Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
15/12.6TBSRP-A.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O prazo de 10 dias previsto no artigo 638.º/7, do CPC só é adicionado ao prazo geral previsto no n.º 1 do mesmo artigo quando tenha havido efetivamente recurso com impugnação da decisão de facto; caso contrário, o prazo de 10 dias ali previsto não entra no cômputo do trânsito em julgado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 15/12.6TBSRP-A.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Francisco Matos

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), co-réu na ação declarativa de condenação que lhe foi movida por (…) e mulher (…), interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo Central Cível e Criminal de Beja, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o qual indeferiu, por extemporaneidade, a nota justificativa e discriminativa de custas de parte que aquele apresentou nos autos.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor:
«Ref.ª 2571099: considerando que a sentença proferida nos autos transitou em julgado em 04.09.2023 e a nota discriminativa das custas de parte foi apresentada no dia 22.09.2023 indefere-se o requerido pagamento, por ter sido ultrapassado o prazo para tal apresentação (cfr. artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais)».

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1 – O douto despacho recorrido ao confirmar a promoção do MP e fixar a data do trânsito em julgado em 04/09/2023, fez uma interpretação errónea do disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC.
2 - No caso em apreço, a parte vencida podia recorrer da matéria de facto (o valor da ação é superior a 70 mil euros) no prazo suplementar de 10 dias a que alude a disposição legal acima citada.
3 - A sentença só transitaria quando não pudesse ser mais objeto de reclamação ou recurso, o que só ocorreria após esgotado o prazo suplementar de 10 dias (artigo 638.º/7, do CPC);
4 - E isso só teria lugar no dia 14 de setembro.
5 - Tendo o R. apresentado a sua conta de custas no dia 22 de setembro de 2023, não pode a mesma ser indeferida por extemporaneidade, já que respeita o prazo que estabelece o n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com o n.º 7 do artigo 638.º do Código de Processo Civil.
6 - O douto despacho recorrido fez uma interpretação errónea da norma que se vem citando do CPC, pelo que está ferido de ilegalidade.
7 - O que acarreta a sua nulidade.
8 - Pelo que, e por todo o exposto, requer-se a V. Exas., que nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 613.º do CPC, seja revogado o douto despacho recorrido e, consequentemente, retificada a data de trânsito em julgado aposta no despacho ao qual se reage e admitida a conta de custas e respetiva nota discriminativa e justificativa junta, para todos os legais efeitos.
Valor – o do decaimento na reclamação – € 2.570,40 (dois mil e quinhentos e setenta euros e quarenta cêntimos)».

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
A questão que cumpre decidir consiste unicamente em saber se nas ações em que houve prova gravada, sendo admissível recurso com aquele objeto, no cálculo do prazo de interposição de recurso deve adicionar-se o prazo (suplementar) de 10 dias previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC.

II.3.
Factos
Extrai-se dos autos a seguinte factualidade relevante para a apreciação do recurso:
1 – Mediante sentença datada de 14.06.2023, o tribunal absolveu os réus de todos os pedidos peticionados pelos autores.
2 – A sentença referida em 1) foi notificada às partes em 15/06/2023.
3 – Mediante requerimento apresentado em 14/09/2023, o Fundo de Garantia Automóvel apresentou a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
4 – A ré (…) – Companhia de Seguros, SA apresentou, em 14/09/2023, a respetiva nota justificativa e discriminativa de custas de parte.
5 – O réu (…) apresentou a sua nota justificativa e discriminativa de custas de parte mediante requerimento de 22/09/2023, solicitando que o seu reembolso fosse suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, nos termos do artigo 26.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Judiciais «uma vez que os autores estão isentos do pagamento de custas».
6 – Mediante promoção datada de 26/09/2023, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerimento referido em 5) invocando o artigo 25.º/1, do RCJ, considerando que aquele deu entrada nos autos no dia 22/09/2023 e a sentença transitou em julgado no dia 04/09/2023.
7 – Mediante despacho datado de 29/09/2023, o julgador indeferiu o requerimento referido em 5) por extemporaneidade do mesmo.
8 – O despacho referido em 7) foi notificado ao réu (…) em 29/09/2023 que, na mesma data, deu entrada nos autos de um requerimento pedindo que fosse «retificada a data de trânsito em julgado aposta no despacho de 29/09/2023 e, consequentemente, fosse admitida a sua nota justificativa e discriminativa de custas de parte».
9 – Sobre o requerimento referido em 9) foi proferido despacho com o seguinte teor: «Ref.ª 2578184: o prazo para a reclamação apresentada esgotou-se há muito. Sempre se diga que o reclamante não tem legitimidade para apresentar a reclamação considerando que não é o destinatário da nota de custas de parte apresentada».
10 – O despacho referido em 9) foi notificado ao réu (…) em 18/10/2023.

