Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5869/20.0T8BRG.G1
Relator: 5869/20.0T8BRG.G1
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO ILÍCITO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Tendo-se apurado que o autor não só exercia as funções de inspector, como exercia funções de cariz administrativo, estando-lhe destinado um local próprio na delegação de Braga onde se deslocava com regularidade, exercia as suas funções de inspector reunindo com o delegado e inserindo os relatórios no programa informático como também auxiliava e substituía quando necessário, a funcionária administrativa, não podendo gozar férias no período de 15 dias em que anualmente substitui a funcionária administrativa Por outro lado, tendo-se apurado que semanalmente o autor reunia com o delegado a fim de acordar e programar os serviços da semana seguinte e uma noite por semana devia realizar uma fiscalização em estabelecimento noturno, os instrumentos de trabalho utilizados, carro, computador fixo e secretaria pertenciam à Ré. É de qualificar o contrato celebrado entre as partes como de trabalho, pois todos estes indícios revelam que o autor estava integrado na estrutura organizativa da delegação de Braga e actuava sob a autoridade desta, não estando apenas a Ré interessada no resultado do trabalho do autor como inspector, estando também interessada no aproveitamento do trabalho do autor para suprir as suas carências de mão de obra.
II - A indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora, associada à ideia de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego e sancionatória da actuação ilícita do empregador) e deve ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art.º 381.º - valor da retribuição e grau da ilicitude -, sendo a retribuição factor de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro dos parâmetros legalmente previstos) e a ilicitude, de variação directa..
III – Da conjugação de uma retribuição reduzida, por um lado, com um despedimento cujo grau de ilicitude reduzido face quer à ordem estabelecida no artigo 381º do CT, quer às circunstâncias em que ocorreu, entendemos que o quantum indemnizatório deve ser fixado em 20 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
IV - O Autor/Apelado tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, deduzidas das quantias indicadas no n.º 2 daquela norma, se for o caso, devendo as das alíneas b) e c) ser consideradas oficiosamente.
V- A violação do dever de prestar formação profissional não confere ao trabalhador o direito de receber uma indemnização nos termos por si peticionados, mas sim apenas lhe confere o direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado ou ao crédito de horas para formação de que seja titular – cfr. art.º 134.º do CT.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTES: R. P. e SOCIEDADE ... DE AUTORES, C.R.L.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos – Juiz 2

I – RELATÓRIO

R. P., residente na Rua …, n.º …, ..º andar, Braga, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra SOCIEDADE ... DE AUTORES, C.R.L., com sede na Rua …, n.º … e Rua … n.º …, Lisboa, pedindo que:

a. seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré;
b. seja declarado que o autor foi despedido ilicitamente pela ré;
c. a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de € 188.243,51 (cento e oitenta e oito mil duzentos e quarenta e três euros e cinquenta e um cêntimo), a título de indemnização pelo despedimento ilícito, créditos laborais, valor de IVA e indemnização por danos não patrimoniais;
d. seja remetida certidão da presente sentença ao Ministério Público, à Autoridade Tributária, à Segurança Social e à Autoridade para as Condições de Trabalho para apuramento das responsabilidades da ré.
O Autor alega em resumo que foi admitido ao serviço da Ré para desempenhar as funções de inspector, sob as ordens e direcção da Ré. Além destas funções, desempenhava funções administrativas na delegação da Ré. A ré prescindiu dos seus serviços com efeitos a partir do final do mês de Agosto de 2020, o que se traduziu num despedimento ilícito. Reclama assim, a condenação da Ré a reconhecer a existência do contrato de trabalho e a pagar-lhe a indemnização pelo despedimento ilícito, bem como os demais créditos laborais que estão em dívida.
Realizada a audiência de partes não foi possível obter a conciliação das partes tendo a Ré, dentro do prazo legal, apresentado contestação, na qual alega que o autor era um mero prestador de serviços, não lhe sendo por isso devidas qualquer uma das quantias reclamadas.

Prosseguiram os autos os seus regulares termos e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
­ Condeno a a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com autor com início no dia 2 de Maio de 2012;
­ Declaro a ilicitude do despedimento do autor a que a ré procedeu, com efeitos a partir do dia 31 de Agosto de 2020;
­ Condeno a a pagar ao autor a quantia de 5.080,00 (cinco mil e oitenta euros) a título de indemnização pelo despedimento ilícito calculada até à data do despedimento, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento;
­ Condeno a a pagar ao autor a indemnização pelo despedimento ilícito devida desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, calculada com referência à retribuição base e diuturnidades no valor de 635,00 (seiscentos e trinta e cinco euros) e a trinta dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade;
­ Condeno a a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, no valor mensal de 635,00 (seiscentos e trinta e cinco euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que cada retribuição devia ter sido paga até integral pagamento;
­ Condeno a a pagar ao autor as diferenças salariais entre a parte fixa da retribuição que pagava e o salário mínimo nacional em cada ano, desde o início do contrato de trabalho até ao despedimento, acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que cada retribuição devia ter sido paga até integral pagamento;
­ Condeno a a pagar ao autor os subsídios de férias e de Natal correspondentes ao salário mínimo nacional em cada ano, acrescidos de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que cada subsídio devia ter sido pago até integral pagamento;
­ As quantias relativas a retribuições, diferenças salariais e subsídios de férias e de Natal deverão ser sujeitas ao tratamento fiscal e para a Segurança Social que é aplicável aos trabalhadores;
­ Condeno a a pagar ao autor a quantia de 927,14 (novecentos e vinte euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
­ No mais, absolvo a dos pedidos contra si formulados.
Custas a cargo do autor e da ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor R. P. interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes CONCLUSÕES:

I- O Autor Recorrente que vê ser-lhe reconhecido o contrato de trabalho com efeitos a partir de Maio de 2012, tem direito a, para a sentença ter a sua plena eficácia, ver-lhe reconhecidos todos os direitos inerentes ao trabalhador.
II-Em face da condenação da entidade patronal a devolver-lhe os valores de seguro pagos tem, também, na mesma lógica, direito a que todos os efeitos fiscais e contributivos para o Estado sejam contemplados, nomeadamente os valores referentes a descontos para Segurança Social que entidade patronal deveria pagar e não pagou em virtude do desajuste contratual vigente.
III-À data da contratação do recorrente o valor de remuneração de trabalhador com a sua catetogria profissional era de €1.302,00 (mil trezentos e dois euros).
IV-Como tal, deverá ser sobre tal valor que deverá impender a condenação e reconhecimento do contrato de trabalho e a inerente retribuição.
V-Pelo que mal andou o Tribunal recorrido ao ficcionar a retribuição base do contrato de trabalho em termos análogos ao salário mínimo nacional, quando existia e existiu à data do inicio da vigência do contrato de trabalho CCT que dispunha dos valores mínimos para o exercício das funções do recorrente.
VI- Seria, pois, possível, operar uma cuidada comparação entre os valores recebidos pelo recorrente a título de comissão e amortiza-los ao valor que este teria direito a receber por todo o período de prestação de trabalho à luz e nos termos do CCT aplicável com as inerentes actualizações e diuturnidades.
VII-
VIII- de facto, esta data que importa, em Maio de 2012, estava em vigor o CCT, onde o valor da remuneração de um inspector, conforme Boletim do trabalho
IX- O subsídio de alimentação, pese embora não negociado, ao existir em Maio de 2012 o IRCT que fixava o valor de subsídio de alimentação, a entidade patronal tem obrigação de o liquidar, nos termos fixados, impondo-se, por isso, a condenação da ré no pagamento referente a todo o período contratual.
X-Também o abono para falhas, ao existir valoração probatória das funções do Autor Recorrente envolverem dinheiro e serviço administrativo, é devido, sendo aplicável o valor que se encontra no IRCT.
XI- O direito de formação é um direito legal, sendo que as entidades patronais que o violem devem ser condenadas ao pagamento de indemnização.
XII- Ao não ter o trabalhador beneficiado de formação, deverá ser indemnizado nesses termos.
XIII- Por isso, confirmando-se a existência de um contrato de trabalho, impõe-se a condenação da ré no pagamento retroactivo de todas as quantias que o recorrente auferiria nessa circunstância.
XIV- Ao existir um IRCT por CCT aplicável à data do reconhecimento do contrato de trabalho (Maio de 2012) é este que servirá de referência, a título de fixação de retribuição, sendo que independentemente da sua revogação, a produção de efeitos, nos termos da aplicação da lei no tempo e no espaço, é à data da contratação.
XV- Assim, de remuneração base o Autor sempre recebeu, portanto, os ditos €600,00 quando deveria ter auferido €1.302,00 (mil trezentos e dois euros) e sucessivas actualizações e diuturnidades, ou seja temos um diferencial de €702,00 (setecentos e dois euros), devendo, sempre, a Ré ser condenada a tal pagamento.
XVI- A sentença proferida viola os artigos 12.º, 127.º e 390.º do Código de Trabalho, sendo que só com a uniformização destes aspetos se poderá ter, cabalmente, uma sentença perfeita.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exa. que julgue o recurso totalmente procedente e, em consequência, revogue parcialmente a sentença proferida, substituindo-a por outra que, reconhecendo o contrato de trabalho como existente, condene a Ré em todas as valências que tal implica, fazendo, assim, Vossas Excelências, a inteira e habitual justiça.”
A Recorrida apresentou contra-alegação pugnando pela improcedência do recurso em face da falta de razão e do enquadramento normativo incorreto preconizado pelo recorrente/autor. Caso se venha a entender que o Acordo de Empresa ainda se encontrava em vigor pugna pela ampliação do recurso.
Por seu turno, a Ré também não se conformou com o teor da sentença e veio interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações, que depois de aperfeiçoadas, terminam mediante a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
A. Não pode a R./Apelante conformar-se com o teor e o sentido da decisão recorrida, por a mesma se mostrar contrária às disposições legais aplicáveis, bem como por ter valorado e apreciado incorretamente os meios de prova – testemunhal e documental – ao seu dispor.
B. Com o presente recurso pretende-se demonstrar, através da reapreciação da prova gravada, que a matéria de facto assente deve ser alterada (e aditada), dando-se como provados factos que foram considerados como não provados pelo Tribunal a quo, ou que foram, erradamente, desconsiderados na decisão, bem como dando-se como não provados determinados factos que foram considerados provados pelo Tribunal recorrido.
C. Ainda que este Venerando Tribunal não proceda à alteração da matéria de facto, deverá - mesmo assim - a sentença recorrida ser alterada, em virtude da aplicação incorreta do artigo 12.º do Código do Trabalho, que conjugadamente com a factualidade dada como provada, deverá conduzir necessariamente à conclusão da inexistência de um contrato de trabalho entre a R./Apelante e o A./Apelado.
D. Através do presente recurso pretende-se, cumulativamente, proceder à alteração/ampliação da matéria de facto e ainda à alteração das soluções jurídicas propugnadas pelo Tribunal a quo, pretendendo-se, pois, recorrer dos segmentos decisórios que foram desfavoráveis à R./Apelante.
E. Atendendo à prova documental junta aos autos, mais concretamente à mensagem de correio eletrónico de 28 de Setembro de 2015, o ponto 22 do elenco de Factos Provados carece de revisão, nos seguintes termos:
“22. O delegado de Braga solicitou ao A. que no exercício das suas funções, e no âmbito da respetiva discricionariedade, tivesse em consideração, nomeadamente, o seguinte:
- Devia ser realizada uma reunião semanal na delegação em que seriam acordados e programados os serviços da semana seguinte;
- Esta reunião devia ocorrer preferencialmente à segunda ou sexta-feira;
- O autor podia utilizar a viatura que estava atribuída à delegação, mas devia informar para onde era a deslocação;
- Sempre que fosse para fora de Braga, as fiscalizações deviam iniciar da parte da manhã;
- Pelo menos uma noite por semana, devia ser realizada uma fiscalização em estabelecimentos noturnos.”
F. Resultou provado, através da produção da prova testemunhal … em sede de audiência final de julgamento, nomeadamente através dos depoimentos das testemunhas A. A. (AA) (Cfr. mins. 11:56 a 12:04 e mins. 14:43 a 15:11 da gravação 20210503103604_ 5861338_2870519), F. L. (FL) (Cfr. mins. 30:42 a 33:14 da gravação 20210503112111_ 5861338_2870519), C. M. (CM) (Cfr. mins. 15:39 a 16:30 e mins. 1:00:50 a 1:01:17 da gravação 20210622100222 _5861338_2870519) e C. N. (CN) (Cfr. mins. 4:50 a 5:36 da gravação 20210622112640_5861338_2870519) que o A./Apelado tinha total autonomia e independência no exercício das suas funções, organizava-se livremente (definindo ele próprio o “quando” e o “como”), e não estava sujeito a ordens e/ou instruções específicas da R./Apelante, mais concretamente do Dr. F. L., que apenas lhe fornecia orientações genéricas e apenas excecionalmente indicava o estabelecimento específico a fiscalizar quando existia um pedido expresso por parte da sede da R./Apelante nesse sentido.
G. Consequentemente, os seguintes factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, devem ser dados como provados, e que de seguida se transcrevem:

“1. O autor organizava livremente as funções de fiscalização que desempenhava sem quaisquer ordens ou instruções do delegado;
2. O delegado limitava-se a, em determinadas circunstâncias, indicar ao autor os concelhos onde devia realizar fiscalizações atendendo à época do ano ou a outras condicionantes;
3. O autor não tinha que dar explicações quanto às funções de fiscalização;”
H. Mais: entende a R./Apelante que, face aos depoimentos das testemunhas acima referidas (ponto F), deverão ser dados como provados os seguintes factos:
a) “O A. desenvolvia a sua atividade de forma absolutamente autónoma e sem qualquer subordinação relativamente à R.”
b) “Era o A. quem decidia e organizava as visitas inspetivas e de fiscalização aos usuários localizados na área geográfica da Delegação de Braga.”
c) “O A. não estava sujeito a quaisquer ordens ou instruções específicas quanto ao dia, hora ou modo de realizar as fiscalizações/ações inspetivas.”
d) “O A. não estava hierárquica ou organizacionalmente integrado na R. ou na sua Delegação de Braga, ou subordinado ao Dr. F. L., Delegado da Delegação de Braga.”
I. Quanto ao ponto 29 do elenco de Factos Provados (“O autor desempenhava funções administrativas na delegação sempre que o volume de serviço era demasiado para a funcionária administrativa.”) o mesmo não resultou da prova testemunhal produzida em juízo, pois nenhuma testemunha fez referência a tais factos e porque o que resultou da prova testemunhal produzida foi – simplesmente - que o A./Apelado preenchia relatórios-aviso relativamente a cada fiscalização que realizasse.
(…)
M. O ponto 29 do elenco dos Factos Provados acima referido não pode ser dado como provado. Ou, no limite, deverá apenas ser dado como provado o seguinte: “O A. tinha a tarefa acessória de introduzir a informação constante dos Relatórios que elaborava referentes às visitas inspetivas que realizava, no sistema informático da R.”
N. Além disso, foi produzida prova testemunhal bastante e credível (cfr. depoimentos acima mencionados nos pontos J, K e L) que permitiria ao Tribunal dar como provados os seguintes factos, que se requer que sejam aditados ao elenco dos Factos Provados:
e) "O A. não ia todos os dias à Delegação de Braga.”
f) “O A. exercia a sua principal atividade fora da Delegação de Braga.”
O. Os depoimentos das testemunhas … constituíram prova testemunhal bastante e credível que permitiria dar como provados os seguintes factos, cujo aditamento se requer ao elenco dos Factos Provados:
g) “O A. não tinha de elaborar um número mínimo de Relatórios por dia.”
h)“O A. não tinha de visitar/inspecionar um número concreto de estabelecimentos por dia.”
P. Não pode o Tribunal recorrido dar como provado o facto n.º 34, impondo-se que o mesmo seja dado como não provado (…)
Q. A respeito do “alegado” local de trabalho do A./Apelado, deu o Tribunal a quo como provado o seguinte facto: “25. O autor dispunha de uma secretária e um computador fixo na delegação para as suas funções.”, o que não resultou – antes pelo contrário – da prova testemunhal produzida em juízo (…)
(…)
S. Com o devido respeito, o Tribunal a quo revela alguma incoerência nos próprios factos que deu como provados a respeito desta matéria, pois se deu como provado que os computadores que existiam na delegação de Braga eram utilizados indistintamente pelo delegado, pela funcionária administrativa e pelo A./Apelado (cfr. facto provado 28), então este último não podia “dispor” de um computador fixo na delegação especificamente para o exercício das suas funções, razão pela qual se impõe que seja alterada a redação do ponto 25 constante da Matéria de Facto dada como provada do seguinte modo: “O A. podia utilizar uma secretária e um computador fixo que se encontravam na Delegação de Braga da R.”.
T. Face aos depoimentos das testemunhas acima mencionados (pontos Q e R), impõe-se ainda a este Venerando Tribunal que considere como provado o seguinte facto:
i) “O computador fixo não estava identificado com o nome do A. nem lhe foi especificamente atribuído.”
U. Relativamente ao horário de trabalho (ou à falta dele), resultou da prova testemunhal produzida que o A. não estava sujeito a qualquer horário de trabalho (…)
V. Tendo sido as mencionadas testemunhas unânimes quanto a esta matéria, devem aditar-se à Factualidade Assente, como factos provados, os seguintes factos:
j) “O A. não estava sujeito a qualquer horário de trabalho.
k) O A. observava, por sua iniciativa, as horas de início e de fim que mais lhe convinham e que se adequavam ao horário de funcionamento dos estabelecimentos dos usuários que visitava/inspecionava, que podiam ser diurnos ou noturnos.
l) O A. não tinha de cumprir um determinado período normal de trabalho.”
W. Consequentemente, não pode o ponto 33 do elenco de Factos Provados ser considerado como provado, impondo-se a respetiva alteração para facto não provado.
X. Deu também o Tribunal a quo como provados os factos constantes dos pontos 30, 31 e 32 da matéria de facto, quando, na verdade, estes devem ser considerados como não provados (…)
Z. Pelo contrário, com base nos depoimentos das testemunhas acima transcritos (cfr. ponto X), impõe-se que o seguinte facto, considerado como não provado pelo Tribunal a quo, seja considerado como provado: “As situações em que o autor substituiu a funcionária administrativa da delegação nas ausências ou nas férias foram esporádicas.”
AA. Resultou igualmente provado, através da prova testemunhal, nomeadamente através dos depoimentos das testemunhas … os seguintes factos, que deverão ser aditados à Factualidade Assente:
m) “O A. podia ausentar-se sempre que assim o entendesse.”
n) “O A. não tinha de pedir autorização a quem quer que fosse para se ausentar, nomeadamente ao Dr. F. L..”
o) “O A. não tinha de apresentar justificação para as suas ausências.”
p) “O A. nunca constou dos mapas de férias da R.”
BB.Deu o Tribunal a quo como não provado o seguinte facto: “O autor utilizava a viatura que estava atribuída à delegação por mera tolerância do delegado porque eram amigos”, mas entende a R./Apelante que o mencionado facto deveria ter sido dado como provado … impõe-se ainda a este Venerando Tribunal que dê como provado o seguinte facto:
q) “Não foi atribuída qualquer viatura automóvel ao A.”
DD. Foi, igualmente, produzida prova testemunhal unânime e credível sobre a utilização do telemóvel pessoal pelo A./Apelado no exercício das suas funções …, pelo que deverão ser aditados os seguintes factos:
r) “O A. sempre utilizou o seu telemóvel pessoal para o exercício da sua atividade, nomeadamente para contactar o Dr. F. L.,”
s) “Tendo sempre suportado integralmente os custos com tais comunicações.”
EE. A respeito dos pagamentos efetuados ao A./Apelado, as testemunhas foram unânimes em afirmar que a parte mais significativa dos pagamentos efetuados pela R./Apelante ao A./Apelado eram precisamente as comissões: … deverá ser aditado à Matéria Assente:
t) “Ainda que o A. auferisse um montante fixo mensal, a parte mais significativa dos pagamentos que lhe eram efetuados pela R. teve sempre natureza variável, maxime através das comissões.”
FF. Impõe-se ainda a alteração da redação do ponto n.º 15 do elenco dos Factos Provados, pois atendendo a que o Tribunal a quo condenou a R./Apelante no pagamento de diferenças salariais por referência ao salário mínimo vigente em cada ano, é de extrema relevância a data em que a quantia mensal que o A./Apelado auferia foi atualizada para €600,00, razão pela qual, deverá a redação do ponto n.º 15 ser alterada da seguinte forma: “A quantia mensal que o autor auferia foi atualizada para o valor de €600,00 a partir de Janeiro de 2013.”
GG.Existe ainda um conjunto de factos cuja relevância foi desconsiderada pelo Mmo. Juiz a quo, mas que resultaram provados dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
HH.As testemunhas corroboraram o entendimento de que o A./Apelado foi contratado ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sabia que iria ser um prestador de serviços, nunca lhe tendo sido prometido um contrato de trabalho com a R./Apelante, … pelo que deverão ser dados como provados os seguintes factos, e consequentemente, aditados ao elenco dos Factos Provados:
u) “Quando foi contratado, o A. sabia que estava a celebrar um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho.
v) “Nunca foi prometido ao A. que seria trabalhador subordinado da R.”
II. Uma vez mais, a maioria das testemunhas inquiridas depôs sobre a não exclusividade dos serviços prestados pelo A./Apelado, tendo afirmado que aquele realizava eventos em que era DJ, não estando sujeito a qualquer exclusividade… permitiria ao Tribunal dar como provado o seguinte facto, que se requer que seja aditado:
w) “O A. não estava obrigado a prestar os seus serviços à R. em regime de exclusividade.”
(…)
LL. Caso este Venerando Tribunal considere não constarem dos autos todos os elementos que permitam a ampliação da matéria de facto, mais se requer, desde já, que se anule a decisão proferida pela 1.ª instância, repetindo-se o julgamento para apreciação dessa matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, alínea c) do CPC.
MM. Atenta a alteração da matéria de facto dada como provada que acima se sustentou, não se pode – como não podia, igualmente, o Tribunal a quo, mesmo com toda a matéria de facto dada como provada na sentença – concluir como na sentença recorrida, pois não se pode chegar a outra conclusão que não a de que entre o A./Apelado e a R./Apelante existia um contrato de prestação de serviços.
(…)
