Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2243/18.1T8STR.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DEFICIENTE
CONHECIMENTO OFICIOSO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAR
CULPA GRAVE
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Decorrido o prazo fixado no artigo 155.º, n.º 4, do CPC, para a arguição da falta ou deficiência da gravação da audiência final sem que o vício tenha sido arguido, fica precludida a possibilidade de arguição posterior;
II - Impondo a lei às partes o ónus de verificar a qualidade da gravação das provas, fixando o prazo para a arguição das deficiências detetadas, de forma a poderem ser supridas em momento prévio à interposição de recurso, não pode o vício da deficiência da gravação ser oficiosamente conhecido pela Relação;
III - Tendo a Relação constatado que a gravação do depoimento prestado por determinada testemunha enferma de deficiências que o tornam impercetível e tratando-se de elemento probatório essencial para a apreciação da impugnação da decisão de facto, não dispõe a Relação de todos os elementos probatórios de que dispôs a 1.ª instância, pelo que se encontra impossibilitada de proceder à reapreciação da prova produzida, o que impede o conhecimento da impugnação da decisão de facto;
IV – É de considerar verificado o incumprimento do dever de informação pelo banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, relativamente autor, investidor não qualificado seu cliente, se a informação por aquele prestada, através do seu funcionário, deturpa a realidade, não dando a conhecer as reais características do produto apresentado, o qual é descrito de forma a iludir o autor, com a transmissão de elementos não verídicos e a omissão de elementos essenciais;
V – Encontrando-se assente que o autor não teria subscrito o produto em causa caso tivesse conhecimento das reais características do mesmo, só o tendo subscrito em resultado da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, verifica-se que não teria sofrido os danos decorrentes da falta de restituição do montante aplicado naquela subscrição caso o banco réu tivesse cumprido os deveres de informação respeitantes ao exercício da atividade de intermediário financeiro, assim existindo nexo de causalidade entre a descrita atuação ilícita do banco réu e os danos sofridos pelos autores;
VI – Não tendo o banco réu prestado ao autor, na fase que antecedeu a subscrição do produto, informação com os requisitos de qualidade que lhe eram exigidos, antes tendo transmitido elementos incorretos, os quais o não habilitavam a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada quanto a tal subscrição, não protegendo o respetivo cliente, antes o convencendo a adquirir um produto que não correspondia ao pretendido, o que era do conhecimento do funcionário do réu, o qual deliberadamente o conduziu à subscrição do produto, iludindo-o quanto às suas reais características, a apreciação desta conduta do banco réu na sua relação com o comportamento devido conduz à qualificação como grave da culpa que presidiu à atuação em causa;
VII – Tendo o intermediário financeiro réu agido com culpa grave, é inaplicável o prazo especial de prescrição de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, sendo de aplicar o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC;
VIII - Tendo-se provado que, em resultado da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, o autor aplicou a quantia de € 50 000 na subscrição do produto em causa e esse montante que não lhe foi restituído findo o período contratado, assiste-lhe o direito a ser indemnizado pelo prejuízo correspondente ao capital investido e respetivos juros moratórios.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
BB e mulher, CC, intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Banco DD, S.A., pedindo: i) a condenação do réu a pagar-lhes a quantia de € 50 000, acrescida de juros de mora vencidos desde 09-05-2016, no montante de € 4454,79, e vincendos até integral pagamento; ii) caso assim se não entenda, a declaração de nulidade de qualquer contrato de intermediação financeira ou de adesão que o réu invoque como fundamento da aplicação do montante de € 50 000, entregue pelos autores, em obrigações subordinadas SLN 2006, condenando-se o réu a restituir-lhes a indicada quantia, acrescida de juros vencidos desde 09-05-2016, no montante de € 4454,79, e vincendos até integral pagamento; iii) a declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação de € 50 000 efetuada, condenando-se o réu, como depositário de tal quantia, a restituí-la, acrescida de juros vencidos desde 09-05-2016, no montante de € 4454,79, e vincendos até integral pagamento.
A justificar a pretensão deduzida, os autores alegam que são clientes da agência de Fátima do banco réu, anteriormente denominado Banco EE, S.A., na qual subscreveram uma aplicação financeira que foi apresentada ao autor marido, pelo respetivo gestor de clientes e funcionário do banco, como semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco, sendo que tal aplicação era em Obrigações SLN 2006, produto de risco que não lhes foi dado a conhecer e que não pretendiam subscrever; acrescentam que o capital investido não lhes foi devolvido na data de vencimento da subscrição, o que lhes causou os danos patrimoniais que descrevem, tendo reclamado em 11-09-2015 o seu crédito no âmbito de PER relativo a G… SGPS, a correr termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, como tudo melhor consta da petição inicial.
O réu contestou, defendendo-se por exceção – invocando a incompetência territorial e a prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer – e por impugnação motivada, sustentando que as Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade titular da totalidade do capital social do banco réu, participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008 altura em que foi nacionalizada, sendo que o produto financeiro em causa era, à data da respetiva subscrição, um produto seguro, sendo o autor marido sido informado das condições do mesmo, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Os autores apresentaram articulado, no qual se pronunciam no sentido da não verificação das exceções arguidas.
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador – no qual foi considerada improcedente a exceção de incompetência territorial e se relegou para final o conhecimento da exceção de prescrição deduzida pelo réu –, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que considerou não verificada a invocada prescrição e julgou procedente a ação, nos termos seguintes:
Em face do exposto, e vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, julgo totalmente procedente a presente ação, por totalmente provada e, em consequência condeno o réu BANCO DD, S.A. a pagar aos autores BB e, mulher,CC, a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde 9 de maio de 2016 até integral e efetivo pagamento.
Custas pelo réu – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Inconformado, a ré recorreu da sentença, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que o absolva do pedido, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«I. O Banco Recorrente concorda não pode concordar com a matéria de facto dada como provada nos pontos 3, 5, 9, 10 e 12.
II. Esta discordância tem com base o depoimento da testemunha António M…, gravado no sistema citius no ficheiro com a referência 20190122112857_2794009_2871697, bem como nas declarações de parte do autor gravadas no sistema citius no ficheiro com a referência 20190122100751_2794009_2871697.
III. Deverá assim ser retirada a expressão de garantia do banco nos provados.
IV. Os factos provados 3 e 5 deveriam assim passar a ter a seguinte redacção:
3. Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre 10 de abril e 5 de maio de 2006, o autor marido foi contatado pelo seu Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M…, propondo-lhe a aplicação do seu dinheiro num produto “100% seguro”, em tudo semelhante a um depósito a prazo, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente àquele, e que se tratava de capital com reembolso garantido e com rentabilidade assegurada.
5. Nem o Banco réu, nem o seu Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M… esclareceram os autores que estavam a subscrever obrigações e não deram qualquer explicação acerca do que eram obrigações, obrigações subordinadas, tendo no entanto explicado o seu prazo de reembolso e condições de reembolso antecipado, garantias, não explicando, no entanto, o que se passaria em caso de insolvência da entidade emitente, tendo aquele seu Gestor de Clientes tratado sempre o assunto como se de um depósito a prazo se tratasse.
V. Deverão ser dados como não provados os factos provados 9, 10 e 12.
VI. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.
VII. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
VIII. Não adianta aliás a sentença qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…
IX.O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
X. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!
XI. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!
XII. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014 e 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004 e 2006, dez anos antes!
XIII. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
XIV. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.
XV.E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
XVI.A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no EE.
XVII. O risco EE ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!
XVIII.A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
XIX. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.
XX. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
XXI. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
XXII.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.
XXIII. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
XXIV. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
XXV. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
XXVI. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
XXVII. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXVIII.O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
XXIX. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
XXX. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
XXXI. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
XXXII. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
XXXIII. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
XXXIV. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
XXXV. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
XXXVI. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
XXXVII. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
XXXVIII. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.
XXXIX. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.
XL. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
XLI. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.
XLII. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
XLIII. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
XLIV.A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!
XLV. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
XLVI.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
XLVII. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!
XLVIII. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
XLIX. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.
L. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
LI. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
LII. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.
LIII. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
LIV. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
LV. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.
LVI. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.
LVII.A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.
LVIII. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
LIX. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
LX. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
LXI. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
LXII. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
LXIII. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!
LXIV.A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
LXV. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
LXVI. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!
LXVII. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!
LXVIII. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
LXIX. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
LXX.E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
LXXI.E nada disto foi feito!
LXXII.A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!
LXXIII. Além disso o direito do Autor sempre estaria prescrito uma vez que não ficou demonstrado que o banco não tivesse actuado com culpa levem tendo ficado provado que o autor teve conhecimento das características do produto aquando da nacionalização do banco em finais de 2008 sendo que a presente acção deu entrada em 2019.
LXXIV.A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE.»
Os autores apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência da apelação.
Face às conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- dos pressupostos da responsabilidade civil;
- da exceção de prescrição;
- da obrigação de indemnização.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Os autores eram e são clientes da agência de Fátima do Banco Santander, mas quando um funcionário bancário deste se transferiu para o Banco EE, os autores abriram igualmente conta bancária na agência de Fátima desta instituição bancária.
2. Tal conta, com o n.º ….001, foi aberta em data não concretamente apurada mas antes de 5 de janeiro de 2006.
3. Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre 10 de abril e 5 de maio de 2006, o autor marido foi contatado pelo seu Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M…, propondo-lhe a aplicação do seu dinheiro num produto “100% seguro”, em tudo semelhante a um depósito a prazo, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente àquele, e que se tratava de capital com reembolso garantido pelo Banco réu e com rentabilidade assegurada.
4. No dia 8 de maio de 2006, o autor subscreveu uma obrigação SLN 2006, com o valor nominal de € 50 000,00, tendo o Banco réu debitado a conta dos autores nesse montante.
5. Nem o Banco réu, nem o seu Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M… esclareceram os autores que estavam a subscrever obrigações e não deram qualquer explicação acerca do que eram obrigações, obrigações subordinadas, prazo de reembolso e condições de reembolso antecipado, garantias, o que se passaria em caso de insolvência da entidade emitente, tendo aquele seu Gestor de Clientes tratado sempre o assunto como se de um depósito a prazo se tratasse.
6. Os autores nunca antes tinham aplicado as suas poupanças em produtos financeiros, nem sabiam o que isso era e para eles o seu dinheiro estava depositado no Banco EE.
7. Na data da subscrição o autor era empresário da construção civil, exercendo a função de pedreiro e o seu Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M… conhecia a atividade do autor.
8. Sabia que que os autores eram pessoas poupadas, cautelosas e conservadoras quanto à aplicação do seu dinheiro, em relação ao qual não queriam correr qualquer risco.
9. Se Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M… tivesse explicado aos autores as características do produto consistente em obrigações SLN 2006, nomeadamente que consistiam em “emprestar” dinheiro a uma sociedade e quem era essa sociedade, ou lhes tivesse apresentado um contrato escrito de intermediação financeira, nunca teriam subscrito tal produto.
