Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1333/11.6TBVRL-B.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: MANDATO DO GERENTE
FACTOS E DIREITO
OBJECTO DO RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Findo o prazo estabelecido para o mandato do gerente de uma sociedade por quotas, este mantém-se a exercer essas funções até à nomeação de novo gerente, por aplicação analógica da solução consagrada no artigo 391.º n.º 4 CSC.
O juízo de provado só pode recair sobre factos, pelo que, interpretando a contrario sensu o artigo 607.º n.º 4 CPC, tem que se concluir que não pode ser levado aos factos provados aquilo que não constituir matéria de facto, designadamente o que consistir numa questão de direito.
Os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas no tribunal a quo, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.
Havendo um facto relevante para a decisão da causa que está provado por documento e não figurando ele entre os factos provados, nos termos dos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.º 3 do CPC, o tribunal da Relação pode aditá-lo a estes.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
No incidente de qualificação da insolvência relativo à insolvência de G, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Real, foi proferida a seguinte decisão:
"Qualificar a insolvência de G como culposa, aplicando ao seu gerente F a sanção de inibição para o exercício do comércio e para ocupar os cargos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 189º do CIRE pelo período de três anos."
Inconformado com tal decisão, Fdela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

PRIMEIRA CONCLUSÃO
No dia 06 de Março de 2017, foi prolatada, no âmbito do incidente de qualificação de insolvência número 1333/11.6TBVRL - B do Juiz 1, do Juízo Local Cível de Vila Real, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, douta sentença que, qualificou a insolvência da Garagem S. Cristóvão - Comércio de Combustíveis Lda, como culposa, e, considerando ser o recorrente gerente dela, aplicou-lhe a sanção de inibição para o exercício do comércio, e para ocupar os cargos previstos na alínea c), do número 2, do artigo 189.º, do CIRE, pelo período de três anos.

SEGUNDA CONCLUSÃO
Inconformado com tal sentença, que lhe é desfavorável, dela interpôs o recorrente, atrás e nesta mesma peça processual, o competente recurso de apelação

TERCEIRA CONCLUSÃO
Recurso esse no qual o recorrente impugna, não só a decisão relativa à matéria de facto, mas também a atinente à matéria de direito.

QUARTA CONCLUSÃO
Especificando a ré, em cumprimento do artigo 640.º, do CPC 2013, o seguinte:
A) Os concretos pontos de facto que a recorrente considera que foram incorrectamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640.o-1-a), do CPC 2013), são:
a) factos que, muito embora não tenham sido, como não foram, em tal sentença considerados não provados, não foram também, na mesma sentença, e ao contrário do que, na visão do recorrente, deveria ter sucedido, considerados provados, pois que a sentença recorrida é, quanto a isso, ou seja, quanto a tais factos, completamente omissa, reduzindo-se esse factos, esclareça-se, a três, os quais naturalmente na opinião do recorrente, têm relevância para a sorte deste incidente, três factos esses que são os seguintes:
Facto um
O requerido foi gerente da G, até 2008, deixando então de exercer essa gerência.
Facto dois
A partir do ano de 2008, o requerido passou a ser só Técnico Oficial de Contas (TOC) da G.
Facto três
Houve uma reunião da gerência, a qual era exercida pela Senhora Doutora A, onde foi decidido desmantelar o posto de abastecimento de combustíveis, tendo sido o requerido que transmitiu essa decisão à testemunha R, para que esta a implementasse.
b) Existem também diversos factos, que, na sentença recorrida, foram dados como provados, ao contrário do que deveria, na visão do requerente ter sucedido.
Tais factos são aqueles que, subordinados à epigrafe "III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO" estão, na sentença sob recurso, elencados, sob os números 1 e 2, ou seja:
1. Em 06.09.2011 Petróleos de Portugal Petrogal S.A. requereu a insolvência de G.
2. Em 06.01.2012 foi declarada a insolvência da sociedade G tendo sido considerados confessados os factos articulados na petição inicial, dos quais se salientam os seguintes:
(…)
B) Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele processo realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigos 640.º-1-b), do CPC 2013 e 14.º e 17.º, do CIRE), isto é, que impunham que os três factos, constantes da alínea a) da alínea A) anterior, fossem considerados, por serem relevantes para o processo, provados, e que, não fossem dados como provados todos os factos constantes da alínea b) da alínea A) anterior, são, todos os meios probatórios que se encontram nos autos, com especial incidência:
a) Quanto ao três factos constantes da alínea a), da alínea A) anterior, desses factos resultarem, como resultam, do depoimento da testemunha R;
b) Relativamente aos factos elencados na alínea b), da alínea A) anterior, desses factos terem, na sentença recorrida, sido considerados provados, apenas por essa prova resultar da análise da petição inicial e da sentença constante dos autos principais, onde esses factos foram considerados confessados pela G. Ora, ainda que assim tenha sido, o certo é que esses factos não podem ser considerados provados, no âmbito deste incidente, em virtude de, o nesse incidente requerido, e agora recorrente, F, não ter sido, como não foi, parte no processo principal, para o qual nunca foi citado, nem notificado, não tendo tido em tal processo qualquer intervenção, pelo que os factos que, nesse processo principal, seja, por que motivo seja, designadamente confissão, acordo das partes, falta de contestação, ou qualquer outro, não podem se aqui, isto é, neste incidente, considerados provados relativamente ao recorrente.
C) A decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida, sobre as questões de facto impugnadas (artigos 640.º-1-c), do CPC 2013 e 14.º e 17.º, do CIRE), isto é, sobre os factos constantes das alíneas a) e b), da alínea A) anterior, é, quanto aos primeiros, ou seja, os da alínea a), serem os três factos em causa considerados provados, e, em relação aos segundos, isto é, aos da alínea b), não serem eles considerados provados.

