Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1209/23.4T8SLV.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na oposição a execução fiscal, a falta de contestação não determina a confissão dos factos articulados pelo oponente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1209/23.4T8SLV.E1

– Oposição a execução fiscal.

Exequente/Oponido/Recorrente:

- Município de Albufeira.

Executada/Oponente/Recorrida:

- P..., Unipessoal, Lda..

Sentença recorrida:

- Julgou procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução.

Conclusões do recurso:

1 – A oposição a execução fiscal rege-se pelas disposições do CPPT, como este prevê no seu artigo 1.º, alínea c);

2 – A Oponente, aqui Recorrida, invocou a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda, alegando que a mesma não corresponde a serviço que o Exequente, ora Recorrente, lhe haja prestado;

3 – A ilegalidade da liquidação é fundamento, não de oposição, mas sim de impugnação, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 99.º, alínea a), e 204.º, n.º 1 (a contrario), do CPPT;

4 – Significa isto que o meio processual próprio para atacar a suposta ilegalidade da liquidação é a impugnação (ou recurso) contra o acto de liquidação, forma especial de processo prevista para atacar a legalidade do acto em que se estriba a execução fiscal;

5 – A preterição do meio processual próprio determina a anulação do processado e convolação para os termos processuais adequados, quando possível;

6 – O Tribunal a quo, enquanto Tribunal Judicial, detém competência material para a apreciação da oposição à cobrança coerciva de fornecimento de serviços essenciais, mas já não para julgar a impugnação do acto de liquidação que informa o título executivo;

7 – Impugnação essa que seria o meio processual próprio a seguir, e para cuja apreciação o legislador reservou competência material à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

8 – Tal incompetência absoluta constitui, pois, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância;

9 – Ao arrepio do imposto pelo artigo 578.º do C.P.C., o Tribunal a quo não conheceu daquela excepção, incorrendo em omissão de pronúncia, nulidade prevista no n.º 1 do artigo 125.º do C.P.P.T. [e, não vá sem dizer-se, na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.], que aqui expressamente se invoca;

10 – Ainda que assim não fosse, a sentença recorrida padece de outro vício de violação de lei, gerador de erro de julgamento, ao cominar a falta de contestação do Exequente com efeito cominatório pleno, e, julgando confessados os factos articulados pela Oponente, considerar operante a revelia do primeiro e postular que a mesma tem por inelutável consequência jurídica a procedência do pedido deduzido na oposição;

11 – A tanto se opõe, expressamente, a regra plasmada no n.º 6 do artigo 110.º, aplicável por remissão do artigo 211.º, n.º 1, ambos do CPPT;

12 – No caso dos autos, não existe amparo legal para a revelia operante, e, ainda que o Juiz disponha de liberdade para apreciar a falta de impugnação especificada dos factos, não decorre daí uma vinculação – dir-se-ia, tarifada, na esteira da tese da decisão recorrida – que imponha necessariamente a procedência da pretensão da Oponente;

13 – O que fica exposto clamará, então, na hipótese de sucumbir a matéria de excepção atrás suscitada, que se revogue a douta sentença sindicada, e se ordene a baixa dos autos para que, nada obstando, o Tribunal a quo conheça do mérito.

Questões a decidir:

- Nulidade da sentença recorrida;

- Consequências da falta de contestação.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

- Todos os alegados pela recorrida, por confissão do recorrente.


*


Nulidade da sentença recorrida:

O recorrente sustenta que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia (artigo 125.º, n.º 1, do CPPT), porquanto:

- Se verifica a nulidade processual de erro na forma de processo;

- O erro na forma de processo determina, em regra, a convolação no meio processual adequado;

- Porém, no caso dos autos, tal convolação tem repercussão ao nível da competência material do tribunal: o tribunal a quo, que é competente para a apreciação da oposição, deixa de o ser com a convolação desta para impugnação, passando essa competência a caber aos tribunais administrativos e fiscais;

- A incompetência absoluta constitui excepção dilatória, que determina a absolvição da instância;

- Sendo as excepções dilatórias de conhecimento oficioso, o tribunal a quo estava obrigado a conhecer da impropriedade do meio processual utilizado pela recorrida;

- Não o tendo feito, a sentença recorrida padece da referida nulidade.

O recorrente não tem razão.

Na sentença recorrida, o tribunal a quo decidiu, além do mais, que «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. (…) Não há outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.» Portanto, ainda que de forma tabelar – o que é compreensível atendendo a que o recorrente não contestou e, por isso, não invocou as questões que suscita em sede de recurso –, o tribunal a quo pronunciou-se, quer sobre a competência em razão da matéria, quer sobre a existência de nulidades processuais. É quanto basta para impedir a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

Independentemente do que acabámos de referir, importa ponderar que o tribunal a quo, ao julgar que não se verificava qualquer nulidade de que lhe cumprisse conhecer, considerou – bem ou mal, é indiferente para a questão da nulidade da sentença recorrida – que o meio processual escolhido pela recorrida é o adequado. Daí que a questão da competência material do tribunal que decorreria da convolação da oposição em impugnação – também independentemente do acerto ou desacerto da tese que, a esse respeito, o recorrente sustenta – nem sequer se colocasse. A sua eventual repercussão em sede de competência do tribunal em razão da matéria não convola a questão do erro na forma de processo numa excepção dilatória de incompetência absoluta. Trata-se de questões distintas, logicamente ordenadas, pelo que, resolvida a primeira no sentido da inexistência de erro na forma de processo, a segunda não se coloca. Também por esta razão, a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia sobre a excepção dilatória de incompetência absoluta.

Consequências da falta de contestação:

Com fundamento na falta de contestação por parte do recorrente, o tribunal a quo julgou provados os factos alegados pela recorrida.

O recorrente sustenta que, ao fazê-lo, o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 6, aplicável ex vi do artigo 211.º, n.º 1, ambos do CPPT.

A recorrida, por seu turno, observa que a decisão mediante a qual o tribunal a quo julgou provados, por confissão, os factos alegados na petição inicial, não foi a sentença recorrida, mas sim o despacho que a precedeu, que ordenou a realização da notificação prevista no artigo 567.º, n.º 2, do CPC. Encontrando-se tal decisão transitada em julgado, não pode ser posta em causa, sob pena de ofensa de caso julgado.

Analisemos a questão.

O n.º 1 do artigo 211.º do CPPT, integrado na secção dedicada à oposição à execução fiscal e cuja epígrafe é «Processamento da oposição. Alegações. Sentença», estabelece que, cumprido o disposto no artigo 210.º (notificação da oposição ao representante da Fazenda Pública para contestar no prazo de 30 dias), seguir-se-á o que para o processo de impugnação se prescreve a seguir ao despacho liminar.

Um dos artigos abrangidos por esta remissão é o 110.º do CPPT, cujo n.º 6 estabelece que «A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante.”

É, assim, evidente o erro em que o tribunal a quo laborou ao considerar que a falta de contestação determinou a confissão, pelo recorrente, dos factos alegados na petição inicial, julgando estes provados com tal fundamento. Em vez disso, o tribunal a quo devia ter apreciado a prova existente, eventualmente ordenado a prática das diligências probatórias que considerasse úteis e, por fim, proferido sentença, enunciando os factos provados e não provados e aplicando o direito.

A argumentação da recorrida que acima sintetizámos não colhe.

O n.º 1 do artigo 567.º do CPC, indevidamente aplicado pelo tribunal a quo, estabelece que, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. O n.º 2 dispõe que, nessa hipótese, é concedido um prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.

O sentido da declaração, no despacho que ordenou a realização da notificação prevista no artigo 567.º, n.º 2, do CPC, de que se consideravam confessados os factos alegados pela recorrida que se mostrassem susceptíveis de confissão, não pode ter deixado de ser o de fundamentar a ordem de realização daquela notificação. É esta ordem que constitui o verdadeiro dispositivo do despacho.

É na sentença que o tribunal decide quais são os factos provados e não provados, como dispõe o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC. E é da sentença que a parte que não se conformar com a decisão sobre a matéria de facto tem de recorrer, não do despacho proferido nos termos do n.º 2 do artigo 567.º do CPC.

Sendo assim, a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto não se encontra transitada em julgado, podendo o recorrente impugná-la.

Tendo o tribunal a quo julgado erradamente confessados os factos alegados na petição inicial e nisso baseado a sua decisão, terá a sentença recorrida de ser revogada, para que aquele tribunal aprecie criticamente os meios de prova de que dispõe, ordene, se assim entender, as diligências probatórias que considerar necessárias e, em seguida, profira nova sentença, enunciando os factos provados e não provados e aplicando o direito.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se que o tribunal a quo aprecie criticamente os meios de prova de que dispõe, ordene, se assim entender, as diligências probatórias que considerar necessárias e, em seguida, profira nova sentença, enunciando os factos provados e não provados e aplicando o direito.

Custas a cargo da recorrida.

Notifique.


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Sumário: (…)

Évora, 07.03.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Ana Margarida Leite (1.ª adjunta)

Rui Machado e Moura (2.º adjunto)