Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5/19.8GAABF.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: INJÚRIA AGRAVADA
PENA DE MULTA
FINALIDADES DA PUNIÇÃO
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Para além do que consta na decisão recorrida, devemos entender que, em face de tais antecedentes criminais (duas penas de multa), a personalidade do agente e a sua conduta anterior indiciam uma preocupação ligada à prevenção especial fundamentadora de um juízo de que só com a escolha de uma pena de prisão (ainda que suspensa) se assegurará uma fundada probabilidade de êxito da acima mencionada socialização?

II - Levando em conta mas não sobrevalorizando a gravidade da conduta associada simultânea (atinente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário), entendemos que as concretas injúrias e a existência daqueles antecedentes criminais, traduzidos em condenações ainda em penas de multa, são ainda insuficientes para justificar a escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa.

III - Assim, em síntese, entendemos que, dadas as circunstâncias do caso em apreço, a pena de multa, apesar da gravidade dos fatos, ainda se mostra suficiente e adequada a satisfazer as necessidades da punição, ou seja, como vimos, a protecção de bens jurídicos (evitando-se a prática de futuros crimes) e a reintegração do agente na sociedade.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de Albufeira (J3) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro corre termos o processo comum singular n.º 5/19.8GAABF contra o arguido TMPL, filho de LFEL e de INP, nascido a …, natural de …, solteiro, vendedor, residente na …, …, tendo no mesmo, após a realização da audiência de julgamento, sido proferida sentença condenatória, nos seguintes termos:

“A) Condenar o arguido TMPL nas seguintes penas PARCELARES:

1. pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347º nº 1 do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão,

2. pela prática de um crime de injúria agravada, ilícito previsto e punido pelos arts. 181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) meses de prisão,

3. pela prática de um crime de injúria agravada, ilícito previsto e punido pelos arts. 181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) meses de prisão;

B) E, operando o CÚMULO JURÍDICO das supra mencionadas penas parcelares, condenar o arguido TMPL, na PENA ÚNICA de 3 (três) anos de prisão, que ficará suspensa na execução por três anos”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. Foi o Arguido TL condenando pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347º nº 1 do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, pela prática de um crime de injúria agravada, ilícito previsto e punido pelos arts.181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) meses de prisão, pela prática de um crime de injúria agravada, ilícito previsto e punido pelos arts. 181º nº 1 e 184º do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) meses de prisão;

2. E, operando o CÚMULO JURÍDICO das supra mencionadas penas parcelares, condenar o arguido TMPL, na PENA ÚNICA de 3 (três) anos de prisão, que ficará suspensa na execução por três anos;

E quanto à responsabilidade CIVIL, foi condenado o demandado TL a pagar ao demandante Estado Português indemnização no valor de € 51 (cinquenta e um euros), acrescida de juros de mora vincendos contados à taxa dos juros civis de 4% ao ano.

3. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e a matéria direito da douta Sentença proferida nos presentes autos.

4. O douto Tribunal a quo formou a sua convicção com base no depoimento das três testemunhas, considerando que os depoimentos das mesmas foram sérios, isentos e credíveis.

5. No entanto, se por um lado tivemos o depoimento de dois militares da GNR concertado, ambos foram unanimes nas suas declarações por outro lado, tivemos uma terceira testemunha que colocou em causa o depoimento das duas anteriores e, colocou em causa o que aconteceu naquele dia.

6. Testemunha esta que teve contacto direto, presenciou todos os factos que sucederam naquele dia.

7. Ora, a testemunha TC narrou de forma isenta, clara e descreveu os factos que presenciou naquele dia, inclusivamente, elaborou um desenho que foi junto aos autos, onde desenhou e descreveu as localizações dos militares da GNR.

8. De forma clara e inequívoca, referiu que o militar CF nunca passou a passadeira e nem sequer passou a passadeira, salientando que o militar CF não esteve na frente do veículo do arguido.

9. Aliás, sem margem de dúvidas, esta testemunha referiu mais que uma vez que o militar da GNR CF não passou a passadeira, o que coloca me causa as declarações prestadas pelos militares da GNR.

10. Face a tais declarações existe serias e fundadas dúvidas, sobre o que efetivamente sucedeu, e se o militar passou ou não a passadeira? Afinal qual a sua posição?

11. TC referiu, ainda que, passavam duas ou três pessoas na passadeira e que o arguido teve o cuidado de não as atropelar, reparando que a intenção do arguido era sair daquele local, todavia nunca foi sua intenção atropelar alguém.

12. Por outro lado, esta testemunha que estava no local, presenciou todos os factos ocorridos naquele dia, e que os descreveu sem lapsos de memória e de forma convicta e credível, quando questionado a cerca do veículo conduzido pelo arguido e a cor deste, salientou que o arguido conduzia um veículo automóvel da marca … de cor preta.

13. Tais declarações são absolutamente divergentes das declarações prestadas pêlos militares da GNR, pois descreveram outro veículo automóvel e de outra cor.

14. E, visionado os vídeos de fls. 22, entende o Recorrente que dos mesmos não resulta de forma equivoca a dinâmica dos acontecimentos daquele dia, aliás sustentam ainda as dúvidas existentes acerca do que realmente sucedeu naquele dia.

15. Atenta a prova produzida em sede de Audiência e Discussão de Julgamento, entende-se, contrariamente ao Tribunal a quo, que não existe convergência das provas, pelo contrário, resultam serias dúvidas do que efectivamente sucedeu naquele dia.

16. A testemunha TC que merece toda a credibilidade colocou em causa e em dúvida toda a dinâmica do sucedido naquele dia.

17. E, havendo sérias e fundadas dúvidas é de aplicar o princípio in dúbio pro reo e acerca do princípio in dubio, escreve o Prof. Figueiredo Dias que, à luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo», in Direito Processual Penal, reimpressão,1984, p.213. O estado de dúvida - valorado a favor do arguido por não ter sido ilidida a presunção da sua inocência - pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão.

18. Por tudo o exposto e, com todo o devido respeito que é muito, entendemos que o arguido deve ser absolvido dos crimes que lhe são imputados.