QUINTA CONCLUSÃO
Por fim, e para finalizar esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione-se, como se menciona, que, havendo, como há, meios probatórios invocados, como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, meios esses que consistem no depoimento da testemunha R, indicam-se, com exactidão, em cumprimento do comandado nos artigos 640.º-2-a), do CPC 2013 e 14.º e 17.º, ambos do CIRE, as passagens da gravação em que se funda o presente recurso, pois que tais passagens são aquelas que, dentro da gravação em causa, que foi levada a cabo através do sistema integrado de gravação digital do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, permitem chegar à conclusão de que os três factos constantes da alínea a), da alínea A anterior, devem ser considerados provados, passagens essas que vão
- Dia 11 de Outubro de 2016
• Desde as 16 horas, 16 minutos e 05 segundos até às 16 horas, 16 minutos e 19 segundos (00:05:50 a 00:06:04), no que toca ao depoimento da testemunha R, e aos factos um e dois, da alínea a), da alínea A) anterior
• Desde as 16 horas, 28 minutos e 15 segundos até às 16 horas, 28 minutos e 35 segundos (00: 18:00 a 00: 18:20), quanto ao depoimento da testemunha R, e ao facto três, da alínea a), da alínea A) anterior

SEXTA CONCLUSÃO
E, feita que seja a correcção fáctica atrás referida, fácil é concluir que nunca poderia o recorrente ser responsabilizado pela insolvência, ainda que eventualmente culposa, da G, pois que ele não era gerente, nem de direito, nem de facto, de tal sociedade, antes sendo apenas TOC dela, e um mero núncio, que transmitia à testemunha R, as decisões da gerente da sociedade em causa, a Exma. Senhora Doutora A.

SÉTIMA CONCLUSÃO
No entanto, mesmo sem qualquer alteração da matéria fáctica, a sentença sob recurso padece de um erro de julgamento, susceptível de determinar a anulação dela (artigos 639.º-1, do CPC 2013 e 14.º e 17.º, ambos do CIRE).

OITAVA CONCLUSÃO
Desde logo, porque a sentença insolvencial, proferida no processo principal, ainda não transitou em julgado, na medida em que ela é ainda susceptível de reclamação ou de recurso, por parte do F.

NONA CONCLUSÃO
E isto porque tal sentença não lhe foi ainda notificada, notificação essa que, tendo em conta, que na visão da sentença recorrida, e do requerimento com que se iniciou o processo da insolvência, tal senhor era gerente da sociedade, ao qual foi fixada residência na mesma sentença insolvencial, lhe deveria ter sido efectuada pessoalmente, por força do artigo 37.º-1, do CIRE.

DÉCIMA CONCLUSÃO
Tendo esse Senhor legitimidade activa para recorrer de tal sentença, em virtude do disposto nos artigos 680.º-2, do CPC 1961, ou 631.º-2, do CPC 2013, aplicáveis ex vi, do artigo 17.º, do CIRE.

DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO
Por outro lado, não resulta dos autos que o desmantelamento do posto de combustíveis tenha criado ou agravado a situação financeira e económica da G, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto da insolvência culposa, constante do artigo 186.º-1, do CIRE.

DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO
Nem também o do artigo 186.º-2-i), do mesmo compêndio legal, pois que, não houve qualquer violação, pelo que, muito menos reiterada, do dever de colaboração com o Senhor Administrador de insolvência.

DÉCIMA TERCEIRA CONCLUSÃO
Dever este que, de qualquer forma, nunca poderia recair sobre o recorrente, pois que este, quando a insolvência foi declarada, e como resulta dos autos, não era já, nem gerente, ainda que de facto, nem TOC da sociedade em causa.

DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO
Violou pois a sentença sob recurso, e muito embora, data venia, diversas disposições legais, designadamente os artigos 680.º-2, 685.º e 691.º-5, os três do CPC 1961, 628.º, 631.º-2 e 638.º, todos do CPC 2013,14.º,17.º,83.º-3,186.º-1, 186.º-2-i), todos do CIRE e 342.º, do CC.

DÉCIMA QUINTA CONCLUSÃO
Motivos pelos quais, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com a brilhante Senhora Doutora Juíza de 1.ª instância que a prolatou, até porque, e como é por demais sabido, alli quando dormitat Homerus, deverá tal douta sentença ser anulada.

DÉCIMA SEXTA CONCLUSÃO
Prolatando-se, em substituição dela, não menos douto acórdão, que determine que a insolvência da G, não foi culposa, ou então, que ainda que o tenha sido, por isso não pode ser afectado o recorrente.
O Ministério Público contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) há erro no julgamento da matéria de facto mencionada na 4.ª conclusão;
b) "a sentença sob recurso padece de um erro de julgamento, susceptível de determinar a anulação dela (artigos 639.º-1, do CPC 2013 e 14.º e 17.º, ambos do CIRE) (…), porque a sentença insolvencial, proferida no processo principal, ainda não transitou em julgado, na medida em que ela é ainda susceptível de reclamação ou de recurso, por parte do F"(1);
c) "o recorrente [não pode] ser responsabilizado pela insolvência, ainda que eventualmente culposa, da G, pois que ele não era gerente, nem de direito, nem de facto"(2);
d) "não resulta dos autos que o desmantelamento do posto de combustíveis tenha criado ou agravado a situação financeira e económica da G, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto da insolvência culposa, constante do artigo 186.º-1, do CIRE"(3);
e) "não houve qualquer violação, pelo que, muito menos reiterada, do dever de colaboração com o Senhor Administrador de insolvência"(4);
f) "a insolvência da G não foi culposa"(5).

II
1.º
O recorrente expressa a sua divergência com o julgamento da matéria de facto, defendendo em primeiro lugar que se deve aditar aos factos provados os três pontos que menciona na conclusão 4.ª sob A) a).
Estes três pontos têm como denominador comum a conclusão de que em 2008 o recorrente deixou de ser gerente da insolvente, dizendo-se isso, quer de uma forma directa, no primeiro deles, quer indirectamente, nos outros dois.
Porém, saber se em 2008 o recorrente (eventualmente) cessou as funções de gerente da insolvente consiste numa questão de direito. Será no momento em que se aplicar o direito aos factos provados que se há-de concluir se ele foi gerente apenas até esse ano.
Ora, «a matéria de facto "não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica", pelo que as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646.º, n.º 4, 1.ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o actual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os "factos" que julga provados).»(6)Se "as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas", por maioria de razão, se ainda estivermos num momento anterior, naturalmente que não se deve inserir na matéria de facto questões de direito.
Sendo assim, estando em causa uma questão de direito, independentemente da prova que se encontra nos autos, aqueles alegados factos não podem ser levados aos factos provados.
Já no que se refere ao facto 1 dos factos provados não se compreende a censura do recorrente, pois, como se diz na sentença recorrida, ele decorre da petição inicial.
Não se percebe por que é que, se porventura o recorrente não tiver "sido (…) parte no processo principal, para o qual nunca foi citado, nem notificado, não tendo tido em tal processo qualquer intervenção", isso impede que se constate e afirme que "em 06.09.2011 Petróleos de Portugal Petrogal S.A. requereu a insolvência de G".
Finalmente, em relação ao facto 2 dos factos provados importa começar por sublinhar que nele mencionam-se factos que aquando da declaração de "insolvência da sociedade G" foram então "considerados confessados".
Tanto no processo principal, como neste incidente, a insolvente não os impugnou.
Por outro lado, há que realçar que a credora Petrogal alegou neste incidente o vasto conjunto de factos que se encontram nos artigos 5.º a 82.º, 90.º, 91.º, 93.º, 96.º do seu requerimento inicial e que, no seu parecer, o Sr. Administrador da Insolvência acrescentou alguns outros, realçando aqueles que considera importantes para a qualificação da insolvência como culposa. Esses factos correspondem à esmagadora maioria dos que foram considerados provados aquando da declaração de insolvência e que a Meritíssima Juiz descreve em 2 dos factos provados e são os decisivos para se concluir pela natureza, culposa ou fortuita, da insolvência. Por isso, neste incidente o recorrente teve oportunidade de exercer o contraditório relativamente a todo os factos relevantes para a qualificação da insolvência, designadamente aqueles que, pela via do artigo 189.º n.º 2 c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, podem afectá-lo pessoalmente. E o recorrente exerceu mesmo esse contraditório, como se pode ver nos artigos 32.º a 58.º da sua oposição(7), onde toma posição quanto ao que considera oportuno, rebatendo, essencialmente, o parecer do Sr. Administrador da Insolvência e procurando demonstrar que a partir de 2008 não exerceu as funções de gerente. Significa isso que, ao contrário do que agora sustenta o recorrente(8), não se desrespeitou o princípio do contraditório. Acresce que o recorrente não identifica qualquer facto concreto, daqueles que se encontram no ponto 2 dos factos provados, relativamente ao qual não tenha tido, realmente, a possibilidade de exercer o contraditório; limita-se a fazer uma referência genérica e em bloco a todos eles.
Aqui chegados, conclui-se que não deve ser introduzida nos factos provados qualquer uma das modificações pretendidas pelo recorrente.

2.º
Todavia, verifica-se que na certidão do registo comercial relativo à insolvente, que curiosamente foi junta aos autos por várias vezes, consta averbado o registo(9) da nomeação de A como gerente, registo esse datado de 5-9-2012.
Este facto, que tem que se ter por demonstrado, é relevante para a decisão da causa, nomeadamente para melhor compreensão dos acontecimentos.
Assim, nos termos dos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.º 3 do Código de Processo Civil, ele será aditado aos factos provados.

3.º
Estão provados os seguintes factos:
1. Em 06.09.2011 Petróleos de Portugal Petrogal S.A. requereu a insolvência de G.
2. Em 06.01.2012 foi declarada a insolvência da sociedade G tendo sido considerados confessados os factos articulados na petição inicial, dos quais se salientam os seguintes:
• Em 24 de Junho de 2008, a Requerente e a Requerida celebraram um Contrato de Distribuição de Combustíveis.
• Ao CONTRATO foi fixado um período de vigência de 3 anos, nos termos do disposto na sua Cláusula 17º, tendo os seus efeitos retroagido a 18 de Fevereiro de 2008, nos termos da Cláusula 22.º.
• O CONTRATO teve por objecto o fornecimento de combustíveis ao Posto de Abastecimento sito na Rua Marechal Teixeira Rebelo, n.º …, em Vila Real, vulgarmente identificado no mercado do abastecimento de combustíveis como Posto de Abastecimento GALP, adiante designado apenas por PA.
• A Requerida é arrendatária do prédio onde se encontrava instalado o PA, que é propriedade da Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de S. Paio, Lda., (adiante designada S. Paio) que tem como objecto social a produção agrícola e a compra e venda de imóveis.
• Para garantia do cumprimento das obrigações decorrentes do CONTRATO e nos termos do estabelecido na sua Cláusula 20.º, constituiu-se fiador da Requerida, o seu Gerente, F (adiante designado Fernando Botelho)
• O regime de fornecimento de combustíveis foi o fixado na Cláusula 2º do CONTRATO, que estabelece que: «a entrega de gasolinas e gasóleo, destinados a serem vendidos no Posto, é feito em regime de consignação, conservando a PETROGAL a propriedade dos mesmos até ao acto de venda».
• Nos termos da Cláusula 5.º, n.º 1 do CONTRATO: «o DISTRIBUIDOR deve pagar à PETROGAL o preço de referência dos produtos entregues ( ... ) dentro dos prazos concedidos pela PETROGAL (...).
• Estabelece, ainda, o n.º 2 desta Cláusula que os prazos de pagamento dos produtos entregues contam-se a partir da data da emissão das facturas.
• Desde o início da vigência do CONTRATO, e em conformidade com o mesmo, a Requerente procedeu aos fornecimentos de combustíveis, de acordo com o disposto no n.º 1 da sua Cláusula 4.º.
• As bombas de combustíveis, depósitos e todos os equipamentos e acessórios identificativos e estruturantes do PA, relacionados no inventário de doc. 3, foram instalados pela Requerente, sendo, nos termos estabelecidos na Cláusula 6.º do CONTRATO, propriedade desta.
• O inventário anexo ao contrato foi sofrendo algumas alterações durante o período de vigência do CONTRATO, por força de substituição de equipamentos, tendo o mesmo sido actualizado.
• Como se estabelece na Cláusula 6.º, n.º 3 do CONTRATO, a Requerida era mera fiel depositária de todos esses bens e equipamentos, estando, pois, obrigada aos deveres de custódia e guarda inerentes a essa qualidade.
• A Cláusula 1.º do CONTRATO estipula que: «o DISTRIBUIDOR obriga-se para com a PETROGAL a vender ao público, em regime de exclusividade, no posto simples de abastecimento de combustíveis, instalado em prédio urbano de que é arrendatário, situado na Rua Marechal Teixeira Rebelo, n.º …, em Vila Real (adiante referido apenas por Posto), combustíveis e outros produtos entregues pela Petrogal».
• Por outro lado, a Cláusula 8.º do CONTRATO fixa, expressamente, à Requerida, a obrigação de: «adoptar os comportamentos adequados a que o Posto funcione em condições óptimas de satisfação do público ... ».
• Com relevância directa para os presentes autos, na Cláusula 15.º do CONTRATO pode, ainda, ler-se: «15.1 O incumprimento culposo deste contrato por uma das partes dá à outra o direito de, a seu critério, exigir o cumprimento, suspender o contrato ou rescindi-lo e, em qualquer caso, reclamar a indemnização dos danos sofridos sem prejuízo do disposto no número seguinte. 15.2 No caso de rescisão baseada no incumprimento do DISTRIBUIDOR, este pagará à PETROGAL as seguintes importâncias a título de cláusula penal: a) Como indemnização de lucros cessantes, a quantia de € 12 400,00, a actualizar pelo índice de inflação definido pelo Instituto Nacional de Estatística, multiplicada pelo número de meses que faltarem para o termo do contrato, como indemnização de lucros cessantes: b) Como indemnização de outros prejuízos, nomeadamente da perda da posição de venda, a quantia de € 11 900,00, a actualizar pelo referido índice de inflação, multiplicada pelo número de meses decorridos desde o início da execução do contrato. 15.3 A faculdade de rescisão, com base no incumprimento de alguma obrigação, só pode ser exercida se a parte faltos a, depois de interpelada por escrito, não a cumprir no prazo de oito dias, ou noutro maior que for fixado na interpelação. 15.4 Se alguma obrigação pecuniária, incluindo a cláusula penal e outras indemnizações não for pontualmente paga, aplicar-se-ão juros moratórios calculados à taxa fixada no § 3 do artigo 102.º do Código Comercial».
• No exercício da sua actividade, a Requerente forneceu à Requerida diversas quantidades de combustíveis, objecto de facturas vencidas e não pagas.
• Esses fornecimentos deviam ser pagos através do sistema de débito directo em conta bancária previamente indicada pela Requerida e de acordo com a autorização concedida por esta à sua entidade bancária, o BPI.
• Os combustíveis a que se referem as facturas e notas de débito juntas com o presente requerimento foram todos entregues no PA à consignação, como acima se sustenta e se disciplina no CONTRATO.
• A Requerida nunca contestou qualquer das facturas e notas de débito acima mencionadas pelo que, o montante de capital em dívida pela Requerida é de € 204 910,75.
• Em 11 de Janeiro de 2010 a Requerida enviou uma carta à Requerente comunicando que havia procedido ao encerramento do PA.
• A Requerida solicitou, ainda, a Requerente que esta procedesse ao levantamento dos equipamentos e combustível que se encontravam no PA.
• Na mesma data, a proprietária do imóvel, S. Paio, onde se encontrava instalado o PA, enviou à Requerente a carta de doc. 79, que se junta e se dá por integralmente reproduzido, solicitando que esta procedesse ao levantamento dos equipamentos e combustível que se encontravam no PA.
• Em 13 de Janeiro de 2010, a Requerida enviou outra carta à Requerente, insistindo no pedido de levantamento dos equipamentos e do combustível, sem adiantar qualquer explicação para o encerramento do PA e, ainda, pedindo o encerramento de contas para apuramento dos respectivos saldos.
• Na mesma data, também a S. Paio, remeteu nova carta à Requerente, reiterando o pedido de levantamento dos equipamentos e do combustível do PA.
• Às cartas da Requerida, a Requerente respondeu em 15 de Janeiro de 2010, através de carta que se junta como doc. 82 e se dá por integralmente reproduzida, invocando a vigência do CONTRATO, que apenas terminaria em 23 de Junho de 2011, não aceitando a decisão unilateral de encerramento do PA.
• A Requerente exigiu, ainda, e mais uma vez o pagamento imediato do montante em dívida de € 152 203,81, informando que caso a Requerida mantivesse a posição de encerramento do PA, daria o CONTRATO por rescindido com justa causa e reclamaria judicialmente o pagamento das indemnizações previstas no mesmo o ressarcimento de todos os prejuízos causados.
• Na mesma data, a Requerente enviou à S. Paio a carta de resposta, que se junta como doc. 83 e se dá por integralmente reproduzida, alegando ser alheia à relação contratual de arrendamento estabelecida a mesma e a Requerida e que não deixaria de actuar judicialmente se, por actuação directa desta, a Requerida deixasse de cumprir o contrato de fornecimento de combustíveis.
• Em 15 de Janeiro de 2010, a Requerida, através da carta de doc. 84 que se junta e se dá por integralmente reproduzida, comunicou à Requerente que reafirmava que os motivos que tinham levado ao encerramento do PA eram motivos de força maior, não lhe sendo possível alterar a decisão uma vez que não podia continuar a laborar no local onde o PA se encontrava instalado, sem prejuízo de tal laboração ser possível noutro local.
• Na mesma data, a S. Paio, através da carta de doc. 85 que se junta e se dá por integralmente reproduzida, comunicou à Requerente que uma vez que esta não procedera ao levantamento do combustível e equipamentos, propriedade desta, iria diligenciar junto de terceiros para que aqueles fossem retirados do local onde se encontravam.
• A Requerida, para além de ter encerrado o PA sem o consentimento da Requerente, entre os dias 5, 6 e imediatamente seguintes de Fevereiro de 2010, procedeu ao levantamento de todos os equipamentos, materiais, maquinismos, tanques e acessórios, propriedade da Requerente, que integravam o PA e se encontram discriminados na lista de imobilizado doc. 6.
• Os combustíveis que ainda se encontravam nos tanques, cuja quantidade a Requerente estima em 34 200 litros, foram removidos pela Requerida.
• No prédio onde se encontrava instalado o PA, está actualmente instalada uma loja da cadeia alimentar Pingo Doce.
• Face ao desmantelamento do PA, no dia 05 de Março de 2010, a Requerente, por carta registada com A/R, que a Requerida recebeu, interpelou-a, nos termos da Cláusula 22.º do CONTRATO, para o imediato cumprimento deste, ou seja, para no prazo de oito dias, o PA ser reposto na situação em que se encontrava e em normal estado de funcionamento, bem como para o pagamento do montante de € 204 910,75 da dívida vencida e não paga, sob pena de rescisão do contrato e consequente exigência das indemnizações contratualmente previstas.
• A Requerida, já em inícios de 2010 tentou uma via de acordo com a Requerente para o encerramento do PA, que passaria pela implantação de um outro posto de abastecimento de combustíveis em terreno sito em Vila Real, com ajustamento de prazos de vigência e pressupondo o pagamento integral da dívida e outras condições.
• Para o efeito, a Requerente enviou por e-mail uma primeira minuta de acordo, a qual não obteve qualquer resposta da Requerida.
• Posteriormente, a Requerente tentou uma reunião, marcada pelo gerente da Requerida ­igualmente gerente da S. Paio - em 19 de Março de 2010, para se acertarem termos de um possível acordo.
• O gerente da Requerida e S. Paio não compareceu na reunião e mandou uma sua funcionária, Regina Santos, falar com os representantes da Requerente, Eng. C e M.
• Não obstante este comportamento do gerente da Requerida e da S. Paio, aqueles representantes da Requerente enviaram à Requerida novos termos de proposta de acordo, no quadro do desmantelamento do PA e das consequências daí resultantes.
• Em 26 de Março de 2010, a Requerente, enviou ao gerente da Requerida e da S. Paio um e­mail com um texto de um Acordo de Reconhecimento de Dívida e Promessa de Cumprimento e Outras Obrigações.
• O gerente da Requerida e da S. Paio informou que iria apresentar até à data do vencimento da 1.ª prestação sugestões de alteração ao texto do Acordo e que essa contraproposta seria entregue nas suas instalações no dia 31 de Março de 2010.
• Em 12 de Dezembro de 1997, na altura da constituição da Requerida, foi nomeado gerente da Requerida, Fernando Botelho, no período de 30 de Dezembro de 1997 a 30 de Abril de 1998, conforme registo efectuado pela AP. 01/040298, como se mostra por doc. 93.
• Após o decurso do prazo acima indicado nunca mais voltou a ser registada qualquer nomeação de órgãos sociais da Requerida.
• Apesar disso, o referido Fernando Botelho continuou a exercer de facto a gerência da Requerida, como se mostra pelo CONTRATO de doc. 3 junto, celebrado em 24 de Junho de 2008, por ele assinado na qualidade de gerente.
• Fernando Botelho foi declarado insolvente por sentença proferida em 30 de Junho de 2008, no âmbito do processo n.º 1249/07.0TBVRL, que corre termos no 3º Juízo do tribunal de Comarca de Vila Real, conforme Anúncio n.º 4605/2008, publicado no D.R., 2.º Série, n.º 135, de 15 de Julho de 2008, disponível em www.dre.pt.
• Os sócios iniciais da Requerida eram: SS, dissolvida por procedimento administrativo em 14 de Setembro de 2006; FF, dissolvida por procedimento administrativo em 5 de Junho de 2008; G, dissolvida por procedimento administrativo em 1 de Abril de 2008; Machado & Machado, Lda.- tem pendente um processo administrativo de dissolução e liquidação desde 14 de Novembro de 2007 e foi proferida sentença de declaração de insolvência em 7 de Julho de 2009.
• Quando foi celebrado o CONTRATO de doc. 3 a S. PAIO era a detentora da Requerida, sendo a única que possuía património suficiente para garantir o pagamento de dívidas da Requerida, tendo registados a seu favor os seguintes imóveis:

1. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Quarteira, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
2. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Sesimbra (Santiago), como se mostra por certidão permanente do registo predial
3. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Mouçós, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
4. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Vila Real (S. Dinis), como se mostra por certidão permanente do registo predial.
5. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Vila Real (S. Dinis), como se mostra por certidão permanente do registo predial.
6. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Vila Real (S. Dinis), como se mostra por certidão permanente do registo predial.
7. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º … Urbano, da Freguesia de Vila Real (S. Dinis), como se mostra por certidão permanente do registo predial.
8. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Vila Real (S. Dinis), como se mostra por certidão permanente do registo predial.
9. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Rústico, da Freguesia de Mouçós, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
10. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Rústico, da Freguesia de Mouçós, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
11. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Rústico, da Freguesia de Adoufe, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
12. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Rústico, da Freguesia de Adoufe, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
13. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Rústico, da Freguesia de Adoufe, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
14. Y, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …. A, Urbano, da Freguesia de Vila Real (5. Dinis), como se mostra por certidão permanente do registo predial.
15. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º …, Urbano, da Freguesia de Mouçós, como se mostra por certidão permanente do registo predial.
• Todos os imóveis referidos encontram-se onerados a favor de sociedades do mesmo grupo ou com este relacionados e cujo gerente é Fernando Botelho.
3. O Sr. AI notificou F para, na qualidade de TOC da insolvente, proceder ao envio de elementos contabilísticos, tendo o mesmo informado ter deixado de estar inscrito na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas desde Novembro de 2011, pelo que afirmou não poder enviar o solicitado por carta datada de 21.01.2012.
4. Em 16.01.2012 o Sr. AI notificou a gerência da insolvente a fim de proceder ao arrolamento e apreensão de elementos de escrita bem como o envio de elementos contabilísticos, tendo a gerência informado o seguinte por carta datada de 21.01.2012 "Desta maneira e dado que a sociedade não se encontra em actividade há já mais de dois anos, vamos procurar reunir todos os elementos disponíveis e, dentro de breves dias, voltaremos ao contacto de V. Exa, relativamente a este tema".
5. Até à elaboração do parecer de fls. 196, o Sr. AI não foi contactado pela insolvente.
6. O Sr. AI diligenciou junto da DGCI no sentido de obter elementos fiscais da insolvente, nomeadamente as declarações anuais da insolvente referentes aos últimos três exercícios, tendo a DGCI informado que as declarações de IRC de 2008/2009/2010 não foram apresentadas.
7. A insolvente não efectuou o depósito das contas anuais na Conservatória do Registo Comercial.
8. Não foram identificados quaisquer bens móveis ou imóveis pertença da insolvente.
9. Os equipamentos do PA. foram transportados em Fevereiro e Março de 2010 para as instalações da GP sitas na Zona Industrial de Vila Real.
10. Em reunião da assembleia geral da insolvente realizada em 30 de Junho de 1998, F foi reconduzido como gerente da sociedade até ao dia 30 de Junho de 2008, inclusive, não tendo sido registado tal facto.
11. Foi o opoente F quem comunicou o desmantelamento do posto de abastecimento à funcionária Regina, tendo-a incumbido de arranjar uma empresa de transporte dos equipamentos para a Zona Industrial e de deslocar as pastas relacionadas com os assuntos da insolvente.
12. Foi o mesmo opoente quem comunicou à testemunha AN as novas funções após o encerramento do posto e quem teve reuniões e recebia telefonemas da PETROGAL por causa do desmantelamento do posto de abastecimento.
13. Quando os delegados comerciais iam ao posto apresentar campanhas a funcionária Regina dirigia-se a F para que decidisse.
14. Quando tinha algum problema para resolver sobre o posto a testemunha Regina dirigia-se ao Sr. F.
15. Foi o Dr. F e a Dr.ª AA quem trataram do contrato com a empresa de transporte com vista ao transporte dos equipamentos.
16. A 5-9-2012 foi registada a nomeação de AA como gerente da sociedade.
4.º
Na perspectiva do recorrente "a sentença sob recurso padece de um erro de julgamento, susceptível de determinar a anulação dela (artigos 639.º-1, do CPC 2013 e 14.º e 17.º, ambos do CIRE) (…), porque a sentença insolvencial, proferida no processo principal, ainda não transitou em julgado, na medida em que ela é ainda susceptível de reclamação ou de recurso, por parte do Fernando Manuel Machado Sousa Botelho"(10).
Os recursos, como é sabido, "destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida"(11) e "não a conhecer de questões novas, salvo se estas forem de conhecimento oficioso e não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado"(12). Os recursos constituem, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões não apreciadas e discutidas no tribunal a quo(13), sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso(14).
E é importante não esquecer que o n.º 1 do artigo 573.º consagra o princípio de que "toda a defesa deve ser deduzida na contestação". Nessa medida, "os actos (maxime as alegações de factos ou os meios de provas) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos. Devendo os fundamentos da acção ou da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha."(15)
A questão que o recorrente coloca nas conclusões 7.ª e 8.ª não foi anteriormente suscitada, surgindo apenas agora em sede de recurso; não foi levantada na oposição das folhas 256 a 282, que era o lugar próprio para o ter feito. Por isso, tal questão assume a natureza de questão nova, o mesmo é dizer que este tribunal não a pode conhecer.
De qualquer forma, sempre se dirá que se, por hipótese, a sentença que decretou a insolvência vier a ser revogada, naturalmente que então terá que "cair" todo o processado que a tiver por pressuposto, como é o caso do incidente de qualificação da insolvência.

5.º
Segundo o recorrente, ele não pode "ser responsabilizado pela insolvência, ainda que eventualmente culposa, da G, pois que ele não era gerente, nem de direito, nem de facto"(16).
Nesta parte convém recordar cinco factos:
- em Dezembro de 1997 o recorrente foi nomeado gerente da (agora) insolvente, para o período de 30 de Dezembro de 1997 a 30 de Abril de 1998;
- em Junho de 1998 o recorrente foi reconduzido como gerente até ao dia 30 de Junho de 2008;
- a 5 de Setembro de 2012 foi registada a nomeação de AA como gerente da sociedade;
- a insolvência da sociedade G foi declarada a 6 de Janeiro de 2012.
- não há notícia da nomeação de qualquer gerente entre Junho de 2008 e Setembro de 2012.
Conforme o disposto no artigo 256.º do Código das Sociedades Comerciais, "as funções dos gerentes subsistem enquanto não terminarem por destituição ou renúncia, sem prejuízo de o contrato de sociedade ou o acto de designação poder fixar a duração delas".
Na situação dos autos, nas duas vezes em que o recorrente foi designado gerente fixou-se a duração do exercício dessas funções. Nestes casos o "mandato (…) terminará por caducidade"(17), sendo que "o exclusivo facto determinante da caducidade do título é o tempo"(18).
Sucede que chegados a Junho de 2008, depois de terminar o (segundo) prazo estabelecido para o recorrente exercer as funções de gerente, nada aconteceu. Não foi efectuada qualquer nomeação para tal cargo; nem do recorrente, nem de outra pessoa(19).
Neste cenário, "os gerentes devem manter-se em funções até serem designados os novos gerentes e aceite (condição de eficácia) a designação: aplica-se analogicamente art. 391.º, 4 [CSC]. Durante esse período devem ser vistos como administradores de facto ope legis, sem mais requisitos para manterem o estatuto de gerentes. De tal sorte que a sua actuação não está restringida por tal circunstância - não se trata de um administrador precário ou com poderes necessariamente reduzidos - nem se patrocina uma suavização apriorística dos seus deveres, nomeadamente os de cuidado e de lealdade". Na verdade, "a protecção dos interesses da sociedade implica que o gerente se mantenha em funções até nova designação, por aplicação analógica do artigo 391.º n.º 4"(20) do Código das Sociedades Comerciais, no qual se diz que "embora designados por prazo certo, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, sem prejuízo do disposto nos artigos 394.º, 403.º e 404.º."
Como se viu, "para as sociedades por quotas, a lei não estabeleceu expressamente normas equivalentes [ao artigo 391.º n.º 4 CSC], no que concerne à cessação de funções dos gerentes que terminam o seu mandato no fim de um prazo fixado no pacto social. Esta ausência de disciplina legal própria poderá dever-se ao facto de, neste tipo de sociedades, de cunho mais personalista, a regra ser a duração ilimitada da gerência, cessando os mandatos dos gerentes por destituição ou por renúncia. No entanto, está prevista também a limitação contratual ou deliberativa desse mandato, que no caso em apreço foi estipulado em quatro anos, o mesmo prazo que se encontra legal e supletivamente consagrado para os administradores das sociedades anónimas. Portanto, à falta de regulação legal específica, o referido princípio relativo à cessação de funções dos administradores é aplicável também aos titulares dos órgãos das sociedades por quotas, pois a analogia das situações é evidente (art.º 2.º do CSC). Com efeito, as razões que na sociedade anónima impõem uma transição sem interrupções da administração para o novo titular do cargo são as mesmas que aconselham a que a sociedade por quotas não fique privada de gerência, enquanto não são designados novos titulares. A sucessão dos gerentes deve, portanto, ser feita igualmente sem incidentes nem vazio de poder de decisão ou de representação da sociedade na sua actividade normal."(21)
Sendo assim, tem que se entender que o recorrente se manteve no exercício das funções de gerente, mesmo depois de Junho de 2008(22), pelo que poderá ser responsabilizado nos termos do artigo 189.º n.º 2 c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