SS. Ainda que pudesse estar sujeito a algumas orientações genéricas por parte do Dr. F. L., este limitava-se a, em determinadas circunstâncias, indicar ao A./Apelado os concelhos onde devia realizar fiscalizações atendendo à época do ano ou a outras condicionantes, mas o A./Apelado desempenhava, ainda assim, a atividade de “Inspetor” de forma absolutamente autónoma e independente.
(…)
Y. Atendendo aos factos considerados como provados pelo Tribunal recorrido (em concreto, pontos 19, 20 e 21 da Matéria de Facto Provada) e àqueles que o deveriam ter sido (nomeadamente os factos “novos” a) a d) e h) conforme detalhado supra), entende-se que o elemento da subordinação jurídica – caracterizador de uma relação laboral - não se encontrava presente na relação contratual estabelecida entre o A./Apelado e a R./Apelante.
ZZ. Os pressupostos da presunção da laboralidade constante do artigo 12.º do CT assinalados pelo Tribunal a quo não estão verificados in casu ou, no limite, e sem conceder, foi tal presunção afastada ou ilidida pela R./Apelante.
AAA. O A./Apelado não tinha qualquer local de trabalho fixo, pois a sua principal atividade era realizada fora da Delegação de Braga, dado que o A./Apelado deveria fiscalizar estabelecimentos junto dos usuários abrangidos pela área geográfica da Delegação de Braga (Cfr. “novo” facto f), sendo que a inserção de relatórios no sistema informático era uma tarefa acessória e o A./Apelado não ia todos os dias à Delegação (Cfr. “novo” facto e) e ponto 29 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido, cuja alteração de redação foi requerida pela R./Apelante).
Face ao exposto, esta característica indiciadora foi ilidida.
(…)
DDD. Conforme resulta da matéria de facto que deverá ser dada como provada (Cfr. “novo” facto q)), não foi atribuída qualquer viatura de serviço ao A./Apelado, sendo que este utilizava a viatura que estava atribuída à delegação por mera tolerância do delegado em virtude de amizade duradoura que o unia ao delegado, Dr. F. L., além de que sempre que o A./Apelado fiscalizava estabelecimentos em Braga, o mesmo deslocava-se a pé. A viatura não constituía, portanto, um instrumento de trabalho atribuído àquele, donde resulta que também esta suposta característica indiciadora foi ilidida.
EEE. Entendeu também o Tribunal a quo que o A./Apelado cumpria um horário de trabalho; contudo, conforme resulta da matéria de facto que deverá ser dada como provada (Cfr. “novos” factos j), k) e l) cujo aditamento à factualidade assente foi requerido), o A./Apelado não estava sujeito a qualquer horário de trabalho, não cumpria horas de início e termo da atividade determinadas pela R./Apelante, antes observando, por sua iniciativa, as horas de início e de fim que mais lhe convinham e que se adequavam ao horário de funcionamento dos estabelecimentos dos usuários que visitava/inspecionava, que podiam ser diurnos ou noturnos, pelo que também esta suposta característica indiciadora foi ilidida.
FFF. Concluiu ainda o Tribunal recorrido que o A./Apelado recebia uma quantia fixa mensal pela sua actividade. Sucede que, o Tribunal a quo ao dar como provado que a atribuição dessa quantia mensal fixa se destinou a permitir que os inspetores dispusessem de um fundo de maneio para as despesas com as funções de fiscalização (Cfr. ponto 17 da Matéria de Facto dada como provada), reconheceu que a quantia fixa não era sequer uma contrapartida (direta ou indireta) da sua prestação de trabalho, mas tão-somente um fundo de maneio para que o A./Apelado – assim como os restantes inspetores – pudesse fazer face às suas despesas, ou seja, uma compensação por gastos com a atividade profissional.
GGG. Conforme resulta também do “novo” facto t), a parte mais significativa dos pagamentos efetuados pela R./Apelante ao A./Apelado eram as comissões, e esta quantia variável é o espelho daquilo que sucede, por natureza, nas prestações de serviços, isto é, tal quantia dependia do trabalho efetivamente prestado pelo A./Apelado (e não do tempo de trabalho despendido). Quanto mais o A./Apelado fiscalizasse e a Delegação cobrasse, mais ganharia a título de comissões.
HHH. Saliente-se que o pagamento de um montante fixo mensal não pode significar, de forma automática, a existência de uma relação laboral entre as partes, tendo os tribunais portugueses já, por várias vezes, decidido que podem existir “verdadeiras” prestações de serviços, nas quais se estipule o pagamento de um montante fixo mensal ao prestador da atividade, pelo que esta característica indiciadora foi, igualmente, ilidida.
III. Assim, ainda que fosse de admitir a aplicação do artigo 12.º do CT ao caso dos autos – o que só por mero dever de patrocínio se admite – o certo é que não se encontra preenchida NENHUMA das características indiciadoras de existência de contrato de trabalho ali previstas, o que confirma que o que existiu entre as partes foi um contrato de prestação de serviços e nunca, em momento algum, um contrato de trabalho.
JJJ. Acresce que, o Tribunal recorrido absteve-se de apreciar um conjunto de indícios que têm sido apontados pela jurisprudência portuguesa como relevantes para a qualificação do vínculo contratual:
• A R./Apelante nunca pagou ao A./Apelado subsídios de férias ou de Natal, precisamente porque entendia – como entende – que o mesmo era um mero prestador de serviços (Cfr. ponto 16 dos Factos Provados);
• Como prestador de serviços que era, o A./Apelado não tinha direito a “férias”, pelo que podia ausentar-se sempre que entendesse, não tinha de pedir autorização para as suas ausências, nem apresentar justificação e nunca constou dos mapas de férias da R./Apelante (Cfr. “novos” factos provados m), n), o) e p));
• Durante a relação que manteve com a R./Apelante, o A./Apelado sempre esteve enquadrado junto da Autoridade Tribuária e Aduaneira como trabalhador independente e sempre emitiu recibos verdes a favor da R./Apelante contra pagamento das quantias devidas (Cfr. ponto 18 dos Factos Provados);
• O A./Apelado sempre suportou os custos com a respetiva atividade, nomeadamente com o tarifário do telemóvel (Cfr. “novos” factos provados r) e s));
• A vontade das partes sempre foi a celebração de um contrato de prestação de serviços, o A./Apelado sabia aquando da contratação que iria ser um prestador de serviços, nunca lhe tendo sido prometido que seria trabalhador subordinado da R./Apelante (Cfr. “novos” factos provados u) e v));
• Não só a R./Apelante não exigiu que o A./Apelado prestasse serviços em regime de exclusividade, como o próprio efetivamente não prestava serviços à R./Apelante em exclusividade (Cfr. “novo” facto provado w)).
KKK. Acresce que os nossos Tribunais, mais concretamente o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 23/09/2010 (processo n.º 214/09.8TTTMR.C1, Relator Azevedo Mendes) e por acórdão de 20/03/2015 (processo n.º 292/13.5TTCLD.C1, Relator Ramalho Pinto) e o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 08/10/2015 (processo n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, Relatora Ana Luísa Geraldes), decidiram já, de forma inequívoca, que a relação existente entre a R. e outros “Inspetores”, era uma prestação de serviços, decisões estas que já transitaram em julgado e que não foram devidamente valoradas pelo Tribunal a quo.
LLL. Assim, todos os indícios referidos apontam para a existência de um contrato prestação de serviços entre o A./Apelado e a R./Apelante, pelo que o Tribunal a quo fez uma interpretação enviesada e incorreta da norma contida no artigo 12.º do CT, devendo ser concedido provimento ao presente recurso de apelação e os segmentos decisórios acima melhor identificados, e dos quais se recorre, revogados no que respeita à condenação da R./Apelante, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que absolva a R./Apelante de todos os pedidos formulados.
(…)
UUU. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por elevado dever de patrocínio, mas sem conceder, e caso o presente recurso seja julgado improcedente, considera a R./Apelante que a indemnização em substituição da reintegração deverá ter por base 15 dias de retribuição base por ano de antiguidade, e não 30 dias conforme decidiu o Tribunal a quo, porquanto, a existir alguma ilicitude nos comportamentos da R./Apelante - o que não se concede -, aquela é diminuta, senão inexistente.
VVV. No que toca às “retribuições intercalares”, e somente para a hipótese (que se admite por mero dever de patrocínio, e sem conceder) de o presente recurso ser julgado improcedente, deverão ser deduzidos às mesmas os montantes previstos do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer- se que V. Exas. se dignem a julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela R./Apelante, revogando-se a sentença recorrida nos segmentos decisórios desfavoráveis à R./Apelante, e, consequentemente, absolvendo-se a R./Apelante do pagamento de todas as quantias peticionadas pela A./Apelada, ou, no limite, julgar parcialmente procedente o presente recurso, com as consequências legais acima descritas,
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
O Autor contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso
*
Admitidos os recursos na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Após as conclusões do recurso interposto pela Ré terem sido aperfeiçoadas, foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da total improcedência das duas apelações.
A Ré/Recorrente pronunciou-se sobre tal parecer, manifestando a sua discordância relativamente à posição assumida quanto à apelação por si interposta e manifestando a sua concordância quanto à posição assumida em tal parecer relativamente ao recurso interposto pelo autor.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), as questões trazidas à apreciação deste Tribunal da Relação são as seguintes:

A - Recurso da Ré:
1. Impugnação da matéria de facto;
2. Da natureza do contrato celebrado entre as partes;
3. Do valor da indemnização em substituição da reintegração e das deduções nas retribuições intercalares.

B - Recurso do Autor:
1. Das diferenças salariais;
2. Do valor do IVA indevidamente cobrado;
3.Do subsídio de alimentação; do abono para falhas; e da formação profissional

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

a) Factos Provados

1.A ré é uma cooperativa a nível nacional que se dedica a beneficiar e promover a proteção do direito de autor e direitos conexos;
2.A ré tem doze delegações espalhadas pelo país que abrangem todo o território do continente e das ilhas;
3.Cada uma destas delegações tem uma área de actuação que corresponde a determinados distritos;
4.Em cada delegação existe um delegado que é o responsável pelo seu funcionamento e podem existir funcionários administrativos que têm a função de auxiliar no funcionamento dos serviços;
5.O delegado e os funcionários administrativos são trabalhadores da ré;
6.A ré dispõe também de correspondentes sendo em regra um por cada concelho;
7.Os correspondentes são pessoas que desempenham outras atividades, designadamente explorando estabelecimentos comerciais, e que pela sua actividade podem ser facilmente contactados pelos usuários;
8.A ré dispõe de inspectores que desempenham a sua actividade junto das delegações e na respetiva área geográfica;
9.Na delegação de Braga existia um delegado e uma funcionária administrativa que eram trabalhadores da ré;
10.No dia 27 de Abril de 2012, através do delegado, foi apresentada à ré uma proposta para a nomeação do autor para desempenhar as funções de inspector na delegação de Braga;
11.O autor iniciou estas funções no dia 2 de Maio de 2012;
12.As funções do autor consistiam em realizar fiscalizações junto dos usuários;
13.Estas fiscalizações consistiam no seguinte:
Contactar os usuários para averiguar se tinham licenciamento para a utilização de direito de autor;
Em caso de incumprimento, elaborar um relatório próprio e proceder à notificação do usuário para regularizar a situação e pagar a quantia que estava em dívida;
Entregar uma cópia do relatório ao usuário e outra na delegação;
O pagamento devia ser feito na delegação ou no correspondente;
Inserir os relatórios das fiscalizações no sistema informático da ré através de um programa específico para este efeito.
13.A - O A. não tinha de elaborar um número mínimo de relatórios por dia. (aditado em conformidade com o decidido em IV.1)
13.B O A. não tinha de visitar/inspecionar um número concreto de estabelecimentos por dia, por ser difícil prever o tempo que demora de cada visita a realizar. (aditado em conformidade com o decidido em IV.1)
14.Ficou acordado que o autor auferia a quantia mensal de €573,25 e a percentagem de 1,50% sobre as cobranças da delegação;
15. A quantia mensal que o autor auferia foi actualizada para o valor de € 600,00, a partir de Janeiro de 2013; (alterado em conformidade com o decidido em IV.1)
16.Esta quantia era paga ao autor doze vezes por ano;
17.A atribuição desta quantia destinou-se a permitir que os inspectores dispusessem de um fundo de maneio para as despesas com as funções de fiscalização;
18.Ficou acordado que o autor devia emitir recibos verdes pelas funções que desempenhava;
19.As fiscalizações podiam ser realizadas durante o dia ou à noite dependendo do tipo de estabelecimento comercial;
20.As fiscalizações podiam ser realizadas ao fim de semana;
21.A ré não procedia ao controlo da assiduidade do autor quando estava a realizar fiscalizações;
21.A - O A. nunca constou dos mapas de férias da R. (aditado em conformidade com o decidido em IV.1)
22.O delegado de Braga estabeleceu ao autor o seguinte:
Devia ser realizada uma reunião semanal na delegação em que seriam acordados e programados os serviços da semana seguinte;
Esta reunião devia ocorrer preferencialmente à segunda ou sexta-feira;
O autor podia utilizar a viatura que estava atribuída à delegação, mas devia informar para onde era a deslocação;
Sempre que fosse para fora de Braga, as fiscalizações deviam iniciar da parte da manhã;
Pelo menos uma noite por semana, devia ser realizada uma fiscalização em estabelecimentos nocturnos.
23.Após cada deslocação com a viatura o autor deixava-a na residência do delegado;
24.Se o delegado necessitasse da viatura o autor não a podia utilizar;
25. O autor dispunha de uma secretária e um computador fixo na delegação para as suas funções;
26.O autor tinha um usuário e uma senha de acesso para a utilização do computador;
27.A ré atribuiu ao autor um endereço de correio electrónico;
28.Os computadores que existiam na delegação de Braga eram utilizados indistintamente pelo delegado, pela funcionária administrativa e pelo autor;
29.O autor desempenhava funções administrativas na delegação sempre que o volume de serviço era demasiado para a funcionária administrativa;
30.O autor substituía a funcionária administrativa nas suas ausências;
31.O autor também substituía a funcionária administrativa todos os anos, durante quinze dias, no período em que estava de férias e que coincidia com as férias do delegado para evitar que a delegação ficasse encerrada;
32.O autor não podia gozar férias nestes quinze dias;
33.Nestas alturas, o autor cumpria o horário de funcionamento da delegação e executava todo o serviço administrativo, designadamente atendendo o público que ali deslocava para proceder a pagamentos ou solicitar licenças;
34.O autor deslocava-se habitualmente ao correio e ao banco para enviar a correspondência e proceder ao depósito das quantias da delegação;
35.No período em que a delegação esteve encerrada em consequência da situação de saúde pública provocada pela Covid-19 e do confinamento que foi decretado a ré pagou ao autor a quantia de € 1.200,00;
36.Neste período, a ré instalou um acesso através do computador pessoal do autor para que, a partir da sua residência, pudesse inserir no sistema informático os relatórios das fiscalizações que estavam em atraso;
37.A ré pagou esta quantia atendendo a que os inspectores estavam impedidos de realizar fiscalizações e não iriam receber qualquer percentagem sobre as cobranças, ficando com o seu rendimento habitual muito diminuído;
38.No período entre o dia 14 de Fevereiro de 2020 e o dia 8 de Março de 2020 o autor realizou uma viagem ao estrangeiro, tendo informado o delegado com uma antecedência de quinze dias;
39.No dia 27 de Julho de 2020, através de carta registada com aviso de recepção, o autor reclamou à ré a regularização da sua situação através da celebração de um contrato de trabalho e o pagamento de créditos laborais;
40.A ré respondeu que o autor não era seu trabalhador e que prescindia dos seus serviços no final do mês de Agosto de 2020;
41.A ré não procedeu à publicação do aviso de caducidade do acordo de empresa de celebrado com a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores e Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº11 de 22 de Março de 2007 e com alteração publicada no Boletim do Trabalho e Emprego nº29 de 8 de Agosto de 2008;
42.Através da Nota de Serviço nº1/2014 de 9 de Janeiro de 2014, por mensagem de correio electrónico, a ré comunicou a todos os trabalhadores a caducidade do acordo de empresa;
43.O autor despendeu a quantia de € 927,14 no seguro de acidentes de trabalho;
44.O autor entregou ao Estado a quantia de € 44.697,42 a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado;
45.A ré não prestou formação profissional ao autor;
46.O autor sentiu-se numa situação de tristeza e incerteza e apresentava sintomatologia depressiva e ansiosa, com dificuldade em adormecer, em consequência da conduta da ré.
*
b) Factos Não Provados
1.O autor organizava livremente as funções de fiscalização que desempenhava sem quaisquer ordens ou instruções do delegado;
2.O delegado limitava-se a, em determinadas circunstâncias, indicar ao autor os concelhos onde devia realizar fiscalizações atendendo à época do ano ou a outras condicionantes;
3.O autor não tinha que dar explicações quanto às funções de fiscalização;
4.O autor utilizava a viatura que estava atribuída à delegação por mera tolerância do delegado porque eram amigos;
5.As situações em que o autor substituiu a funcionária administrativa da delegação nas ausências ou nas férias foram esporádicas.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A - Do recurso da Ré

1. Da impugnação da matéria de facto.

Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A Ré/Recorrente pretende que se proceda à alteração/ampliação da matéria de facto com reapreciação da prova gravada e da prova documental.
(…)