19. Todavia e, se V. Exas., assim não entenderem e com todo o devido respeito, que é muito, o arguido ora Recorrente não se pode conformar com a condenação a que foi sujeito, pois cremos que, as opções de política criminal que dão corpo o sistema sancionatório vigente passam pelo privilegiamento de sanções não privativas da liberdade.

20. Ora, o arguido é condenando por um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347º nº 1 do Código Penal e dois crimes de injúria agravada, ilícito previsto e punido pelos arts. 181º nº 1 e 184º do Código Penal.

21. Não se poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação da pena de prisão, embora suspensa na sua execução, aplicada ao arguido no caso concreto, pois a mesma é demasiado penosa.

22. Atento o preceituado no artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

23. No processo de determinação da pena concreta há também que ponderar as circunstâncias apuradas no caso concreto que relevam para a culpa e para a prevenção e que funcionam, assim, como factores de medida da pena.

24. E, nessa determinação a operar dentro dos limites da moldura abstracta estabelecida para o crime praticado, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o respectivo modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando se destina a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, tudo conforme previsto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.

25. O Tribunal a quo, relativamente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, sustentou que o arguido usou de violência, concretizada numa ofensa corporal contra o militar da GNR CC…derrubou o militar ao chão, assim lhe causando diversos ferimentos corporais.

26. Todavia e, com todo o devido respeito que é muito, dos autos não decorre que tais ferimentos tenham sido considerados assim tão graves.

27. Aliás e, conforme o próprio militar referiu, de facto, caiu, embateu no chão, ficando com queimadura por causa da fricção com o alcatrão, tendo ido apenas ao centro de saúde.

28. Salientou, ainda que, nem de baixa médica teve, voltando logo de seguida a exercer a sua profissão.

29. Ora, consideramos que tal comportamento do arguido, passível de censura, não configura um comportamento tão grave como o Tribunal a quo considerou.

30. E, o douto Tribunal deveria ter isso em conta para a determinação da pena a aplicar no que ao crime de resistência e coacção sobre funcionário diz respeito.

31. Considerando, então, que a medida da pena abstracta em relação a este crime se situa entre um e cinco anos, entendemos que tendo em conta todas as circunstâncias da prática do mesmo, a culpa do agente, as condições e personalidade do arguido, as exigências de prevenção, a pena a aplicar deveria ser próxima dos mínimos legais., pelo que a pena aplicada a este crime deve ser alterada, reduzindo-se a pena aplicada pelo Tribunal a quo.

32. O Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347.º do Código Penal e por dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos artigos 181.º, 188.º do Código Penal.

33. O crime de resistência e coacção sobre funcionário é punido com pena de prisão de um a cinco anos, enquanto que o crime de injuria agravada é punido com pena de prisão de um mês e 15 dias a 4 meses e 15 dias ou multa de 15 a 180 dias.

34. In casu, o Tribunal a quo, considerou que relativamente aos crimes de Injúria Agravada ser de aplicar penas de prisão parcelares e não pena de multa.

35. Sustentando que, a conduta simultânea do arguido que dá contexto às injúrias. As mesmas ocorreram no quadro fáctico em que o arguido ofendeu o corpo de um dos militares da GNR injuriado e dirigiu um automóvel na direcção do outro militar injuriado. Contexto que empresta às injúrias uma imagem global de gravidade, dentro da amplitude permitida por este tipo de crime (que, diga-se sem rodeio, é muito inferior ao crime concorrente), significativamente elevada.

36. E, considerando que, por isso os cuidados preventivos de ordem geral que o caso reclama não permitem considerar adequada, por ser insuficiente, a aplicação de penas da natureza menos gravosa prevista pelo legislador. Naquele concreto contexto, punir as injúrias proferidas contra os militares com pena meramente pecuniária não constituiria, aos olhos da comunidade, advertência suficiente.

37. Todavia, entende o Recorrente que a pena de prisão aplicada pelos crimes de Injuria agravada é manifestamente desproporcionada e violadora do disposto nos artigos 70 º e 71º do Código Penal.

38. Com todo o devido respeito, que é muito, o arguido, ora Recorrente não se pode conformar com a condenação a que foi sujeito, pois cremos que, as opções de política criminal que dão corpo o sistema sancionatório vigente passam pelo privilegiamento de sanções não privativas da liberdade.

39. Ora, impõe o artigo 70.º do Código Penal que existindo alternativa entre medida privativa e não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

40. Ora, a ordem de gravidade só deve ser afastada quando se verifiquem motivos de prevenção muito ponderosos, o que não é o caso, motivo pelo qual, entendemos que o Tribunal a quo devia e podia ter aplicado uma pena de multa.

41. Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, e tendo e conta que afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação da pena conjunta e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação da pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

42. Assim no que à determinação da medida pena diz respeito, esta deve ser feita em harmonia com a culpa do agente e que realiza de fora adequada e suficiente as finalidades da punição e as exigências da prevenção.

43. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71. ° do Código Penal.

44. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

45. Todavia, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

46. Ora, têm de ser valorado o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto os factos e a personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos e a sua reiteração, a personalidade do arguido projectada os factos e perspectivada por eles, que demonstre que os ilícitos resultam de actuação pluriocasional e não de tendência criminosa, as exigências de prevenção geral sentidas, as exigências de prevenção especial de forma a dissuadir a reincidência, os efeitos previsíveis da pena a aplicar, no comportamento futuro do arguido, e, sem prejuízo do limite da culpa.

47. O Tribunal a aquo na determinação da pena a aplicar ao arguido pelos crimes de Injúria Agravada cingiu-se, essencialmente, ao seu passado criminal, pois considerou que milita em seu desfavor o facto de já ter sido condenando por um crime que tutela bens jurídicos pessoais e que se consubstanciou numa ofensa corporal (autos nº 13/17.3MAPTM; facto 24).

48. E, sustentou também a sua decisão na muito frágil a situação profissional e financeira do arguido, o que gera significativas reservas quanto à sua capacidade para, por meios lícitos, providenciar pelo seu sustento e o da sua família.

