma, certo é que atentando nos factos provados, dos mesmos não é possível concluir ter-se por verificada uma situação de estado de necessidade desculpante nos termos previstos no artigo 35.º, n.º 1 do Código Penal.

Termos em que o recurso improcede também neste particular.

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- Da medida das penas

Alega o arguido, em síntese, que as penas aplicadas são claramente exageradas, perante os factos dados como provados.

Ora, o arguido mostra-se condenado:

- pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º/1 do C.Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

- pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º/1 do C.Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

- pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º/1 do C.Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

- em cúmulo jurídico destas penas, mostra-se condenado na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros);

- pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º/1 e 69º/1 al.a), ambos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 18 (dezoito) meses, acompanhada de regime de prova da competência da D.G.R.S.P., a incidir nomeadamente, na frequência do programa “Taxa Zero” ou de outros disponíveis e mais adequados, por forma a sensibilizar o arguido para a problemática do alcoolismo e para a perigosidade que decorre da condução sob a influência de bebidas alcoólicas e em eventual tratamento na ETET; e na sanção acessória de 10 (dez) meses de proibição de conduzir veículos a motor.

Como salienta o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993 § 454, «a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da (s) circunstâncias (s) se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa ser razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue- quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os «casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios».

A conduta do arguido é grave, reveladora de um desrespeito pelos bens jurídicos protegidos neste tipo de ilícitos criminais – o património em geral e a segurança rodoviária- , quer pelas circunstâncias em que ocorreu a sua conduta, quer pelas consequências para as vítimas, não impondo uma alteração da medida concreta das penas.

Acresce que, a juntar ao seu grau de culpa, surge ainda o elevado grau de indiferença manifestado pelo mesmo relativamente aos valores comunitários em causa espelhado em toda a sua atuação ao longo da audiência de julgamento não assumindo a prática dos factos objeto dos presentes autos e não demonstrando arrependimento, que permite concluir que o mesmo não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta.

Atendendo às necessidades de prevenção geral, as mesmas situam-se já num grau médio/elevado, na medida em que estas condutas, constituindo crimes contra o património em geral e segurança rodoviária perturbam os princípios fundamentais de vivência em sociedade causando insegurança na comunidade.

E, no que diz respeito à prevenção especial, a qual temos por média/alta, teremos que atender ao modo como os crimes ora em apreço foram perpetrados e à intensidade do dolo - que foi sempre direto - que presidiu à sua resolução.

A favor do arguido apenas se apurou o mostrar-se laboral e familiarmente inserido.

Assim, considerando todas as circunstâncias, ponderando em conjunto todos os factos e a personalidade do arguido recorrente e atenta a moldura dos crimes, não podem considerar-se desajustadas, excessivas ou desproporcionadas as penas em que o arguido foi condenado, não merecendo reservas a elencagem de fatores de medida das penas a que procedeu a decisão recorrida.

O tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação das penas, sendo avaliada a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, nada havendo a acrescentar relativamente aos argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada para a determinação da medida das penas em relação aos crimes por que foi condenado que justifique a respetiva alteração, pois que as mesmas se mostram criteriosas, adequadas e proporcionais.

Termos em que o recurso improcede também neste particular.

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Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

- Condenar o recorrente no pagamento de custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 27 de abril de 2021

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Laura Goulart Maurício

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Maria Filomena Soares