2. Da natureza do contrato celebrado entre as partes

Mantendo-se praticamente inalterada a matéria de facto é com base no quadro factual agora fixado que se iremos apreciar a questão de direito suscitada, ou seja, apurar se a relação contratual estabelecida entre a Autor e a Sociedade ... de Autores é de qualificar como contrato de trabalho. Contudo, desde já diremos, que as reduzidas alterações quanto à matéria de facto, não têm o condão de por em causa a sentença recorrida, na qual se fez o correto enquadramento jurídico, considerando-se que se verificam indícios de laboralidade que fazem funcionar a presunção legal, não tendo a Ré conseguido infirmar tais indícios, ao invés, a factualidade provada sedimenta a convicção sobre a existência do contrato de trabalho.
Defende a Recorrente que estamos perante um verdadeiro contrato de prestação de serviços, o que desde logo resulta da vontade revelada pelas partes quando iniciaram a sua relação contratual, quer quando definiram as condições em que o autor realizaria a sua actividade, resultando tal claro dos factos por si enumerados sob as alíneas u e v), dos quais resulta a vontade manifestada por ambas as partes em qualificar e enquadrar a relação existente como uma prestação de serviços.
Ora, atenta a decisão acima proferida no sentido de não serem aditados aos factos provados os pontos u) e v) nos termos requeridos pela recorrente fácil é de concluir que sobre este aspecto nada resultou provado que nos permita afirmar que as partes quiseram e celebraram um contrato de prestação de serviços.
Importa desde já salientar que o contrato de trabalho é um negócio não formal, meramente consensual, não podendo deixar de se atender à vontade real das partes que se traduz não apenas na qualificação que deram ao contrato, mas sobretudo nos termos que definiram e se desenvolveram as condições do exercício da actividade. É por isso fundamental para proceder à operação de qualificação apreciar os factos apurados relativamente ao que foi acordado bem como ao modo como se desenvolveu a prestação de trabalho do A. enquanto durou a relação contratual.
Apreciando agora a questão da qualificação do contrato importa recordar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
Estabelece o artigo 11.º do Código do Trabalho, que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. Este contrato inicialmente encontrava-se definido no art.º 1º do Dec. Lei nº 49.408 de 24/11/1969 (LCT), depois no artigo 10º do CT de 2003 e ainda no 1152º do CC
Por seu turno prescreve o artigo 1154.º do Código Civil, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe.
O contrato de trabalho tem assim como objecto a prestação de uma actividade e como elemento que o distingue dos demais a subordinação jurídica, que se traduz no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e diretivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Por seu turno, o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, isto é, sem estar sujeita ao poder de direcção da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, atenta a dificuldade em distinguir o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado -, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Podemos assim afirmar que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, estando este integrado na organização daquela, passando a constituir um elemento desta e ao serviço dos seus fins. Esta característica decorre da natureza intuito personae do contrato de trabalho, onde assume grande relevo a confiança reciproca, já que o trabalhador se irá inserir numa organização alheia, com regras de funcionamento próprias que irão condicionar o desenvolvimento do seu vínculo. Por outro lado, na prestação de serviço não se verifica nem a subordinação, nem a integração na organização do beneficiário, considerando e relevando apenas o resultado da actividade.
Importa salientar, que em termos de repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, no âmbito de organização e sob a autoridade do beneficiário. (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Como vem sendo repetidamente afirmado, a dificuldade e variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado. É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal. Daí que a jurisprudência e a doutrina vinham preconizando o recurso ao chamado método tipológico que consiste em buscar na situação real em que a relação contratual se desenvolve ou desenvolveu os aspectos factuais que normalmente ocorrem no modelo típico do contrato de trabalho e que, em regra, constituem manifestações da sujeição do trabalhador ao poder directivo do empregador, sendo que cada um desses aspectos funciona como um indício da existência da subordinação jurídica.
Contudo o actual Código do Trabalho veio facilitar esta operação ao estabelecer a presunção de laboralidade consagrada no art.º 12.º reduzindo a prova aos índices aí previstos, sendo certo que demonstrados esses índices pelo autor, ocorre a inversão do ónus da prova nos termos prescritos no art.º 350.º do Código Civil, passando a competir à Ré demonstrar que apesar desses factos o contrato não é de trabalho, mas é outro, no caso de prestação de serviços.

Estabelece assim o art.º 12.º do Código do Trabalho o seguinte:

“1. Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”

Revertendo agora ao caso dos autos e em concordância com a decisão recorrida, podemos afirmar que o autor efectivamente logrou provar a natureza laboral do vínculo contratual que manteve com a Ré, não tendo esta logrado provar factualidade suficiente que nos permita concluir estarmos perante um contrato de prestação de serviços.
Importa desde já realçar que o caso em apreço, tal como é referido pelo Tribunal a quo, é distinto dos outros casos referentes a inspectores/fiscais da Ré, que aparentemente teriam sido contratadas nos mesmos moldes que o autor e que os Tribunais superiores se pronunciaram qualificando a relação laboral como de prestação de serviços.

