Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1213/18.4T8VVD.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: MUDANÇA DE SERVIDÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- São requisitos do direito de mudança de servidão a requerimento do proprietário do prédio dominante, nomeadamente quanto ao modo e tempo de exercício da servidão, a vantagem advinda da alteração da servidão ao dono do prédio dominante e o não prejuízo dos interesses do prédio serviente.
II. Requisitos estes constitutivos do indicado direito e relativamente aos quais incumbe ao respetivo titular (o proprietário do prédio dominante) o ónus de alegação e prova nos termos do art. 342º, n.º 1, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

M. O. e mulher, D. V., instauram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. P. e mulher, L. P., pedindo a condenação dos réus a:

A) Reconhecerem que sobre o seu prédio denominado Campo da ..., identificado no artigo 8.º da petição inicial, existe uma servidão de passagem a favor do prédio dos autores, descrito no artº 1º, ponto II, materializado no caminho carral referido nos artº 11º a 13º da p.i., para trânsito de pessoas a pé ou com carros de duas mãos durante todo o ano, e com carros de lavoura, tractores agrícolas e animais, a exercer desde 30 de Setembro a 28 de Maio;
B) A reconhecerem aos autores o direito de alargarem o período da exercício da servidão acima referida, por forma a conseguir-se uma passagem permanente diária, de várias vezes ao dia, comprometendo-se os autores a oferecerem passagem permanente sobre o seu prédio designado por campo da ... identificado no artº 1º ponto I para o prédio dos Réus designado por campo da ... e melhor identificado no artº 8º da p.i.
Alegam, em síntese, que o prédio, denominado Campo do ..., que adquiriram, por compra e venda e, ademais, por usucapião, é, e sempre foi, totalmente encravado. Por isso, há mais de 20, 30 e 50 anos que, para lhe acederem, por si ou por terceiros, a pé ou de carro, atravessam o Campo da ... dos réus, usando um caminho trilhado em terra batida, implantado a Sul e no sentido Nascente-Poente, com cerca de 2,5 metros de largura e 32 metros de comprimento no prédio atravessado, o que fazem pública, pacificamente e de boa fé, porque na convicção do exercício de um direito próprio e sem lesar interesses de terceiros, acrescentando que a passagem de carro cessa no período compreendido entre 29 e Maio e 29 de Setembro.
Têm absoluta necessidade de uma passagem carral durante todo o ano para o Campo do ..., porque as culturas hortícolas a que querem destinar os seus prédios não se compadecem com uma passagem carral restrita ao período de 30 de Setembro a 28 de Maio, exigindo antes uma passagem permanente e quase diária, e, ademais, porque já não têm os autores a mesma destreza e capacidade física para efectuar percursos com pesos, necessitando do auxílio de máquinas, sendo que a privação da passagem nos moldes actuais lhes causa graves prejuízos decorrentes das limitações impostas ao cultivo e à apanha dos produtos, pelo que, pretendem, como peticionado, o alargamento do período de passagem carral, disponibilizando-se para estender o mesmo alargamento aos réus que beneficiam de idêntica passagem sobre prédio deles, autores, se os Réus assim o pretenderem, requerendo os autores arbitramento se necessário.
Devidamente citados vieram os Réus contestar, em síntese, declarando não aceitar a alteração da dita servidão de passagem que sustentam ter sido constituída por contrato, escritura pública, de 12 de Julho de 1984.
Foi proferido despacho saneador e fixado o “Objecto do litígio” e os “Temas de prova”.

Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
Nestes termos, julga-se a presente acção procedente, por provada, em consequência do que se:
1. declara que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo do ...”, com a área de 3.670 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..;
2. declara que os réus são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo da ...”, composto de terreno de cultura, com a área de 1.200 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo ... (antigo artigo ...);
3. declara que, por usucapião, se constituiu uma servidão de passagem, de carro, tractor e a pé, com ou sem animais, sobre o “Campo da ...” (prédio serviente), descrito supra em 2., a favor do “Campo do ...” (prédio dominante), descrito supra em 1., por um caminho trilhado, com piso em terra batida, que atravessa o prédio serviente, pela estrema Sul, e no sentido Nascente/Poente, por cerca de 32 metros, com uma largura carral de 2,5 metros; direito que cessa, no que no que à passagem de carro respeita, no período compreendido entre 29 de Maio a 29 de Setembro;
4.reconhece aos autores, porque para estes vantajoso, o direito à mudança do tempo do exercício do sobredito direito de servidão de passagem, de carro e tractor, sobre o “Campo da ...”, o qual se exercerá sem a limitação temporal referida em 3. “
Inconformados vieram os Réus recorrer, interpondo recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de Apelação, com subida nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os recorrentes formulam as seguintes Conclusões:
( consigna-se que o texto das conclusões contém lapso material de numeração após Cls. XXI )