49. No entanto, não quer dizer que o arguido não iria cumprir com o pagamento de uma pena de multa, bem sabemos que nestes momentos contam com o apoio dos seus familiares para o fazer.

50. O Tribunal a quo não pode fazer essa previsão e, não pode condenar o arguido numa pena de prisão, embora suspensa, porque tem uma situação económico financeira frágil.

51. Por outro lado, o nosso sistema jurídico permite a substituição da pena de multa, pela aplicação de pena de trabalho a favor da comunidade, sendo a mesma capaz de satisfazer as exigências de prevenção geral, especial e de ressocialização sejam tão elevadas que imponham. Pois a mesma garante de igual modo, o carácter ressocializador da pena, melhor alcançado através da pena de trabalho a favor da comunidade, que contribuirá para a sua reinserção social.

52. Ora, o Recorrente entende que a matéria de facto em que assentou a douta decisão recorrida é manifestamente insuficiente para fundamentar a pena privativa da liberdade que foi aplicada ao arguido.

53. Os crimes de injuria agravada pelos quais o arguido vem condenando são punidos, em abstracto, com pena de prisão ou pena de multa, enquadrando-se na denominada pequena criminalidade.

54. A matéria de facto dada como provada tida em consideração pelo Mm.º Juiz a quo é manifestamente insuficiente para justificar a aplicação de uma pena privativa da liberdade, mesmo que suspensa na sua execução.

55. A pena aplicada ao arguido é excessiva e desajustada.

56. A pena privativa da liberdade é a último ratio da política criminal e é determinada tendo em vista necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização que não cabem no caso concreto.

57. No entanto, o Mmo. Juiz a quo determinou a culpabilidade do arguido com base na consideração dos seus "antecedentes criminais" e na sua frágil situação económica, procurando justificar desse modo uma decisão exacerbadamente punitiva e que não encontra arrimo nas necessidades de prevenção geral e especial nem tão-pouco nos princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade.

58. É certo que a personalidade do agente é um factor da mais elevada importância para a medida da pena, relevando tanto para determinar culpa como as exigências de prevenção, todavia não basta.

59. Quanto a isto se dirá que o arguido à data dos factos tinha uma condenação respeitante a um crime que tutela bens jurídicos pessoais no seu registo criminal, no entanto, os antecedentes criminais do Arguido não permitem, de modo algum extrair as gravosas consequências que o tribunal a quo extraiu nesta sede.

60. A existência de condenações anteriores do agente só devem surgir como agravantes na medida em que essas condenações possam ligar-se ao facto praticado e constituir índice de uma culpa mais grave, o que não sucede in casu.

61. Assim, deve ter-se em conta as considerações atinentes à culpa que se reportam ao momento da prática do facto e as considerações referentes à prevenção que se reportam ao momento do julgamento.

62. Como nos ensina Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 362, a conduta do agente anterior ou posterior ao facto releva apenas ao nível da prevenção. Trata-se de circunstâncias estranhas à culpa contemporânea do momento da prática do facto.

63. De salientar também que, à data dos factos, o arguido não é reincidente.

64. Assim, a pena aplicada aos crimes de Injúria Agravada parece até ter um efeito contraproducente, estigmatizando de forma desproporcional o arguido, sancionando-o com uma pena bem superior à sua falta, numa desproporcionalidade que não se pode aceitar.

65. A leitura do preceituado nas disposições constantes nos artigos 43º n.º 1, 70 n.º1, e 71.º nr.1 permite retirar a ilação que só nos casos de absoluta necessidade de realizar necessidades de prevenção especial é que o Julgador pode determinar a aplicação de uma pena privativa da liberdade.

66. Assim e, face ao exposto, com todo o devido respeito que é muito, entende o Recorrente que o Tribunal A quo poderia e deveria ter optado pela aplicação de uma pena de multa.

67. Uma vez que, a pena de multa é manifestamente suficiente para realizar de uma forma adequada as finalidades da punição, não afectando, de forma alguma, as exigências de prevenção de futuros crimes.

68. O Juiz a quo podia e devia ter aplicado uma pena de multa no que toca aos crimes de injurias agravadas, pois a mesma tem capacidade para manter ao arguido afastado do cometimento de novos crimes, havendo, pois, uma esperança suficientemente fundada de que a ressocialização em liberdade poderá ser alcançada.

69. Cremos, portanto, que, ponderada a ilicitude global do facto, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção requeridas, uma pena de multa, ainda realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, considerando-se mais adequada ao caso concreto e à medida da culpa do arguido.

70. Nestes termos, entende o Recorrente que o acórdão em crise agride a disciplina constante nos artigos 40.º, 43.º, 50.º, 70.º e 71.º, do Código Penal.”

Termina pedindo:

“Nestes termos e nos demais de Direito, e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deverá a douta Sentença do Tribunal A quo ser revogada e substituída por outra, fazendo-se, assim, a habitual necessária e lidima JUSTIÇA!!!”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição):

“I - Pretende o arguido, pelo presente recurso, que a sentença recorrida seja revogada, absolvendo-o dos crimes de que vem condenado em concurso na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na execução por igual período.

II – Não assiste qualquer razão ao arguido/recorrente quando defende que o Tribunal violou o princípio do in dubio pro reo.

III – A sentença recorrida encontra-se devidamente motivada, dela resultando que o Tribunal formou a sua convicção na livre apreciação de toda a prova produzida, analisada criticamente à luz da lógica e das regras da experiência comum.

IV – O Tribunal apreciou a prova em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, recorrendo às regras da experiência comum, da lógica, raciocínio e livre convicção, não tendo incorrido em qualquer arbitrariedade.

V – Da apreciação e análise crítica que fez de toda a prova produzida, o tribunal recorrido não ficou com qualquer dúvida quanto aos factos que deu como provados.

VI – Não tendo o Tribunal recorrido ficado na dúvida quanto aos factos que deu como provados, ou sobre o juízo de censura que dirigiu ao arguido, não tinha aquele que socorrer-se do princípio in dubio pro reo.

