Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1105/08.5TJVNF-A.G2
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
SIMULAÇÃO PROCESSUAL
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. Para efeitos da verificação da nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº1, al. d), do CPC, as questões a resolver são apenas as questões em sentido técnico, isto é, os assuntos que integram o “thema decidendum”- “pedidos deduzidos, causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente cabe conhecer” (Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª ed., pág. 704), e quando o tribunal decide do mérito da causa sem dar atendibilidade a factos relevantes alegados pelas partes, situamo-nos no capítulo da insuficiência da matéria de facto para a decisão, suprível nos termos da previsão do artº 662º, nºs 1/c e 2/c do C. P. C. (ampliação da matéria de facto).

2. O caso julgado formal (artigo 620º do CPC) não abrange as questões atinentes à relação material controvertida, razão por que o juiz do processo tinha o poder/dever de decidir sobre o mérito do recurso de revisão da sentença revidenda após ter cessado a circunstância a que foi atribuído o efeito suspensivo (trânsito em julgado da sentença da acção de simulação).

3. Segundo o artigo 772º, nº2, alínea c), do Código de Processo Civil na versão dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24.08, não pode ser interposto recurso de revisão duma sentença transitada em julgado com fundamento na simulação processual das partes «se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e/ou o prazo de 60 dias contados do conhecimento pelo recorrente da sentença revidenda, e não do trânsito em julgado da acção de simulação contrariamente ao que previa o regime processual anterior ao Decreto-Lei 303/2007, de 24.08.

4. A orientação da jurisprudência dos tribunais superiores (v.g. ac. do STJ de 17.01.2017) é no sentido de que esses prazos correm em paralelo, e a exaustão de qualquer deles (o de 5 anos sobre o trânsito em julgado da sentença a rever ou o de 60 dias desde o conhecimento pelo recorrente dessa sentença) provoca a extinção, por caducidade, do direito de interpor o recurso.

5. O início do prazo de 60 dias de interposição do recurso de revisão não começa a contar a partir do mero conhecimento de ter sido proferida a sentença a rever, antes postula o acesso integral ao seu teor e às circunstâncias processuais que denunciem a existência da fraude,

6. A caducidade é uma excepção peremptória que não comporta excepções em litígios sobre direitos patrimoniais. Só em litígios atinentes a direitos de personalidade a jurisprudência tinha suscitado dúvidas sobre a constitucionalidade da aplicação da caducidade, e o legislador mostrou-se atento a essa circunstância no CPC aprovado pela Lei 41/2013 ao prescrever no nº3 do artigo 697º que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade….” ,
Decisão Texto Integral:
Acordam no tribunal da relação de guimarães

I. Relatório.

F. - Cooperativa Agrícola e Dos Produtores de Leite, CRL, intentou este recurso extraordinário de revisão contra A. Dias, M. Dias e A. Ribeiro, dizendo que a sua legitimidade decorre do disposto no artigo 680º, nº3, do CPC, e que o recurso respeita os prazos estatuídos na al. c) do nº2 do artº 772º, tendo invocado como fundamento da revisão a existência de simulação processual das partes, e pede a suspensão da instância até decisão transitada em julgado da acção de simulação n.º 2226/13.8TJVNF previamente intentada no 2.º Juízo Cível desta cidade e comarca ,

Os Recorridos contestaram impugnando a factualidade alegada e invocam a caducidade do recurso por terem decorrido mais de 60 dias após o conhecimento da sentença alegadamente produto da invocada simulação, bem como, o abuso de direito traduzido no facto de a Autora ter conhecimento, há muito de que os prédios não eram, em parte, dos Recorrido e, por fim, a invalidade do aval dado pelos Recorridos.
A fls.361 e seg., foi proferido despacho que indeferiu o presente recurso de revisão, por falta de legitimidade da Recorrente, decisão que foi posteriormente revogada por douto Acórdão do V. T. R. do Porto.

A fls.444 e seg., foi proferido despacho a suspender a instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na acção nº. 2226/13.8TJVNF (visa obtenção de sentença que declare que o procº 1105/08.5TJVNF foi simulado pelas partes), despacho esse confirmado por acórdão do TRG de 16.06.2016.

Em face do acórdão proferido pelo STJ no p. 2226/13.8TJVNF, foi declarada cessada a suspensão da instância, e conhecida a nulidade processual do artº 195º do CPC suscitada na contestação.