10. Foi a afirmação produzida pelo Gestor de Clientes da Agência de Fátima, à data da subscrição, António M… de que o dinheiro estava totalmente garantido, tal como um depósito a prazo, que convenceu os autores, ficando convictos, ainda que o seu dinheiro estava depositado no Banco EE que é o logotipo que sobressai no boletim de subscrição e não o da SLN - Sociedade Lusa de Negócios.
11. Depois os autores passaram a receber periodicamente os juros, o que mais os convenceu de que o seu dinheiro estava depositado, sem risco, como sempre quiseram.
12. O Banco réu instruía os seus funcionários para que apresentassem o produto consistente em obrigações SLN 2006 como um depósito a prazo.
13. Só depois da nacionalização do Banco EE é que os autores tomaram conhecimento que o seu dinheiro estava aplicado em obrigações.
14. Na data do vencimento o Banco réu não restituiu aos autores o montante de € 50 000,00 que estes lhe haviam confiado.
15. No mês seguinte ao da operação o autor recebeu por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.
16. Da mesma forma, quando eram creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, originava igualmente o competente registo no seu extratos e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados para casa.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
1. O investimento efectuado em Obrigações SLN 2006 era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
2. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.
3. Nunca o Banco réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.
4. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.
5. O Banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do subscritor e com as instruções recebidas do mesmo.
6. O Banco réu, tal qual estava obrigado, prestou ao autor informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, quanto às obrigações por ele subscritas.
9. No momento da subscrição o Banco réu informou o autor marido de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.
10. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do quinto ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
11. O autor marido foi, ainda, informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.
12. O Banco réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o autor marido sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, que ademais se encontrava disponível para consulta pelo mesmo.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que deverá ser alterada a redação dos factos constantes dos pontos 3 e 5 de 2.1.1., julgados provados, e que devem ser excluídos da matéria assente os factos constantes dos pontos 9, 10 e 12 de 2.1.1..
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (…).
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 165-166), o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo a produção de novos meios de prova, nas situações referidas na alínea b) (…); e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (…)”.
No caso presente, o recorrente indica, designadamente nas conclusões das alegações, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – os factos constantes dos pontos 3, 5, 9, 10 e 12 de 2.1.1. – e a decisão que entende dever ser proferida sobre tais pontos – a redação a introduzir aos pontos 3 e 5 e a exclusão dos factos constantes dos pontos 9, 10 e 12 da matéria provada, com o respetivo aditamento à matéria não provada –, bem como especifica, no corpo das alegações, os meios de prova que, no seu entender, determinam a decisão que preconiza quanto a cada um dos factos impugnados, indicando determinadas passagens das gravações do depoimento prestado pela testemunha António M… e das declarações de parte prestadas pelo autor em que funda o recurso, assim dando cumprimento aos ónus constantes das alíneas a) a c) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do citado preceito, pelo que se impõe proceder à reapreciação da decisão proferida, quanto aos pontos de facto impugnados.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
Está em causa, no caso presente, a reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância na parte relativa aos indicados pontos da matéria de facto, com vista a apurar se, face à prova produzida, os concretos factos indicados pelo recorrente foram incorretamente julgados, devendo ser alterada a redação dada aos pontos 3 e 5 da factualidade provada e desta excluídos os pontos 9, 10 e 12.
Extrai-se da sentença recorrida que a decisão dos pontos de facto relativos à matéria da subscrição das Obrigações SLN 2006 – na qual se integram os pontos 3, 5, 9, 10 e 12 de 2.1.1., julgados provados, impugnados pelo apelante – se baseou no depoimento prestado pela testemunha António M… e nas declarações de parte prestadas pelo autor, conjugados com a análise da documentação junta aos autos, concretamente do aviso de débito de fls. 19, da nota informativa de fls. 49 v.º a 65 e da nota interna de fls. 66.
O recorrente requer a reapreciação dos indicados meios probatórios, defendendo que impõem decisão diversa da proferida, no que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados.
Com vista à reapreciação da prova produzida, diligenciou-se pela audição da gravação do depoimento prestado pela testemunha António M… e das declarações de parte prestadas pelo autor na audiência final realizada a 22-01-2019.
Enquanto a gravação das declarações de parte, prestadas pelo autor presencialmente em Tribunal, não enferma de qualquer deficiência, já a gravação do depoimento da testemunha António M…, prestado por videoconferência, enferma de graves deficiências que tornam totalmente impercetíveis as respostas dadas pelo depoente às perguntas que lhe foram formuladas. Deteta-se na gravação um intenso e permanente ruído de fundo e uma grave distorção da voz da testemunha, os quais impedem a compreensão das palavras pela mesma proferidas, pelo que muito se estranha que tenha o apelante conseguido indicar momentos concretos dessa gravação manifestamente impercetível e neles fundar o seu recurso.
Cumpre apreciar as consequências destas deficiências detetadas na gravação do depoimento prestado pela testemunha António M…, que o tornam impercetível e inviabilizam a respetiva reapreciação.
Sob a epígrafe Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz, dispõe o artigo 155.º do CPC, além do mais, o seguinte: 1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais. 2 - A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor. 3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato. 4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada. (…).
Decorre do n.º 4 deste preceito que a deficiência da gravação tem de ser arguida no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, esclarecendo o n.º 3 que a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de 2 dias a contar do respetivo ato. A contagem do prazo para a arguição da deficiência da gravação inicia-se no momento que esta é disponibilizada[1], consistindo a disponibilização da gravação na respetiva colocação, pela secretaria judicial, à disposição das partes, o que não envolve a entrega de suporte digital contendo cópia dessa gravação, na hipótese de virem a partes a solicitá-la.
No caso presente, não foi arguida por qualquer das partes a deficiência da gravação do depoimento prestado pela aludida testemunha, sendo certo que há muito terminou o prazo fixado para o efeito no n.º 4 do citado artigo 155.º.
Decorrido o prazo fixado para a arguição da deficiência da gravação sem que o vício tenha sido arguido, fica precludida a possibilidade de arguição posterior, designadamente em sede de alegações de recurso. Acresce que, impondo a lei às partes o ónus de verificar a qualidade da gravação das provas, fixando o prazo para a arguição das deficiências detetadas, de forma a poderem ser supridas em momento prévio à interposição de recurso, daqui decorre que não pode o vício da deficiência da gravação ser oficiosamente conhecido pela Relação.
O n.º 4 do artigo 155.º do novo Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26-06, veio clarificar dúvidas que se suscitavam no âmbito da aplicação do regime anteriormente vigente, o qual era omisso quanto aos termos e prazos de arguição e conhecimento da falta ou de deficiência da gravação, matéria que não regulava, o que deu causa à prolação de decisões com soluções e respostas diferentes relativamente à arguição e ao conhecimento de tal vício.
Anteriormente à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que ocorreu a 01-09-2013, era aplicável à gravação das audiências, por força do estatuído no artigo 24.º do DL n.º 329-A/95, de 12-12, o regime fixado no DL n.º 39/95, de 15-02. Decorria deste diploma que a gravação é, em regra, efetuada com o equipamento para o efeito existente no tribunal (artigo 3.º, n.º 1), por funcionários de justiça (artigo 4.º), incumbindo ao tribunal que efetuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respetiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram (artigo 7.º, n.º 2), sendo que se, em algum momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra impercetível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade (artigo 9.º).
A interpretação deste regime gerou entendimentos divergentes, quanto à arguição e ao conhecimento do vício em apreciação, detetando-se na jurisprudência diversas soluções[2].
Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, o n.º 4 do artigo 155.º veio esclarecer as dúvidas suscitadas pelo anterior regime, impondo às partes o ónus de verificarem se a gravação foi efetuada sem deficiências e fixando um prazo para a arguição dos vícios detetados, visando que a eventual ausência de gravação ou as deficiências de que padeça sejam supridas previamente à interposição de recurso.
Explicando o novo regime, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 178) o seguinte: “Suscitavam as partes com frequência questões relacionadas com as deficiências de gravação de depoimentos oralmente produzidos, não obtendo na lei anterior resposta inequívoca o modo como poderia ser introduzida tal questão. O art. 155.º, n.º 4, veio resolver as dúvidas, impondo à parte o ónus de invocar a irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (…). Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admissível a sua inserção imediata nas alegações de recurso”.
No mesmo sentido, em anotação ao citado artigo 155.º, António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 190) explicam o seguinte: “O n.º 4, com a virtude de clarificar um aspeto que vinha sendo controverso na prática forense, estabelece o prazo de 10 dias para a arguição de qualquer falta ou deficiência da gravação, contado a partir do momento em que a gravação é disponibilizada. Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso”.
Anotando o mesmo preceito, José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 333) afirmam: “Constituiu regulamento da gravação o disposto nos arts. 3 a 9 do DL 39/95, de 15 de fevereiro (…). Aí se dispunha que a cópia da gravação fosse facultada, a requerimento da parte e mediante fornecimento por esta de fita magnética para o efeito, no prazo de oito dias, prazo este que se vê no n.º 3 encurtado para dois dias, tendo deixado de ser necessário o requerimento e o fornecimento de material pela parte. Nada se dizia sobre a reclamação por falta ou deficiência da gravação, que a parte frequentemente só invocada em recurso. O n.º 4 veio obstar a esta prática, ao remeter para ao regime das nulidades (arts. 195 e ss.)”.
Explicando o regime previsto no artigo 155.º, João Correia/Paulo Pimenta/Sérgio Castanheira (Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, Almedina, 2013, p. 35-36) afirmam: “O n.º 4 do art. 155.º, com a virtude de clarificar um aspecto que vinha sendo controverso na prática forense, estabelece o prazo de dez dias para a arguição de qualquer falta ou deficiência da gravação, prazo que se conta do momento em que a gravação é disponibilizada”.
Em suma, face ao regime estatuído no n.º 4 do artigo 155.º, decorrido o prazo fixado para o efeito sem que tenha sido arguida a falta ou deficiência da gravação, fica sanado o vício, não podendo ser arguido nas alegações de recurso, nem conhecido oficiosamente pela Relação, o que afasta a possibilidade de eventual anulação, ainda que parcial, do julgamento e remessa dos autos à 1.ª instância para repetição do depoimento afetado pelo vício detetado.
Perante a deficiência da gravação do depoimento prestado pela mencionada testemunha, verifica-se que não dispõe a Relação de todos os elementos probatórios de que dispôs a 1.ª instância, sendo certo que consta da fundamentação da sentença ter o depoimento em causa sido considerado, juntamente com outros meios de prova, na decisão relativa aos factos impugnados, sendo requerida a respetiva reapreciação pelo apelante, o que evidencia tratar-se de elemento probatório essencial para a apreciação da impugnação da decisão de facto deduzida pelo recorrente. Não dispondo a Relação do mencionado elemento probatório, tido em conta pela 1.ª instância na decisão dos pontos de facto impugnados, encontra-se impossibilitada de proceder à reapreciação da prova produzida, o que impede o conhecimento da impugnação da decisão de facto deduzida pelo apelante.
Na jurisprudência recente das Relações podem indicar-se diversos acórdãos no mencionado sentido, designadamente os seguintes (publicados em www.dgsi.pt):
- da Relação de Évora, o acórdão de 08-06-2017 (relator: Manuel Bargado), proferido na apelação n.º 120/14.4TBARL.E1, no qual se entendeu: I - O regime atualmente previsto no artigo 155º do Código de Processo Civil, fixa em 10 dias o prazo para as partes arguirem o vício de falta ou deficiência da gravação, o qual se conta a partir da disponibilização às partes da gravação, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato; II - Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação (…); o acórdão de 11-01-2018 (relatora: Albertina Pedroso), proferido na apelação n.º 18/11.8T8LLE.E1 , no qual se entendeu: (…) III - Após a entrada em vigor do novo CPC, decorrido o prazo previsto no artigo 154.º, n.º 4, do CPC, sem que seja arguido o vício da deficiência da gravação, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida sequer nas alegações de recurso, interpretação que não padece de inconstitucionalidade; IV - Não tendo o Tribunal acesso a um depoimento que estriba a impugnação da matéria de facto, entende-se que fica o mesmo impossibilitado, total ou parcialmente, consoante a extensão da imperceptibilidade das declarações em causa, de efectuar a pretendida reapreciação da prova, por carecer dos elementos necessários para tal, e dever a Relação estar nas mesmas condições em que se encontrou a primeira instância;
- da Relação de Lisboa, o acórdão de 28-10-2014 (relatora: Cristina Coelho), proferido na apelação n.º 250/09.4TNLSB.L1-7, no qual se entendeu: 1. O CPC aprovado pela L. 41/2013 de 26.06, pondo fim às dúvidas que se suscitavam nesta matéria no domínio do direito anterior e à diversidade de soluções judiciais que foram sendo adoptadas, estabelece, agora, de forma clara, que a falta ou deficiência da gravação é uma nulidade / irregularidade processual que tem de ser invocada pela parte, no prazo de 10 dias depois de lhe ser disponibilizada a gravação; 2. Não sendo invocada, terá, necessariamente, de se ter por sanada (art. 196º do CPC); o acórdão de 30-05-2017 (relator: Luís Filipe Pires de Sousa), proferido na apelação n.º 298/13.4TBSCR.L1-7, no qual se entendeu: I - A deficiência da gravação de inquirição de testemunha tem de ser arguida pela parte no tribunal a quo, no prazo de dez dias a partir do momento em que a gravação é disponibilizada (Artigo 155º, nº4, do Código de Processo Civil); II - Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso; III - Sendo a inquirição (parcialmente impercetível) essencial para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da decisão de facto, fica o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pelo apelante porquanto a reapreciação da prova tem de ser feita com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou; (…);
- da Relação do Porto, o acórdão de 17-12-2014 (relatora: Judite Pires), proferido na apelação n.º 927/12.7TVPRT.P1, no qual se entendeu: I - A deficiência da gravação, que acarrete, no todo ou em parte, a imperceptibilidade ou inaudibilidade dos depoimentos objecto de registo constitui irregularidade que se traduz em nulidade secundária, nos termos dos artigos 201º, nº1, 204º, “a contrario”, e 205º, nº1 e 3 do Código de Processo Civil de 1961 ou artigos 195º, nº1, 198º, “a contrario”, e 199º, nº1 e 3 do novo Código de Processo Civil; II - Entendia-se no âmbito do anterior Código de Processo Civil que essa nulidade podia ser arguida até ao termo do prazo de interposição de recurso, e com as alegações do mesmo, podendo ser oficiosamente conhecida pela segunda instância; III - Diferente é o regime actualmente previsto no artigo 155º do novo Código de Processo Civil, que fixa prazo para as partes arguirem o vício de falta ou deficiência da gravação, o qual é de 10 dias contados da disponibilização da gravação, que deve ocorrer no prazo de dois dias a contar da respectiva realização; IV - Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação; o acórdão de 30-04-2015 (relator: José Amaral), proferido na apelação n.º 452/13.9TBAMT-A.P1, no qual se entendeu: I - A omissão pela secretaria do dever oficioso previsto no nº 3 do artº 155º, do CPC, pode ser objecto de reclamação, conforme artº 157; II - A invocação da falta ou deficiência da gravação prevista no nº 4 do artº 155º subordina-se ao regime do artº 194º e sgs, do CPC; III - A nulidade deve, por isso, ser, como no caso foi, reclamada e decidida ante o tribunal de 1ª instância onde teria sido cometida; IV - Não pode voltar a sê-lo no recurso da decisão final; o acórdão de 30-05-2018 (relatora: Fátima Duarte), proferido na apelação n.º 1804/14.2TBGMR-C.P1, no qual se entendeu: I - A Lei 41/2013 de 26/06 (que aprovou o novo CPC) introduziu uma relevante alteração no regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, expressamente determinando que esta tem de ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – vide artigo 155º nº 4 do CPC. Disponibilização que deve ocorrer no prazo de dois dias a contar do respectivo ato; II - Porque a disponibilização da gravação deve ocorrer no prazo de dois dias [e salvo se esta disponibilização não respeitar este prazo, caso em que a parte deverá suscitar tal questão perante o tribunal a quo] recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias possa arguir a respetiva nulidade. Assim não o fazendo violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício; III - Na medida em que esta falta cometida pode influir no exame da causa [como sempre o será quando a parte invocar que tal vício obsta ao exercício do seu direito de impugnação da matéria de facto que pretende exercer], configura a mesma uma nulidade secundária. Nulidade que assim deverá ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso (…);
- da Relação de Guimarães, o acórdão de 11-09-2014 (relator: Heitor Gonçalves), proferido na apelação n.º 4464/12.1TBGMR.G1, no qual se entendeu: I - A omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, um problema que deve ficar definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa do juiz que preside ao acto quer mediante arguição dos interessados; II - Em sede de recurso, a Relação não pode conhecer oficiosamente dessa questão; III - Deparando-se a Relação com a omissão ou deficiência de uma parte significativa de depoimentos de testemunhas de manifesta relevância, deixa de dispor de todos os elementos para poder apreciar da bondade da decisão recorrida no segmento da matéria de facto; IV - Nestas circunstâncias, não se pode conhecer do recurso que versa sobre a impugnação da matéria de facto; o acórdão de 14-05-2015 (relator: António Sobrinho), proferido na apelação n.º 853/13.2TBGMR.G1, no qual se entendeu: A nulidade processual de falta ou deficiência de gravação dos depoimentos deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento da disponibilização da gravação, sob pena de sanação da mesma; o acórdão de 11-10-2018 (relator: Joaquim Boavida), proferido na apelação n.º 484/13.7TBBRG.G2, no qual se entendeu: 1. Os amplos poderes conferidos à Relação em matéria de reapreciação da matéria de facto visam permitir-lhe alcançar a verdade material, enquanto tribunal que também julga a matéria de facto; 2. Pretende-se que a 2ª instância forme a sua própria convicção sobre os pontos da matéria de facto impugnados pelas partes, através da consideração de todos os meios de prova sujeitos a livre apreciação que foram produzidos na 1ª instância, subordinada às regras do direito probatório; 3. A deficiência da gravação da prova, traduzida na imperceptibilidade de múltiplos excertos da inquirição de testemunhas cujos depoimentos foram considerados decisivos pelo tribunal a quo, compromete a possibilidade de a Relação proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto; 4. Não tendo as partes arguido a deficiência da gravação no tribunal a quo, no prazo de dez dias a partir do momento em que a gravação é disponibilizada, o vício considera-se sanado, ficando vedado o conhecimento oficioso ao tribunal da Relação; 5. Sendo assim impossível à Relação formular uma convicção própria, autónoma e segura, por não dispor de todos os elementos que serviram de base à decisão do tribunal a quo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve ser rejeitada (…); o acórdão de 14-02-2019 (relator: Paulo Reis), proferido na apelação n.º 17579/15.5T8PRT.G1 , no qual se entendeu: I - Sendo a lei expressa ao estabelecer o início da contagem do prazo para a arguição da deficiência da gravação dos meios de prova no momento em que é disponibilizada, deve entender-se que tal não envolve a entrega do suporte digital contendo cópia dessa gravação mas a mera colocação do referido registo, pela secretaria judicial, à disposição das partes, a qual deve ocorrer no prazo de 2 dias contados de cada um dos atos sujeitos à gravação; II - O artigo 155.º, n.º 4, do CPC impõe às partes o ónus de invocar o vício da falta ou deficiência da gravação no prazo perentório nele previsto; III - Não o fazendo, o vício fica sanado pelo decurso do prazo, não podendo ser conhecido oficiosamente pela Relação; IV - A deficiência da gravação dos depoimentos produzidos em sede de audiência final é impeditiva da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto sempre que torne inviável a ponderação de tais meios de prova e estes se revelem essenciais para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da matéria de facto, devendo a Relação estar nas mesmas condições em que se encontrou o Tribunal de primeira instância (…); o acórdão de 16-05-2019 (relator: Alcides Rodrigues), proferido na apelação n.º 57308/18.0YIPRT.G1, no qual se entendeu: I – A omissão ou deficiência da gravação configura uma nulidade processual, porquanto está em causa a omissão duma formalidade prescrita por lei (art. 195º do CPC), que a parte interessada terá de arguir autonomamente, sem prejuízo da iniciativa oficiosa do juiz durante a audiência, ao qual compete tomar as providências para que a lei se cumpra (art. 199º, n.º 2 do CPC); II – A gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias após a realização do ato alvo de gravação e as partes estão sujeitas ao prazo de 10 dias para invocarem a falta ou deficiência da gravação, contado da disponibilização desta; III – Decorrido o prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, sem que seja arguido o vício da sua falta ou deficiência, o mesmo fica sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade processual ser arguida no prazo de interposição de recurso (30 ou 40 dias) e apenas nas próprias alegações de recurso; IV - Nessas situações, a deficiência da gravação da prova, traduzida na impercetibilidade de múltiplos excertos da inquirição da testemunha cujo depoimento é considerado decisivo para alterar a decisão proferida (pelo tribunal a quo) sobre a matéria de facto, compromete a possibilidade da Relação proceder à reapreciação dessa decisão;
- da Relação de Coimbra, o acórdão de 20-04-2016 (relator: Azevedo Mendes), proferido na apelação n.º 234/10.0TTCTB.C1, no qual se entendeu: (…) II – Nos termos do artº 155º, nºs 3 e 4 do nCPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06), a gravação da audiência deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respectivo acto, sendo que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada; III – A não gravação da audiência que tenha sido requerida acarreta uma nulidade prevista no artº 195º do nCPC, dependendo a sua apreciação da tempestiva arguição na 1ª instância (não deve ser arguida apenas por via de recurso) (…); o acórdão de 12-12-2017 (relator: Isaías Pádua), proferido na apelação n.º 320/15.0T8MGR.C1, no qual se entendeu: (…) III- Decorre dos nºs 3 e 4 do artigo 155º do nCPC que a falta ou deficiência da gravação dos depoimentos constitui uma irregularidade/nulidade processual (atípica ou secundária) prevista no artº 195º, nº 1 do nCPC, que só pode ser arguida (no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação for disponibilizada) e conhecida na 1ª instância, sob pena de se dever considerada sanada, não podendo dela conhecer oficiosamente o Tribunal da Relação; IV- Ao detetar referida deficiência da gravação dos depoimentos (que pode ser total ou parcial de algum ou de todos os depoimentos) e não dispondo de todos os elementos probatórios que suportaram quer decisão da matéria de facto, quer a sua impugnação, não poderá a Relação (a não ser que exista nos autos outra prova - vg. documental, dotada de eficácia ou força probatória plena - produzida que só por si imponha decisão diversa) conhecer - por ficar impedido de proceder à reapreciação dessa decisão - do recurso quanto à parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto (…).
Em conclusão, tendo-se verificado que esta Relação não tem acesso ao depoimento prestado pela testemunha António M…, o qual foi tido em conta pela 1.ª instância no âmbito da decisão dos pontos de facto impugnados e em cuja reapreciação baseia o apelante a impugnação da decisão de facto, encontra-se este Tribunal impossibilitado de proceder à pretendida reapreciação da prova
Mostrando-se inviável a reapreciação da prova produzida, improcede a apelação, na parte relativa à impugnação da decisão de facto.

2.2.2. Pressupostos da responsabilidade civil

Está em causa, nos presentes autos, uma relação jurídica qualificada pela decisão recorrida como contrato de intermediação financeira, estabelecida entre o banco réu (então denominado Banco EE, S.A.), na qualidade de intermediário financeiro, e o autor marido, na qualidade de investidor não qualificado, o qual subscreveu na agência de Fátima do réu, em maio de 2006, Obrigações SLN 2006, emitidas pela SLN, SGPS, S.A., em cuja aquisição aplicou a quantia de € 50 000, capital que não lhe foi devolvido decorrido o período contratado, o que não vem questionado no recurso, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito.
A 1.ª instância considerou verificada a violação pelo banco réu do dever de informação, bem como dos princípios da boa fé, da diligência, da lealdade e da transparência, e preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, enquanto intermediário financeiro, tendo concluído que lhe assiste a obrigação de indemnizar os danos causados aos autores.
Discordando da decisão recorrida, o apelante defende ter cumprido os deveres que lhe incumbem, como intermediário financeiro, designadamente o dever de informação, sustentando que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.
Vejamos se lhe assiste razão[3].
Estando em causa o cumprimento de um contrato de intermediação financeira celebrado em maio de 2006, cumpre analisar a factualidade provada à luz do regime jurídico em vigor àquela data, não obstante as alterações que posteriormente sofreu.
Assim, é aplicável o Código dos Valores Mobiliários (CVM) na redação em vigor à data – isto é, com as alterações que lhe foram introduzidas até ao DL n.º 52/2006, de 15-03, e subsequente Declaração de Retificação n.º 21/2006, de 30-03 –, designadamente as normas destinadas a regular a atividade e os deveres dos intermediários financeiros, bem como a respetiva responsabilidade civil.
Inserido no âmbito das disposições gerais do CVM, o artigo 7.º, com a epígrafe Qualidade da informação, dispunha, no seu n.º 1, o seguinte: Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. Por outro lado, no âmbito da regulação específica do exercício da atividade de intermediação financeira, o artigo 304.º enunciava princípios que devem orientar a atuação dos intermediários financeiros, designadamente os seguintes: os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1); nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2); na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar (n.º 3).
No que respeita concretamente aos Deveres de informação, dispunha o artigo 312.º do referido Código o seguinte: 1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) Custo do serviço a prestar. 2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. 3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral. Acrescentava o artigo 323.º daquele Código, com a epígrafe Deveres de informação, o seguinte: Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre: a) A execução e os resultados das operações que efetue por conta deles; b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação; c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.
A responsabilidade civil dos intermediários financeiros encontrava-se regulada no artigo 314.º do mencionado Código, nos termos seguintes: 1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Quanto aos motivos pelos quais considerou a 1.ª instância verificada a violação pelo banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, do dever de informação, bem como dos princípios da boa fé, da diligência, da lealdade e da transparência, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:
No caso submetido à nossa apreciação, como resulta da factualidade provada, o Banco réu prestou ao autor informação inverdadeira relativa à garantia de reembolso por si do capital investido por aqueles (vejam-se os pontos 4 a 9 e 11 a 18 da matéria de facto provada (…):
Esta conduta do réu é violadora das exigências da boa - fé e da lealdade devidas ao autor, seu cliente e, dado o conteúdo da informação inverdadeira transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão do autor (…) de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo Banco réu.
O autor “avançou” para um aplicação financeira num montante elevado em dinheiro (€ 50 000,00), sem ter sido alertado das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o Banco réu em responsabilidade.
Com efeito, sendo o Banco réu responsável perante os credores pelos actos dos seus funcionários (art.º 800.º, n.º 1, do Código Civil), conclui-se que aquele violou, como já se disse, os deveres de informação, bem como os princípios da boa - fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.
Atuou, por isso, de forma ilícita.
Nas alegações da apelação, o recorrente defende que cumpriu os deveres de informação que lhe incumbiam, como intermediário financeiro. No entanto, a improcedência da impugnação da decisão relativa a essa parte da matéria de facto, com a consequente não alteração da factualidade considerada provada, importa se considere prejudicada a apreciação desta questão de direito, na parte em que a solução preconizada pelo recorrente se baseia na alteração da redação dos factos constantes dos pontos 3 e 5 de 2.1.1., julgados provados, e na exclusão da matéria assente dos factos constantes dos pontos 9, 10 e 12 de 2.1.1.. Em consequência da não alteração da factualidade julgada provada, no que respeita aos pontos relativos à subscrição das Obrigações SLN 2006, mostra-se prejudicada a apreciação da questão do cumprimento do dever de informação nos termos suscitados pelo apelante, dado que se não baseia nos elementos factuais apurados, não tento em conta, designadamente, a prestação ao autor de informação incorreta.
Verificando que o apelante não defende qualquer alteração da decisão de tal questão – violação do dever de informação –, a apreciar no pressuposto da não modificação da decisão de facto, a improcedência da impugnação desta parte da decisão de facto prejudica a apreciação da questão suscitada.
Com relevo para a análise de atuação do réu, no âmbito da subscrição pelo autor de Obrigações SLN 2006, encontra-se assente que:
- os autores eram e são clientes da agência de Fátima do banco réu, onde são titulares de uma conta na qual possuem as suas poupanças;
- entre os dias 10 de abril e 5 de maio de 2006, o autor marido foi contatado pelo seu gestor de clientes naquela agência do banco réu, o qual lhe ofereceu a possibilidade de subscrever Obrigações SLN 2006, produto que consiste em valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente;
- o gestor de clientes apresentou-lhe o produto como sendo “100% seguro”, em tudo semelhante a um depósito a prazo, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente àquele, e que se tratava de capital com reembolso garantido pelo banco réu e com rentabilidade assegurada;
- nem o banco réu, nem o seu gestor de clientes da agência de Fátima, esclareceram o autor que estava a subscrever obrigações e não deram qualquer explicação acerca do que eram obrigações, obrigações subordinadas, prazo de reembolso e condições de reembolso antecipado, garantias, o que se passaria em caso de insolvência da entidade emitente, tendo aquele gestor de clientes tratado sempre o assunto como se de um depósito a prazo se tratasse;
- o autor aplicou a quantia de € 50 000 na subscrição do produto sem que soubesse concretamente em que consistia, tendo agido na convicção de que estava a colocar o dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do banco réu;
- à data da subscrição, o autor era empresário da construção civil, exercendo a função de pedreiro, o que era do conhecimento do gestor de clientes da agência de Fátima, o qual igualmente sabia que os autores eram pessoas poupadas, cautelosas e conservadoras quanto à aplicação do seu dinheiro, em relação ao qual não queriam correr qualquer risco;
A informação prestada ao autor pelo banco réu, através do seu funcionário, de que o capital era garantido pelo próprio banco, contradiz a natureza do produto em causa, considerando que as Obrigações SLN 2006 consistem em valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente.
Da análise da enunciada factualidade decorre que a informação transmitida ao autor deturpa a realidade, não lhe tendo sido dadas a conhecer as reais características do produto apresentado, o qual foi descrito de forma a iludir o autor, assim desrespeitando as exigências de qualidade da informação impostas pelo citado artigo 7.º, preceito do qual resulta, além do mais, dever a informação ser verdadeira, completa e clara. O desrespeito destas exigências de qualidade da informação configura o incumprimento dos ditames da boa fé, bem como dos padrões de lealdade e transparência, impostos pelo mencionado artigo 304.º, princípios que devem orientar a atuação dos intermediários financeiros, designadamente nas relações com os clientes. Daqui decorre que não foi prestada ao autor informação que lhe permitisse tomar uma decisão esclarecida e fundamentada quanto à subscrição do produto em causa, antes lhe tendo sido transmitida informação deturpada, a qual conduziu à decisão de subscrição do produto baseada numa convicção errada relativamente à respetiva natureza e características, o que viola os deveres de informação previstos no n.º 1 do citado artigo 312.º, não tendo sido tomado em consideração que o grau de conhecimentos e a experiência do autor impunham exigências acrescidas quanto ao cumprimento do dever de informação, conforme decorre no n.º 2 deste preceito.
Nesta conformidade, é de considerar verificado o incumprimento do dever de informação pelo banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, relativamente autor, investidor não qualificado seu cliente, o que configura uma atuação ilícita, conforme decidiu a 1.ª instância.
Neste sentido, entendeu-se, em situação análoga, no acórdão do STJ de 10-04-2018 (relator: Fonseca Ramos), proferido na revista n.º 753/16.4T8LSB.L1.S1 - 6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), o seguinte: (…) IV - A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. (…) VI - Os factos provados demonstram que o réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a SLN pudesse cair na insolvência, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo. VII - Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro.
Impondo o n.º 1 do supra citado artigo 314.º, aos intermediários financeiros, a obrigação de indemnizar os danos causados em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, cumpre averiguar se existe nexo de causalidade entre a descrita atuação ilícita do banco réu e os danos sofridos pelos autores.
Sob a epígrafe Nexo de causalidade, dispõe o artigo 563.º do Código Civil (CC) que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Afirma Ana Prata (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 722-723) que “neste preceito está consagrada a chamada teoria da causalidade adequada”, explicando o seguinte: “Esta implica, num primeiro momento, a análise da situação de acordo com a teoria da condição sine qua non, isto é, tem de começar-se por verificar se, no caso concreto, o facto foi condição necessária do prejuízo. Respondida afirmativamente esta questão, pergunta-se se, em condições normais da vida, aquele facto tem aptidões causais para provocar aquele tipo de consequências danosas. Concluída esta operação intelectual, pode dizer-se que o facto é causa jurídica do dano”. Acrescenta a autora (loc. cit.) que “se se verifica que um facto é causa adequada de um outro que, por seu lado, é causa adequada do prejuízo, se está tipicamente perante uma cumulação real de causas, o que significa que a causalidade adequada nada tem que ver com a causalidade direta”.
