Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2165/07.1TBPTM-K.E1
Relator: ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PENSÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
Data do Acordão: 01/23/2012
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE PORTIMÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Sumário: No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, estando em causa apenas a pensão de alimentos, dever-se-á atender, para efeitos de admissibilidade de recurso, não apenas ao valor da acção (superior à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida, já que não estão em causa direitos indisponíveis.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Inconformado com a decisão que não admitiu o recurso que interpôs da decisão que decidiu o incidente de incumprimento e julgou verificado o não pagamento da totalidade da pensão fixada a favor das filhas, com o fundamento de que, atendendo ao valor da sucumbência que “se reduz a algumas dezenas de euros” a decisão é irrecorrível, veio o recorrente J reclamar da mesma, nos termos do art. 688º do Código de Processo Civil, invocando que o “critério da sucumbência só deve ser adoptado nos casos em que há decaimento em ralação ao valor do pedido e não nas acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais ou difusos…. Com efeito o que se aprecia é se houve ou não incumprimento das obrigações parentais, independentemente do valor que tal incumprimento representa”.
A recorrida nada disse.
Decidindo:
De acordo com o estabelecido no art. 678º/1 do Código de Processo Civil, “só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa.”
No caso, como certificado a fls. 2 o valor da acção é de 30.000,01 €. Por conseguinte, atendendo ao valor da causa o recurso era, sem dúvida, admissível.
Mas deverá atender-se apenas a este valor, como defende o reclamante, ou deverá atender-se ao critério cumulativo da sucumbência como foi entendimento da decisão reclamada?
Defende o reclamante que está em causa o incumprimento das responsabilidades parentais e, por isso, o critério da sucumbência não pode funcionar.
Mas, com todo o respeito, não tem razão.
É certo que as responsabilidades parentais, envolvem um elenco complexo de deveres e direitos, uns sem tradução patrimonial e outros meramente patrimoniais ou, com uma vertente eminentemente patrimonial. Naqueles podemos adiantar como exemplo os deveres de guarda, de educação de visita, etc., e nestes o direito a alimentos e o correspondente dever de os prestar.
E se é certo, no que àqueles concerne, que o valor da sucumbência não pode funcionar como critério aferidor da admissibilidade do recurso uma vez que são insusceptíveis de tradução patrimonial e se traduzem em interesses imateriais, já quanto a estes tal critério terá que funcionar sobretudo quando em causa está exclusivamente essa vertente, ou seja, o montante dos alimentos e/ou o incumprimento da obrigação de os prestar no montante, na forma e no tempo devido.
Como se decidiu no ac. da RL de 4.11.1993, “o reconhecer não ter pago a pensão de alimentos ao menor, tal como ficara estipulado no acordo de regulação do poder paternal, não configura qualquer situação que se integre no domínio dos direitos indisponíveis, visto tratar-se de simples efeitos de natureza patrimonial” [1].
É certo que o montante de alimentos terá sido fixado em conjunto com as demais vertentes ou direitos/deveres não patrimoniais. Porém, o que aqui está em causa é saber se o ora reclamante pagou num determinado período a totalidade do montante fixado ou apenas uma parte desse valor. Por isso, apenas está em causa o valor que a requerente alegou não ter sido pago e dado como provado na decisão de que se pretende recorrer e não qualquer outro direito e vertente das responsabilidades parentais.
Concretizando, o que está em causa é, exclusivamente, o montante de 19,50 € acrescido de 1,30 € por cada mês decorrido desde a entrada do requerimento inicial (18.05.2010), no total, até ao momento de 29,90 € (19,50 + 10,40 (1.30 x 8 meses).
É assim óbvio, que o recurso não é admissível, face ao valor da sucumbência [2].
Não se entende, aliás, como é que por causa de uns escassos 29,90 € de alimentos devidos a duas filhas, o reclamante (para mais recorrendo aos serviços de advogado) se permite obrigar o tribunal a despender tempo e recursos (tão escassos nos dias que correm e tão necessários para fazer face a questões que efectivamente merecem ser atendidas), como ainda pretende obrigar o tribunal superior a debruçar-se sobre problema tão insignificante, ao ponto de reclamar da óbvia não admissibilidade do recurso.
Não deixa, aliás, de ser elucidativo e sintomático de uma inusitada e incompreensível litigância, para mais tratando-se das filhas, o facto de ser este já o apenso K.
Considerando o reduzido valor que está em causa (29,90 €) a litigância manifestada, que raia as faldas da má-fé, cai, sem dúvida, na alçada do estabelecido no art. 447º-B do Código de Processo Civil, introduzido pelo DL 34/2008 e aplicável a este incidente “ex vi” do art. 27º, nº 3 deste diploma, porquanto se trata de incidente manifestamente dilatório, de litigância infundada e imprudente.
Considerando que a taxa normal de justiça devida na reclamação é de 1 a 3 UC’s (Tabela III do RCP) e que a taxa excepcional é de 2 a 15 UC’s (art. 10º do RCP), entendo como adequado fixar a taxa de justiça devida no montante de 3 UC’s.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerandos, não atendo a reclamação e, mantendo o despacho reclamado, não admito o recurso interposto.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC’s.
Notifique.
Évora, 23.01.2012
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Vice-Presidente)
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[1] In www.dgsi.pt, proc. 0080842, documento nº RL199311040080842.
[2] Cerca de 85 vezes inferior à metade da alçada do tribunal de 1 instância.