A este propósito a decisão recorrida explanou com clareza as considerações que se passamos a transcrever:
“Da matéria de facto provada resulta que a ré tem doze delegações espalhadas pelo país que abrangem todo o território do continente e das ilhas. Cada uma destas delegações tem uma área de actuação que corresponde a determinados distritos. Em cada delegação existe um delegado que é o responsável pelo seu funcionamento e podem existir funcionários administrativos que têm a função de auxiliar no funcionamento dos serviços. O delegado e os funcionários administrativos são trabalhadores da ré. A ré dispõe também de correspondentes sendo em regra um por cada concelho. Os correspondentes são pessoas que desempenham outras atividades, designadamente explorando estabelecimentos comerciais, e que pela sua actividade podem ser facilmente contactados pelos usuários. Finalmente, a ré dispõe de inspectores que desempenham a sua actividade junto das delegações e na respetiva área geográfica.
A questão de saber se os inspectores são trabalhadores da ré ou meros prestadores de serviços já foi apreciada pelos tribunais. A este propósito, destaca-se o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2015. Sem prejuízo da relevância deste douto acórdão, não foi decidido que a relação existente entre a ré e os inspectores era de um contrato de prestação de serviços. O que se passou foi que, atendendo às concretas circunstâncias em que o inspector cuja situação foi apreciada desempenhava as suas funções, concluiu-se que não se tratava de um contrato de trabalho, mas de um contrato de prestação de serviços. Com efeito, foi decidido que 'provando-se que: os instrumentos utilizados pelo autor eram propriedade deste e não do empregador; o autor utilizava a sua própria viatura nas deslocações de serviço, suportando as respectivas despesas; não estava sujeito a qualquer horário de trabalho; a remuneração auferida era variável e à percentagem, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua actividade ou número de locais visitados, e à qual o autor dava quitação através da emissão dos respectivos recibos verdes, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato, retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal (…) não se pode considerar como provado o contrato de trabalho'13.
O autor desempenhava as funções de inspector. Estas funções consistiam em realizar fiscalizações junto dos usuários. Por sua vez, as fiscalizações consistiam em contactar os usuários para averiguar se tinham licenciamento para a utilização de direito de autor; em caso de incumprimento, elaborar um relatório próprio e proceder à notificação do usuário para regularizar situação e pagar a quantia que estava em dívida; entregar uma cópia do relatório ao usuário e outra na delegação; o pagamento devia ser feito na delegação ou no correspondente; inserir os relatórios das fiscalizações no sistema informático da ré através de um programa específico para este efeito.
No que respeita as estas funções, resultou provado que o delegado estabeleceu ao autor que devia ser realizada uma reunião semanal na delegação em que seriam acordados e programados os serviços da semana seguinte; esta reunião devia ocorrer preferencialmente à segunda ou sexta-feira; o autor podia utilizar a viatura que estava atribuída à delegação, mas devia informar para onde era a deslocação; sempre que fosse para fora de Braga, as fiscalizações deviam iniciar da parte da manhã; pelo menos uma noite por semana, devia ser realizada uma fiscalização em estabelecimentos nocturnos. O autor dispunha de uma secretária e um computador fixo na delegação para as suas funções e tinha um usuário e uma senha de acesso para a utilização do computador. A ré atribuiu ao autor um endereço de correio electrónico. Atendendo a esta factualidade, resulta, desde logo, que, ao contrário do que acontecia com o inspector cuja situação foi apreciada no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2015, o autor não utilizava um veículo próprio, mas um veículo da delegação. A utilização deste veículo não estava sujeita a um pedido ou a uma autorização, devendo o autor apenas informar para onde era a deslocação.
Acresce que, se é certo que o contrato de prestação de serviços é compatível com orientações genéricas sobre a actuação e com um certo controlo do resultado produzido, a verdade é que a situação do autor ia muito além de meras orientações ou indicações. O delegado era o superior hierárquico do autor, uma vez que era o responsável pela delegação. O autor estava obrigado a uma reunião semanal com o delegado em que eram acordados e programados os serviços da semana seguinte. Além disso, estava obrigado a realizar uma fiscalização a estabelecimentos nocturnos, pelo menos uma noite por semana. Tratava-se de obrigações concretas e com uma periodicidade semanal que, tendo sido estabelecidas pelo delegado, se traduziam em verdadeiras ordens que o autor estava obrigado a cumprir.
Também resultou provado que o autor desempenhava funções administrativas na delegação sempre que o volume de serviço era demasiado para a funcionária administrativa. O autor substituía a funcionária administrativa nas suas ausências. Todos os anos, durante quinze dias, o autor substituía a funcionária administrativa no período em que estava de férias e que coincidia com as férias do delegado para evitar que a delegação ficasse encerrada. O autor não podia gozar férias nestes quinze dias. Nestas alturas, o autor cumpria o horário de funcionamento da delegação e executava todo o serviço administrativo, designadamente atendendo o público que ali deslocava para proceder a pagamentos ou solicitar licenças.
Esta factualidade demonstra que, além das funções de inspector, o autor desempenhava funções administrativas. O autor desempenhava estas funções porque a funcionária administrativa não era suficiente para a totalidade do serviço, pelo menos em determinadas ocasiões, e também não era suficiente para garantir que a delegação não encerrava nas suas ausências e na parte em que o seu período de férias coincidia com as férias do delegado. No que respeita a estas funções, o autor estava a suprir um posto de trabalho que de outra forma teria que ser preenchido através da contratação de mais um trabalhador.
Finalmente, resultou provado que o autor se deslocava habitualmente ao correio e ao banco para enviar a correspondência e proceder ao depósito das quantias da delegação.
Estes factos não podiam deixar de ser do conhecimento do delegado, principalmente no que respeita ao depósito das quantias da delegação. A realização de depósitos bancários é uma função de responsabilidade que apenas pode ser atribuída a uma pessoa em quem se confia e que não é considerada estranha à organização.
Atendendo a que todos estes elementos, entendemos que ficou demonstrada a existência de um contrato de trabalho.
Estão preenchidas mais de duas características previstas no art. 12º do Cód. do Trabalho. O autor prestava uma parte da actividade num local pertencente à ré (quando desempenhava funções administrativas na delegação), utilizava equipamentos e instrumentos de trabalho da ré (a viatura, a secretária e o computador fixo), cumpria um horário de trabalho estabelecido pela ré (sempre que o volume de serviço era demasiado, nas ausências da funcionária administrativa e no período em que esta estava de férias e que coincidia com as férias do delegado) e recebia uma quantia mensal pela sua actividade (a quantia fixa que era paga todos os meses). Esta presunção não foi ilidida fundamentalmente na parte que respeita às funções administrativas que o autor desempenhava. Esta parte correspondia à forma como o funcionamento da delegação de Braga era organizado pelo delegado, sendo que sem o autor seria necessário contratar mais um trabalhador, pelo que estava em causa um verdadeiro posto de trabalho.
A ré não logrou fazer a prova de indícios consistentes e relevantes da autonomia do autor. Bem pelo contrário, o que resultou provado foi que na delegação de Braga a actividade do inspector era definida em reuniões semanais com o delegado e era controlada por este, desde logo impondo a realização em pelo menos uma noite por semana de uma fiscalização em estabelecimentos nocturnos. Acresce que o inspector realizava funções administrativas na delegação como qualquer outro funcionário.
Verdadeiramente, a posição da ré nos presentes autos não consistiu em negar a existência das diversas características previstas na presunção do art. 12º do Cód. do Trabalho. A sua posição foi que na situação concreta do autor estas características não demonstravam a existência de um contrato de trabalho. A ré pretendeu afastar o nexo lógico que levou o legislador a afirmar que a verificação de pelo menos duas daquelas características permitia concluir pela existência de uma relação laboral. A prova em contrário do nexo lógico subjacente à presunção é admissível nas presunções iuris tantum. Para utilizarmos a expressão de LUÍS FILIPE PEREIRA DE SOUSA, 'pode demonstrar-se que a regra segundo a qual do facto base pode deduzir-se o facto presumido não tem virtualidade no caso concreto e que, por isso, o nexo causal exigido não se produziu'. Porém, nestas situações exige-se a prova que 'no caso concreto existem concretas razões para desvirtuar a vigência da máxima da experiência introduzida pelo legislador'14, o que consideramos que não ocorreu. Desde logo, não existe qualquer razão de princípio para que os inspectores não sejam trabalhadores da ré, tal como acontece com os delegados, e desempenhem as suas funções enquanto meros prestadores de serviços. Relativamente aos inspectores nada justifica o afastamento do raciocínio do legislador no sentido que a verificação de pelo menos duas das características previstas no art. 12º do Cód. do Trabalho permite concluir pela existência de um contrato de trabalho. Acresce que, especificamente no que respeita ao autor, nada de consistente e relevante foi demonstrado que justificasse o afastamento de um contrato de trabalho e a sua qualificação como um mero prestador de serviços.
Subscrevemos no essencial, quer as considerações transcritas, quer o juízo decisório, já que apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes teremos de concluir que se provaram factos suficientes para caracterizar tal relação contratual como de trabalho, sendo que a Ré não logrou inverter o ónus da prova afastando a presunção de laboralidade.
Ora, provou-se factualidade mais do que suficiente para podermos concluir que o autor exercia as suas funções através de ordens e instruções emanadas do Delegado de Braga, que não permitia que o autor organizasse livremente a sua actividade, já que este tinha de reunir pelo menos uma vez por semana com aquele para planear a actividade semanal, ou seja tinha de desenvolver o trabalho pré-estabelecido com o Delegado, apesar de depois de determinado o concreto trabalho em determinada zona, ter autonomia para escolher os estabelecimentos que tinha de visitar. Apesar do autor não ter número concreto de estabelecimentos a inspecionar por dia, o certo é que grande parte da sua actividade inspectiva era definida pelo Delegado, designadamente quando planeavam semanalmente o trabalho do autor.
Ao contrário do defendido pela recorrente, o autor apesar de ter alguma autonomia própria do exercício da sua função principal de inspector, não se encontrava apenas sujeito a orientações genéricas de forma a orientar a sua actividade, mas sim estava sujeito a emissão de instruções ou ordens especificas, resultantes das reuniões semanais, sendo-lhe por vezes determinado fiscalizações a estabelecimentos em concreto. Acresce ainda o facto de estar obrigado a prestar informação, ao delegado, para onde se deslocava sempre que utilizava o carro atribuído à Delegação de Braga, o qual era por si utilizado sempre que se deslocava para fora de Braga.
Por outro lado, o autor também exercia funções administrativas na delegação de Braga, quando tal se revelava de necessário, exercendo tais funções em cumprimento de instruções ou diretivas emanadas pela Ré, ou com o seu conhecimento e consentimento prestando serviço externo à Ré – idas aos bancos e aos correios – e serviço interno atendendo público que se deslocava à delegação para pagar ou proceder ou solicitar licenças, substituindo a funcionária administrativa sempre que necessário.
Na verdade, não podemos deixar de concordar com o juiz a quo, o Dr. F. L., responsável pela delegação de Braga da SPA, funcionava como um superior hierárquico do autor, por ser o responsável pelo funcionamento da delegação, emitindo ordens e instruções que obrigavam a que aquele não desempenhasse apenas as suas funções de inspector, mas que ainda desempenhasse as funções administrativas, tudo em prol do bom funcionamento daquela delegação.
Não resta qualquer dúvida de que o autor estava organizacionalmente integrado na Ré mais especificamente na Delegação de Braga, pois só isso explica o facto de não só conhecer as funções exercidas pela funcionária administrativa que aí trabalhava, como as sabia desempenhar, como desempenhou, cada vez que a substituiu ou ficou sozinho na agência, como das vezes em que por excesso de trabalho a ajudou na delegação de Braga.
Em suma, em face da factualidade provada nos pontos 22, 29 a 34 é de entender que o elemento da subordinação jurídica caracterizador de uma relação laboral estava presente na relação contrattual efectivamente desenvolvida entre as partes.
Mas ainda que assim não entendêssemos, sempre se verificaria a presunção de laboralidade prevista no citado art.º 12.º do CT.
Com efeito, da factualidade provada resulta que a actividade do autor era parcialmente realizada em local pertencente à Ré, ou seja, nas instalações da delegação de Braga da SPA, onde o autor lançava os relatórios que elaborava nas inspeções que realizava e onde o autor exercia funções administrativas sempre que era necessário.
Acresce dizer que neste conspecto a Ré não logrou ilidir a presunção, pois não logrou provar que o autor não tinha qualquer local de trabalho fixo, muito menos na delegação de Braga da Ré/Apelante, como também não logrou provar os factos que pretendia que passassem a constar da factualidade provada sob as alíneas a), b) c) e e) da sua alegação de recurso.
No que respeita aos equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da actividade cabe-nos referir que da factualidade provada, designadamente dos pontos 22 a 28 dos factos provados resulta inequívoco que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo autor eram pertença da Ré, designadamente a viatura que o autor utilizava para realizar as fiscalizações aos estabelecimentos comerciais, a secretária e o computador fixo onde o autor normalmente inseria os seus relatórios e os outros computadores que o autor conjuntamente com os demais funcionários utilizava na Delegação de Braga, não tendo a Ré ilidido a presunção desta característica. Ainda que se tivesse provado que tais instrumentos não teriam sido atribuídos especificamente ao autor e que por isso não configuraram “instrumentos de trabalho”, tal não seria suficiente para afastar a presunção, uma vez que para o preenchimento da presunção afigura-se-nos de suficiente a prova de que os instrumentos de trabalho que o autor utilizava regularmente para exercer as suas funções pertenciam à Ré.
Quanto à observação pelo prestador da actividade das horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma, resulta da factualidade provada pontos designadamente do ponto 33 que o autor no período de férias em que substituía a funcionária administrativa cumpria o horário de funcionamento da delegação. Quanto ao demais não resultou provado que o autor cumprisse horário de trabalho, ao invés àquele não foi atribuído um específico horário porque exercia a sua actividade de inspector quer em período noturno, quer em período diurno, quer ao fim de semana, sendo difícil prever o tempo que demoraria cada fiscalização – pontos 19, 20, 13 –B dos pontos de facto provados. Ou seja, atenta a natureza das funções exercidas pelo autor seria extremamente difícil atribuir um horário ao autor, daí que quando o autor substituía a funcionária administrativa dificilmente exerceria as funções de fiscal. Atentas todas estas especificidades podemos concluir que por interesse da Ré, o Autor ao exercer as funções de fiscal não cumpria horário de trabalho determinado pela Ré, mas em determinado período do ano (altura em que substituía a funcionária administrativa) o autor cumpria o horário de trabalho estabelecido pela Ré, o que se nos afigura suficiente para o preenchimento desta característica da presunção, sem que a Ré a tivesse ilidido.
Por fim, quanto ao pagamento, com determinada periodicidade de uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma, resulta da factualidade provada, pontos 14 e 17 que o autor auferia determinada quantia mensal fixa acrescida de uma percentagem sobre as cobranças da delegação, sendo que a atribuição da quantia fixa se destinava a permitir que os inspectores dispusessem de um fundo de maneio para as despesas com as funções de fiscalização. Atento o facto do autor se deslocar na viatura da ré, sendo as despesas desta suportadas pela Ré e atenta a área de intervenção do autor – distritos de Baga e de Viana do Castelo -, não se vislumbra que no caso particular do autor tal quantia tivesse como destino o pagamento das despesas efetuadas pelo autor, pela simples razão de que o grosso das despesas era totalmente suportado pela Ré. Eventualmente o autor poderia ter de suportar alguma despesa com refeições, o que só por si não justifica o pagamento daquela quantia fixa.
Em suma, o autor recebia com periodicidade mensal uma determinada quantia fixa, que ainda que fosse inferior à verba variável que recebia mensalmente, não pode deixar de ser considerada como contrapartida paga pela actividade prestada em beneficio da Ré, que não era calculada em função dos serviços prestados, mas que era paga quer o autor tivesse prestado muito, pouco ou nenhum trabalho. Está assim verificada também esta característica da presunção de laboralidade, sendo certo que a Ré não a logrou ilidir, pois apesar da modalidade de remuneração fixa mensal ser compatível com a existência do contrato de prestação de serviços, o certo é que para que tal suceda tem de estar acompanhada de outros factos que permitam concluir de forma inequívoca pela prestação de serviços, o que não sucede no caso em apreço.
Por todas as razões acima expostas é de manter a decisão recorrida no que respeita à qualificação do contrato como de trabalho, porquanto se encontram preenchidos os requisitos previstos no art.º 12.º n.º 1 als. a), b), c) e d) do CT como também se verifica a subordinação jurídica.
Ainda a este propósito uma nota final para dizer que o desenvolvimento de toda a relação contratual estabelecida desde o início entre Autor e Ré é distinta e não se confunde com as restantes situações em que os Tribunais, designadamente os superiores foram chamados a apreciar questões idênticas, ou seja, tiveram que se pronunciar sobre natureza da relação contratual estabelecida entre a Ré e os Inspetores, concluindo estar perante contratos de prestação de serviços. Tal sucedeu nos Acórdãos proferidos pelo STJ em 8-10-2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 e pelo TRC em 23-09-2010, proc. n.º 214/09.8TTTMR.C1 e de 20-03-2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.
Com efeito, no âmbito dos presentes autos ao invés daqueles outros, apurou-se que o autor não só exercia as funções de inspector, como exercia funções de cariz administrativo, estando-lhe destinado um local próprio na delegação de Braga onde se deslocava com regularidade, exercia as suas funções de inspector reunindo com o delegado e inserindo os relatórios no programa informático como também auxiliava e substituía quando necessário, a funcionária administrativa, não podendo gozar férias no período de 15 dias em que anualmente substitui a funcionária administrativa. Por outro lado, semanalmente, preferencialmente à segunda ou à sexta feira reunia com o delegado a fim de acordar e programar os serviços da semana seguinte, uma noite por semana devia realizar uma fiscalização em estabelecimento noturno, os instrumentos de trabalho utilizados, carro, computador fixo e secretaria pertenciam à Ré.
É assim de considerar como de trabalho o contrato celebrado entre as partes, pois todos estes indícios revelam que o autor estava integrado na estrutura organizativa da delegação de Braga e actuava sob a autoridade desta, não estando apenas a Ré interessada no resultado do trabalho do autor como inspector, estando também interessada no aproveitamento do trabalho do autor para suprir as suas carências de mão de obra.
Improcede nesta parte o recurso.