A decisão recorrida considerou preenchido este pressuposto da responsabilidade civil do banco réu, pelos motivos seguintes:
Na responsabilidade civil por facto ilícito (veja-se que a responsabilidade contratual é também responsabilidade por facto ilícito, apenas sucedendo que sobre o devedor inadimplente recai uma presunção iuris tantum de culpa, cfr. n.º 1, do art.º 799.º do Código Civil), o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo réu sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelos autores e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade (…)
Uma vez que a informação falsa prestada pelo Banco réu incidiu, em nosso modesto entender, sobre um dos aspectos decisivos para a determinação da decisão de subscrever as Obrigações SLN 2006 por parte dos autores, tem que se concluir que essa informação não se mostrou de todo em todo indiferente para a verificação do dano.
Neste conspecto, julga-se verificado o nexo de causalidade entre o facto ilícito que lhe é imputado e os danos sofridos pelo autor.
O apelante manifesta a sua discordância relativamente a este entendimento, defendendo que não se verifica o nexo causal em apreciação; porém, também nesta sede, não baseia a solução que preconiza nos elementos factuais apurados, mas sim naqueles que decorreriam da total procedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a qual não ocorreu, conforme se extrai de 2.2.2..
Decorre da matéria de facto provada que a subscrição pelo autor do produto em causa resultou da errónea convicção que adquiriu sobre o mesmo, em consequência da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, e que não teria efetuado tal subscrição se tivesse conhecimento das reais características das Obrigações SLN 2006, conforme se extrai dos factos seguintes:
- se gestor de clientes da agência de Fátima tivesse explicado aos autores as características do produto consistente em obrigações SLN 2006, nomeadamente que consistiam em “emprestar” dinheiro a uma sociedade e quem era essa sociedade, ou lhes tivesse apresentado um contrato escrito de intermediação financeira, nunca teriam subscrito tal produto;
- foi a afirmação produzida pelo gestor de clientes da agência de Fátima de que o dinheiro estava totalmente garantido, tal como um depósito a prazo, que convenceu os autores, ficando convictos, ainda que o seu dinheiro estava depositado no Banco EE que é o logotipo que sobressai no boletim de subscrição e não o da SLN - Sociedade Lusa de Negócios.
No âmbito da apreciação do nexo de causalidade em sede de responsabilidade civil de intermediário financeiro, extrai-se da jurisprudência recente do STJ o seguinte:
- no acórdão de 05-06-2018 (relator: Sousa Lameira), proferido na revista n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), considerou-se que: Tendo a Relação tido como demonstrado que o autor não teria subscrito as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do recorrente, que corria o risco de perder, no todo ou em parte, o seu dinheiro em caso de insolvência da emitente, é de considerar verificado um nexo causal (e não meramente naturalístico) entre aquele facto e os prejuízos sofridos pelo primeiro;
- no acórdão de 06-11-2018 (relator: Cabral Tavares), proferido na revista n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), entendeu-se que: Não se verifica, no caso, o requisito relativo ao estabelecimento do nexo de causalidade, interpretado e aplicado o art. 563.º do CC à luz da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, conforme jurisprudência recorrente deste tribunal. Não resulta dos factos assentes pelas instâncias que os danos invocados pelos recorrentes devam ser adequadamente imputados à violação do bem tutelado; para tanto, haveriam de demonstrar que, tendo o recorrido inteira e claramente cumprido os seus deveres de informação (esclarecendo designadamente que as propostas tinham por objeto obrigações subordinadas, sendo o capital garantido não como um depósito a prazo, nem pelo Banco, mas – com sujeição de cláusula de subordinação – por terceira entidade), não teriam investido nas aplicações propostas;
- no acórdão de 25-10-2018 (relator: Bernardo Domingos), proferido na revista n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), considerou-se que: Assim para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do réu traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei ou seja de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
- no acórdão de 08-11-2018 (relator: Helder Almeida), proferido na revista n.º 6164/09.0TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), entendeu-se que: No apuramento da responsabilidade civil por intermediação financeira considera-se demonstrado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao investidor quando, em face dos factos provados, é possível concluir que se os deveres de informação tivessem cumpridos, o autor não teria investido nas aplicações e, assim, não teria sofrido os riscos e prejuízos subsequentes.
No caso presente, extraindo-se da matéria de facto provada que o autor não teria subscrito as Obrigações SLN 2006 caso tivesse conhecimento das reais características do produto, só as tendo subscrito em resultado da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, verifica-se que não teria sofrido os danos decorrentes da falta de restituição do montante aplicado naquela subscrição caso o banco réu tivesse cumprido os deveres de informação respeitantes ao exercício da atividade de intermediário financeiro, assim se verificando o nexo de causalidade entre a descrita atuação ilícita do banco réu e os danos sofridos pelos autores.
Estando em causa a responsabilidade civil de intermediário financeiro e tendo-se concluído que o dano foi originado pela violação de deveres de informação, é aplicável a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do citado artigo 314.º, a qual não foi ilidida no caso presente.
Conclui-se, assim, que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do banco réu, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar os autores, conforme considerou a decisão recorrida.

2.2.3. Exceção de prescrição

O recorrente põe em causa a decisão recorrida igualmente na parte em que considerou não verificada a exceção de prescrição arguida, por se ter entendido, com fundamento no grau de culpa da atuação do banco réu, qualificada como culpa grave, inaplicável o prazo especial de prescrição de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, tendo-se aplicado o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC, ainda não decorrido.
Discorda o apelante do prazo de prescrição tido em conta pelo tribunal de 1.ª instância, sustentando que é aplicável o prazo especial de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM.
Vejamos se o caso presente preenche os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, conforme defende o apelante, ou se é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC, como entendeu a 1.ª instância.
Sob a epígrafe Prazo ordinário, dispõe o artigo 309.º do CC que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, preceito do qual decorre que será este o prazo aplicável na ausência de disposição especial que preveja prazo mais curto. O n.º 2 do referido artigo 324.º do CVM, por seu turno, prevê o seguinte: Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
Face à ressalva constante da parte inicial do n.º 2 do citado artigo 324.º – Salvo dolo ou culpa grave –, cumpre analisar o grau de culpa da atuação do banco réu, de forma a determinar se é aplicável o aludido prazo especial de prescrição mais curto.
Constituindo a culpabilidade do agente um elemento a atender na determinação do prazo de prescrição aplicável, é imposta uma apreciação da conduta do lesante na sua relação com o comportamento devido, isto é, na perspetiva da violação de um dever jurídico ou da omissão do dever de diligência que lhe é imposto, bem como da intervenção da vontade do agente nessa atuação.[4]
Consagrando o Código Civil, no n.º 2 do artigo 487.º, um critério de apreciação da culpa em abstrato[5], há que analisar a conduta adotada pelo banco réu, a concreta ação ou omissão em causa, por comparação com a conduta exigível nas concretas circunstâncias em causa, com vista a verificar se omitiu o comportamento devido e, em caso afirmativo, se o fez voluntariamente.
Não obstante erigir a culpabilidade do intermediário financeiro em elemento relevante para efeitos da determinação do prazo de prescrição aplicável, o Código dos Valores Mobiliários não apresenta uma classificação dos graus de culpa, tal como o não faz o Código Civil (apesar de o artigo 494.º do CC, por exemplo, se referir à culpabilidade do agente, indicando-a como uma das circunstâncias a atender no cálculo do montante indemnizatório), o qual não apresenta uma classificação dos graus de culpa, limitando-se a referências à distinção entre dolo e mera culpa[6] e a uma menção esporádica a culpa grave[7], sem indicar qualquer critério de graduação da culpabilidade.
Considerando que a culpa em sentido amplo[8] pressupõe que a conduta do agente, ao omitir o comportamento devido, seja voluntária, diversos fatores poderão contribuir para uma graduação da culpabilidade, tais como: os valores ou os interesses que se pretendem acautelar com o comportamento devido; a intensidade da intervenção da vontade na ação; a concorrência da conduta de outros agentes, designadamente do lesado.
A decisão recorrida considerou que o banco réu agiu com culpa grave, nos termos seguintes:
Esta classificação dos graus de culpa tem a ver com a gravidade ou a intensidade da violação dos deveres que recaem sobre o agente do facto, sendo sobreponível com a classificação que atende à previsão ou não do facto ilícito. Assim, pode um agente agir com culpa ou negligência consciente e dever essa culpa qualificar-se como leve ou levíssima, podendo também agir com negligência inconsciente e dever essa conduta qualificar-se como uma culpa ou negligência grave.
No caso em apreço, sobre o Banco réu impendia um dever especial de diligência (veja-se o art.º 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários que impõe ao intermediário financeiro elevados padrões de diligência) e que se prende com a profissionalidade da actividade por ele exercida. Daí que, a culpa leve tenha no caso em apreço um padrão de aferição mais exigente do que aquele que incide em geral sobre o “bom pai de família” (art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil), bastando por isso para que se integre a culpa grave, a inobservância do grau de diligência requerido ao profissional competente.
No caso concreto, a informação falsa prestada ao investidor ocasional de que o banco intermediário assegurava o reembolso do capital investido pressupõe uma violação das regras mais elementares da actividade do intermediário financeiro (veja-se o art.º 305.º do Código dos Valores Mobiliários que minuciosamente regula a estruturação e a organização empresarial do intermediário financeiro em ordem a que sejam observados elevados padrões de qualidade, profissionalismo e eficiência), revelando desconsideração pelos interesses do cliente.
Não observou, pois, o Banco réu o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imposto, pelo que é forçosa a conclusão de que a sua culpa é grave, sendo por isso inaplicável o prazo prescricional bianual previsto no n.º 2, do art.º 324.º do Código dos Valores Mobiliários.
Assente a prestação de informação deturpada pelo banco réu ao autor marido, no contexto exposto, mostra-se acertada a apreciação da culpabilidade constante da decisão recorrida.
Visando o dever de informação imposto ao intermediário financeiro habilitar o cliente a tomar decisões de forma esclarecida e fundamentada, com conhecimento dos elementos relevantes para o efeito, a prestação pelo banco réu de informação deturpada, com a transmissão de elementos não verídicos e a omissão de elementos essenciais, viola gravemente os valores e interesses que se pretendem acautelar com o comportamento devido, o qual foi omitido voluntariamente. Acresce que, estando em causa um investidor não qualificado e tratando-se, concretamente, de uma pessoa cujo grau de conhecimentos e experiência não lhe permitiam detetar o engano e suprir a omissão de informação, e que confiava nos elementos transmitidos pelo seu gestor de clientes, o cumprimento do dever de informação assume uma especial acuidade, visando tutelar valores ou interesses superiores aos inerentes a outros casos, relativos a clientes mais informados ou, mesmo, a investidores qualificados.
A consideração da intervenção da vontade permite, igualmente, graduar a culpabilidade do agente. Relevam, nesta sede, as duas modalidades da culpa em sentido amplo a que se refere o artigo 483.º, n.º 1, ao impor que o agente tenha “agido com dolo ou mera culpa”. No dolo, a imputação do ato ilícito ao agente assume maior gravidade, por ser mais intensa a intervenção da vontade, dado que o agente prevê sempre e aceita o resultado ilícito, o que não sucede na negligência, em que o agente não prevê ou, caso preveja, não aceita tal resultado.[9]
Considerando a referência a culpa grave no artigo 1323.º, n.º 4, do CC, tem alguma doutrina[10] distinguido entre culpa grave, leve e levíssima, classificação que se reporta a graus de culpabilidade[11].
No caso presente, verificando que o banco réu não prestou ao autor, na fase que antecedeu a subscrição das Obrigações SLN 2006, informação com os requisitos de qualidade que lhe eram exigidos, antes lhe tendo transmitido elementos incorretos, os quais o não habilitavam a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada quanto à subscrição do produto em causa, não protegendo o respetivo cliente, antes o convencendo a adquirir um produto que não correspondia ao pelo mesmo pretendido, o que era do conhecimento do funcionário do réu, o qual deliberadamente o conduziu à subscrição do produto, iludindo-o quanto às suas reais características, a apreciação desta conduta do banco réu na sua relação com o comportamento devido conduz à qualificação como grave da culpa que presidiu à atuação em causa.
Em situação análoga, entendeu-se do supra citado acórdão do STJ de 25-10-2018 (relator: Bernardo Domingos), o seguinte: Estando demonstrado que o réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é óbvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberada e meticulosamente planeada.
Considerando que o prazo de prescrição de dois anos, previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, não é aplicável aos casos de dolo ou culpa grave e tendo-se concluído que é grave a culpa do intermediário financeiro réu, mostra-se inaplicável o aludido prazo especial mais curto, sendo aplicável o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC, o qual ainda não decorreu, conforme decidiu a 1.ª instância.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação.

2.2.4. Obrigação de indemnização

A decisão recorrida considerou que o banco réu se constituiu na obrigação de indemnizar os autores pelos danos sofridos, tendo-o condenado a pagar-lhes a quantia de € 50 000, correspondente ao capital investido, acrescida de juros de mora vencidos desde 09-05-2016 e vincendos até integral pagamento.
Está em causa a indemnização dos danos causados aos autores em consequência da violação pelo intermediário financeiro réu de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, designadamente do dever de informação, nos termos analisados em 2.2.3..
Tendo-se provado que, em resultado da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, o autor aplicou a quantia de € 50 000 na subscrição de Obrigações SLN 2006 e esse montante que não lhe foi restituído findo o período contratado, assiste-lhe o direito a ser indemnizado pelo prejuízo correspondente ao capital investido e respetivos juros moratórios, conforme decidido pela 1.ª instância.
Nesta conformidade, improcede totalmente a apelação.


Em conclusão:
I - Decorrido o prazo fixado no artigo 155.º, n.º 4, do CPC, para a arguição da falta ou deficiência da gravação da audiência final sem que o vício tenha sido arguido, fica precludida a possibilidade de arguição posterior;
II - Impondo a lei às partes o ónus de verificar a qualidade da gravação das provas, fixando o prazo para a arguição das deficiências detetadas, de forma a poderem ser supridas em momento prévio à interposição de recurso, não pode o vício da deficiência da gravação ser oficiosamente conhecido pela Relação;
III - Tendo a Relação constatado que a gravação do depoimento prestado por determinada testemunha enferma de deficiências que o tornam impercetível e tratando-se de elemento probatório essencial para a apreciação da impugnação da decisão de facto, não dispõe a Relação de todos os elementos probatórios de que dispôs a 1.ª instância, pelo que se encontra impossibilitada de proceder à reapreciação da prova produzida, o que impede o conhecimento da impugnação da decisão de facto;
IV – É de considerar verificado o incumprimento do dever de informação pelo banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, relativamente autor, investidor não qualificado seu cliente, se a informação por aquele prestada, através do seu funcionário, deturpa a realidade, não dando a conhecer as reais características do produto apresentado, o qual é descrito de forma a iludir o autor, com a transmissão de elementos não verídicos e a omissão de elementos essenciais;
V – Encontrando-se assente que o autor não teria subscrito o produto em causa caso tivesse conhecimento das reais características do mesmo, só o tendo subscrito em resultado da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, verifica-se que não teria sofrido os danos decorrentes da falta de restituição do montante aplicado naquela subscrição caso o banco réu tivesse cumprido os deveres de informação respeitantes ao exercício da atividade de intermediário financeiro, assim existindo nexo de causalidade entre a descrita atuação ilícita do banco réu e os danos sofridos pelos autores;
VI – Não tendo o banco réu prestado ao autor, na fase que antecedeu a subscrição do produto, informação com os requisitos de qualidade que lhe eram exigidos, antes tendo transmitido elementos incorretos, os quais o não habilitavam a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada quanto a tal subscrição, não protegendo o respetivo cliente, antes o convencendo a adquirir um produto que não correspondia ao pretendido, o que era do conhecimento do funcionário do réu, o qual deliberadamente o conduziu à subscrição do produto, iludindo-o quanto às suas reais características, a apreciação desta conduta do banco réu na sua relação com o comportamento devido conduz à qualificação como grave da culpa que presidiu à atuação em causa;
VII – Tendo o intermediário financeiro réu agido com culpa grave, é inaplicável o prazo especial de prescrição de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, sendo de aplicar o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC;
VIII - Tendo-se provado que, em resultado da informação deturpada que lhe foi prestada pelo funcionário do banco réu, o autor aplicou a quantia de € 50 000 na subscrição do produto em causa e esse montante que não lhe foi restituído findo o período contratado, assiste-lhe o direito a ser indemnizado pelo prejuízo correspondente ao capital investido e respetivos juros moratórios.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.

Évora, 24-10-2019
Ana Margarida Leite (relatora por vencimento)
Elisabete Valente (vencida conforme declaração junta)
Cristina Dá Mesquita

Declaração de voto de vencida:
Discordamos da posição que obteve vencimento, apenas porque entendemos que a gravação inaudível é passível de suprimento oficioso pelo tribunal, quando pretenda socorrer-se da mesma para apreciar a impugnação da matéria de facto, sem que as partes tenham alegado qualquer deficiência na gravação.
Assim o entendemos porque:
- Para isso aponta a ampliação dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância – maxime dos poderes de reexame representados até pela produção de novas provas.
- O disposto no nº 4 do artº 155º do CPC não veio vedar o conhecimento oficioso da nulidade, mas sim pôr fim a uma controvérsia apenas sobre o prazo e o momento em que as partes, querendo suscitar a nulidade, o devem fazer questão controvertida e que deu causa a diversos entendimentos.
- O DL n.º 39/95 não foi expressamente revogado pelo art.º 4.º da Lei n.º 41/2013, que aprovou o actual CPC e também não se deve considerar tacitamente revogado, pois o art.º 155.º não abarca todos os aspectos regulados naquele diploma.
- O DL 39/95 de 15/5 permite a gravação dos depoimentos prestados nas audiências de discussão e julgamento, visando assim facultar uma efectiva garantia de duplo grau de jurisdição, como consta no seu preâmbulo e determina que a gravação é feita, em regra, com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça e no artº 9º dispõe que “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.
- Resulta então do artº 9º do DL 39/95 que o tribunal necessariamente após prévia audição da prova, pode ordenar por sua iniciativa a repetição de provas que se encontrem imperceptíveis, sempre que tal repetição se mostre essencial à apreciação da prova, de modo a permitir-lhe formular um juízo sobre a existência ou não de erro de julgamento.
- Não se afigura que o disposto no artº 9º do DL 39/95 se aplique apenas ao julgamento em 1ª instância nem que o nº 4 do artº 155º do CPC impeça o conhecimento oficioso da nulidade consistente na falta de gravação.
- A deficiente gravação constitui um erro apenas imputável à actividade do tribunal (não é um problema de auto responsabilidade), presumindo-se que a gravação foi bem efectuada e por isso as consequências desse erro não se devem transferir para as partes e inutilizar a apreciação da matéria de facto em recurso.
- Como se pode ler no Ac. RL de 11-07-2019, proc. nº 120/17.2T9PTS.L1-9 , (relator Antero Luís) ainda que num processo de natureza criminal, mas cujos argumentos consideramos aplicáveis:
«Não tendo sido invocada pelo recorrente a deficiente gravação da prova, nomeadamente da ofendida, mas verificando-se a mesma, ainda que a lei não comine expressamente esta nulidade como insanável, nem por isso a mesma pode deixar de ser de conhecimento oficioso, porquanto está em causa o exercício da plena jurisdição por este tribunal de recurso, o que, manifestamente, deve ser equiparado à falta do número de juízes que devem constituir o tribunal ou à violação das regras legais relativas a respectiva composição;
Aqui não está em causa qualquer arguição da nulidade por parte dos sujeitos processuais, mas, antes, a impossibilidade de o tribunal de recurso cumprir a sua função, isto é, apreciar a questão que lhe foi colocada sobre a matéria de facto, tal como resulta dos artigos 412°, 428° e 431°, todos do Código de Processo Penal;
Ora estando em causa o exercício das competências jurisdicionais/funcionais do próprio Tribunal, não pode o mesmo ficar limitado no exercício de tais competências constitucionais e legais, nem pode, por outro lado, o sujeito processual ser prejudicado por um erro que apenas ao Tribunal respeita. Esta mesma solução está consagrada expressamente no artigo 157º, nº 6 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo criminal por força já referido artigo 4º, ao estatuir que - "Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”».
Donde, afigura-se-nos que as anomalias na gravação das provas constituem uma irregularidade especial, a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, o qual se impõe por força do manifesto interesse de ordem pública que se pretendeu atingir com a gravação das audiências.
No sentido da posição que defendemos vide Ac. RG de 28-03-2019, proc. nº 3268/17.0T8BRG.G1 (relatora Maria Amália Santos) e Ac. RC de 19-12-2017, proc. nº 814/16.0T8GRD.C1 (relator Vitor Amaral).
Pelas razões expostas, determinaria a anulação do julgamento para que se procedesse à gravação dos depoimentos cuja audição se mostra essencial para o conhecimento da impugnação da matéria de facto e que se mostram em parte imperceptíveis, a fim de permitir a reapreciação pelo Tribunal de 2ª instância da matéria de facto.
Elisabete Valente

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[1] Sobre o que significa “disponibilizar”, para efeitos das normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 155.º, esclarece o acórdão desta Relação de 12-10-2017 – proferido no processo n.º 1382/14.2TBLLE-A.E1 (relator: Sequinho dos Santos) e disponível em www.dgsi.pt – o seguinte: 1 - A disponibilização, às partes, da gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC,. 2 – Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação, às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes.
[2] A título meramente exemplificativo de diferentes soluções detetadas na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podem indicar-se os acórdãos seguintes (cujos sumários se encontram publicados em www.stj.pt):
a) no sentido de se tratar de nulidade cujo prazo de arguição é de 10 dias a contar da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal, cf. o acórdão de 12-04-2005 (relator: Sousa Leite), proferido na revista n.º 621/05 - 6.ª Secção, no qual se entendeu: I - Quer as anomalias do registo magnético se reportem ao ocorrido na audiência de julgamento, quer ao conteúdo das cópias entregues às partes que tal o requeiram, a verificarem-se deficiências de gravação, sempre estas configuram uma irregularidade que manifestamente influi na decisão da causa, o que conduz ao seu enquadramento no âmbito das nulidades processuais (art.º 201, n.º 1, parte final, do CPC); II - Porém, a existência de tal vício, já que estamos perante uma nulidade secundária (art.º 204, a contrario, do CPC), apenas pode relevar, caso seja objecto de arguição por parte do respectivo interessado no seu conhecimento, arguição essa que deve ter lugar no prazo de 10 dias, contados da data em que, depois da sua ocorrência a parte interveio em qualquer acto praticado no processo (art.ºs 153, n.º 1, e 205, n.º 1, do CPC); III - Tendo sido entregue ao recorrente em 10-01-2004 a cópia dos registos magnéticos da audiência de julgamento, mas apenas, em 2 de Março seguinte, e nas alegações de recurso, tal irregularidade sido invocada, mostra-se ultrapassado em muito o prazo geral estabelecido para a arguição da nulidade; IV - Por outro lado, a apreciação da referida nulidade processual tem como directo e imediato pressuposto que haja tido lugar a sua reclamação, a qual não pode ser suprida através da sua mera arguição em sede de recurso; V - Com efeito, o recurso tem por objecto decisões que hajam sido proferidas pelos orgãos jurisdicionais (art.º 676, n.º 1, do CPC), tendo aqui manifesta aplicação os postulados consagrados pela jurisprudência de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se; o acórdão de 06-07-2006 (relator: Oliveira Barros), proferido no agravo n.º 1899/06 - 7.ª Secção, no qual se entendeu: I - A incorrecta gravação áudio ou vídeo, podendo influir na decisão da causa na medida em que condiciona a reacção das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, constitui irregularidade processual que gera nulidade secundária integrante da previsão do art. 201.°, n.° 1, do CPC; II - Aplica-se a essa nulidade o regime geral da arguição de nulidades (arts. 153.°, n.° 1, e 205.°, n.° 1, do CPC), devendo a parte invocá-la no prazo de 10 dias a contar da data da entrega do registo fonográfico; o acórdão de 19-12-2006 (relator: Alberto Sobrinho), proferido no Agravo n.º 4149/06 - 7.ª Secção, no qual se entendeu: I - As deficiências de registo magnético impeditivas da reapreciação da prova facultada às partes nos termos dos arts. 522.º-B e 522.º-C, na perspectiva do cumprimento dos ónus previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 690.º-A, têm manifesta influência na decisão da causa, constituindo nulidade processual tipificada no n.º 1 do art. 201.º, cujo conhecimento depende de arguição da parte (art. 202.º), no prazo de 10 dias a contar da data em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deve presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência - arts. 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, todos do CPC; II - Tendo os recorrentes recebido cópia das cassetes em 08-03, quando com razoabilidade podiam ter tomado conhecimento das alegadas omissões e imperceptibilidade dos depoimentos agindo com a necessária diligência (art. 205.º, n.º 1, segundo período, segunda parte), deviam ter arguido o vício em 10 dias a contar daquela data e não apenas 35 dias depois, pelo que a nulidade se considera sanada; o acórdão de 14-02-2008 (relator: Armindo Luís), proferido na revista n.º 4327/07 - 7.ª Secção, no qual se entendeu: I - Verificando o recorrente que as cassetes que lhe foram entregues são portadoras de deficiências, deve o mesmo arguir tal irregularidade no prazo de 10 dias perante o tribunal de 1.ª instância, para que lhe sejam entregues novas cassetes perfeitamente audíveis e perceptíveis (arts. 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, do CPC); II - Não o fazendo, e servindo-se ainda assim das cassetes deficientes para impugnar a matéria de facto, tem de deduzir-se que tal anomalia não acarretou qualquer prejuízo para o recorrente nem influiu no exame ou decisão da Relação, a qual, dispondo de cópia da gravação audível e perceptível, exerceu a requerida reapreciação da prova nos termos do disposto no art. 712.º, n.º 6, do CPC; o acórdão de 18-11-2008 (relator: Azevedo Ramos), proferido na revista n.º 3328/08 - 6.ª Secção, no qual se entendeu: I - Sendo ininteligível parte das passagens da gravação dos depoimentos, não estando a respectiva transcrição completa, como expressamente assinalado ao longo do conteúdo da mesma, é de aceitar que a recorrente cumpriu o disposto no art. 690.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, não podendo, contudo, a Relação proceder à audição da gravação, nem servir-se do conteúdo da transcrição para efeito de reapreciação da matéria de facto, a que se referem os arts. 712.º, n.º 2, e 690.º-A, n.º 5, do CPC; II - Quando se verifica a imperceptibilidade da gravação, total ou parcial, estamos em face da omissão de uma formalidade que a lei prescreve, constituindo tal omissão uma nulidade processual secundária, já que a irregularidade cometida é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa - art. 201.º, n.º 1, do CPC; III - Tendo a autora requerido, em 20-11-2006, após a realização do julgamento em 1.ª instância e para efeito da elaboração das alegações da apelação, cópia da gravação dos depoimentos, a qual lhe foi facultada em 04-12-2006, deveria a recorrente, no prazo de 10 dias, arguir tal nulidade, sob pena de a mesma ficar sanada - arts. 205.º, n.º 1, e 153.º do CPC; IV - Estando a Relação impedida de conhecer da impugnação da matéria de facto, por não poder atender ao conteúdo da transcrição dos depoimentos, não enferma de nulidade o acórdão recorrido, por pretensa falta de reapreciação da prova; o acórdão de 12-02-2009 (relator: Azevedo Ramos), proferido na Revista n.º 47/09 - 6.ª Secção, no qual se entendeu: I - A deficiência na gravação dos depoimentos das testemunhas pode constituir uma nulidade processual, se a irregularidade cometida tiver influência no exame ou na decisão da causa - art. 201.º, n.º l, do CPC; II - Tendo os recorrentes solicitado a entrega de cópia da gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, foi a partir da entrega dessa cópia da gravação que os recorrentes tomaram conhecimento da pretensa nulidade, pela apontada deficiência da mesma gravação; III - Tinham, então, o prazo de 10 dias para reclamar de tal pretensa nulidade perante o tribunal de 1.ª instância, nos termos dos arts. 153.º, n.º l, e 205.º, n.º 1, do CPC, sob pena de se considerar sanada; IV - Porém, em vez de reclamar da referida nulidade perante o tribunal de l.ª instância, vieram recorrer dela, perante a Relação, incluindo-a no objecto das alegações e conclusões da apelação, o que significa que usaram de meio processual inadequado, pois é sabido que das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se; V - Assim sendo, não tendo a pretensa nulidade sido tempestivamente arguida perante a 1.ª instância, tem a mesma de ser considerada sanada (…); o acórdão de 07-05-2009 (relator: Ferreira de Sousa), proferido no agravo n.º 153/06.4TBVNH.S1 - 7.ª Secção, no qual se entendeu: I - O prazo de oito dias para o tribunal de 1.ª instância facultar cópia da gravação da prova julgamento conta-se do respectivo requerimento da parte, o qual deve ser feito até à data do termo inicia-se com o termo da audiência de julgamento; II - O prazo de dez dias para a arguição da nulidade por anomalia registral da prova em julgamento corre a partir da disponibilização do registo magnético pelo tribunal; o acórdão de 14-05-2009 (relator: Cardoso de Albuquerque), proferido na revista n.º 40/09.4YFLSB - 6.ª Secção, no qual se entendeu: I - A inaudibilidade ou imperceptibilidade das gravações deve ser arguida perante o tribunal de 1.ª instância e não perante a Relação, nas alegações de recurso, quando estas tenham sido apresentadas para além do prazo de 10 dias dentro do qual a parte poderia ter-se apercebido do problema usando de normal diligência (cfr. art. 205.º, n.º 1, do CPC); II - Entregues as cópias das cassetes à parte em 19-03-2008, só tendo esta reclamado da suposta deficiência nas alegações do recurso (de apelação) que apresentou em 29-04-2008, isto significa que, independentemente da apreciação feita pela Relação, assumindo a plena audibilidade da gravação, a nulidade, a existir, estaria sanada, tornando-se inútil discutir agora se, ao invés dessa declaração, se imporia ao tribunal de recurso mandar baixar os autos à 1.ª instância para dela conhecer;
b) no sentido de se tratar de nulidade suscetível de ser arguida até ao termo do prazo de apresentação das alegações de recurso, cf. o acórdão de 26-06-2003 (relator: Duarte Soares), proferido na revista n.º 1583/03 - 2.ª Secção, no qual se entendeu: I - Além do caso de a expedição do recurso preceder o termo do prazo da arguição de nulidade, previsto no n.º 3 do art.º 205 do CPC, não pode deixar de atender-se a situações em que a irregularidade eventualmente geradora de nulidade só possa ser conhecida durante o período compreendido entre a admissão do recurso e a sua subida ao tribunal superior; II - É o caso das deficiências da gravação da prova das quais, normalmente, a parte só tomará conhecimento quando, ao pretender impugnar a decisão quanto aos factos, tiver acesso às cassetes para o efeito de proceder à transcrição dos depoimentos, nos termos do n.º 2 do art.º 690-A do CPC; III - Nestas circunstâncias, não teria qualquer sentido impor-se à parte a arguição da nulidade, interrompendo a fase já iniciada do recurso, para invocá-la perante o tribunal a quo; IV - Daí que, à semelhança do que sucede quando a subida do recurso precede o termo do prazo de arguição, esta possa ser feita directamente no tribunal ad quem, nada impedindo que o seja nas próprias alegações do recurso, integrando o seu objecto; o acórdão de 26-01-2006 (relator: Pires da Rosa), proferido no Agravo n.º 322/05 - 7.ª Secção, no qual se entendeu: I - O prazo para arguir a nulidade da imperceptibilidade da cópia da gravação fornecida pela secretaria é o da própria alegação de recurso; II - A menos que, solicitada a cópia da gravação em momento anterior, a mesma não lhe seja fornecida com a indicação expressa de que a gravação não existe ou não está perceptível; neste caso, e só neste, o prazo da arguição da nulidade contar-se-á da data dessa informação, processualmente afirmada, ou da notificação dela; o acórdão de 05-12-2006 (relator: Ribeiro de Almeida), proferido na revista n.º 3886/06 - 6.ª Secção, no qual se entendeu: I - Não se encontrando gravado o depoimento ou sendo o mesmo inaudível, não se pode afirmar como se faz no Acórdão, que se deve equiparar à prova prestada oralmente, mas antes se deve afirmar que esse facto equivale à inexistência da prova produzida; II - Num plano meramente formal a falta de gravação seria uma nulidade processual que por não ser de conhecimento oficioso cairia no regime do art. 201.º do CPC; III - Uma vez que as partes não têm o ónus de controlar as gravações por serem feitas pelo Tribunal, devem poder arguir essa nulidade no prazo que têm para as alegações de recurso, ou seja, dentro dos 40 dias (30+10) - art. 698.º, n.ºs 2 e 6, do CPC (…); o acórdão de 22-03-2007 (relator: Alves Velho), proferido no agravo n.º 4449/06 - 1.ª Secção, no qual se entendeu: (…) III - A lei - DL n.º 29/95, de 15-12 - é omissa quanto à fixação de prazo para arguição de anomalias verificadas na gravação de prova; IV - Tratando-se de nulidade secundária de acto processual, a regra é que o prazo seja de 10 dias, contado da data em que foi cometida a irregularidade; V - Porém, como o acto viciado se encontra oculto e o seu conhecimento depende de um acto da parte - audição do registo - instrumental de outro acto processual - a alegação de recurso -, mas praticado fora do processo, o prazo para invocar a irregularidade/nulidade de inaudibilidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, isto é, o prazo para a apresentação das alegações, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo; o acórdão de 29-05-2007 (relator: Faria Antunes), proferido na revista n.º 191/07 - 1.ª Secção, no qual se entendeu: I - Além do caso de a expedição do recurso preceder o termo do prazo da arguição de nulidade, previsto no n.º 3 do art. 205.º do CPC, não pode deixar de atender-se a situações em que a irregularidade eventualmente geradora de nulidade só possa ser conhecida durante o período compreendido entre a admissão do recurso e a sua subida ao tribunal superior; II - É o caso das deficiências da gravação da prova das quais, normalmente, a parte só tomará conhecimento quando, ao pretender impugnar a decisão quanto aos factos, tiver acesso às cassetes para o efeito de proceder à transcrição dos depoimentos, nos termos do n.º 2 do art. 690.º-A do CPC; III - Nestas circunstâncias, não teria qualquer sentido impor-se à parte a arguição da nulidade, interrompendo a fase já iniciada do recurso, para invocá-la perante o tribunal a quo; IV - Daí que, à semelhança do que sucede quando a subida do recurso precede o termo do prazo de arguição, esta possa ser feita directamente no tribunal ad quem, nada impedindo que o seja nas próprias alegações de recurso, integrando o seu objecto; o acórdão de 12-07-2007 (relator: Moreira Alves), proferido na revista n.º 2005/07 - 1.ª Secção, no qual se entendeu: I - Constatada a imperceptibilidade da gravação ou a sua falta, pensamos que se estará perante irregularidade especial a que se aplica um regime também especial e particularmente expedito e oficioso, como se impunha, dado até o manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência; II - Tratando-se, é certo, de uma nulidade, já que a omissão ou deficiência da gravação é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, a repetição da prova não tem de ser requerida pela parte no prazo de 10 dias (art. 153.º, n.º 1, do CPC), segundo o regime geral das nulidades previsto nos arts. 201.º e ss. do CPC; III - Na verdade, se a recorrente dispõe de determinado prazo para minutar o recurso e se nessa minuta pode impugnar a matéria de facto dada como provada com base nos depoimentos gravados, é evidente que esse direito pode exercer-se até ao último dia do prazo legal em curso, porque pode bem acontecer que só nesse momento seja detectada a anomalia da gravação; IV - A repetição da prova, por força de lei expressa (art. 9.º do DL n.º 39/95, de 15-02), deve ser ordenada oficiosamente, logo que verificada a omissão ou a deficiência pelo tribunal, nada impedindo que o seja pelo Tribunal da Relação, em sede de recurso, se só nessa fase processual for constatado o vício; V - Porém, como resulta do referido art. 9.º, a repetição da prova não tem de ser total, limitando-se àquela que se mostre essencial ao apuramento da verdade material; o acórdão de 15-05-2008 (relator: Pereira da Silva), proferido na Revista n.º 1099/08 - 2.ª Secção, no qual se entendeu: I - Constitui paradigma de nulidade processual secundária (arts. 201.º, n.º 1, e 204.º a contrario, do CPC), a arguir mediante reclamação, nos termos do art. 205.º, n.ºs 1 e 3, do supracitado Corpo de Leis, a deficiência (ou mesmo inexistência) de gravação da prova prevista no art. 9.º do DL n.º 39/95, de 15-02; II - Deve ter-se por tempestiva a arguição da nulidade processual assente no vazado em I, operada nas alegações do recurso de apelação; III - A apreciação da aludida nulidade compete ao tribunal de 1.ª instância, mesmo que arguida nas preditas alegações (art. 205.º, n.º 3, do CPC a contrário); o acórdão de 13-01-2009 (relator: Silva Salazar), proferido na revista n.º 3741/08 - 6.ª Secção, no qual se entendeu: I - A nulidade consistente em omissão ou imperceptibilidade do registo magnético da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, só havendo motivo para ser detectada após o início da instância de recurso para a Relação, em fase de preparação de alegações em que seja impugnada matéria de facto, determina a existência de nulidade da própria sentença, podendo ser arguida nessas mesmas alegações e até ao termo do respectivo prazo de apresentação; II - Deve a correspondente arguição ser conhecida ainda na 1.ª instância, mantendo-se, porém, se indeferida, no âmbito do recurso para a Relação;
c) no sentido de se tratar de nulidade cujo prazo de arguição é de 10 dias a contar da data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega do registo áudio, cf. o acórdão de 08-07-2003 (relator: Salvador da Costa), proferido na revista n.º 2212/03 -7.ª Secção, no qual se entendeu: I - A omissão ou deficiência da gravação das provas produzidas em julgamento constitui o vício de nulidade geral previsto no art. 201.º, n.º 1, do CPC; II - A referida nulidade fica sanada se o interessado a não arguir no decénio posterior à data em que dela podia ter conhecido se tivesse diligenciado pela obtenção da cópia do registo da gravação, nos termos do art. 7.º, n.º 2, do DL n.º 39/95 de 15-02 (…); o acórdão de 16-09-2008 (relator: Alberto Sobrinho), proferido na revista n.º 2261/08 - 7.ª Secção, no qual se entendeu: I - Porque as partes nenhuma possibilidade têm de controlar as condições, boas ou más, em que o registo áudio dos depoimentos prestados está a decorrer e sendo suposto que esse registo seja correctamente efectuado, não lhes é possível aperceberem-se de qualquer deficiência ocorrida na gravação antes de terem acesso aos suportes respectivos; II - De acordo com o estatuído no n.º 2 do art. 7.º do citado DL n.º 39/95, de 15-02, incumbe ao tribunal disponibilizar cópia das gravações efectuadas, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, ainda que a entrega da cópia esteja dependente de solicitação das partes nesse sentido; III - Mesmo que as partes não usem da faculdade de requerer a entrega de cópia dos registos magnéticos à medida que vão sendo produzidos, designadamente quando a audiência se prolongue por várias sessões, essa solicitação deverá concretizar-se logo que finde a audiência de julgamento; IV - Uma deficiência de gravação que impeça a audição dos depoimentos prestados na audiência de julgamento, não permite a reapreciação da prova de molde a possibilitar ao recorrente uma reacção fundamentada à decisão sobre a matéria de facto, do mesmo modo que o inibe de dar cumprimento ao preconizado nos n.ºs l e 2 do citado art. 690.º-A do CPC, omissão esta que redunda inclusive em rejeição do recurso; V - Como tal, uma deficiência desta natureza tem manifesta influência na decisão da causa, integrando a nulidade tipificada no n.º l do art. 201.º do CPC; VI - Deveria, por isso, a recorrente, usando dos cuidados normais que as circunstâncias concretas impunham, ter arguido a nulidade derivada da deficiente gravação do depoimento das testemunhas no prazo de dez dias a contar da data limite em que deveria ter solicitado a entrega do registo áudio da prova produzida em audiência.
[3] O caso presente mostra-se análogo ao decidido por esta Relação no acórdão de 30-05-2019 (relatado pela ora relatora), proferido na apelação n.º 970/18.2T8STR.E1, pelo que se seguirá de perto a apreciação jurídica constante do indicado aresto (publicado em www.dgsi.pt).
[4] Cf., sobre a culpa, em direito civil, Ana Prata, “Responsabilidade delitual nos Códigos Civis português de 1966 e brasileiro de 2002”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 94-97 e, sobre a interdependência entre a culpabilidade e a omissão do comportamento devido, Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, 1968, 3.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 1999, p. 316-317.
[5] Nos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil (disponível em: http://civil.udg.edu/php//index.php?id=295), sob a epígrafe “Culpa”, dispõe o artigo 4:101: “A pessoa que, intencionalmente ou por negligência, violar o padrão de conduta exigível responde por culpa”. Quanto ao “padrão de conduta exigível”, esclarece o artigo 4:102 o seguinte: ”(1) O padrão de conduta exigível corresponde ao de uma pessoa razoável colocada nas mesmas circunstâncias e depende, especialmente, da natureza e valor do interesse protegido em questão, da periculosidade da actividade, da perícia que é de esperar da pessoa que a exerce, da previsibilidade do dano, da relação de proximidade ou da particular confiança entre as partes envolvidas, bem como da disponibilidade e custos de métodos preventivos ou alternativos. (2) O padrão de conduta pode ser ajustado em função da idade, de deficiência psíquica ou física, ou quando, devido a circunstâncias extraordinárias, não se possa legitimamente esperar que a pessoa em causa actue em conformidade com o mesmo. (3) As disposições que prescrevem ou proíbem uma determinada conduta devem ser tomadas em consideração a fim de se estabelecer o padrão de conduta exigível”.
[6] Cf.. os artigos seguintes: 483.º, n.º 1, que impõe, como pressuposto da responsabilidade civil, que o agente tenha “agido com dolo ou mera culpa”; 494.º, ao admitir a limitação da indemnização no caso de “mera culpa”; 899.º, relativo à obrigação de indemnização por parte do vendedor, “não havendo dolo nem culpa”; 1945.º, relativo à responsabilidade do tutor pelo prejuízo que por “dolo ou culpa” causar ao pupilo.
[7] O artigo 1323.º, n.º 4, que se refere à “culpa grave” do achador de animais e coisas móveis perdidas, na perda ou deterioração da coisa achada.
[8] Sobre o conceito de culpa em sentido amplo, cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, 2.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, p. 555; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, 340-341; Pessoa Jorge, ob. cit., p. 321.
[9] Cf. Almeida Costa, ob. cit., p. 582-583; Galvão Telles, ob. cit., p. 341-345.
[10] Cf. Galvão Telles, ob. cit., p. 349-354; Almeida Costa, ob. cit., p. 555; Pessoa Jorge, ob. cit., p. 356-359.
[11] Afirma Pessoa Jorge (ob. cit., p. 359) o seguinte: “Os termos da classificação não correspondem, a nosso ver, a modalidades autónomas de culpa em sentido estrito. Trata-se, no fundo, de graus da própria culpabilidade, na apreciação da qual não entra apenas o estado psicológico do agente: pode este actuar com dolo e o juízo de reprovação ser menos severo do que se actuasse com mera culpa. É mais grave a negligência daquele que não apagou a fogueira que acendeu na floresta, do que o dolo de quem causou propositadamente um dano ligeiro em bem alheio; como é mais censurável a atitude do médico que se esqueceu de visitar um doente grave, que estava a seu cuidado, e cujo tratamento exigia essa vigilância, do que aquele que conscientemente faltou à visita prometida, quando sabia que o estado do enfermo não reclamava a sua presença”.