II.3.
Mérito do recurso
Em causa no presente recurso está o despacho que indeferiu, por extemporaneidade, a nota justificativa e discriminativa de custas de parte que foi apresentada pelo réu/recorrente perante o tribunal de primeira instância.
A apelante, sem pôr em causa que o prazo para apresentação daquela nota é o prazo de 10 dias previsto no artigo 25.º/1, do Regulamento das Custas Judiciais e que o mesmo se conta a partir da data do trânsito em julgado da sentença - entendido aquele como o momento em que a decisão deixa de ser suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do CPC) – vem defender que nos casos em que é admissível recurso que tenha por objeto a gravação da prova gravada, como é o caso que nos ocupa, o prazo para o trânsito em julgado da sentença – 30 dias (artigo 638.º/1, do CPC) – é acrescido dos 10 dias previstos no artigo 638.º/7, do CPC. Louva-se num Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 12-12-2017, proferido no âmbito do processo n.º 657/13.2TBCBR-A.C1[1].
Está implícito nas alegações de recurso do apelante que nos casos em que há prova gravada, e independentemente de haver, ou não, recurso, ao prazo geral de 30 dias previsto no artigo 638.º/1, do CPC (ou ao prazo de 15 dias nos casos ali previstos) deve ser adicionado o prazo de 10 dias contemplado no artigo 638.º/7, do CPC, para efeitos de cômputo do trânsito em julgado. Donde, no caso que nos ocupa e no seu entender, a sentença só teria transitado no dia 14 de setembro de 2023 e não no dia 4 de setembro de 2023 como julgou o tribunal recorrido.
Julgamos, porém, que não lhe assiste razão, transcrevendo aqui a argumentação desenvolvida a este propósito no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 06/10/2015, no processo n.º 1466/14.7T8CBR-E.C1, a qual inteiramente subscrevemos: «Como resulta claro da letra da lei, o legislador ao escrever “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada”, tal significa que tem de haver manifestação de recorrer e de recorrer para reapreciação da prova gravada, a fim de se preencher este concreto objeto de recurso previsto na norma, pois que, só ele permite beneficiar de um prazo adicional de 10 dias. Não se basta a norma com a possibilidade de haver recurso de prova gravada, sem exercício do mesmo, pois que, se assim fosse, o prazo do recurso seria sempre acrescido de 10 dias, uma vez que a audiência final, na lei processual atual, é sempre gravada (artigo 155.º, n.º 1, do CPC). Intenção que não foi a do legislador e que inequivocamente não se colhe da letra da lei. Se o legislador tivesse querido estender o prazo adicional de 10 dias a todos os julgamentos gravados, tê-lo-ia dito. Mas não foi o caso. A mesma exigência de que o prazo adicional de 10 dias só poderia ser concedido se tivesse sido, efetivamente, interposto recurso sobre o julgamento de facto resultava da lei anterior (artigo 685.º, n.º 7, do anterior CPC) que também previa a gravação da audiência, ainda que a mesma estivesse dependente de requerimento de uma das partes, e não fosse automática (artigo 522.º-B do anterior CPC). Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto».
No caso sub judice a sentença proferida nos autos foi-o em 14/06/2023 e foi notificada às partes em 15/06/2023. Logo, o prazo de 30 dias previsto no artigo 638.º/1, do CPC ocorreu na data de 04 de setembro de 2023, pelo que a nota a nota justificativa e discriminativa de custas de parte apresentada pelo réu/recorrente no dia 22 de setembro de 2023 é, efetivamente, extemporânea, não merecendo, por isso, censura o despacho recorrido.


Sumário: (…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade do apelante, atento o seu vencimento; porém, o pagamento da taxa de justiça pelo impulso processual não é devido porque o recorrente beneficia de apoio judiciário e não há lugar ao pagamento de custas de parte porque não houve resposta às alegações de recurso.

Notifique.
Évora, 20 fevereiro de 2024
Cristina Dá Mesquita
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Francisco Matos