I. O tribunal a quo fixou como tema a decidir na presente demanda, passa-se a citar “Está em causa, nestes autos, essencialmente, a questão de saber se pode ser alterado o modo de exercício do direito de passagem sobre o prédio dos réus, alargando-se o período de passagem carral ao ano inteiro, por tal ser necessário ao cultivo do prédio dominante, sob pena de causar prejuízos aos titulares do direito (de servidão).
II. À final, o tribunal a quo julgou a ação procedente e condenou os RR aqui recorridos, - ponto 4 da sentença - a saber: “ Reconheço aos autores, porque para estes vantajoso, o direito à mudança do tempo do exercício do sobredito direito de servidão de passagem, de carro e tractor, sobre o “Campo da ...”, o qual se exercerá sem a limitação temporal referida em 3”.
III. Os aqui Recorrentes não se conformam precisamente com o segmento de condenação do ponto 4 do de da douta decisão do Tribunal a quo que, alterou o modo temporal do exercício da servidão que era de 29 de Maio a 29 de Setembro, - assente no ponto 3 da condenação - para passar a não ter limitação temporal no seu modo de exercício.
IV. A fundamentação da douta sentença gira em torno da aplicabilidade ao presente caso do artº 1568º do código civil, tendo o tribunal a quo, nos fundamentos da douta sentença, referido, passa-se a citar: “ Ora, sempre ressalvado o devido respeito por entendimento diverso, a possibilidade de passar com carro e máquinas agrícolas durante todo o ano, sem a limitação actual, em que estão obrigados a passar a pé e agricultar (cultivar, colher e carregar) “à mão” entre 29 de Maio e 29 de Setembro, traz, sem dúvidas, vantagens aos autores. Sempre se dirá, de acordo com a normalidade do acontecer, que o contributo do uso das máquinas, por tornar menos pesado e árduo o trabalho agrícola, é sempre vantajoso para quem do seu uso, tal como os autores, se pretende prevalecer”.
V. Entendem assim humildemente os aqui recorrentes que o Tribunal fez uma errónea interpretação e aplicação do direito, devendo este Venerando Tribunal alterar tal decisão.
VI. A alteração do limite temporal teria de ser precedida de autorização de ambos, e, no presente caso, os aqui recorrentes, proprietários do prédio serviente, deixaram bem claro que não autorizavam.
VII. Mas mesmo que assim não se entendesse, era aos AA, proprietários do prédio dominante, (identificado em 2 dos factos provados)- que impendia o ónus de prova para convencer o Tribunal que tal alteração lhes acarretava vantagens, e, ausência de prejuízos ao prédio serviente, (identificado em 4 dos factos provados) mormente ao prédio dos aqui recorrentes, e não estes que tinham de provar que lhe acarretava prejuízos, como entendeu erroneamente o Tribunal a quo, ao aplicar o artº 342º do Cód Civil.
VIII. Ora, o tribunal a quo inverteu o espirito daquele normativo – 1568º do Cód civil – impondo àqueles a alteração do limite temporal, sem que sequer os AA aqui recorridos, tenham provado as vantagens para si e falta de prejuízo para os aqui recorrentes.
IX. Ao alterar o limite temporal para todos os dias do ano, sem a limitação que estava até ali assente, tal como configuraram os AA aqui recorrentes na sua demanda e resultou provado, o Tribunal a quo tornou mais onerosa a servidão, com a agravante de que colocou às costas dos aqui recorrentes o ónus de provar que lhe acarretava prejuízos, quando esse ónus era dos AA, tal como fundamentou na Sentença, passa-se a citar: “ Posto o que, cabia aos réus alegar e provar (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC) que a mudança lhes traz prejuízo.”
X.A inversão do ónus da prova só opera em determinadas circunstâncias na nossa lei civil, e, neste caso concreto, não era aos aqui recorrentes que competia provar que a mudança temporal não lhe acarretava prejuízo, mas sim aos AA, ao abrigo do princípio do ónus da prova que competia provar.
XI.“ A ponderação dos interesses dos donos do prédio serviente e do prédio dominante para efeitos de mudança da servidão passa obrigatoriamente por critério de proporcionalidade entre a necessidade ou conveniência da diminuição do encargo sobre o prédio serviente e o prejuízo que a mudança da servidão possa acarretar
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XII. Salvo o devido respeito, entendem os aqui recorrentes que o tribunal a quo desviou-se dos critérios que deveria aferir para decidir como decidiu.