II. No final dos articulados foi de imediato proferida decisão no sentido da não admissão do recurso de revisão com fundamento na caducidade, e é dessa decisão que a demandante interpôs este recurso, terminando com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de apelação tem por objecto a douta sentença, proferida a fls.., do processo supra, pelo Meritíssimo Juiz, que não admitiu o recurso de revisão apresentado pela aqui recorrente, pondo termo ao respectivo processo, em suma por julgar procedente a invocada caducidade do decurso do prazo de 60 dias previstos no artigo 772, n.º 2, alínea c), do CPC (na redação aqui aplicável) sobre a data em que a A. teve conhecimento da referida sentença e, bem assim, da simulação processual e da factualidade inerente;
2) O recurso versa exclusivamente matéria de direito nos termos que se passam a expor infra;
3) A interposição do recurso extraordinário de revisão é legítima, foi interposta em tempo e com perfeita observância dos factos e da lei aplicável, não merecendo, pois, qualquer censura;
4) A decisão sindicada através do recurso de revisão transitou em julgado em 13/10/2008, sendo que, o presente recurso foi apresentado em juízo em 30/08/2013, isto é, dentro do prazo de 5 anos a contar sobre o trânsito em julgado da decisão a rever, isto é, da sentença proferida nos autos principais (Proc. n.º 1105/08.5TJVNF), ex vi disposto no artigo 697.º, n.º 2, do NCPC, que corresponde ao anterior artigo 772.º, n.º 2, do CPC),
5) Por seu lado, o artigo 697.º, n.º 2, alínea c), do mencionado diploma legal refere que o prazo para a interposição é de 60 dias contados desde que o recorrente teve conhecimento do facto que serve de base à presente revisão.
6) O prazo de 60 dias, em boa verdade, ainda não começou a correr, uma vez que a recorrente/A., até à presente data, ainda não obteve o facto que serve de base à revisão e esse facto aos olhos e através da interpretação literal da citada alínea do supra mencionado artigo, é a sentença que virá a ser proferida nos autos (acção fundamento que corre termos com o registo n.º 2226/13.8TJVNF, corre termos pelo 2.º Juízo Cível desta cidade e comarca) onde foi pedida a declaração de nulidade do contrato promessa e da petição inicial e do negócio jurídico concretizado pelos autos principais,
7) Atenta a tramitação normal do citado processo que irá demorar tempo não compatível com a caducidade de 5 anos prevista no n.º 2, do artigo 772.º, do CPC, foi requerida a suspensão da instância do presente recurso ao abrigo do disposto no n.º 5, do artigo 697.º, do NCPC;
8) Nos presentes autos, em 17/02/2016, foi proferido despacho, confirmado posteriormemte pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 16/06/2016, no Proc.º n.º 1105/08.5TJVNF-A.G1, 1.ª Secção Cível, decisões judiciais entretanto já transitadas em julgado, no qual o MM Julgador suspendeu a instância do recurso de revisão até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na a acção que corre termos sob o nº. 2226/13.8TJVNF;
9) Fundamentou esta decisão, alegando que, se devido a demora anormal na tramitação da causa em que se funda a revisão, isto é, a acção que corre termos sob o nº. 2226/13.8TJVNF, por existir risco de caducidade.
10) Para o MM Julgador, a causa e o facto que serve de base à revisão é a sentença que vier a ser proferida na acção que corre termos sob o nº. 2226/13.8TJVNF, na qual foi pedida a declaração de nulidade do contrato promessa e da petição inicial e do negócio jurídico concretizado pelos autos principais, com base num acto simulado das partes e uso fraudulento do processo,
11) Existe uma tramitação processual em separado, paralela, entre a interposição do recurso de revisão, por um lado, e, por outro lado, a instauração de acção declarativa na qual a sentença que vier a ser proferida é a causa e o facto que que serve de base à revisão primeiramente interposta;
12) Não obstante ter transitado em julgado, o despacho determinativo de 17/02/2016, confirmado posteriormente pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 16/06/2016, no Proc.º n.º 1105/08.5TJVNF-A.G1, 1.ª Secção Cível, viu o seu alcance definitivo e executório, isto é, o caso julgado ser desrespeitado e violado pela douta sentença, e é precisamente desta sentença que se pede apelação por se entender que a mesma encerra violação do caso julgado;
13) O direito, a certeza e segurança jurídicas, o prestígio e bom-nome dos Tribunais não se compadece com alterações sucessivas das decisões entretanto já transitadas em julgado, a não ser que esteja em causa a rectificação de meros erros;
14) A lei prescreve que “transitada em julgado a sentença a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele ”;
15) O conteúdo da decisão determinativa do despacho proferido a fls.., 444, de 17/02/206, confirmado posteriormente pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 16/06/2016, no Proc.º n.º 1105/08.5TJVNF-A.G1, 1.ª Secção Cível, transitou em julgado,
16) Não pode vir agora – sentença ora sob recurso – o MM julgador dar o dito pelo não dito e violando o caso julgado relativo ao seu anterior despacho (17/06/16), dar sem efeito o sentido e alcance do comando determinativo, determinando que o referido prazo de 60 dias, se conta do conhecimento da sentença proferida no âmbito do processo onde ocorreu o litígio simulado, e não, como defendeu anteriormente, da sentença proferida no proc. n.º 2226/13.8TJVNF;
17) Ao determinar que o referido prazo de 60 dias, se conta do conhecimento da sentença proferida no âmbito do processo onde ocorreu o litígio simulado, e não, como defendeu anteriormente, da sentença proferida no processo n.º 2226/13.8TJVNF, a douta sentença proferida pelo MM Julgador faz errada interpretação e aplicação incorrecta da lei aplicável ao caso sub judice, mormente, artigos 696.º alínea g), 697.º, n.º 2, alínea c), 698.º, n.º2, e n.º 5, todos na versão atual do CPC,
18) A sentença cuja sindicância se pretende pela via do presente recurso, perante evidente preclusão de pronúncia sobre a mesma matéria, violou caso julgado material;
19) A douta sentença ora sob censura violou igualmente o princípio da extinção do poder jurisdicional, ao abrigo do disposto no artigo 613.º do CPC, nos termos supra mencionados;