3. Do valor da indemnização em substituição da reintegração e das deduções nas retribuições intercalares
4.
Sustenta a recorrente que a indemnização em substituição da reintegração deverá ter por base 15 dias de retribuição base ao invés dos 30 dias decididos pelo tribunal a quo, uma vez que a ilicitude no comportamento da Ré de considerar de diminuta ou de inexistente.
No que respeita às retribuições intercalares defende a Ré que deverão ser deduzidos às mesmas os montantes previstos no n.º 2 do art.º 390.º do CT.
Dispõe o n.º 1 do artigo 391º do CT. que “em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º.
Ora, tendo o Autor optado pela indemnização em substituição da reintegração cabe ao tribunal determinar o seu montante de acordo com os critérios indicados no citado artigo, a saber: valor da retribuição do Autor; e grau de ilicitude do despedimento decorrente da ordenação estabelecida no artigo 391º do CT.
A propósito do critério de cálculo desta indemnização refere João Leal Amado em “Contrato de Trabalho”, 3ª Edição pág. 423 que “O n.º 1 do art. 391º estabelece dois factores de ponderação, isto é, dois elementos a que o tribunal deverá atender, combinando-os, na definição do quantum indemnizatório: por um lado, deverá ser levado em conta o valor da retribuição do trabalhador (assim, para um trabalhador que aufira uma remuneração elevada, o tribunal tenderá a graduar a indemnização «em baixa», para um trabalhador que aufira um salário modesto, o tribunal tenderá a modelá-la «em alta»); por outro lado, o tribunal deverá avaliar o grau de ilicitude do despedimento, decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º, pois sendo todos estes despedimentos ilícitos, alguns são-no mais do que outros…”
Como também defende o Prof.º Júlio Gomes, em Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho – Vol I, 2007, pág. 1033 e 1034, a propósito desta problemática, ainda que a respeito do Código do Trabalho de 2003 que, neste aspecto, estabelece regime similar ao actual, o seguinte:
“O artigo 439.º prevê que, em substituição da reintegração, pode o trabalhador optar por uma indemnização. O valor da indemnização não está agora rigidamente tabelado na lei, a qual se limita a fixar os parâmetros a que o tribunal atenderá na determinação do seu montante: cabe, assim, ao Tribunal fixar a indemnização entre o mínimo de 15 dias e o máximo de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção. Para fixar a indemnização neste quadro legal, o tribunal deverá atender ao valor de retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429.° Quanto a nós estes são os únicos critérios a que o juiz poderá atender, e não a outros, como a idade do próprio trabalhador (que, aliás seria provavelmente um critério discriminatório.
(…)
Ainda quanto aos critérios a que a lei manda atender, parece-nos que por ilicitude se refere também a culpa do empregador - recorde-se que, aliás, alguns autores, na esteira da doutrina francesa, tendem a não distinguir ilicitude e culpa em sede de responsabilidade contratual - e que o grau de ilicitude não decorre apenas do disposto no amigo 429.°, já que este é completado pelos artigos 430.° a 433.°
Dissemos já, noutro estudo, que a indemnização por despedimento ou indemnização por antiguidade parece ter um sentido parcialmente punitivo: a indemnização será devida em substituição da reintegração, mesmo que o trabalhador tenha no dia seguinte conseguido um emprego melhor. Quem nega uma componente punitiva na indemnização por despedimento ilícito, sustenta frequentemente que existe sempre um dano quando ocorre um despedimento ilícito. Tal dano consistiria na própria perda do posto de trabalho, ou na violação do direito do trabalhador à estabilidade do seu contrato de trabalho, constitucional e legalmente consagrada e, portanto, no seu direito a continuidade da sua relação laboral até que esta cesse por uma causa de cessação lícita. E daí que a jurisprudência francesa já tenha afirmado que a inexistência de um motivo real e sério para o despedimento acarreta, por si própria, a existência de um dano.
Por outro lado, deve reconhecer-se que qualquer despedimento, mesmo que lícito e fundado é, só per si, "um evento assaz desestabilizante para a pessoa, quando consideradas as múltiplas consequências que comporta, como sejam a perda de salários, a lesão na profissionalidade, lesões nas relações interpessoais e nos papéis sociais (mesmo no interior do âmbito familiar mais circunscrito) e de projecções para o futuro. O evento comporta ainda efeitos mais devastadores sempre que ocorra com modalidades e motivações violentas ou ridicularizantes"
Como tem vindo a ser defendido pela jurisprudência a indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora, associada à ideia de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego e sancionatória da actuação ilícita do empregador) e deve ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art.º 381.º - valor da retribuição e grau da ilicitude-, sendo a retribuição factor de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro dos parâmetros legalmente previstos) e a ilicitude, de variação directa.
Neste sentido se pronunciou o STJ nos acórdãos de 12-01-2017, proc. n.º 1368/15.0T8LSB.L1.S1 e de 26.05.2015, proc.º n.º 373/10.7TTPRT.P1.S1 (consultáveis em www.dgsi.pt), tendo neste último se decidido o seguinte: “a indemnização em substituição da reintegração há-de ser graduada em função do valor da retribuição e do grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho, sendo que os dois referidos vectores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização)”
Atendendo ao facto de o autor auferir uma remuneração base correspondente ao valor do salário mínimo nacional, que à data do despedimento se cifrava em €635,00 é de considerar que o Autor auferia uma retribuição reduzida. E atendendo ao facto de o despedimento não ter sido com justa causa, nem ter sido precedido de procedimento disciplinar, tendo a Ré de sua iniciativa feito cessar a relação contratual estabelecida como autor no convencimento de que estava perante uma prestação de serviços, o grau de ilicitude é de considerar de reduzido
O despedimento é ilícito, por um lado, por ter sido realizado sem justa causa e por outro lado, não foi precedido do respectivo procedimento (art.º 338.º e 381 al. c) do CT)
Apenas este último fundamento do despedimento encontra expressão no artigo 381.º do CT, sendo certo que perante a ordenação estabelecida nesse preceito legal, tal fundamento é menos grave dos que os previstos nas alíneas que o precedem.
Da conjugação de uma retribuição reduzida, com um despedimento cujo grau de ilicitude é reduzido, face quer à ordem estabelecida no artigo 381º do CT, quer às circunstâncias em que ocorreu, entendemos que o quantum indemnizatório deve ser fixado em 20 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
Procede parcialmente nesta parte o recurso.
Quanto às retribuições intercalares pretende a recorrente que as mesmas sejam deduzidas dos montantes previstos no n.º 2 do art.º 390.º do CT.