XIII. Verifica-se assim que os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violaram o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil, verificando-se na modesta opinião dos recorrentes a nulidade de Sentença, conforme disposto na alínea b) do artº 615º do CPC, que, expressamente se invoca.
XIV. Humildemente, entendem também os recorrentes que se verifica a nulidade da Sentença, conforme disposto na alínea c) do artº 615º do CPC, que, expressamente se invoca.
XV. O Tribunal a quo ao ter aplicado ao presente caso o artº – 1568º e o artº 342º, ambos do Cód Civil e tendo decidido como decidiu, alterando o limite temporal da servidão, num pedido formulado pelo proprietário do prédio dominante, verifica-se que os fundamentos estão em contradição com a decisão, tendo ainda o tribunal a quo incorrido em ambiguidade e/ou obscuridade que determina a nulidade da Sentença, que, expressamente se invoca, para todos e os devidos efeitos.
XVI. O Tribunal a quo no ponto 3 da condenação, “ Declarou que, por usucapião, se constituiu uma servidão de passagem, de carro, tractor e a pé, com ou sem animais, sobre o “Campo da ...” (prédio serviente), descrito supra em 2., a favor do “Campo do ...” (prédio dominante), descrito supra em 1., por um caminho trilhado, com piso em terra batida, que atravessa o prédio serviente, pela estrema Sul, e no sentido Nascente/Poente, por cerca de 32 metros, com uma largura carral de 2,5 metros; direito que cessa, no que no que à passagem de carro respeita, no período compreendido entre 29 de Maio a 29 de Setembro;
XVII. O Tribunal a quo aliás, respeita o pedido dos AA aqui recorridos vertido na p.i. e declara que tal direito de passagem cessa, no que no que à passagem de carro respeita, no período compreendido entre 29 de Maio a 29 de Setembro.
XVIII. No ponto 4 da douta Sentença, o Tribunal a quo declara que “ Reconhece aos autores, porque para estes vantajoso, o direito à mudança do tempo do exercício do sobredito direito de servidão de passagem, de carro e tractor, sobre o “Campo da ...”, o qual se exercerá sem a limitação temporal referida em 3”.
XIX. Fundamenta o Tribunal a quo que, passa-se a citar: “ de acordo com o título de constituição da servidão em discussão, apenas se demonstra que a passagem de carro está limitada no tempo; “fechando” entre 29 de Maio e 29 de Setembro. Por conseguinte, há que aplicar o disposto no artigo 1568.º que prevê a possibilidade de mudança de servidão, também no que toca ao tempo de exercício (cfr. n.º 3), desde que da mudança advenham vantagens ao dono do prédio dominante (os autores) e com ela não seja prejudicado o proprietário do prédio serviente (cfr. n.º 2).”
XX. Ora, salvo o devido respeito e ressalvado entendimento contrário, os recorrentes entendem que o Tribunal a quo não podia aplicar o 1568º e muito menos inverter o ónus da prova, deixando nos aqui recorrentes o ónus de provar que tinham prejuízo nessa mudança – artº 342º CC, não constando do segmento de condenação lógica que se adeqúe ao que se encontra na fundamentação da sentença.
XXI. Entendem muito humildemente os AA que falta uma coerência logica no desenrolar da Sentença.
I.A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
II. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
III.A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil.
IV. Humildemente, entendem também os recorrentes que se verifica a nulidade da Sentença, conforme disposto na alínea d)e e) do artº 615º do CPC, que, expressamente se invoca, estando modestamente os recorrentes convictos que o Tribunal a quo, na verdade, deixou de se pronunciar sobre questões que eram determinantes para o desfecho da demanda, e, condenou em objecto diverso do pedido.
V. Os Réus aqui recorridos formalizaram o seu pedido da seguinte forma: pedido a), sejam os RR condenados a reconhecerem que, sobre o “Campo da ...” referido no artº 8 da p.i., existe uma servidão de passagem a favor do prédio dos Autores descrito no artº 1º da p.i., materializado po um caminho carral, referido nos artº 11º a 13º, para trânsito de pessoas a pé ou com carro de duas mãos durante todo o ano e com carros de lavoura, tractor agrícolas e animais, a exercer entre o 30 de Setembro e 29 de Maio. Pedido b) A reconhecerem aos autores o direito de alargarem o período do exercício da servidão, por forma a conseguir-se uma passagem permanente diária, de várias vezes ao dia, comprometendo-se os autores a oferecerem passagem sobre o seu prédio designado por campo da ... identificado em 1 para o prédio dos Réus, designado por campo da ..., melhor identificado no artº 8º da p.i.