20) A decisão sub judice cometeu os atropelos da lei que se sindicam neste recurso;
21) Decidindo-se ter havido ofensa ao caso julgado e anulando-se a sentença ora sob recurso terá de se manter em conformidade o teor e alcance e cumprimento do ordenado no despacho proferido a fls.., 444, de 17/02/2016, foi confirmado posteriormemte pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 16/06/2016, isto é, que o prazo de 60 dias se conta do conhecimento da causa e o facto que serve de base à presente revisão é a sentença que vier a ser proferida no processo n.º 2226/13.8TJVNF, na qual foi pedida a declaração de nulidade do contrato promessa e da petição inicial e do negócio jurídico concretizado pelos autos principais, com base num acto simulado das partes e uso fraudulento do processo, e não do conhecimento da sentença proferida no âmbito do processo onde ocorreu o litígio simulado.
22) Subsidiariamente, sem prescindir, pese embora, a ulterior verificada ocorrência legislativa e jurisprudencial, que determinou a não exigência da instauração da acção cível tendo em vista à prolação de decisão que sirva de fundamento do recurso de revisão, a interposição do presente recurso extraordinário de revisão, é legítima, foi interposta em tempo e com perfeita observância dos factos e da lei aplicável, não merecendo, pois, qualquer censura;
23) O recurso de revisão só pode ser admitido se for intentado antes de decorridos cinco anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão a rever e desde que não tenham decorrido mais de sessenta dias desde o conhecimento, pelo recorrente, da sentença proferida no âmbito do processo onde ocorreu o litígio simulado, de acordo com o disposto nos artigos 771.º, al) g) e 772.º, n.º 2, alínea c), do CPC, redação aplicável ao caso vertente;
24) A douta sentença extrai duas inequívocas conclusões: a de que o prazo de sessenta dias se conta do conhecimento da sentença proferida no âmbito do processo onde ocorreu o litígio simulado (e não, como defende a Autora, da sentença proferida no processo nº. 2226/13.8TJVNF) e de que tal prazo de sessenta dias não é derrogado pelo facto de a simulação poder ser invocada a todo o tempo (em acção própria).
25) Refere a douta sentença que decorre à saciedade que a Autora tinha pleno conhecimento da sentença proferida em consequência do alegado litígio simulado, do seu trânsito em julgado e, bem assim, de toda a factualidade que agora alega no presente recurso de revisão, que tinha o conhecimento de todas vicissitudes que precederam a prolação da sentença do processo principal nº. 1105/08.5TJVNF, bem como das posteriores, posto que, logo em 3 de Dezembro de 2008, alegou que foi uma fictícia promessa de venda que deu origem ao processo, que os aqui demandados não deduziram contestação por conveniência própria e em conluio com o aí demandante, bem sabendo também que não foi interposto qualquer recurso;
26) A douta sentença retira ilações e consequência jurídicas que de todo não se coadnunam com a realidade dos factos, na medida em que pelo facto da recorrente ter tomado conhecimento da sentença proferida nos autos principais não equivale por si só que a recorrente tenha tomado efectivo conhecimento da simulação processual em que assentou o litigio das partes;
27) É completamente diferente e são realidades distintas, o conhecimento da existência de uma determinada decisão judicial, por um lado, e o conhecimento da simulação processual e da factualidade inerente, por outro lado, o que no caso vertente efectivamente não sucedeu;
28) O facto de a recorrente, em Dezembro de 2008, ter tomado conhecimento da existência da sentença do processo principal, não pode o MM Julgador retirar uma conclusão inequívoca desse facto e dar como assente através de silogismo judiciário que a partir dessa data, a recorrente tinha conhecimento das vicissitudes de que precederam a prolação da referida sentença, da simulação processual em que assentou o litigio das partes em questão;
29) A recorrente tomou conhecimento da sentença, mas não se podia aperceber em termos rigorosos e efectivos, na referida data, que as partes assentaram o litígio sobre acto simulado, porque tal como o MM Julgador não fez uso do poder que lhe conferia o artigo 665.º, do CPC, a recorrente também não se apercebeu nem tinha forma de se aperceber da fraude;
30) Isto é, a recorrente, em Dezembro de 2008, pôde quanto muito suspeitar de algo errado, desenvolver algum tipo de conjectura, atenta a posição manifestada pelas partes no processo principal, mas daí até o MM Julgador referir que a recorrente tinha conhecimento de todas as vicissitudes que precederam a prolação da sentença no processo principal, o “modus operandi” das partes em que assentou o litigio, a simulação processual, e da factualidade inerente, vai uma grande distância, porque na realidade a recorrente naquela data não se apercebeu, nem tinha forma de se aperceber da simulação processual da petição inicial e de todo o ulterior processado até à prolação da sentença no processo principal;
31) O recurso de revisão é um recurso extraordinário que apenas pode ser intentado após o trânsito em julgado da decisão – daí a sua excepcionalidade e a taxatividade dos seus fundamentos como a previsão de prazos de caducidade de cinco anos e sessenta dias – arts.772º, nº2, do Código de Processo Civil, do direito de pedir a revisão da decisão coberta pela estabilidade e segurança do caso julgado.
32) No caso sub judice, o recurso extraordinário de revisão foi interposto dentro do prazo legal fixado para o efeito, ou seja, decorridos 5 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão a rever, prazo esse limite e peremptório;
33) Em súmula, o prazo de 60 dias, ao invés, ocorre somente após o indispensável conhecimento por parte da recorrente de todo o processado que a procedeu, de modo a poder formar uma convicção minimamente segura e consistente sobre as suspeitas de ocorrência da simulação processual que pretenda invocar como base do recurso extraordinário;