VII - O Tribunal, para dar os factos como provados, apreciou toda a prova e não só a prova testemunhal, apresentando-se a sentença coerente e razoável com essa prova, resistindo, assim, de forma inequívoca, ao teste “da dúvida razoável”.

VIII - Não resultando da sentença recorrida qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou qualquer erro notório na apreciação da prova, os factos dados como provados devem manter-se na integra.

IX – Ao invés do que defende o recorrente, o Tribunal recorrido não incorreu na violação dos artigos 40.º, 43.º, 50.º, 70.º e 71.º.

X – Quer no tocante às penas parcelares, quer no tocante à pena única aplicada, o Tribunal fez correto apelo aos critérios estabelecidos nos artigos 40º, 70.º, 71º e 77º do Código Penal, não sendo a sentença recorrida merecedora de qualquer censura.

XI – O Tribunal fez uma cabal e correta de todas as circunstâncias respeitantes aos factos e ao arguido e que depunham quer em seu favor ou desfavor, nomeadamente, no que respeita à culpa, ilicitude, dolo, condições pessoais e económicas e a sua conduta anterior e posterior.

XII – Na medida da pena única aplicada ao recorrente, o Tribunal considerou, em conjunto, os factos e personalidade do arguido recorrente, mostrando-se justa a pena aplicada.”

Em síntese:

“Termos em que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1), sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:

DA ACUSAÇÃO

1. No dia 17 de Maio de 2019, pelas 14h 40m, na Rua …, …, …, no decurso de uma operação de prevenção à criminalidade do tráfico de estupefacientes, os elementos da Guarda Nacional Republicana CF e CC, trajando à civil, abordaram o arguido que ali conduzia a viatura de matrícula ….

2. Quando da abordagem o veículo seguia em marcha lenta.

3. O militar CF abordou o veículo do arguido pelo lado da frente, colocando-se, numa passadeira, à frente do veículo por forma a imobilizá-lo completamente, exibindo a respectiva carteira profissional, identificando-se como sendo GNR.

4. O militar CC abordou o veículo pelo lado da porta do condutor, exibindo a respectiva carteira profissional, identificando-se como sendo GNR.

5. Os militares, dirigindo-se ao arguido, disseram em voz alta “pára” e “GNR”.

6. Em acto contínuo o arguido, dirigindo-se aos dois militares da GNR, proferiu a seguinte expressão “filhos da puta”.

7. De imediato, o arguido imprimiu aceleração à viatura que conduzia dirigindo a mesma contra o militar da GNR CF.

8. Apercebendo-se da intenção do arguido de seguir marcha em frente, o militar da GNR CC, que se encontrava junto da porta do condutor e através do respectivo vidro que se encontrava aberto, tentou alterar a trajectória da viatura agarrando o volante da mesma, sendo que em consequência de tal conduta foi arrastado pela viatura conduzida pelo arguido e caiu ao solo.

9. O arguido apenas não atropelou o militar da GNR CF porquanto o mesmo conseguiu desviar-se da viatura.

10. Em consequência da conduta do arguido militar da GNR CC sofreu traumatismos no tronco, membros superiores e membro inferior direito tendo sido sujeito a tratamento médico no Serviço de Urgência Básica do Centro de Saúde de …, lesões essas que lhe determinaram 21 dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional.

11. Ao proferir a expressão “filhos da puta” visava o arguido ofender a honra e consideração dos militares da GNR CF e CC.

12. O arguido tinha perfeito conhecimento que CF e CC eram militares da GNR uma vez que os mesmos se identificaram como tal.

13. Com a sua conduta o arguido visava impedir que os referidos militares da GNR exercessem as suas funções, bem sabendo da sua condição de agentes de autoridade e que se encontravam ao serviço de órgão de polícia criminal.

14. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, pois sabia que a sua conduta era proibida por lei e, ainda assim, não se coibiu de a praticar.

DO PEDIDO CÍVEL

15. Em resultado da actuação do arguido, a Guarda Nacional Republicana despendeu em consultas médicas o valor de € 51.

DA AUDIÊNCIA

16. O arguido foi criado pelos pais, sendo o quarto filho duma fratria de cinco irmãos.

17. Os pais do arguido exerciam actividade laboral, proporcionando a sustentabilidade do agregado familiar.

18. O arguido abandonou a escola entre os 13 e 14 anos de idade, tendo concluído o terceiro ano de escolaridade.

19. O arguido nunca teve ocupação laboral, sendo sustentado pelos pais, com quem residia, até que aos 18 anos de idade solicitou Rendimento Social de Inserção, o que veio a constituir a sua fonte de rendimentos exclusiva ao longo do tempo.

20. O arguido vive em união de facto há 19 anos.

21. O arguido e a companheira têm quatro filhos, com idades compreendidas entre os dois e os dezoito anos de idade, com quem residem.

22. O agregado familiar actualmente ocupa um quarto na habitação da uma tia do arguido.

23. Na mesma habitação residem ainda os pais do arguido.

*

24. O arguido regista os seguintes antecedentes criminais: Por sentença transitada em julgado em 18/12/2013, proferida no processo nº 561/13.4GTABF do Tribunal Judicial de Loulé, o arguido foi condenado pela prática, em 11/11/2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena principal de 50 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 meses; Por sentença transitada em julgado em 25/11/2019, proferida no processo nº 13/17.3MAPTM do Tribunal Judicial de Portimão, o arguido foi condenado pela prática, em 11/03/2017, de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços na pena de 95 dias de multa.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não ficou por provar qualquer facto relevante da acusação ou do pedido cível.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1.ª – Impugnação da matéria de facto;

2.ª – Alegada violação do princípio in dubio pro reo;

3.ª – Escolha e redução das penas aplicadas.

B. Decidindo.

1.ª questão - Impugnação da matéria de facto.

Constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do art.º 428.º.

O recorrente afirma que o presente recurso tem como objecto a matéria de facto da sentença proferida nos presentes autos.