VI. Vale por dizer que o que os AA queriam era que os aqui RR recorridos fossem condenados a reconhecer-lhe servidão de passagem pelo prédio vertido no ponto 4 dos factos assentes, em benefício do prédio identificado no ponto 2 dos factos assentes, facultando porem os AA o direito aos RR de, em troca, estes poderem onerar o prédio dos AA identificado em 1 dos factos assentes, em proveito do prédio identificado em 4, nos mesmos moldes da alteração.
VII. Contudo, o tribunal a quo condenou de forma diversa do pedido, tendo condenado os aqui recorridos, desde logo, numa alteração temporal só a onerar o seu prédio – identificado em 4 dos factos assentes- quando o pedido dos AA era o de também o deles identificado em 1 dos factos assentes, ficar onerado a favor do prédio dos RR identificado no ponto 4 dos factos assentes, com o mesmo ónus e nos mesmos moldes.
VIII. O tribunal a quo não só no segmento 3 da douta condenação fixa o período temporal da Servidão em dias distintos daqueles que os AA pediram, como não leva em conta que os Autores pretendiam a alteração com a faculdade de os Aa ficaram também a passar pelo deles nos mesmos moldes.
IX. Ocorre assim nulidade da sentença, pelo Tribunal a quo deixar-se de pronunciar sobre questões que devesse conhecer, e, condenou em quantidade superior ou objecto diverso do pedido, que expressamente se invoca.
X. Acresce ainda que os recorrentes consideram que o facto provado vertido em 13 deveria ter sido dado como não provado ou irrelevante para o desfecho da presente causa.
XI. Mormente ali é dado como provado que “ Os autores já não possuem a mesma capacidade e destreza física para efetuar longos percursos com pesos, socorrendo-se do auxílio de diversas alfaias agrícolas e tractores.”
XII.A destreza física para efetuar longos percursos com pesos, socorrendo-se do auxilio de diversas alfais agrícolas e tratores, é irrelevante para um pedido de mudança temporal de servidão, violando o espirito e a rácio do artigo 1568.º do Código Civil.
XIII. Parece que o douto Tribunal a quo sustentou a mudança de servidão num facto que é irrelevante para a sua mudança.
XIV. Assim, pretendem com toda a humildade os aqui recorrentes demonstrar que o tribunal recorrido ao ter dado como provado tal facto 13 e, ao ter respondido e fundamentado a sua resposta da forma como o fez, incorreu num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais poderão ser alterados por este Tribunal Superior (cfr. artigo 640 º n.° 1 als. a) e b) e 662.°, n.°s 1 al. a) e 2 do C.P.Civil), pois as provas testemunhal conforme infra se verá e documental necessariamente imponham uma decisão diversa, mormente dar os mesmos como provados.
XV. Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa quanto ao ponto B) dos factos não provados, assenta no testemunho de F. P. - (00:09:59) - – volta 00:05 a 00: 07: 04 a 00:08:06, das declarações da testemunha A. O. (00:10:14) – volta 11:05 a 00: 03: 04 do depoimento da testemunha...M. S.(00:10:28) de 00:11:19 a 00:18:13 e 00:12:47 a 00:13:54; do depoimento da testemunha M. B. 00:10:28)de 00:03:19 a 00:18:13 e 00:12:47 a 00:13:54 da testemunha A. S.(00:11:29) de 00:13:04 a 00:05:41, cujas transcrições e depoimentos se encontram devidamente transcrito na motivação do presente recurso e que aqui por uma questão de economia processual se dão por integralmente reproduzidos.
XVI. Pelo que, assim sendo, o tribunal recorrido incorreu num erro de julgamento na forma como valorou tal facto provado em 13, ao julgar o mesmo como provado, ao invés de não provado, o qual deve ser alterado por este Tribunal Superior (cfr. artigo 640, n.° 1 als. a) e b) e 662°, n.°s 1 e 2 do C.P.Civil artigo), pois a aludida prova testemunhal e documental junta imponha que os tivesses dado como provados.
XVII.Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1.ª instância contra decisão proferida acerca da matéria de facto, não se sana o vício da decisão, pois a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida.
XVIII.O recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto (cfr. artigo 662.º do C.P.Civil), que haja ou não reclamação, não ficando precludido esse mesmo legitimo direito.
XIX. Pelo que, o recorrente pretende a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º1 als. a) e b) do C.P.Civil ou seja, “ se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base á decisão sobre os pontos da matéria de facto” e “ se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
I. Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido dc fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662.°, n.° 3 do C.P.Civil).