34) E é precisamente por força desse desiderato – do efectivo conhecimento e da análise adequada de todas as vicissitudes processuais e factualidades inerentes que precederam a sua prolação da sentença a rever – que a lei processual civil estabelece um prazo maior (5 anos), reportado como tempo suficiente para o exercício do direito a pedir a revisão de uma decisão judicial gerada “ab initio” desde a petição inicial com o vício de uma simulação processual;
35) E, nessa medida, douta sentença proferida pelo MM Julgador faz errada interpretação e aplicação incorrecta da lei aplicável ao caso sub judice, mormente, artigos 696.º alínea g), 697.º, n.º 2, alínea c), 698.º, n.º2, e n.º 5, todos na versão atual do CPC,
36) No caso sub judice, a interpretação do MM Julgador no sentido de estabelecer que o prazo de 60 dias conta-se a partir do conhecimento da sentença resultante do litígio simulado, é inconstitucional porque viola as mais elementares garantias processuais, tais como o princípio da legalidade, declaração que desde já se argui para todos os legais efeitos;
37) Por analogia ao que sucede com o regime legal das denúncias de defeitos quanto ao contrato de empreitada, entende a lei que o prazo de 5 anos que, configura uma presunção iuris et de iure, é o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos,
38) O MM julgador pôs termo processo, não admitindo o recurso de revisão, e não cuidou de observar o estatuído no artigo 700.º, n.º 2, do CPC, o qual garante um reforço do contraditório já que a aplicação com as necessárias adaptações do rito do processo comum declarativo abrange a possibilidade de as partes pedirem instrução e prova para além da certidão junta, requererem declarações de parte, proferirem alegações, etc;
39) O prazo de 60 dias começa a correr o indispensável conhecimento por parte da recorrente de todo o processado que a procedeu, de modo a poder formar uma convicção minimamente segura e consistente sobre as suspeita de ocorrência da simulação processual que pretenda invocar como base do recurso extraordinário;
40) Por força do disposto no artigo 700.º, n.º 2, do CPC, impunha-se ao Julgador “abrir” uma fase de instrução, de produção de prova no sentido de atestar da data do efectivo conhecimento por parte da recorrente de todas as vicissitudes processuais e factualidades inerentes que precederam a prolação da sentença a rever, tais como, o facto de apesar de decorridos vários anos os RR. nunca abandonarem os prédios nem deixarem de usufruir dos mesmos na sua plenitude assumindo-se perante terceiros como donos e legítimos proprietários dos mesmos, etc;
41) Não foi realizado uma audiência de julgamento que permitisse o cumprimento dos princípios da oralidade, concentração e do dispositivo, pelo que existiu uma flagrante violação dos ditos princípios;
42) A decisão do MM Juiz violou flagrantemente o princípio da oralidade que implica que a produção dos meios de prova tenha lugar oralmente, perante os julgadores da matéria de facto, sem prejuízo da sua gravação em registo adequado e o princípio da concentração que implica que os atos de instrução, discussão julgamento da matéria de facto se façam seguidamente, com o menor intervalo de tempo entre eles, devendo ter lugar numa audiência (artigo 604º/3 do CPC) e esta deve ser contínua (art. 606º/2 do CPC);
43) A sentença ora recorrida violou o estatuído nos artigos 602.º, n.º2, 604.º, n,º3, e 700.º, n.º2, todos do CPC, nos termos referidos supra;
44) O MM Juiz caiu em manifesto erro ao proferir desde já decisão final, uma vez que dos autos constam factos controvertidos que necessitam de ser objecto de discussão para a boa decisão da causa, que não foram tidos em conta, nem escrutinados em fase de instrução, além de que foram preteridas formalidades legais essências, nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil, que acarretam a nulidade da decisão nos termos referidos supra;
45) Na acção declarativa fundamento do presente recurso que corre termos com o registo n.º 2226/13.8TJVNF, corre termos pelo 2.º Juízo Cível desta cidade e comarca foi pedida a declaração de nulidade do contrato promessa e da petição inicial e do negócio jurídico concretizado pelos autos principais, consubstanciado num acto simulatório das partes, uso fraudulento do processo (Cfr. Certidão Judicial da acção fundamento junta a fls..).
46) A petição inicial é um negócio jurídico e à interpretação e validade da petição inicial são aplicáveis as normas contidas no Cód. Civil como acontece com os demais negócios jurídicos.
47) E dessa forma a sentença judicial proferida nesse processo judicial é atacável nos termos legais porque dá como provado factos cuja génese tem natureza simulatória de negócio jurídico, em virtude disso, encontrando-se ferido de um vício de nulidade, cuja declaração como é passível de ser invocada a todo o tempo, desde já aqui se requer para os devidos e legais efeitos.
48) A nulidade do negócio jurídico ali arguida (não está sujeita a qualquer limite temporal) pode ser invocada a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal, ex vi disposto artigo 286.º do Código Civil, preceito legal violado pela douta sentença nos termos expostos;
49) É entendimento da doutrina e jurisprudência dominante que esta acção fundamento de declaração de nulidade traduz-se num acto preliminar do recurso de revisão, não fazendo parte dele mas antes o condicionando, portanto, não se incluindo na previsão da norma do artigo 697.º do NCPC e nos prazos de caducidade aí previstos os casos em que o acto seja absolutamente nulo, precisamente porque, para tal situação, o recurso de revisão será possível a todo o tempo, sendo aqui inaplicável, por razões de justiça, o prazo de caducidade;
50) A declaração de nulidade invocada na acção declarativa de fundamento do presente recurso, por ser susceptível de ser invocada a todo o tempo obsta à aplicação do prazo de caducidade, o que aqui igualmente se requer.
51) Face a tudo que antecede, deve julgar-se não verificada a excepção de caducidade invocada, pelo que a sentença que não admitiu o presente recurso de revisão deverá ser revogada e ser substituída por uma outra que admita o recurso de revisão nos termos em que foi apresentado, devendo ser determinado o prosseguimento dos autos e seguindo os seus ulteriores termos da lei até final.

IV. O recurso versa unicamente a matéria de direito, podendo enunciar-se as questões suscitadas nos seguintes termos:

. O prazo de 60 dias de interposição do recurso de revisão inicia-se só após a sentença da acção de simulação (p.2226/13.8TJVNF) por aplicação do disposto no artigo 697º, nº2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013;
. Viola o princípio constitucional da legalidade o entendimento de que o prazo de 60 dias de interposição do recurso de revisão se conta a partir do conhecimento pelo recorrente da decisão proferida no litígio assente sobre ato simulado das partes, por violar as elementares garantias processuais, tais como o princípio da legalidade?
. O conhecimento da caducidade sem a prévia realização da audiência de discussão e julgamento, viola os princípios da oralidade e concentração, e faz incorrer a sentença na nulidade do artº 615º, nº1/a do CPC?
A sentença recorrida contraria o princípio previsto no artigo 613º do CPC, (extinção do poder jurisdicional), e viola o caso julgado formado com o despacho de 17.02.2016 que decretou a suspensão da instância, confirmado pelo acórdão do TRG de 16.06.2016)?

Factos considerados provados em 1ª instância:

1. Nos autos principais nº. 1105/08.5TJVNF, intentados pelo aqui Recorrido A. Ribeiro contra os demais aqui Recorridos foi proferida, em 01 de Outubro de 2008, a sentença de fls.105 e seg. desse autos principais (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) a qual, não tendo sido objecto de recurso, transitou em julgado em 13 de Outubro de 2008.
2. A F. - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite, CRL, intentou, em 30 de Agosto de 2013, o presente recurso extraordinário de revisão contra A. Dias, M. Dias, e A. Ribeiro, todos melhor identificados nos autos, peticionado:
1) A agora recorrente tem legitimidade para apresentar o presente recurso como decorre do artigo 680.º, n.º 3, do CPC; 2) O presente recurso é tempestivo porque respeita os prazos estatuídos no disposto na alínea c), do n.º 2, do artigo 772.º, também do CPC; 3) A sentença dos autos principais for proferida em 01/10/2008 e, face à ausência de qualquer recurso ordinário, transitou subsequentemente em julgado em 13/10/2008; 4) O contrato-promessa que subjaz aos autos principais está ferido de nulidade cuja declaração judicial já se requereu no processo conforme certidão judicial junta em anexo; 5) A petição inicial dos autos principais está igualmente ferida de nulidade cuja declaração igualmente se requereu no processo sob o registo n.º 2226/13.8TJVNF, que corre termos pelo 2.º Juízo Cível desta cidade e comarca, conforme certidão judicial ora junta em anexo; 6) A recorrente cumpriu os requisitos a que se refere o artigo 773.º, do CPC e como tal deve o presente recurso ser deferido e ordenar-se a sua ulterior tramitação; 7) Os recorridos fizeram uso fraudulento e anormal do processo e o MM Julgador não se apercebeu nem se podia aperceber disso não tendo usado o poder que lhe confere o artigo 665.º, do CPC; 8) Com esse expediente causaram os recorridos prejuízo directo e efectivo à agora recorrente que se liquida no valor global em débito e que ascende à quantia de 1.172.691,30 € nos termos expostos; 9) Os autos onde foi pedida a declaração de nulidade do contrato promessa e da petição inicial e do negócio jurídico concretizado pelos autos principais, atenta a tramitação normal do processo irão demorar tempo não compatível com a caducidade de 5 anos prevista no n.º 2, do artigo 772.º, do CPC; 10) Justifica-se em razão desse desiderato seja deferida a requerida suspensão da instância do presente recurso ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 772.º, do CPC; 11)A final, o presente recurso deve ser considerado procedente em razão da procedência da acção fundamento que corre termos com o registo n.º 2226/13.8TJVNF, corre termos pelo 2.º Juízo Cível desta cidade e comarca, concedendo-se a revisão do julgado dos autos principais ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 776.º, do CPC; Pelo exposto, impõe-se seja recebido o presente recurso e suspensa a instância no mesmo até que acção a que se referem os autos que sob o registo n.º 2226/13.8TJVNF, corre termos pelo 2.º Juízo Cível desta cidade e comarca , transite em julgado, julgando-se ulteriormente o presente recurso extraordinário de revisão em conformidade com o aí decidido, Para tal e tanto requer se digne ordenar seja o presente recurso autuado por apenso e verificado que o mesmo respeita os termos previstos no artigo 773.º, do CPC, se digne admiti-lo e ordenar a notificação dos recorridos para responderem, querendo, tudo com as legais cominações”.
3. Como fundamento do presente recurso de revisão, alega a Recorrente que o aí Autor “deduziu (...) uma pretensão em juízo assente em acto simulado e os RR. não contestaram a acção” e que as partes desses autos principais “ao agirem da forma descrita assentaram o litígio sobre acto simulado das partes e o MM Julgador não fez uso do poder que lhe conferia o artigo 665.º, do CPC, porque não se apercebeu, nem tinha forma de se aperceber da fraude” (cfr. douto requerimento inicial de fls.3 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. A aqui Recorrente intentou, em 26 de Julho de 2013, acção que corre termos sob o nº. 2226/13.8TJVNF em que pretende que se declare que o litígio do processo principal nº. 1105/08.5TJVNF foi simulado (cfr. documento de fls.11 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5. Em 3 Dezembro de 2008, a aqui Recorrente intentou procedimento cautelar de arresto contra os aqui Recorridos e outros, no qual alegou, além do mais que “veio a requerente a ter conhecimento de que os 3ºs requeridos, a fim de colocar a salvo o seu património e desvalorizando-o em eventual execução, prometeram vender a seu primo, aqui 4º requerido, metade indivisa dos seus prédios e na sua totalidade quanto a dois (…). Promessa de venda que deu origem ao Proc. Nº. 1105/08.5, 1º Juízo Cível desta Comarca, com sentença transitada em julgado, sendo que s 3ºs requeridos não contestaram o mesmo, já que assim lhes convinha e em conluio com os AA., a fim de salvaguardarem a sua posição patrimonial. Não quiseram assim, AA e RR, nesse processo, transmitir e adquirir qualquer propriedade, nem por banda dos AA houve qualquer pagamento do preço, como sinal ou outros” – cfr. certidão que antecede, junta sob a refª.28607887, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

1. Da arguida nulidade da sentença (artigo 615º, nº1/d, do CPC).

Na perspetiva da recorrente, o conhecimento da excepção da caducidade sem a prévia discussão e julgamento da matéria de facto controvertida faz incorrer a decisão na nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 615º, do Cód. Proc. Civil, segundo o qual é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Mas sem razão. As questões a resolver são apenas as questões em sentido técnico, isto é, os assuntos que integram o “thema decidendum”- “pedidos deduzidos, causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente cabe conhecer” (Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª ed., pág. 704), e quando o tribunal decide do mérito da causa sem dar atendibilidade a factos relevantes alegados pelas partes (assentes ou controvertidos) situamo-nos no capítulo da insuficiência da matéria de facto para a decisão de que trata o normativo do artº 662º, nºs 1/c e 2/c do C. P. C. (ampliação da matéria de facto), vício que aliás também não se verifica, sendo de antecipar que os factos considerados assentes permitiram uma decisão segura na fase do saneador da excepção da caducidade.

2. Da caducidade do direito de interposição do recurso de revisão.

O recurso de revisão foi interposto em 30 de Agosto de 2013 e a sentença revidenda foi proferida em 1 de Outubro de 2008 (procº. 1105/08.5TJVNF), ocorrendo o respectivo trânsito em julgado em 13 de Outubro de 2008, alegando o recorrente que ela foi obtida em seu prejuízo por via da simulação das partes, e que o tribunal não fez uso do poder que lhe conferia o artigo 665º do CPC.
O tribunal a quo, uma vez declarada cessada a suspensão da instância por mor de ter sido proferida a sentença na acção 2226/13.8.TBVNF (a instância tinha sido decretada até ser obtida essa sentença, nos termos do nº5 do artigo 697º do CPC) julgou verificada a caducidade do direito do recorrente à interposição do recurso de revisão, à luz dos artºs 771º e 772º do regime do CPC/2007, por se encontrar expirado o prazo de 60 dias sobre a data em que a recorrente tomou conhecimento da sentença revidenda, tendo para o efeito evocado o conteúdo do requerimento do arresto intentado em 3 de Dezembro de 2008 contra os aqui recorridos (procº. 379/09.9TJVNF-A), cujo segmento se acha transcrito nos factos provados (item nº5).

Secundando a posição expressa no articulado de resposta à excepção, diz a recorrente que o prazo de 60 dias se inicia apenas a partir do conhecimento do facto que serve de fundamento à revisão, que no caso seria a sentença final da acção de simulação do procº 2226/13.8TBVNF, por aplicação do artº 697º, nº2/c), do CPC, e que sendo esse o fundamento que determinou a suspensão da instância no despacho de 17.02.2016 e no acórdão do TRG de 16.06.2016, a decisão posterior que considerou verificada a caducidade viola o princípio do artigo 613º do CPC (extinção do poder jurisdicional) e o caso julgado material.

Conclui ainda que a dispensa da instrução e julgamento dos factos controvertidos relativos às circunstâncias que precederam a prolação da decisão (v.g. vicissitudes processuais e comportamento das partes que permitissem a convicção segura da existência de simulação) viola os princípios da oralidade e da concentração, além de fazer incorrer a decisão na nulidade da alínea d) do nº1 do artº 615º do CPC). E argumenta a título subsidiário que a doutrina e a jurisprudência vem defendendo que a caducidade não é aplicável ao recurso de revisão por razões de justiça, sendo possível a sua interposição a todo o tempo, e que o entendimento segundo o qual é o conhecimento da sentença revidenda pelo recorrente que marca o início da contagem do prazo de 60 dias enferma de inconstitucionalidade por preterição de elementares garantias processuais.

Nenhuma das conclusões da recorrente merece provimento.

Aquando da prolação e trânsito em julgado da referida sentença revidenda (13 de Outubro de 2008), bem como à data em que foi interposto o recurso de revisão (30.Agosto de 2013), vigorava o regime do CPC na versão dada pelo DL 303/2007, de 24.08 (entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2008), prevendo no artigo 771º que uma sentença transitada em julgado pudesse ser objecto de revisão nas situações elencadas nas alíneas a) a g), e prescrevendo no nº2 do artigo 772.º: «O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados: …c) – No caso da alínea g) do artigo 771.º, desde que o recorrente teve conhecimento da sentença (é nosso o sublinhado). Ora, o fundamento do recurso de revisão em apreço é precisamente o previsto na alínea g) do artº 771º: “o litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665.º, por se não ter apercebido da fraude”.

O início do prazo do recurso é desde então o conhecimento da sentença revidenda e não o trânsito em julgado da acção de simulação como previa o regime processual anterior ao Decreto-Lei 303/2007, de 24.08.
Abre-se um parênteses para se anotar que também não faz sentido a evocação pelo recorrente da alínea c) do nº2 do artigo do CPC aprovado pela Lei 41/2013, pois mesmo que fosse aplicável esse regime (mas não é, pois o prazo de 60 dias que ditou a caducidade decorreu na vigência do CPC/2007) a norma correcta a evocar seria a do nº3 do mesmo artigo, prevista para o caso específico do recurso de revisão com fundamento na simulação processual das partes – “No caso da alínea g) do artigo anterior, o prazo para a interposição do recurso é de dois anos, contados desde o conhecimento da sentença pelo recorrente, sem prejuízo do prazo de 5 anos previsto no artigo anterior”, a qual ditaria a mesma solução sobre a caducidade.
E o acórdão do STJ proferido no processo 2226/13.8TBVNF defende essa solução ao concluir que deixou de se exigir a prévia instauração da acção de simulação, indicando nesse sentido alguma doutrina (Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, I, 2ª ed. 2008, pág. 231, e Luis Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, p.359) transcrevendo-se data vénia o seguinte segmento da fundamentação: «De todo este quadro normativo, especialmente face ao disposto no artigo 771.º, alínea g) – em que, diferentemente dos casos previstos da alínea a), não se exige sentença transitada em julgado sobre o fundamento da revisão -, ao preceituado no artigo 772.º, n.º 2, alínea c) – em que o prazo de 60 dias para a interposição do recurso se conta a partir do conhecimento da sentença revidenda, por parte do recorrente, suprimindo desse modo o prazo de caducidade da ação de simulação anteriormente previsto no artigo 780.º, n.º 2 -, ao prescrito no artigo 773.º, n.º 1 – em que se exige que o recorrente alegue os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 771.º, o prejuízo resultante da simulação processual – e, por fim, ao estatuído nos artigos 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2 – segundo os quais, no caso de revisão fundada em simulação processual, se seguem, em vez da tramitação mais simplificada prevista no n.º 1 do artigo 775.º, os termos do processo sumário para o julgamento desse fundamento com vista à anulação da sentença revidenda -, impõe-se concluir que se deixou de exigir a prévia instauração de ação declarativa comum para o reconhecimento da simulação processual».

Mostra-se correto o entendimento da sentença recorrida, aliás na linha da pacífica orientação da jurisprudência dos tribunais superiores (v.g. ac. do STJ de 17.01.2017 que, por sua vez, indica outros arestos no mesmo sentido), de que esses prazos correm em paralelo, e a exaustão de qualquer deles (o de 5 anos sobre o trânsito em julgado da sentença a rever ou o de 60 dias desde o conhecimento pelo recorrente dessa sentença) provoca a extinção, por caducidade, do direito de interpor o recurso.

O início do prazo de 60 dias de interposição do recurso de revisão, tal como observa a recorrente com toda a pertinência, não começa a contar a partir do mero conhecimento de ter sido proferida a sentença a rever, ao invés, postula o acesso integral ao seu teor e às circunstâncias processuais que denunciem a existência da fraude, dizendo a propósito o acórdão do S.T.J. de 15/12/2011 (Lopes do Rego): «Temos por seguro que tal prazo exíguo não pode ser ainda na prática mais encurtado através de um aligeiramento do fundamental requisito de conhecimento da sentença pelo impugnante – não podendo obviamente tal prazo iniciar-se sem que ao recorrente/impugnante tenha sido facultada plena oportunidade para aceder a tal título judicial , de modo a conhecer e analisar adequadamente o seu teor e conteúdo e as vicissitudes processuais que precederam a sua prolação – já que só desta análise integral e aprofundada poderá emergir – e nem sempre – a invocada simulação processual. Não pode, deste modo, bastar para começar a correr o referido prazo de 60 dias que o recorrente saiba que foi proferida sobre determinada matéria decisão judicial, sendo indispensável que lhe haja sido facultado o acesso ao teor integral da sentença e respectiva fundamentação e permitido analisar, em prazo razoável, o processado que a precedeu, de modo a poder formar uma convicção minimamente segura e consistente sobre as suspeita de ocorrência da simulação processual que pretenda invocar como base do recurso extraordinário».

Sucede que a recorrente evidenciou o efectivo conhecimento da simulação processual das partes no litígio pelo menos à data em que deu entrada do requerimento do arresto contra os ora requeridos (3 de Dezembro de 2008), bastando atentar na seguinte alegação: “veio a requerente a ter conhecimento de que os 3ºs requeridos, afim de colocar a salvo o seu património e desvalorizando-o em eventual execução, prometeram vender a seu primo, aqui 4º requerido, metade indivisa dos seus prédios e na sua totalidade quanto a dois (…). Promessa de venda que deu origem ao Proc. Nº. 1105/08.5, 1º Juízo Cível desta Comarca, com sentença transitada em julgado, sendo que s 3ºs requeridos não contestaram o mesmo, já que assim lhes convinha e em conluio com os AA., a fim de salvaguardarem a sua posição patrimonial. Não quiseram assim, AA e RR, nesse processo, transmitir e adquirir qualquer propriedade, nem por banda dos AA houve qualquer pagamento do preço, como sinal ou outros”.

E não se vislumbrando quaisquer factos úteis controvertidos devessem ser submetidos a instrução e julgamento, a apreciação da caducidade na fase do saneador não encerra a preterição de garantias processuais nem a alegada violação dos princípios da oralidade e audiência.

3. Também não pode proceder a alegação da recorrente de que por razões de justiça é possível interpor a todo o tempo o recurso de revisão.

A caducidade é uma excepção peremptória para a qual a lei não estabelecia qualquer excepção. Só em litígios atinentes a direitos de personalidade a jurisprudência tinha suscitado dúvidas sobre a constitucionalidade da aplicação da caducidade – o legislador mostrou-se atento a essa circunstância no CPC aprovado pela Lei 41/2013 ao prescrever no nº3 do artigo 697º que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade….” , como dá nota o ac. TRC de 08/09/2015 que a propósito também refere: «A necessidade do estabelecimento de um prazo para o recurso de revisão prende-se com o reconhecimento constitucional da intangibilidade do caso julgado, salvo situações excecionais, que a própria Constituição prevê implicitamente nos artigos 2º, 210º, nº 2, e 282º, nº 3, da Constituição da República. De outro modo, as decisões judiciais teriam uma natureza mutável, que a paz social, a certeza e a segurança jurídicas, desaconselha. O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão. Choca o sentido de equilíbrio e de razoabilidade que, alguém, tendo obtido uma decisão favorável, cujo objeto respeita somente a interesses patrimoniais, possa ver essa decisão posta em causa, qualquer que seja o fundamento invocado, para lá de determinado prazo, quando supunha que podia nela confiar e dispor do direito através dela obtido ou reconhecido, sem sobressaltos».

3. Da violação do princípio do artigo 613º do CPC e do caso julgado material.

O decretamento da suspensão da instância ao abrigo do artigo 697º, nº5 do CPC, é de conteúdo meramente processual, daí tratar-se de um caso julgado formal (artigo 620º do CPC) e não de caso julgado material.

Visando tão só a suspensão da instância até prolação da sentença na ação 2226/13.8TBVNF, o caso julgado formado com essa decisão não abrangia as questões atinentes à relação material controvertida, razão por que o juiz do processo tinha o poder/dever de decidir sobre o mérito da causa depois de ter cessado a circunstância a que foi atribuído o efeito suspensivo.

Decisão.

Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.

Custas pela recorrente.

Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
Maria da Conceição Bucho
TRG, 4 de Outubro de 2018