Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA | ||
Descritores: | ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS TRAMITAÇÃO SIMPLIFICADA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I – Na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato impera uma maior simplicidade e celeridade, que é garantida através da limitação do objecto do processo e de uma tramitação menos exigente. II – Ainda que com base numa tramitação simplificada, devemos considerar estarem efectivamente garantidos, por essa forma simplificada, os direitos processuais das partes quando o modelo adoptado não deixa de se configurar, procedimentalmente, como justo, assegurando um efectivo direito de actuação no processo em termos aptos a moldar o resultado decisório deste. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório EMP01... Lda. intentou a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra AA peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €: 13.225,00 (treze mil duzentos e vinte e cinco euros) acrescida de juros que quantifica em €: 229,72 (duzentos e vinte e nove euros e setenta e dois cêntimos), invocando, para o efeito, a prestação de serviços à Requerida no âmbito da saúde, nomeadamente diagnóstico, terapêutica e prevenção, e gestão de unidades de saúde. Em sede de Oposição, a Requerida, entre o mais, peticionou a intervenção principal provocada do lado passivo da entidade seguradora EMP02... – PLC, Sucursal em Portugal, alegando que a própria foi vítima de acidente de viação, cuja responsabilidade pelos danos foi assumida pela mencionada entidade, nomeadamente no que importa ao pagamento das despesas com consultas e tratamentos das lesões sofridas pela Requerida. Nesse seguimento, requer a sua substituição processual pela intervenção da entidade seguradora, enquanto único sujeito passivo da relação material controvertida. * Cumprido o disposto no artigo 318.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, foi proferida a seguinte decisão:“Tem entendido a jurisprudência que «os procedimentos especiais a que se reporta o Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, mormente de injunção, traduzem mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas. O procedimento de injunção, direcionado para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, tal como a decorrente ação declarativa especial transmutada (procedimento/ação de cumprimento), com o figurino processual que o legislador quis manter até ao presente (mesmo após a entrada em vigor do NCPCiv., com a filosofia e soluções incorporadas por este), não constituem meio processualmente adequado para discutir obrigação indemnizatória fundada em incumprimento contratual do senhorio quanto à sua obrigação de realização de obras necessárias no prédio urbano locado (ação de responsabilidade). Nem para dirimir litígios referentes a relações contratuais de natureza complexa/duradoura, com múltiplas atribuições patrimoniais reciprocas pelas partes e decorrentes deveres contratuais e legais. Não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de meritis, ocasionando exceção dilatória inominada, a determinar a absolvição da instância» - assim, Tribunal da Relação de Coimbra em aresto de 28.09.2022, relator Vítor Amaral, disponível em www.dgsi.pt. Em especial no que concerne à intervenção principal provocada, enquanto incidente de intervenção de terceiros, a jurisprudência igualmente vem entendendo que a sua admissibilidade é manifestamente incompatível com a tramitação processual simplificada deste tipo de ações e com o fim visado pelo legislador – neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 17.02.2011, relator Maria Catarina, Tribunal da Relação de Guimarães em aresto de 08.06.2017, relator Eva Almeida e Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão de 17.02.2011, relator Ezaguy Martins, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Aliás, já o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre esta querela, expondo que a norma contida no artigo 17.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, não é inconstitucional na interpretação segundo a qual os trâmites processuais previstos naquele regime não se compadecem com a dedução de incidentes de intervenção de terceiros – cfr. acórdão TC n.º nº 609/2016, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Revertendo ao caso em concreto, verifica-se que a intervenção principal provocada peticionada pela Requerida extravasa, em muito, o objeto da injunção agora em apreço, sendo que a tramitação processual própria que o incidente impõe não se compagina com a simplicidade e celeridade que o presente procedimento comporta. Termos em que se julga inadmissível o pedido de intervenção principal provocada formulada pela Requerida AA”. * II- Objecto do recursoInconformada veio a Ré recorrer finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: I.Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 26/09/2023, o qual indeferiu o incidente de intervenção de terceiros. II.O legislador em lado algum expressa como inadmissível a intervenção deterceiros nos processos de injunção destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação. III.Não obstante, consagra o artigo 547º do CPC que é lícito ao juiz adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa, e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo. IV.A filosofia que presidiu à introdução do princípio processual de adequação formal é a de que o processo é um meio que deve ser o mais adequado possível para se obter uma justa composição do litígio. V.O dever de adequação tem por fundamento a necessidade de adoptar a tramitação processual que melhor se ajusta à causa, com as especificidades que esta apresenta, visando garantir a efetividade das soluções legais que incentivam a economia processual e sobretudo a resolução global do litígio. VI. O princípio da adequação formal integra um poder-dever do juiz a usar quando o modelo processual legal se mostre de todo inadequado à situação e por isso, colida com o objetivo de atingir um processo equitativo e que resolva definitivamente a situação. VII.No caso concreto cumpre apreciar se o Tribunal a quo deve aplicar o poder-dever de adequar formalmente o processo com o fim de garantir a efetividade da solução legal que incentiva a economia processual e, sobretudo, a resolução global do litígio, obstando a que sobre a R./Recorrente, na hipótese de decair, venha a incidir o ónus de instauração de uma nova ação judicial contra o terceiro/chamado com vista à efetivação do direito de regresso. VIII.Em face da posição da R./Recorrente, não podemos olvidar que o sentido do despacho recorrido implica, para a responsabilização do terceiro visado, a instauração de uma nova acção, com uma duplicação de processos, de custos, de diligências e, sobretudo, de decisões judiciais e, por outro lado, os factos alegados para a demanda do terceiro visam a responsabilização dele em substituição da R./Recorrente em tudo quanto esta foi inicialmente demandada. IX. Subsiste evidente necessidade de se adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa, e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo, o que deverá ser efetivado através do exercício do poder-dever contido no artigo 547º do CPC. X.Verificando-se que a tramitação processual especial não se adequa à situação concreta,e poraplicaçãodo princípio da adequação formal contidono artigo 547º do CPC, deverá a presente ação ser convolada em processo comum, admitindo-se dessa forma a intervenção do terceiro, prevalecendo não só evidente economia processual e, sobretudo, uma apreciação global do diferendo. XI. A necessidade de realização da justiça material enquanto missão do Estado, deve prevalecer sobre a garantia conferida às partes pela forma de processo, sendo esta meramente instrumental face ao fim que visa – a Justiça do caso concreto. XII.Deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que, por aplicação do princípio da adequação formal, determine a convolação do processo especial em processo comum, admitindo-se assim o chamamento de terceiro. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS A HABITUAL JUSTIÇA. * III - O DireitoComo resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso. Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a admissibilidade da intervenção principal provocada na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato. * IV.FUNDAMENTAÇÃODe Facto: Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidos * De Direito:O propósito prosseguido pelo legislador com a criação dos procedimentos especiais destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, resulta claro do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, onde se lê que: – «A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar (…). É elevadíssimo o número de acções propostas para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos(…), pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado. No mesmo sentido fez-se constar no preâmbulo do Dec. Lei 107/2005, que introduziu alterações ao anterior: – «(…) Com o presente diploma, é colocado à disposição do credor de dívidas emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 14963,94 o regime simplificado e expedito da injunção, permitindo-lhe obter, num curto espaço de tempo, um título executivo para cobrança das mesmas». Fazendo jus ao referido preâmbulo, preceitua-se logo no art. 1.º, n.º 3 e 4 respectivamente que a petição e a contestação não carecem de forma articulada e que o duplicado da contestação é remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento. Acrescenta-se, de forma conjugada, no art. 3.º, n.ºs 2 a 5, do mesmo diploma, que se a acção tiver de prosseguir, a audiência de julgamento realiza-se dentro de 30 dias, sendo as provas oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos, não podendo a parte, em qualquer um desses casos, produzir mais de três testemunhas sobre cada um dos factos que se propõe provar, não se contando as que tenham declarado nada saber. Por sua vez, preceitua-se no art. 4.º, no seu n.º 2, que não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes e, nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, também a dos seus mandatários, acabando por se ultimar, no seu n.º 6, que, finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral, a que se segue a sentença, sucintamente fundamentada, e ditada para a acta (cfr. n.º 7). Certo é, assim, que, neste tipo de acções, impera uma maior simplicidade e celeridade, que é garantida através da limitação do objecto do processo e de uma tramitação menos exigente. Corolário deste propósito é a própria estrutura desta acção: – Apenas são admissíveis dois articulados (petição e contestação); – Não existe notificação prévia da contestação, sendo que tal notificação é efectuada, em simultâneo, com a notificação da data de julgamento (art.º 1º nº4); – Não existe despacho saneador nem definição do objecto do litígio ou enunciação dos temas da prova, prosseguindo o processo de imediato (após a contestação) para julgamento, sem prejuízo de o juiz poder, desde logo, julgar procedente alguma excepção dilatória ou nulidade ou conhecer do mérito da causa (art.º 3º nºs 1 e 2) - Não existe notificação para apresentar os meios de prova, sendo que as provas são oferecidas na audiência (art.º 3º nº 4). Consequentemente, face a esta simplificada tramitação e aos fins visados com a criação deste procedimento especial, face à manifesta incompatibilidade de tal tramitação com a dedução de incidentes de intervenção de terceiros, “na medida em que estes sempre obrigariam à prática de outros actos processuais e à admissibilidade de outros articulados (a apresentar, designadamente, pelo terceiro), o que contraria, manifestamente, a intenção do legislador”, leva-nos a concluir pela sua inadmissibilidade. “Este tipo de processo não comporta a implementação daqueles incidentes, sob pena de total desvirtuamento da sua natureza e finalidade, sendo que tal óbice não pode ser ultrapassado através dos princípios da adequação formal ou da economia processual. De outro modo, frustravam-se a desburocratização, simplicidade, singeleza e celeridade que estão associadas a este tipo de procedimentos, pensados tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante” – cfr. neste sentido, que se apoda de dominante na jurisprudência, apontam-se os acórdãos do TRL de 17/02/2011 (proc. 349215/09.4YIPRT.L1-2), do TRP de 17/02/2011 (proc. 334426/09.0YIPRT-A.P1), e deste tribunal de 8.6.2017 (proc. 492/16.6T8AVV.G1) publicados in www.dgsi.pt. Aliás, a constitucionalidade da supressão dos incidentes de intervenção de terceiros, no âmbito deste procedimento especial, já foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, no acórdão de 609/2016 de 15 Nov. 2016, onde se refere que “no contexto de tal simplificação processual, a supressão dos incidentes de intervenção de terceiros, em geral e só por si, não implica violação de alguma norma ou princípio da Constituição da República Portuguesa, designadamente no confronto com o seu artigo 20.º”. Como neste acórdão se sublinha “não se pode clamar pela necessidade da introdução de regimes processuais simplificados, que necessariamente postula opções de aligeiramento da tramitação processual, e depois sindicar as manifestações concretas dessa simplificação com base num exacerbamento da necessidade das formalidades suprimidas. Valem nestes casos critérios de razoabilidade e de adequação formal mínima dirigidos à aferição da tutela conferida aos interesses das partes. Se tais interesses foram suficientemente salvaguardados, mesmo que com base numa tramitação simplificada, devemos considerar estarem efectivamente garantidos, por essa forma simplificada, os direitos processuais das partes quando o modelo adoptado não deixa de se configurar, procedimentalmente, como justo, assegurando um efectivo direito de actuação no processo em termos aptos a moldar o resultado decisório deste”. Em conformidade, aí se decidiu, "n[N]ão julgar inconstitucional a norma contida no artigo 17.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na interpretação segundo a qual os trâmites processuais previstos naquele regime não se compadecem com a dedução de incidentes de intervenção de terceiros". Em face do exposto entendemos ser de manter a decisão recorrida, julgando, consequentemente, o recurso improcedente. * III- DecisãoNestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, mantendo, em consequência, a decisão proferida. Custas pela recorrente. Notifique. * Guimarães, 25.01.2025 (O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo ortográfico a não ser nas transcrições da autoria dos citados, e é por todos assinado electronicamente) |