Foram proferidas contra alegações

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir

Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do CPC), atentas as conclusões dos recursos de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- alegada nulidade de decisão: – é nula a decisão nos termos do artº 615º-nº1-als.b), c), d) e e) do Código de Processo Civil ?
- reapreciação da matéria de facto: - deverá ser declarado não provado o facto provado nº 13?
- do mérito da causa: - requisitos legais do direito de mudança da servidão a pedido do proprietário do prédio dominante e respectivo ónus de prova

FUNDAMENTAÇÃO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida):

1.O prédio rústico denominado “Campo da ...”, composto de terreno de cultura, com a área de 1.262 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, está inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo … (antigo artigo …), e está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, onde foi inscrita a sua aquisição, por sucessão hereditária, a favor da autora, D. V., casada com o autor, M. O..
2.O prédio rústico denominado “Campo do ...”, com a área de 3.670 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, está inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo ..., e está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .., onde foi inscrita a sua aquisição, por compra, a favor da autora, D. V., casada com o autor, M. O..
3.Há mais de 1, 20, 30 e 50 anos, por si e antecessores, os autores agricultam e colhem os frutos dos prédios id. em 1. e 2., dia após dia, ano após ano, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que exercem um direito próprio.
4.O prédio rústico denominado “Campo da ...”, composto de terreno de cultura, com a área de 1.200 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, está inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o artigo ... (antigo artigo ...), figurando como titular do rendimento inscrito o réu, A. P..
5.Há mais de 1, 20, 30 e 50 anos, por si e antecessores, os réus agricultam e colhem os frutos dos prédios id. em 4., dia após dia, ano após ano, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que exercem um direito próprio.
6.Os prédios descritos em 2. e 4. confrontam com outros prédios.
7.O acesso ao “Campo do ...”, descrito em 2., tanto de carro ou tractor agrícola como a pé ou com animais, faz-se por um caminho trilhado, com piso em terra batida, que atravessa os “Campos da ..., descritos em 1. e 4., pela estrema Sul, e no sentido Nascente/Poente.
8.Esse caminho tem o comprimento total de cerca de 92 metros.
9.Desses 92 metros, cerca de 60 metros estão implantados no “Campo da ...”, descrito em 1., e cerca de 32 metros estão implantados no “Campo da ...”, descrito em 4.
10.O acesso ao “Campo da ...” descrito em 4. faz-se, tanto de carro ou tractor agrícola como a pé ou com animais, através do caminho referido em 7.
11.O caminho carral apresenta cerca de 2,5 metros de largura e cessa entre 29 de Maio de 29 de Setembro.
12.Desde há mais de 20 e 30, dia após dia e ano após ano, os autores, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e convictos de exercerem um direito próprio, usam, para acesso ao “Campo do ...”, o caminho descrito nos pontos 7. a 9.
13.Os autores já não possuem a mesma capacidade e destreza física para efectuar longos percursos com pesos, socorrendo-se do auxílio de diversas alfaias agrícolas e tractores.
14.Em 12 de Julho de 1984, por escrito, perante notário, A. A. e V. P., casados, residentes no lugar do …, freguesia de ..., concelho de Vila Verde, declararam constituir, e M. O., casado com D. V., declarou aceitar, uma servidão passagem, a pé, carro ou tractor, sobre uma faixa de terreno com 8 m2 de comprimento e 4 metros de largura situada a Poente do “Campo da ...” id. em 4., a favor do prédio denominado “Leira da …”, de cultivo, sito no lugar de ..., inscrito na matriz sob o artigo …, para os períodos de 1 de Janeiro a 28 de Maio e 29 de Setembro a 31 de Dezembro, ficando encerrada a 29 de Maio a 30 de Setembro.

Factos não provados:

A) As culturas hortícolas exigem uma passagem, de carro, permanente, durante todo o ano, praticamente diária.
B) O acesso nos termos referidos no 11. limita o cultivo e apanha dos frutos.
C) Nos anos mais recentes, os autores, assim como os diversos agricultores da zona, viram-se obrigados a colher o vinho no início de Setembro e tiveram que efectuar o sulfato das vindimas por ocasião do Santiago (Julho).
D) A colheita do milho ocorre pelo período de Março/Abril.


II) O DIREITO APLICÁVEL

I.- alegada nulidade de decisão

Alegam os apelantes que a decisão padece de nulidade por violação do disposto nas alíneas b), c), d) e e), nº1 do artigo 615º do CPC, nos termos em que conclui, supra, Cls.XIII e sgs.

Nos termos do artº 615.º n.º 1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando, nomeadamente:
al.b) - “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
al.c) - “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”;
al.d) - “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
al.e) - “O juiz condene em quantidade superior ou objecto diverso do pedido”.
Os vícios previstos no citado art.º 615º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios verificados.
Assim, e, no tocante à oposição referida na alínea. c) do n.º1, do artigo 615º, é a que se verifica no processo lógico formal (v. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 1992, art.º 668º), refere-se à própria estrutura de elaboração da sentença, resultando de forma manifesta desta, correspondendo a frontal oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos.“ Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea. c) do nº1 do art.º 668º quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença “ – Ac. TRP, de 13/11/74, in BMJ 241/344, sendo que não determina a nulidade de sentença prevista na citada alínea, a subsunção dos factos às normas jurídicas julgadas aplicáveis, não obstante se possa vir a demonstrar verificar-se existir erro de julgamento em caso de errada aplicação legal.(v. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/4/2003, n.º convencional JTRC 01959, in www.dgsi.pt).
E, quer relativamente à falta de fundamentação, quer no que à omissão de pronúncia se refere, reporta-se a lei a total ausência de fundamentação, e não a fundamentação insuficiente, ou, eventualmente, errada, e, a um desconhecimento absoluto da questão objecto da decisão (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2004, p.04B1409, in www.dgsi.pt).
“Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in www.dgsi.pt..
Os vícios em referência, previstos no art.º 615º-n.º1, alíneas, do Código de Processo Civil, supra descritos, estão, ainda directamente relacionados com os comandos dos artigos 608º-n.º2 e 5º do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto nos indicados preceitos legais do n.º2 do art.º 608º e artº 5º do Código de Processo Civil, em obediência ao Princípio do Dispositivo, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, e, ainda, só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
E, nos termos do disposto no art.º 607º do Código de Processo Civil, na elaboração da sentença, identificadas as partes e o objecto da litigio, e fixando-se as questões que ao Tribunal cumpre solucionar, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, mais incumbindo ao juiz, nos termos do n.º 2 do art.º 608º, do citado diploma legal, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e, apenas estas, de acordo com o pedido e a causa de pedir formulados.
Assim, no caso sub judice, as indicadas causas de nulidade de sentença não ocorrem, verificando-se que a decisão recorrida contém fundamentação suficiente, que a torna compreensível.
Ainda no que à condenação em objecto diverso do pedido se refere, igualmente, a decisão reporta-se, de forma lógica e coerente, aos fundamentos e integração jurídica que se veio a adoptar na sentença, contendo-se dentro dos respectivos parâmetros legais.
“Não há condenação ultra petitum quando o Tribunal condena em menos do que é pedido, porquanto o objecto da decisão continua a caber dentro do objecto do pedido, correspondendo apenas a uma sua “redução qualitativa”, “(…) cabe sempre nos poderes do tribunal adequar ou concretizar a decisão judicial de modo a alcançar a solução que considera justa, sem que isso consubstancie desvio ao pedido ou extravasamento dos limites do pedido” - Ac.STJ de 26/11/2020, P.2607/17.8T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt.
Concluindo-se nos termos expostos que, no caso em apreço, as indicadas causas de nulidade não ocorrem, reportando-se já os apelantes não a vício formal, mas a vício de julgamento, designadamente, reportado ao julgamento do mérito da causa e a conhecer oportunamente, em sede própria.

II. Reapreciação da matéria de facto

Nos termos do disposto no artº 662º -nº1 do CPC, “ A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, dispondo o artº 640º do Código de Processo Civil, sobre os “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”.
Impugnam os recorrentes a matéria de facto, nomeadamente, no que se refere ao ponto nº 13 do elenco dos factos provados, requerendo se declare o mesmo como “não provado”, procedendo os apelantes à indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação e respectiva transcrição.
Atenta a indicada prova resulta improcedente a impugnação deduzida.
Com efeito, alegando os apelantes que a indicada matéria de facto dada como provada, com o teor indicado: - “13.Os autores já não possuem a mesma capacidade e destreza física para efectuar longos percursos com pesos, socorrendo-se do auxílio de diversas alfaias agrícolas e tractores” -, deve ser declarada não provada com base no teor da prova testemunhal que indicam, dos próprios depoimentos referenciados a indicada factualidade resulta confirmada, e não refutada, nomeadamente como resulta do depoimento das testemunhas, designadamente, F. P., A. O., M. S., ainda, nenhuma das testemunhas tendo negado a factualidade inserta no facto provado nº 13, quer no que se refere à idade avançada dos Autores, quer à necessidade e uso e benefícios de utilização de alfaias agrícolas e tractores, e todas as testemunhas referenciadas pelos apelantes confirmando tal factualidade.
Nos termos expostos, improcedendo a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterado o elenco factual da acção.

III. – do mérito da causa-

Vieram os apelantes recorrer da sentença recorrida relativamente ao segmento de condenação do ponto 4 da decisão, na parte em que se alterou o modo temporal do exercício da servidão descrita em 3., do dispositivo, nos seguintes termos: “3. declara que, por usucapião, se constituiu uma servidão de passagem, de carro, tractor e a pé, com ou sem animais, sobre o “Campo da ...” (prédio serviente), descrito supra em 2., a favor do “Campo do ...” (prédio dominante), descrito supra em 1., por um caminho trilhado, com piso em terra batida, que atravessa o prédio serviente, pela estrema Sul, e no sentido Nascente/Poente, por cerca de 32 metros, com uma largura carral de 2,5 metros; direito que cessa, no que no que à passagem de carro respeita, no período compreendido entre 29 de Maio a 29 de Setembro; 4.reconhece aos autores, porque para estes vantajoso, o direito à mudança do tempo do exercício do sobredito direito de servidão de passagem, de carro e tractor, sobre o “Campo da ...”, o qual se exercerá sem a limitação temporal referida em 3. “

Fundamenta-se na sentença recorrida:

(…) Pretendem os autores, fundamentalmente, alterar o modo de exercício da passagem sobre o “Campo da ...”, alargando-se o período de passagem carral ao ano inteiro. Sustentam, para o efeito, que a alteração se revela necessária ao cultivo do “Campo do ...” e que a sua situação pessoal já não lhes permite o esforço de passar a pé a agricultar à mão; isto sob pena de lhes causar prejuízos. No reverso, os réus pugnam, essencialmente, pela manutenção da passagem nos moldes que se vem fazendo desde que foi constituída. Importa, por isso, apreciar se os factos provados suportam, à luz do direito aplicável, a pretensão dos autores.
(…) a possibilidade de passar com carro e máquinas agrícolas durante todo o ano, sem a limitação actual, em que estão obrigados a passar a pé e agricultar (cultivar, colher e carregar) “à mão” entre 29 de Maio e 29 de Setembro, traz, sem dúvidas, vantagens aos autores. Sempre se dirá, de acordo com a normalidade do acontecer, que o contributo do uso das máquinas, por tornar menos pesado e árduo o trabalho agrícola, é sempre vantajoso para quem do seu uso, tal como os autores, se pretende prevalecer. Posto o que, cabia aos réus alegar e provar (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC) que a mudança lhes traz prejuízo. Ora, os réus nada alegaram na matéria, frisando apenas que não querem, nem autorizam, a mudança proposta pelos autores. Como tal, não se demonstrando o facto impeditivo do direito dos autores (prejuízo do prédio dominante), há que autorizar, porque vantajosa para o prédio dominante, a mudança do tempo de servidão conforme requerido. Destarte, procederá a pretensão dos autores de alteração do tempo de passagem, de carro, que decorrerá sem a limitação temporal actual”.
Contestam os Réus/apelantes tal decisão alegando que a alteração do limite temporal teria de ser precedida de autorização de ambos, e, no presente caso, os aqui recorrentes, proprietários do prédio serviente, deixaram bem claro que não autorizavam, mas mesmo que assim não se entendesse, era aos AA, proprietários do prédio dominante, que impendia o ónus de prova para convencer o Tribunal que tal alteração lhes acarretava vantagens, e, ausência de prejuízos ao prédio serviente.
A questão em discussão no presente recurso, no que se reporta ao conhecimento do mérito da causa, reporta-se a determinar os requisitos legais do direito de mudança da servidão, nomeadamente a pedido do proprietário do prédio dominante, nos termos do artº 1568º-nº2 do Código Civil, e respectivo ónus de prova do direito, nos termos do artº 342º do citado código, sendo que nos termos do nº1 do citado artigo 342º “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado”.
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, chamando-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (artigo 1543º do Código Civil).
No tocante à sua constituição, determina o art.º 1547, do citado diploma legal: “1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família. 2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos”; sendo as primeiras consideradas servidões voluntárias e as segundas servidões legais, estas, correspondentes, em rigor, segundo o ensinamento dos Prof. P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, vol.III, pg. 576, a “ direitos potestativos que têm de característico o facto de facultarem ao respectivo titular a constituição de um direito real de servidão, independentemente da vontade do dono do prédio serviente.”
Dispondo o art.º 1550º do Código Civil, relativamente às servidões legais de passagem, que “ 1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. 2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”,
Nos termos do art.º 1565º-n.º1 do Código Civil, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação, dispondo o n.º2, do citado preceito legal, que em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.
A mudança de servidão é permitida nas circunstâncias previstas no art.º 1568º, do citado código, nos termos do qual “ O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contando que o faça à sua conta; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste” ( nº1 ).
“ A mudança da servidão, feita à custa do requerente, fica sempre subordinada a um duplo requisito. É necessário que ela se mostre conveniente ao dono do prédio serviente (…) E é ainda essencial que não se prejudiquem os interesses do proprietário do prédio dominante” – P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, III vol., pg. 616.
Nos termos do nº2 do citado artº 1568º do Código CivilA mudança pode também dar-se a requerimento e à custa o proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente”.
Ainda, Quanto ao “Modo de Exercício das Servidões” estipula o art.º 1564º do Código Civil, que “As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título; na insuficiência do título observar-se-á o disposto nos artigos seguintes”.
Nos termos do art.º 1565º-n.º1, do citado código, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação, dispondo o n.º2, do citado preceito legal, que em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente; salientando, P. Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, III Volume, em anotação ao preceito legal em referência, “ Se houver duas ou mais formas de satisfazer as necessidades do prédio dominante, a que a servidão se encontra adstrita, deve preferir-se a que menor dano cause ao dono do prédio serviente e não a que maior vantagem proporcione ao titular do prédio dominante“, demonstrando-se, assim, que o critério legal prevalecente a esta matéria respeitante será sempre, como dos normativos aplicáveis resulta, o do menor prejuízo para o prédio serviente.
Mais dispondo o nº3 do artº 1568º citado, que “ O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores”.
Nos termos expostos, e nos termos decorrentes das citadas disposições legais, se concluindo serem requisitos do direito de mudança de servidão a requerimento do proprietário do prédio dominante, nomeadamente quanto ao modo e tempo de exercício da servidão, a vantagem advinda da alteração da servidão ao dono do prédio dominante e o não prejuízo dos interesses do prédio serviente.
No mesmo sentido, Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 2/7/2009, P.08B995, in www.dgsi.pt: “A mudança de servidão só pode ser imposta se for conveniente para o titular do prédio serviente e se não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante” (com referência ao nº1 do artº 1568º).
E, P.Lima e A.Varela, obra citada, pg.617 :“Admite-se a mudança da servidão, a requerimento do proprietário do prédio dominante. Os pressupostos dessa mudança são simétricos aos fixados no nº1 (…): a vantagem para o requerente; nenhum prejuízo ( sério, relevante) para o outro interessado”.
Requisitos estes constitutivos do direito de mudança de servidão a requerimento do proprietário do prédio dominante e relativamente aos quais lhe incumbe o ónus de alegação e prova nos termos do artº 342º-nº1 do Código Civil; impondo-se, ainda, que a mudança se faça à custa do proprietário requerente nos termos do citado artº 1568º do Código Civil.
No mesmo sentido, nomeadamente, v. Ac. TRG de 17/9/2020, P.65/17.6T8MLG.G1; Ac. TRG de 21/2/2019, P.312/17.4T8CHV.G1; Ac. TRG de 17/12/2020, P. 63/19.5T8PTL.G1: “. É potestativo o direito, previsto no artº 1568º, nº 1, do Código Civil, de o dono do prédio serviente exigir a mudança de servidão quanto ao locus servitutis. 2. Esse direito legal depende de duas condições, uma positiva e outra negativa: i) ser-lhe conveniente a mudança; ii) não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante. Nestes interesses, compreendem-se, sobretudo, os relativos ao modo de exercício da servidão. 3. A eficácia do seu reconhecimento depende, ainda, de uma outra condição legal: que o interessado proprietário do prédio serviente a faça à sua custa. E a eficácia do seu reconhecimento depende, ainda, de uma outra condição legal: que o interessado proprietário do prédio serviente a faça à sua custa.”

No caso sub judice, e atento o concreto factualismo apurado, os Autores não alegam, nem provam que a pretendida mudança de servidão não prejudica os interesses do prédio serviente, como lhes competia nos termos do art.º 342º-n.º1 do Código civil, para aplicação da norma citada do art.º 1568º, do mesmo código, nada resultando dos factos provados relativamente a esta matéria.
Nestes termos, falecendo a sua pretensão no tocante á peticionada alteração de servidão, improcedendo o pedido formulado em B) da petição inicial.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela procedência do recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte recorrida ( ponto nº 4 do dispositivo ), absolvendo-se os Réus do pedido formulado em B) da petição inicial, em tudo o mais se mantendo o decidido.
As custas ficarão a cargo dos apelados/Autores, em 1ª e 2ª instâncias, nos termos do artº 527º-nº1 do Código de Processo Civil, considerando que no tocante ao pedido A) não houve oposição, e, que foram os Autores quem tirou proveito, exclusivo, da decisão, nesta parte de teor e cariz meramente declarativo.

Sumário ( artº 663º-nº7 do Código de Processo Civil ):

I. São requisitos do direito de mudança de servidão a requerimento do proprietário do prédio dominante, nomeadamente quanto ao modo e tempo de exercício da servidão, a vantagem advinda da alteração da servidão ao dono do prédio dominante e o não prejuízo dos interesses do prédio serviente.
II. Requisitos estes constitutivos do indicado direito e relativamente aos quais incumbe ao respectivo titular (o proprietário do prédio dominante) o ónus de alegação e prova nos termos do artº 342º-nº1 do Código Civil.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte recorrida (ponto nº 4 do dispositivo), absolvendo-se os Réus do pedido formulado em B) da petição inicial, em tudo o mais se mantendo o decidido.
Custas pelos apelados/Autores, em 1ª e 2ª instâncias.

Guimarães, 15 de Abril de 2021

(Luísa D. Ramos)
( Eva Almeida )
( António Beça Pereira )