A este propósito, importa lembrar o que dispõe o art.º 412.º, com referência à motivação do recurso e conclusões:

“(…) 3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Como consta do Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque (2), em anotação à referida norma, “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado (…)” ; “[a] especificação das “ concretas provas ” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”. “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”

Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto por se entender que determinado aspecto da mesma foi incorrectamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspecto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. A referência aos suportes magnéticos só se mostrará cumprida actualmente quando o recorrente indica (já não as mencionadas voltas, por não utilização do respectivo suporte – gravador de cassetes) mas os marcos temporais das passagens relevantes (gravadas pelo sistema e nele disponíveis) e não apenas o respectivo início e fim do depoimento.

Tal exigência decorre da circunstância de que todos os recursos – à excepção do recurso de revisão – se encontrarem “concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocadas.

Ora é exactamente para isso que serve a motivação: permitir ao recorrente apontar ao Tribunal ad quem o que na sua perspectiva foi mal julgado e oferecer uma proposta de correcção para que o órgão judiciário o possa avaliar.” (3)

Por outro lado, pretendendo o recorrente “impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.” (4)

As exigências previstas nos números 3 e 4 do art.º 412º não se revestem de natureza meramente secundária ou formal: ao invés, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e só a sua estrita observância permitirá ao tribunal de recurso conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre um objecto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão.

No caso dos autos, desde logo, cumpre salientar que o recorrente, quer na motivação, quer nas conclusões, não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Por outro lado, também não faz qualquer referência aos suportes magnéticos (com a necessária indicação dos marcos temporais das passagens relevantes gravadas pelo sistema) onde se encontrará vertido o invocado depoimento da testemunha TC nem os motivos pelos quais tal depoimento imporia uma decisão diversa da constante da sentença.

Tanto bastaria para que a impugnação da matéria de facto, só por si, naufragasse.

Porém, as razões porque, no seu entendimento, a prova levaria (e não imporia, sublinha-se) a decisão diversa da recorrida, também são expressivas da deficiência jurídica da impugnação.

Diz o recorrente que existem, em consequência da divergência dos testemunhos, “dúvidas” sobre o que “realmente sucedeu naquele dia”.

O recorrente pretende, assim, colocar em causa a convicção do tribunal ao dar determinados factos como provados, convicção com a qual não concorda. A discordância quanto ao juízo de prova quanto a determinada factualidade é, porém, insuficiente para fundar normativamente a impugnação procedente de factos dados como provados. Como vimos, o recorrente deve explicitar a razão porque a prova produzida e especificada impõe decisão diversa da recorrida, uma vez que é esse o cerne do dever de especificação. Caso assim não acontecesse, estaríamos perante a realização de um “novo julgamento” do tribunal ad quem, com uma nova análise da plêiade dos elementos de prova produzidos na audiência de 1.ª instância, solução normativamente inaceitável.

É de sublinhar que, “se, perante determinada situação de facto em concreto, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente (tenha ele, nos autos, a posição processual que tiver), ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que por ela opte, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova”. (5)

Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto.

*

2.ª questão –A alegada violação do princípio in dubio pro reo.

Vem o recorrente invocar a violação deste princípio porque a testemunha acima indicada merece toda a credibilidade e colocou em “causa e em dúvida toda a dinâmica do sucedido naquele dia.”

Nos termos do art.º 32.º, n.º 2 da CRP, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. O princípio da presunção de inocência cristalizado neste comando constitucional “surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.” (6)

A fundamentação constante da sentença relativamente ao núcleo essencial dos factos provados é a seguinte:

“Os relatos (7) pareceram isentos, tendo-se ficado com a nítida impressão que nenhuma das testemunhas inquiridas pretendeu prejudicar ou beneficiar artificialmente a posição do arguido. As testemunhas não têm qualquer relação com o mesmo, nem se vislumbra motivo para que quisessem trazer falsidades a juízo, distanciamento que fortaleceu o juízo positivo sobre a veracidade dos seus relatos.

Os depoimentos foram, todavia, merecedores de juízos de fiabilidade díspares.

Sendo certo que todas as testemunhas depuseram sobre factos do seu conhecimento directo, as demais provas — em particular, os vídeos de fls. 22 — denunciaram que o relato de TC (pessoa que, presente no local, presenciou os acontecimentos) padeceu de evidente falta de fiabilidade quanto a certos pontos. Não se estanhou, porém, que assim sucedesse, tendo em consideração a rápida dinâmica dos eventos presenciados pela testemunha (que demoraram poucos segundos) e o intervalo temporal decorrido desde os acontecimentos.

As restantes testemunhas, CF e CC (os militares da GNR que abordaram o veículo mencionado nos factos), prestaram relatos concordantes entre si e, decisivamente, os seus depoimentos foram também totalmente coerentes com os documentos dos autos (mormente os vídeos de fls. 22), o que lhes emprestou elevado grau de fiabilidade.

(…)

Com efeito, à excepção do testemunho de TC, todos os meios de prova relevantes (no que ora importa, restantes testemunhos e documentos de fls. 3 e 22) corroboraram que, para além do militar CC, também o militar CF tentou activamente interceptar o veículo em questão (colocando-se à sua frente, numa passadeira, para que se imobilizasse totalmente), tendo o veículo “arrancado” a sua marcha na direcção deste último, não o colhendo em virtude de o militar se ter desviado.

De sinal contrário, apenas o testemunho de TC. Esta testemunha disse estar convencida que o militar CF não esteve na frente do veículo do arguido, pese embora tenha afirmado igualmente que o veículo quase atropelou as pessoas que se encontravam na passadeira à sua frente.

O confronto de todas as provas produzidas não permite, todavia, qualquer equívoco. Para além dos já referidos restantes testemunhos, os vídeos de fls. 22 (que captaram, de dois ângulos diferentes, o essencial dos eventos em questão1) demonstram, de forma categórica, que o militar CF na abordagem policial efectivamente se colocou à frente do carro conduzido pelo arguido, e que o arguido, ao “arrancar”, seguiu uma trajectória de marcha que interseccionaria a posição do militar, não fosse este ter dado um passo lateral à sua direita por forma a evitar o embate.

Face à absolutamente evidente convergência das provas, e pesando a muito elevada fiabilidade dos vídeos instrutórios, não sobrou qualquer réstia de dúvida quanto à verdade do que, nesta parte, se levou à matéria provada.”

Verifica-se, assim, que o Mm.º Juiz a quo descreveu com rigor o iter que seguiu para chegar à convicção de prova sobre os factos, explicitando de forma fundada e consistente as opções de prova tomadas. Assim, concluímos que o mencionado iter traduz um correto entendimento do princípio da livre apreciação da prova, nos termos recortados pelo art.º 127.º do CPP.

Do exposto flui que, na sentença, o tribunal a quo não evidencia quaisquer dúvidas relativamente à prova dos factos, nunca se tendo colocado ao tribunal a dúvida sobre a prova dos factos.

A este propósito, importa recordar que “a dúvida relevante nesta sede é a do tribunal e não a do recorrente.” (8)

Ou, de forma mais impressiva: “De todos os modos, o princípio in dubio pro reo não é lesado quando, segundo opinião do condenado, o juiz devia ter duvidado, mas tão-só quando o juiz condenou apesar da existência real de uma dúvida” (9)

Inexiste, pois, qualquer violação do aludido princípio.

*

3.ª questão – Escolha e redução das penas aplicadas. O recorrente pugna pela redução da pena do crime de resistência e coação para “próximo dos mínimos legais” e, quanto ao crime de injúria, o tribunal a quo “devia e podia ter aplicado uma pena de multa”. Cabe, pois, decidir se a escolha da pena de prisão para os crimes de injúria se mostra normativa e faticamente escorada aplicada e se a pena de prisão pelo crime de resistência e coação se revela excessiva face às razões invocadas pelo recorrente.

Para tanto, há que partir da decisão recorrida, tendo sido a fundamentação relativa à escolha e determinação das penas a seguinte:

“Voltando ao caso sub iudice, os crimes de injúria cometidos pelo arguido são punidos com prisão ou multa, pelo que antes do mais haverá que escolher qual a natureza destas penas.

Quanto a estes dois crimes influi decisivamente, neste momento de ponderação, a conduta simultânea do arguido que dá contexto às injúrias. As mesmas ocorreram no quadro fáctico em que o arguido ofendeu o corpo de um dos militares da GNR injuriado e dirigiu um automóvel na direcção do outro militar injuriado. Contexto que empresta às injúrias uma imagem global de gravidade, dentro da amplitude permitida por este tipo de crime (que, diga-se sem rodeio, é muito inferior ao crime concorrente), significativamente elevada.

Por causa de tal particular situação de facto global estamos convencidos que os cuidados preventivos de ordem geral que o caso reclama não permitem considerar adequada, por ser insuficiente, a aplicação de penas da natureza menos gravosa prevista pelo legislador. Naquele concreto contexto, punir as injúrias proferidas contra os militares com pena meramente pecuniária não constituiria, aos olhos da comunidade, advertência suficiente.

Motivo pelo qual, sem prejuízo do mais que se dirá infra, estas penas parcelares devem ser de prisão.

*

Assente o que antecede, diga-se desde já também que as exigências preventivas dos crimes em causa são significativamente diferentes.

O crime de resistência e coacção perpetrado assumiu traços de gravidade objectiva bastante mais elevados do que os (comparativamente muito menos graves) crimes de injúria.

Influi decisivamente nesta conclusão o facto de o arguido ter logrado consumar aquele crime de resistência e coacção nas duas modalidades — de traços bastante distintos — previstas pelo legislador no art. 347º do CP, o que empresta à sua actuação contornos de gravidade significativamente acrescida, mais ainda sabendo que este ilícito é sempre, pela sua própria natureza, apto a criar alarme comunitário elevado.

Gradua ainda as exigências punitivas em medida muito importante a circunstância de o arguido ter efectivamente logrado impedir os militares de levarem a bom porto os actos, advenientes das suas funções, a que o arguido opôs resistência. Com efeito, com o crime praticado o arguido não se ficou pelo mero desiderato de violar a autonomia intencional do Estado; Com o crime o arguido conseguiu efectivamente tornar ineficaz a actuação dos militares que pretendiam abordá-lo e que, por causa do crime praticado, não mais poderão repristinar os actos policiais devidos na altura dos factos.

Por tais motivos são muito elevadas as exigências de resposta reclamadas pela comunidade, devendo a pena a aplicar reflectir esses elevadíssimos cuidados preventivos de ordem geral.

De sinal oposto — de alguma mitigação das exigências punitivas comunitárias, por desagravação da imagem global do ilícito — depõe o facto de não serem conhecidas consequências físicas de monta para o militar CC, para além da ofensa corporal pressuposto do crime. No mesmo sentido concorre a conclusão de que o crime de resistência e coacção foi praticado, de acordo com a matéria apurada, em apenas poucos segundos, contexto que é apto a alguma irreflexão natural, e que aos olhos da comunidade diminui ligeiramente a gravidade do sucedido.

No que concerne aos crimes de injúria, já disse antes que o pano de fundo que as contextualiza empresta-lhes um carácter grave, dentro da amplitude permitida por aquele ilícito. Em contraponto, apesar da assinalada gravidade, é inegável que o comportamento do arguido respeitante às injúrias constitui, por comparação com o outro crime, muito mais grave, um decrescendo de ilicitude. A que se soma um resultado também ele comparativamente muito menos gravoso.

A matéria apurada relevante para ponderar as exigências preventivas especiais não abona a posição do arguido.

Desde logo, o mesmo regista antecedentes criminais, sendo uma dessas condenações respeitante a um crime que tutela bens jurídicos pessoais e que se consubstanciou numa ofensa corporal (autos nº 13/17.3MAPTM; facto 24).

Por outro lado, é muito frágil a situação profissional e financeira do arguido, o que gera significativas reservas quanto à sua capacidade para, por meios lícitos, providenciar pelo seu sustento e o da sua família.

Em seu abono depõe o facto de o arguido ter família, sendo aparentemente forte o seu enraizamento social nesse plano. Todavia, não deixe de se assinalar que à data dos factos, já então o arguido tinha família e tal não foi factor que o demovesse da prática dos crimes sub iudice.

Posto o que antecede, temos por adequada a aplicação ao arguido, no que concerne ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, de uma pena ligeiramente abaixo do ponto intermédio da moldura punitiva (que é de um a cinco anos de prisão, como se disse supra);

E no que toca aos crimes de injúria, assente que as sanções a aplicar serão detentivas, de penas situadas num patamar não elevado da moldura punitiva (um mês e quinze dias a quatro meses e quinze dias de prisão).

Em conclusão, temos por justas as seguintes penas parcelares: Pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, a pena de 2 anos e 10 meses de prisão; Pela prática de cada um dos crimes de injúria agravada, uma pena de 2 meses de prisão.

Pena única do concurso de crimes

Lê-se no art. 77º nº 1 do CP que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

De acordo com a referida norma, em tais casos “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Nos termos do nº 2 daquele artigo, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

No caso dos autos verifica-se que os três crimes praticados pelo arguido estão em concurso entre si, uma vez que os praticou antes de sofrer por eles qualquer condenação.

A moldura da pena única do concurso de crimes é de 2 anos e 10 meses de prisão (a mais elevada das penas parcelares) até 3 anos e 2 meses de prisão (a soma das três penas parcelares).

Pesados, em conjunto, os factos atinentes aos crimes e à personalidade do arguido que se respigam na matéria provada, entende o Tribunal que a pena única justa deve corresponder sensivelmente ao ponto intermédio da respectiva moldura.

Valem, também aqui, as considerações antes feitas para as penas parcelares.

Ponderados os factos em conjunto conclui-se que a sua gravidade é já assinalável, sendo francamente negativa a posição de recalcitrância do arguido perante a força pública, e o que daí se conclui acerca da conformidade da sua personalidade ao dever-ser jurídico.

Em sentido oposto militam os sinais, ténues mas ainda presentes, que mitigam um pouco a gravidade objectiva dos factos, e a integração familiar que o arguido regista.

Pelos motivos expostos, entende o Tribunal adequado fixar a medida da pena única em 3 anos de prisão.”

Quanto ao(s) crime(s) de injuria, verifica-se que a lei comina uma pena de prisão ou uma pena de multa. Nos termos do art.º 70.º do C. Penal, se ao crime forem aplicáveis (como é o caso), em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. As finalidades da punição são, de acordo com o art.º 40.° do citado normativo, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. (são estes os ''outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'' que justificam a restrição dos ''direitos liberdades e garantias'' dos agentes de crimes, nos exactos termos definidos pelo art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) É relativamente pacífico (10) afirmar hoje que as acima mencionadas finalidades da punição são tradução de uma dimensão exclusivamente preventiva, mais concretamente, de prevenção geral e especial (esta última, entendida, quer positivamente, ou seja, na perspectiva da socialização do agente, quer negativamente, ou seja, de advertência individual ou de segurança ou de inocuização (11). Entre tais escopos preventivos, deve dar-se prevalência às chamadas considerações de ordem especial de socialização, especialmente, no que tange ao caso dos autos, na vertente de a execução da pena de prisão se revelar necessária ou mais conveniente do que as penas de substituição (12) (aqui se incluindo as penas alternativas); por outro lado, desde que quaisquer penas de substituição sejam impostas ou aconselhadas à luz da acima referidas exigências de socialização, as mesmas só poderão deixar de ser aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. (13) Entendemos que, para avaliar da necessidade da escolha da pena de prisão, tendo em vista a acima referida prevenção especial, importa nuclearmente atender à personalidade do agente e à sua conduta anterior, bem como às circunstâncias do crime, realidades fundamentais para julgar fundadamente da probabilidade de a citada socialização só poder ter êxito através do cumprimento efectivo de uma pena reclusiva. Será que, em face do exposto, é de optar pela pena sugerida pelo recorrente (multa)? Para responder a tal questão, devemos, em primeiro lugar, atender às realidades (ou realidade) que foram levadas em conta na decisão recorrida para decidir a questão da escolha da pena. Como vimos, na decisão recorrida valorou-se especialmente, nesta sede, o contexto (inerente ao crime mais grave, com ofensa física de um dos agentes) que “empresta” às injúrias uma imagem global de gravidade significativamente elevada. Por seu turno, a sentença não se pronuncia, quanto à escolha da pena, relativamente aos antecedentes criminais (AC). Assim, sublinha-se que os AC (dois) dizem respeito a crimes de gravidade atenuada (um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços) sancionados com duas penas de multa. Assim, para além do que consta na decisão recorrida, devemos entender que, em face de tais AC, a personalidade do agente e a sua conduta anterior indiciam uma preocupação ligada à prevenção especial fundamentadora de um juízo de que só com a escolha de uma pena de prisão (ainda que suspensa) se assegurará uma fundada probabilidade de êxito da acima mencionada socialização? Levando em conta mas não sobrevalorizando a gravidade da conduta associada simultânea (atinente ao crime de resistência e coação), entendemos que as concretas injúrias e a existência daqueles AC, traduzidos em condenações ainda em penas de multa, são ainda insuficientes para justificar a escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa. Assim, em síntese, entendemos que, dadas as circunstâncias do caso em apreço, a pena de multa, apesar da gravidade dos fatos, ainda se mostra suficiente e adequada a satisfazer as necessidades da punição, ou seja, como vimos, a protecção de bens jurídicos (evitando-se a prática de futuros crimes) e a reintegração do agente na sociedade. Quanto à determinação da medida da(s) pena(s). De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao n.º 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.'' (14) Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo. Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena (15), sendo desta última que agora nos ocuparemos. De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção? A jurisprudência alemã (16) desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta, não é possivel determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito. (17)

Segundo Jorge de Figueiredo Dias (18), a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevençãodentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização. Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' ( o texto do n.º 1 do art.º 71.º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena. ''Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.'' (19)

Quanto às exigência de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.'' (20) Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exactamente a pena? As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.'' (21) Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 72.º do C. Penal. Na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores: Agravantes: I - A modalidade da acção – preenchendo as duas hipóteses legais (resistência e coação); II – Gravidade das consequências – Logou o arguido conseguir o desiderato que a lei pretende evitar – impeder a acção dos agentes; III – Fortes exigências comunitárias; IV – AC. Atenuantes: I - Relativa pouca gravidade da ofensas provocadas no agente da GNR; II – Acção desenvolvida em poucos segundos, traduzindo eventual irreflexão. Resultando numa fixação da pena ligeiramente abaixo do ponto médio. Concorda-se com o tribunal a quo no essencial do balanço efetuado entre atenuantes e agravantes, sublinhando-se um grau de ilicitude do facto indiscutivelmente elevado, devendo valorar-se, de forma robusta, a violência da acção, que poderia ter tido consequências (muito) mais graves, a que acresce a intensidade do dolo (''As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstância agravante e as menos graves como circunstância atenuante, assim, o dolo directo é mais grave do que o dolo necessário ou o dolo eventual e o dolo necessário é mais grave do que o dolo eventual.'' (22), sendo que o recorrente agiu com dolo directo, ou seja, estamos perante a forma mais grave do tipo subjectivo. Deste modo, apesar de existir uma preponderância das circunstâncias agravantes, em particular (mas não só) das circunstâncias relativas ao facto, afigura-se-nos que a pena concreta aplicada, situada um pouco abaixo do citado ponto médio da moldura abstracta, traduz uma decisão legalmente escorada, não merecendo qualquer censura. Quanto à medida da pena das injúrias, subscrevem-se, no essencial, as considerações (especificamente atinentes a estes crimes) tecidas na sentença recorrida, muito embora ali atinentes a penas de prisão), entendendo-se adequadas, ao abrigo dos fatores acima mencionados, as penas de 30 dias de multa para cada um dos dois crimes de injúrias, à taxa legal mínima (23) e, em cúmulo, a pena única de 40 dias, à mesma taxa legal. Quanto ao período de suspensão de execução da pena de prisão pelo crime de resistência e coação, em função da alteração decretada, o mesmo será reduzido proporcionalmente para 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão. O recurso é aqui, pois, parcialmente procedente.

3 - Dispositivo. Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar as condenações nas penas de prisão de 2 (dois) meses pela prática de cada um dos crimes de injúria agravada p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, substituindo-se essa condenação pela condenação do arguido, por cada um de tais crimes, na pena de 30 (trinta) dias de multa à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a multa de € 150,00 e, operando o respectivo cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 40 (quarenta) dias de multa, à mesma taxa diária, o que perfaz a pena única de multa de € 200,00, mais se decidindo reduzir o período de suspensão de execução da pena de prisão pelo crime de resistência e coação sobre funcionário para 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, no mais se confirmando a sentença recorrida.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 21 de Setembro de 2021

Edgar Gouveia Valente

Laura Maria Peixoto Goulart Maurício

Sumário. I - Para além do que consta na decisão recorrida, devemos entender que, em face de tais antecedentes criminais (duas penas de multa), a personalidade do agente e a sua conduta anterior indiciam uma preocupação ligada à prevenção especial fundamentadora de um juízo de que só com a escolha de uma pena de prisão (ainda que suspensa) se assegurará uma fundada probabilidade de êxito da acima mencionada socialização? II - Levando em conta mas não sobrevalorizando a gravidade da conduta associada simultânea (atinente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário), entendemos que as concretas injúrias e a existência daqueles antecedentes criminais, traduzidos em condenações ainda em penas de multa, são ainda insuficientes para justificar a escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa. III - Assim, em síntese, entendemos que, dadas as circunstâncias do caso em apreço, a pena de multa, apesar da gravidade dos fatos, ainda se mostra suficiente e adequada a satisfazer as necessidades da punição, ou seja, como vimos, a protecção de bens jurídicos (evitando-se a prática de futuros crimes) e a reintegração do agente na sociedade.

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1. 1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.

2. 3.ª edição, página 1121.

3. 3 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.

4. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10 de Março de 2004 – Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004, referindo-se a uma versão do art.º 412.º, n.º 3 e nº 4 do Código de Processo Penal era menos exigente do que a actual relativamente aos ónus dos recorrentes.

5. Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 15.03.2011 (relator Sénio Alves), disponível em www.dgsi.pt.

6. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Volume I, 2007, página 519.

7. Da testemunha Tiago Casado e dos agentes da GNR.

8. Acórdão do STJ de 27.11.2019 proferido no processo 232/16.0JAGRD.C1.S1.2 (Relator Vinício Ribeiro).

9. Claus Roxin, Derecho Procesal Penal (tradução da 25.ª edição alemã), Editores Del Puerto, Buenos Aires, 2006 (3.ª reimpressão), página 111 (tradução nossa).

10. Porém, contra, José Francisco de Faria Costa (in O Perigo em Direito Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, página 373), para quem a pena tem um sentido e uma finalidade ético-jurídicos essencialmente retributivos.

11. Neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora 2001, página 108.

12. ''São penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal ''. Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, lições policopiadas, Coimbra, 2007/2008, página 9.

13. Cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas / Editorial Notícias, 1993, páginas 330 e ss..

14. José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, página 29.

15. Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o n.º 2 do art.º 71.º do C. Penal).

16. A norma do C. Penal Alemão equivalente ao art.º 71.º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no n.º II enumeram-se as circunstâncias que, em benefício ou em prejuízo do autor, devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato.

17. Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5.ª Edição do ''Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil''- Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele ''spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ n.º 149, página 72).

18. Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107.

19. Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ; ASTJ, Ano III, tomo 2, página 214.

20. Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323.

21. Anabela Miranda Rodrigues, idem, página 481.

22. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, página 230.

23. Que a débil situação económica do arguido dada como provada demanda inequivocamente.