6.º
O recorrente defende que "não resulta dos autos que o desmantelamento do posto de combustíveis tenha criado ou agravado a situação financeira e económica da G, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto da insolvência culposa, constante do artigo 186.º-1, do CIRE"(23).
Quanto a esta questão, o tribunal a quo, depois de vários considerandos, afirma que:
"Posto isto, nada sabemos sobre a saúde financeira da devedora em Fevereiro de 2010(24), mas dos factos apurados sabemos que a partir dessa data nenhuma receita poderia ser obtida já que os instrumentos de laboração deixaram de existir, tendo sido instalado um supermercado no local do posto de abastecimento.
Sabemos também que nessa data a PETROGAL reclamava da devedora um crédito de € 204 910,75 e que não foram apreendidos quaisquer bens à insolvente, razão pela qual se concluiu que a partir do momento que ficou impossibilitada de gerar receitas, não dispondo de bens, não pode mais proceder ao pagamento das dívidas aos credores criando a situação de insolvência, ou pelo menos agravando-a.
(…)
Em face do exposto concluímos pela actuação com culpa grave do administrador da insolvente e por conseguinte verificada a situação de insolvência culposa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 186.º do CIRE."
Como bem disse a Meritíssima Juiz, "nada sabemos sobre a saúde financeira da devedora em Fevereiro de 2010".
Se é verdade que a partir do desmantelamento do posto de combustíveis, à partida, "nenhuma receita poderia ser obtida", não é menos verdade que, se em virtude daquele facto "os instrumentos de laboração deixaram de existir", em princípio, então também cessaram as despesas que o funcionamento do posto envolve necessariamente. Não se conhecendo o valor da receita que deixou de se obter e da despesa que já não se teve que suportar, e desconhece-se igualmente o activo e o passivo que a sociedade tinha nessa data, não se pode afirmar, com a necessária certeza e rigor, que o desmantelamento do posto de combustíveis contribuiu para criar ou agravar a situação de insolvência(25).
Consequentemente, não se pode qualificar a insolvência de culposa com fundamento neste facto.

7.º
Na sentença recorrida considerou estar-se "perante uma total e continuada falta de colaboração por parte do dito gerente e por isso, mostra-se preenchido o conceito de reiterado incumprimento dos deveres de colaboração, previsto na alínea i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE."
Fundamentou-se esta decisão dizendo, essencialmente, que:
"No parecer previsto no art.º 188.º n.º 2 do CIRE (parecer sobre a qualificação da insolvência), o administrador da insolvência apontou a violação do dever de colaboração por parte do gerente F para fundamentar a qualificação da insolvência como culposa. Parecer que mereceu a concordância do Ministério Público e que foi no sentido da alegação da credora Petróleos de Portugal.
A alegação da credora e os ditos pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público foram notificados ao opoente e á insolvente, sendo que apenas o gerente F deduziu oposição limitando-se a enunciar o conteúdo das cartas de resposta, sem que a contabilidade fosse entregue ao Sr. AI, ou fosse dada qualquer explicação para a falta de concretização do referido na missiva de fls.223 e 292 (promessa de contacto para entrega dos elementos)
Assim, não foi possível ao Sr. Administrador da Insolvência apurar quaisquer elementos sobre a vida financeira da insolvente, tendo o gerente de facto F, violado absoluta e continuadamente o dever de colaboração que lhe incumbia, omitindo a prestação de qualquer informação sobre a vida da empresa e a sua situação patrimonial, nada sendo possível apurar quanto à existência ou não de contabilidade organizada."
Por sua vez, o recorrente sustenta que "não houve qualquer violação, pelo que, muito menos reiterada, do dever de colaboração com o Senhor Administrador de insolvência", dado que "quando a insolvência foi declarada (…) não era já (…) gerente, ainda que de facto, (…) sociedade em causa"(26).
Antes de mais, à luz do que acima já ficou dito, esta última afirmação do recorrente não é verdadeira, pois ele era gerente aquando da declaração de insolvência.
Se bem se interpreta o pensamento da Meritíssima Juiz, o que aqui está em causa é a conduta do recorrente que emerge dos factos 4 e 5, nos quais consta que:
4. "Em 16.01.2012 o Sr. AI notificou a gerência da insolvente a fim de proceder ao arrolamento e apreensão de elementos de escrita bem como o envio de elementos contabilísticos, tendo a gerência informado o seguinte por carta datada de 21.01.2012 "Desta maneira e dado que a sociedade não se encontra em actividade há já mais de dois anos, vamos procurar reunir todos os elementos disponíveis e, dentro de breves dias, voltaremos ao contacto de V. Exa, relativamente a este tema".
5. Até à elaboração do parecer de fls. 196, o Sr. AI não foi contactado pela insolvente."
Este parecer foi junto aos autos a 3 de Agosto de 2012.
Assim, durante um pouco mais de seis meses, apesar da notificação de 16 de Janeiro de 2012, o recorrente persistiu na omissão de cumprir a obrigação que tinha de entregar os "elementos de escrita (…) [e] contabilísticos" que haviam sido solicitados, elementos esses que são especialmente importantes. Esta passividade do recorrente ao longo de tanto tempo é particularmente censurável e traduz-se num incumprimento reiterado do seu dever de apresentação e colaboração, tendo-se para esse efeito presente o disposto no artigo 83.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Acompanha-se, portanto, o tribunal a quo na parte em que decidiu que houve um "reiterado incumprimento dos deveres de colaboração, previsto na alínea i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE."
Consequentemente, não se pode afirmar que "a insolvência da Garagem S. Cristóvão Comércio de Combustíveis L.da não foi culposa"(27).

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se parcialmente procedente o recuso, pelo que:
a) revoga-se a decisão recorrida no segmento que considerou culposa a insolvência com fundamento no disposto no artigo 186.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) mantém-se no mais a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

22 de Junho de 2017


(António Beça Pereira)
(Maria Amália Santos)
(Ana Cristina Duarte)


1 - Cfr. conclusões 7.ª e 8.ª.
2 - Cfr. conclusão 6.ª.
3 - Cfr. conclusão 11.ª.
4 - Cfr. conclusão 12.ª.
5 - Cfr. conclusão 16.ª.
6 - Ac. STJ de 7-5-2014 no Proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1. Neste sentido veja-se também Ac. STJ de 28-1-2016 no Proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1 e Ac. STJ de 9-9-2014 no Proc. 5146/10.4 TBCSC.L1.S1, todos em www.gde.mj.pt.
7 - Cfr. folhas 264 a 278.
8 - Em parte implicitamente.
9 - Cfr. por exemplo a folha 714.
10 - Cfr. conclusões 7.ª e 8.ª.
11 - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 23.
12 - Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 566.
13 - Neste sentido pode ainda ver-se Ac. STJ de 17-12-1991 no Proc. 080356, Ac. STJ de 28-4-2010 no Proc. 2619/05.4TTLSB, Ac. STJ de 3-02-2011 no Proc. 29/04.0TBBRSD, Ac. STJ de 12-5-2011 no Proc. 886/2001.C2.S1, Ac. STJ de 24-4-2012 no Proc. 424/05.7TYVNG.P1.S e Ac. Rel. de Coimbra de 29-5-2012 no Proc. 37/11.4TBMDR.C1, todos em www.gde.mj.pt, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158. Cfr. artigo 627.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
14 - E aqui sublinha-se que o artigo 627.º do novo Código de Processo Civil é igual ao 676.º do anterior Código de Processo Civil, pelo que o que se dizia em relação a este é válido quanto àquele.
15 - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 382. A este propósito veja-se o Ac. STJ de 13-5-2014 no Proc. 16842/04.5TJPRT.P1.S1, www.gde.mj.pt.
16 - Cfr. conclusão 6.ª.
17 - Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenado por Menezes Cordeiro, 2.ª Edição, pág. 745.
18 - Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coordenado por Coutinho de Abreu, Vol. IV, pág. 113.
19 - Só volta a haver uma notícia relevante neste campo, em Setembro de 2102, quando é registada a nomeação de Ana Alexandrina Machado Cardoso Costa Monteiro como gerente.
20 - Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenado por Menezes Cordeiro, 2.ª Edição, pág. 745.
21 - Ac. Rel. Lisboa de 29-4-2008 no Proc. 1413/2008-1, onde se cita o Ac. STJ de 15-1-2004 no Proc. 03B3827 que segue esta esta linha de raciocínio, ambos em www.gde.mj.pt,
22 - Até Setembro de 2012.
23 - Cfr. conclusão 11.ª.
24 - Data em que foi desmantelamento do posto de combustíveis.
25 - Provavelmente esse facto foi relevante, mas a mera possibilidade é insuficiente. Por outro lado, em tese, a situação de insolvência podia já existir e ter-se mantido exactamente na mesma, sem melhorar nem piorar.
26 - Cfr. conclusões 12.ª e 13.ª.
27 - Cfr. conclusão 16.ª.