No dispositivo da sentença recorrida consta o seguinte a este propósito:
“Condeno a ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, no valor mensal de € 635,00 (seiscentos e trinta e cinco euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que cada retribuição devia ter sido paga até integral pagamento;”

Prescreve o art.º 390 sob a epigrafe “Compensação em caso de despedimento ilícito” o seguinte:
“1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

Daqui resulta que o Autor/Apelado tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, deduzidas das quantias indicadas no n.º 2 daquela norma, se for o caso, devendo as das alíneas b) e c) ser consideradas oficiosamente.
Na verdade, a presente a acção não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento sendo por isso de condenar a Ré no pagamento dos salários intercalares, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 390.º do CT, que são devidos desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, descontando-se as quantias que entretanto o autor tenha recebido a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues pelo empregador à segurança social.
Quanto ao mais, designadamente ao previsto na al. a) do art.º 390 do CT., não assiste razão à recorrente, uma vez que a dedução das importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, para além de se impor alegação e prova de tais recebimentos, não é de conhecimento oficioso, sendo certo que dos autos não resulta qualquer factualidade que nos permita concluir pela imposição de tal dedução.
Procede parcialmente e nesta parte a apelação

B - Recurso do Autor

1. Das diferenças salariais

Insurge-se o R quanto recorrente quanto ao facto de o tribunal a quo não ter fixado a sua retribuição como inspector no valor correspondente a €1.302,00, por aplicação do acordo de empresa celebrado entre a Ré e a FETESE – federação dos sindicatos dos trabalhadores de serviços e outros, publicado no BTE, 1ª série, n.º 11, de 22/03/2007, que apesar de poder já não estar em vigor, o certo é que o estava à data da sua contratação.

O tribunal a quo a este propósito de forma clara e assertiva pronunciou-se de forma que não podemos deixar de concordar, referindo o seguinte:

“A ré sustenta que o acordo de empresa deve considerar-se caducado, pese embora ainda não tenha sido publicado o aviso de caducidade previsto no art. 502º nº6 do Cód. do Trabalho.
A questão de saber se a caducidade dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho depende da publicação do aviso de caducidade tem sido discutida.
A jurisprudência mais recente é no sentido que a caducidade não depende da publicação do aviso, mas, se não tiver ocorrido a publicação, apenas é oponível aos trabalhadores se o empregador os informar por escrito, nos termos do art. 109º nº1 do Cód. do Trabalho.

Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2019, de acordo com o qual 'a caducidade de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho não depende da publicação do aviso previsto no art. 502º nº6 do Cód. do Trabalho, mas quando o aviso não tiver sido publicado a referida caducidade será oponível aos trabalhadores quando o empregador os informar por escrito, nos termos estabelecidos no art. 109º nº1 do mesmo diploma'15.
A ré não procedeu à publicação do aviso de caducidade, mas procedeu à comunicação a todos os trabalhadores, o que implica que a caducidade do acordo de empresa seja oponível ao autor.
No que respeita à retribuição, não deixaremos de referir que a pretensão do autor no sentido da aplicação do acordo de empresa é meramente aparente. O autor auferia uma quantia mensal fixa e uma parte variável que correspondia a uma percentagem das cobranças da delegação. O acordo de empresa estabelecia apenas uma retribuição fixa (cfr. as cláusulas 46ª e 47ª). O autor pretendia beneficiar desta retribuição, mas sem prescindir da parte variável. Sucede que ou era aplicável o regime retributivo do acordo de empresa e o autor tinha direito a uma retribuição superior àquela que auferia, mas apenas à parte fixa, sem qualquer percentagem das cobranças da delegação, que teria de restituir ou compensar com as quantias devidas pela ré, ou mantinha a parte variável, mas então o regime retributivo era aquele que foi acordado entre aa partes.
Se o autor beneficiasse do regime retributivo do acordo de empresa, auferindo uma parte fixa da retribuição substancialmente superior, e não restituísse ou compensasse a quantia que recebeu relativamente à percentagem das cobranças da delegação ocorria uma situação de enriquecimento sem causa (art. 473º nº1 do Cód. Civil).
Entendemos, assim, que deve ser aplicado o regime retributivo que foi acordado entre o autor e a ré.
A única alteração que deve ser introduzida consiste em que a parte fixa da retribuição não pode ser inferior ao salário mínimo nacional (art. 273º nº1 do Cód. do Trabalho).”
Sem que se vislumbre qualquer necessidade de nos debruçarmo-nos sobre a temática da caducidade das convenções colectivas, apenas diremos que efectivamente o instrumento de contratação colectiva em causa não é aplicável ao autor, pois apesar de não ter sido publicado o aviso de caducidade, a Ré apelada informou por escrito os respectivos trabalhadores, o que só por si implica que a caducidade do AE seja oponível ao autor/apelante - cfr. pontos 41 e 42 dos pontos de facto provados.
Assim sendo, o AE cessou a sua vigência e consequentemente cessou a produção dos seus efeitos nas relações laborais que visava abranger, não sendo devidos ao autor quaisquer créditos laborais previstos no AE.
Mas ainda que assim não entendêssemos, acresce dizer que para além não resultar da prova produzida que o autor seja sindicalizado em qualquer um dos sindicatos outorgantes condição essencial para que o AE lhe fosse aplicável (princípio da dupla filiação, cfr. art.º 496.º do CT), autor e ré pactuaram um regime retributivo próprio e distinto do estipulado no AE, com pagamento de um montante fixo e de montante variável. Deve ser este o regime aplicável, como foi entendido pelo tribunal a quo, sob pena de poder vir a verificar uma situação de enriquecimento sem causa.
É de manter nesta parte a decisão recorrida

2. Do valor do IVA indevidamente cobrado

Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter julgado improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento do valor do IVA por si suportado no montante de €44.697,42.

A este propósito na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:

“O autor não tem direito à quantia que entregou a título de Imposto Sobre o Valor Acrescentado porque se trata de uma quantia que era suportada pela ré, enquanto consumidora final, e que o autor se limitava a liquidar, cobrar e entregar ao Estado.”
Não podemos deixar de concordar com o expendido pelo Tribunal a quo, já que as importâncias liquidadas pelo Autor ao Estado a título de IVA, não podem ser consideradas importâncias que o autor receberia ou deixou de receber da Ré como contrapartida do trabalho por si prestado, ou a qualquer outro título.
Como refere a Ré /Recorrida em sede de contra alegação, “O que sucedia é que o A./Apelante recebia o valor do IVA pago pela R./Apelada para que, posteriormente, o entregasse à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O A./Apelante limitou-se a entregar ao Estado o IVA que lhe foi entregue pela R./Apelada, ou seja, o A./Apelante não pode pretender ficar com algo que, na realidade, nunca lhe pertenceu.”
Ora, não tendo o autor suportado o pagamento do IVA ao Estado, pois limitou-se a entregar, o que recebia da Ré, não e vislumbra como possa ter sido prejudicado com tal entrega, pois se tivesse sido tratado pela Ré como trabalhador subordinado nunca tais quantias lhe teriam sido a si entregues.
É de manter nesta parte a sentença recorrida.

3. Do subsídio de alimentação; do abono para falhas; e da formação profissional

Defende o autor que lhe deve ser liquidado o subsídio de refeição, uma vez que nunca auferiu qualquer quantia a esse título, sendo certo que o IRCT aplicável previa tal subsídio, no valor diário de €8,80.
Como acima já deixámos expresso entendemos que o AE não é aplicável ao autor, regendo-se a relação contratual estabelecida entre Autor e Ré no que respeita às contrapartidas devidas ao autor pelo trabalho por si prestado, por tudo o que ficou estipulado entre as partes aquando da contratação.
Em face do exposto não é devida qualquer quantia ao Autor a título de subsídio de refeição, uma vez que sobre este conspecto nada foi convencionado entre Autor e Ré.
Quanto ao abono para falhas pelas mesmas razões que não é devido ao autor qualquer quantia a título de subsídio de refeição, também não lhe é devida qualquer quantia a título de abono para falhas, a que acresce dizer que as funções desempenhadas pelo autor que implicavam o manuseamento de dinheiro (recebimento de quantias e realização de pagamentos) eram meramente residuais e eventuais, não se nos afigurando que as mesmas pudessem dar lugar ao pagamento de tal abono, que só se justificava relativamente aos trabalhadores que lidassem com numerário diariamente (cfr. cláusula 48.ª do AE).
Quanto à indemnização de €2.500,00 peticionada pelo facto de a Ré não ter proporcionado ao Autor qualquer formação profissional, mais uma vez remetemos para a sentença recorrida no âmbito da qual esta questão foi tratada de forma clara e assertiva, uma vez que a violação do dever de prestar formação profissional não confere ao trabalhador o direito de receber uma indemnização nos termos por si peticionados, mas sim e apenas lhe confere o direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado ou ao crédito de horas para formação de que seja titular – cfr. art.º 134.º do CT.
Ora, tal pedido não foi formulado pelo autor, razão pela qual não podendo o tribunal condenar a ré em objecto diverso do que aquele foi pedido, terá também de improceder nesta parte o recurso.
Por fim, uma nota para dizer que a questão resultante da ampliação do recurso nos termos requeridos pela Ré/Apelada fica prejudicado o seu conhecimento em face da improcedência das questões suscitadas pelo Autor, designadamente no que respeita a não aplicação ao Autor do Acordo de Empresa.
Neste sentido refere Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, pág. 118, o seguinte: “Aliás a ampliação do objecto do recurso apenas será apreciada se acaso o tribunal ad quem vier a pronunciar-se sobre o mérito do recurso interposto, à semelhança do que ocorre com o recurso subordinado (art. 633.º, n.º 3). Por outro lado, apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas se porventura forem acolhidos os argumentos arrolados pelo recorrente (ou de que oficiosamente forem conhecidos) com repercussão na modificação da decisão recorrida”.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação:

1- Conceder parcial provimento ao recurso de apelação da Ré Sociedade ... de Autores, S.A. e fixar a indemnização substitutiva da reintegração em 20 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, tendo ainda o autor direito às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, deduzido do montante que possa ter recebido a título de subsídio de desemprego, que deverá ser entregue pelo empregador à segurança social. Às retribuições intercalares acrescem os juros de mora à taxa legal supletiva devidos desde a data em que cada retribuição devia ter sido paga até integral pagamento.
2- Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor
Custas da Apelação da Ré, por Autor e Ré na proporção de 4/5 para a Ré e 1/5 para o autor.
Custas da Apelação do Autor a seu cargo.
Notifique.
Guimarães, 2 de Junho de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga